A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 21
Capítulo 20


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor (a).
Antes de começar a ler, gostaria que lesse aqui.

O ano começou e eu consegui trazer o novo capítulo da fic ainda no começo do mês. Isso é um verdadeiro recorde! Glorifica de pé!
Brincadeiras a parte, este capítulo me deu um certo trabalho para fazer e tive medo de ficar travada nele por dias. Mas isso não aconteceu e consegui escrever sem me auto-pressionar tanto, como aconteceu no capítulo anterior. Ainda que a primeira cena tenha me dado um certo trabalho para colocar em palavras o que eu tinha em mente (e consequentemente, acabei mudando algumas coisas) o restante desenrolou-se até com certa fluidez.

O capítulo anterior foi mais descontraído em comparação com este. Então podemos dizer que eles ocorrem meio que ao mesmo tempo. E, diferente do anterior, este aqui é muito mais sério no quesito importância para o enredo.
Esse é um capítulo do Lugia, definitivamente. Temos pontos de vista/foco em outros personagens, mas mesmo eles acabam girando no Lugia.
Foi a primeira vez que fiz isso na fic e acho que consegui dar umas boas dicas sobre possíveis rumos que o enredo pode tomar e abordar. Fiquem á vontade para dizerem suas teorias!

Não vou me estender muito aqui, quero que vocês leiam. Obrigada á todos que estão acompanhando!



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~*~


   Fazia muito frio dentro da caverna, mas pelo menos não havia vento. O chão estava escorregadio, obrigando que caminhassem com cuidado. Havia estalactites em diversas partes e se não fosse a ajuda de duas lanternas, caminhar por ali sem se machucar seria quase impossível. Os três andaram por um certo tempo, procurando fazer o mínimo de ruído possível. Naquele corredor congelado, o ar era escasso e por conta do gelo nas paredes, qualquer ruído mais alto poderia fazer com que as estalactites caíssem.
  Basho olhou para o comunicador em suas mãos. O mapeamento da caverna feito com os avançados recursos tecnológicos Rockets era eficaz e podia ver o ponto azul que piscava em um canto e que aumentava de intensidade á medida que eles caminhavam, cada vez mais para baixo. E faziam em silêncio, pois sabiam que qualquer ruído mais alto poderia comprometer a delicada estrutura do local. Para Basho era ótimo. Quanto menos precisasse falar e ouvir pessoas falando, tanto melhor.

  Chegaram por fim a um grande declive de gelo e por pouco não perderam o equilíbrio e caíram por ele. Parecia ser um buraco relativamente profundo e toda aquela escuridão não ajudava. Era a segunda vez que tinha de acompanhar Lugia para dentro de uma caverna com um provável perigo iminente e aquela estava sendo pior do que a primeira, a julgar pelo frio e dificuldade de andar sobre o gelo.
  Ouviram então um lamento animalesco, vindo do fundo do  fosso e, ao direcionarem suas lanternas, avistaram uma forma azul que rastejou para a escuridão quando a luz caiu parcialmente sobre si.

   
   Posicionaram suas lanternas para a mesma direção e ali estava ela. Agoniando no chão congelado, as asas estendidas como se houvesse sido abatida. Seu grande corpo azul tremia com os espasmos constantes e os piados agonizantes denotavam o quanto de dor estava sentindo. Articuno.
    Antes que pudessem pensar em como descer até ali sem assustá-la, um raio de gelo lançou-se na direção deles, fazendo os três se afastarem assustados. Não foram atingidos graças á pouca luz, mas o mesmo não pôde ser dito de uma parte do teto que, com o raio de gelo disparado pelo Pokémon lendário, fez parte do mesmo cair com um ruído alto.
   Então uma grande e ofuscante luz branca surgiu, clareando toda a caverna. Cerca de quatro Magnamites e um Magneton flutuavam em volta do buraco enquanto usavam o golpe Flash. A luz refletia nas paredes, chão e teto de gelo, tornando tudo dolorosamente claro. E isso permitiu que vissem embaixo, Articuno, que estava visivelmente incomodada com toda aquela súbita iluminação.

— Agora sim!  – falou Moltres. - Esses Pokémon são seus?
— São da Equipe Rocket. – Basho guardou as pokébolas. – Pokémon treinados para obedecerem qualquer agente que os escolher para alguma missão.
— Vamos descer. – ordenou Lugia. – Moltres, venha comigo. Vamos tentar acalmar Articuno. Basho, fique na retaguarda.

   Descer pelo declive foi relativamente fácil, pois o gelo estava liso e só precisaram se agachar e usar mãos e pés como controle á medida que desciam. Mesmo com a luz ofuscante sobre si e a dor dominando todas as partes de seu corpo, Articuno viu quando os três se aproximaram e, juntando suas últimas forças, lançou um Ice Beam.
   Lugia saltou para frente, espalmando as mãos e uma espécie de onda de vácuo bloqueou o ataque e fez com que o raio se espalhasse para várias direções da caverna.
  Basho notou, nas oscilações da luz e reflexo do gelo ao redor, que Lugia fizera algo que se assemelhava ao Light Screen, um golpe Pokémon que se assemelhava a uma parede invisível.

  O Light Screen pareceu irritar Articuno, que agitou as asas e uma nevasca começou a surgir. Quando ela tentou atacar novamente, uma estalactite se desprendeu do teto, atingindo uma de suas asas de raspão. Debateu-se em dor, o gelo começando a formar-se ao seu redor, mas os espasmos da transformação a faziam bater contra o gelo.
  Basho constatou que o espaço era pequeno, de modo que Articuno não conseguia se movimentar direito ali e se perguntou por qual razão o Pokémon havia escolhido aquele lugar para se esconder.

— Ela está se machucando!
— Moltres, não se aproxime assim! – Lugia segurou-a pelo braço. – Ela não vai te ouvir, com você foi a mesma coisa.
— Então o que vamos fazer? Não podemos deixar ela sofrendo assim!

   Antes que Lugia pudesse pensar em algo, em meio aos espasmos e aumento da velocidade do ar gelado que lhe envolvia o corpo, Articuno bateu contra a parede de gelo e o impacto fez outra estalactite soltar e cair sobre ela, dessa vez pegando sua cabeça e parte do pescoço. Soltou um piado de dor e desfaleceu.
 - ARTIE!
  Moltres correu em direção ao Pokémon, derrapando no chão lis. Se ajoelhou, colocando a cabeça de Articuno em seu colo.
— Artie, acorda! Eu estou aqui, a Mo. Sua irmã! Lugia, ela não tá respirando direito!

   Foi então que Basho pôde ver, com certa surpresa, o momento em que o corpo de Articuno ia se transformando, envolto em uma névoa de gelo. Com certa rapidez, o corpo do Pokémon foi diminuindo de tamanho e mudando de forma. Das penas azuis surgiu a pele negra; das formas de fera surgiu as formas de mulher e logo lá estava ela. Uma mulher incrivelmente bela, com os longos e ondulados cabelos de um preto tão brilhante que quase parecia azul-escuro. Incrível.

— Ela está muito fria! – avisou Moltres.
  Quando se aproximou, Basho constatou que era verdade. Aquilo era estranho, em vista do fato de que aquela mulher era, até poucos segundos atrás, a lendária ave do gelo.
— Tire seu casaco e a cubra. Quando Moltres voltou à forma humana, ela...
  Basho não conseguiu terminar a pergunta para Lugia porque no exato momento em que o ruído de algo se partindo fez com que olhassem para cima a tempo de ver o gelo do teto e as estalactites desabarem.
  Moltres gritou, jogando-se sobre o corpo  da irmã para protegê-la enquanto Basho sacava a pokébola de seu Steelix mesmo sabendo que não seria rápido o suficiente.
   Mas os pedaços de gelo permaneceram suspensos no ar e, ao olhar para trás, ele viu Lugia, com a cabeça e mãos para cima, os olhos fixos nos pedaços de gelo.

“Então Lugia realmente é capaz de usar os poderes de Pokémon na forma humana?!”

  
   Basho logo percebeu que usar aquele poder não era fácil para ele. O esforço em seu rosto era visível e mesmo estando muito frio, ele suava. Quando seus olhos e nariz começaram a sangrar, Basho soube que ele não aguentaria por muito tempo.

“É poder demais para um corpo mais frágil, como um corpo humano.”

— Vou usar meu Steelix para sustentar o peso da caverna e abrir uma passagem para que saíamos daqui. – avisou Basho.
— Leve minhas irmãs! – falou Lugia sem desviar os olhos do teto. - Eu vou segurar aqui tempo suficiente para que saíam!
— Não pode ficar aqui, isso vai desmoronar!
— Vai desmoronar no instante que eu parar de segurar, isso sim! Por isso não posso soltar enquanto vocês não saírem. E não há tempo para eu soltar e sair com vocês. – Lugia começava a falar com dificuldade para manter o controle telecinético. – Basho, leve os Magnemites e use seu Steelix para tirar minhas irmãs daqui.
— Irmão, você não pode ficar aqui sozinho!
— Posso sim! Moltres, leve a Artie, ela precisa de cuidados urgente. Confiem em mim, eu sei o que estou fazendo. Agora, vão!

~*~

   “Eu, ás vezes, odeio esse trabalho!”

    O agente Rocket abraçou a si mesmo e se encolheu no banco do helicóptero, emburrado. Mesmo com o casaco, sentia frio e o aquecedor não estava sendo suficiente.
     Já havia se passado horas desde que o trio de superiores entrara dentro da caverna e o deixara congelando ali. Á noite, o frio era ainda pior e lera algumas vezes sobre pessoas que morriam de hipotermia em baixas temperaturas e ele não estava á fim de morrer daquela forma. A vontade de pegar o helicóptero e ir embora era grande, mas se fizesse isso, seria deserção e obviamente o encontrariam. As punições para agentes que não cumpriam seu trabalho estavam se tornando mais severas. E ele sabia, com uma sensação sombria, que se fosse embora deixando na montanha aquele que era considerado um dos melhores agentes Rockets, a garota matraqueira e principalmente, o cara estranho com porte de realeza, seria um Rocket morto.
  Porque aquele homem estranho, que o alto escalão Rocket se referia como “senhor”, “vossa excelência” e até mesmo “majestade” era alguém muito importante. Mas que agentes rasos e medianos como ele não tinham o direito de saber mais, apenas acatar ao que era ordenado.

   “Servirei e obedecerei á Equipe Rocket.”

   Isso significava aceitar as missões que lhe eram impostas e cumpri-las sem questionamentos.
  Olhou no comunicador e suspirou. Nenhum sinal de Basho.
  Quando fora designado pelo próprio Igni para missões que ele se referira como “de extrema importância”, Cleiton pensou que iria trabalhar em dupla com um agente de renome ou embarcar em uma missão de alto nível para realizar um grande roubo ou procurar um Pokémon raro, mas no fim se tornou apenas um motorista particular para o “Majestade”. E sequer subira de patente, continuando a ser uma bosta de recruta.
   Sozinho naquele lugar e lutando contra o sono e o tédio, o agente Rocket Cleiton acabou por ter a sensação de que não era a primeira vez que se encontrava em uma situação como aquela. Se lembrava vagamente de que estivera pilotando o helicóptero outras vezes e que o “Majestade” estava presente.
  Mas, por quê não conseguia se lembrar do resto?
  Toda vez que tentava se lembrar, era como se sua mente se bloqueasse e o que visse era apenas o rosto de Igni com aqueles perturbadores olhos bicolores  e as mãos dele segurando sua cabeça.

   Um estrondo o fez saltar da poltrona e bater a cabeça no teto do helicóptero. Antes que pudesse perceber, a montanha começou a tremer e ele se agarrou o melhor que pôde em qualquer lugar do helicóptero. A montanha estava desabando e a morte era inevitável, de modo que pensou em sua curta vida e rezou para Arceus.
  Mas a montanhas não desabou e ele tampouco morreu. O tremor viera da montanha mais á frente onde seus superiores haviam entrado. E então imensa serpente de pedra emergiu da rocha, quebrando-a com violência e a forma de pedra revelou-se um Steelix.
  Rapidamente o cadete saiu do helicóptero aos tropeções, a tempo de ver quando o grande Pokémon serpente abaixava a cabeça  para que as pessoas sobre ele descessem.

  Basho desceu primeiro, ajudando a tal “Mol” a descer uma terceira pessoa. Ela vestia o casaco da outra, mas estava inteiramente nua por baixo.
  Quando ela foi colocada no chão, o recruta Rocket não pôde deixar de notar que era uma mulher; uma mulher linda. Com longos cabelos tão negros que quase pareciam azul-escuro, a pele negra, as curvas luxuriosas, os seios fartos e uma boca de grossos e sedutores lábios.
  O tapa em seu rosto surgiu do nada e ele só percebeu quando seu rosto latejou de dor.

— Não fique aí parado! – rosnou Basho. – Mexa-se e tire seu casaco!
— Por...por quê...?! – indagou, esfregando a área atingida pelo tapa.
— Faça.
  O tom de voz de Basho e a forma como o encarava, fez com que o Rocket obedecesse. Basho pegou o casaco e o usou para cobrir a moça desmaiada. O agente abraçou a si mesmo, tiritando de frio e se perguntando por que seu superior não tirara o próprio casaco para aquecer a moça.  Provavelmente porque altruísmo não era algo que o eficaz agente Basho tinha.

— Artie precisa ser aquecida! O corpo dela tá frio demais! – Moltres respirava com dificuldade, também lutando contra o frio. – Esses casacos não são suficientes!
— Você poderia se transformar e aquecê-la com as chamas de suas asas!
— E-eu...eu... – ela balançou a cabeça em negativa.
  Basho crispou os lábios. Aquilo era uma complicação. Cometera o erro de não trazer nenhum Pokémon de fogo em seu time porque acreditara que Moltres poderia se transformar, como Lugia. Mas pelo visto a garota não estava conseguindo ou tinha medo de fazê-lo. E aquele agente Rocket era um cadete inútil armado apenas com um Raticate morfético.

— Meu irmão vai ser soterrado! – exclamou Moltres.
— Fique aqui! – Basho foi enfático. – A caverna praticamente desabou sobre nós, conseguimos sair graças ao meu Steelix, mas veja, o buraco que ele fez já se fechou com escombros.
    Basho segurou a garota pelos ombros, encarando-a nos olhos mas, embora o azul neles parecesse faiscar, a voz saiu completamente sem emoção.
— Você não volta a sua forma de Pokémon por algum motivo e isso não me diz respeito. Mas, se não é capaz a voltar a ser um Pokémon lendário do fogo, não há serventia alguma caso entre novamente naquela montanha. Só haverá o risco de se tornar mais alguém a ser resgatada.
  Moltres moveu os lábios, sem saber o que dizer.
— Fique, cuide de sua irmã. Ei! – ele chamou.– Ajude aqui!

   O agente Rocket obedeceu. Ele tentou carregar a mulher semi adormecida no colo, mas era um rapaz franzino e tremendo de frio, e não conseguiu fazer isso. Então a segurou de um lado e Moltres a segurou do outro sob o olhar desaprovador de Basho. Definitivamente, pediria a Igni que lhe designasse um subalterno melhor.
— Leve-as para dentro do helicóptero.
— O quê?! – Moltres voltou-se, indignada. – Não podemos ir embora! 
— Se ficar aqui, sua irmã congelará!
    Ainda que aquela mulher fosse Articuno, pela forma como ela tremia e estava fraca, Basho duvidava muito de que ela estivesse imune ao frio. Na verdade, havia a possibilidade de que seu corpo humano estivesse rejeitando o poder de gelo oriundo da sua forma de fera pelo fato de ela estar extremamente exausta após a quebra da maldição.
— Mas o Lugia...!
— Tenho Steelix e mais alguns Pokémon comigo, vou tentar ajudar.

  Mas não precisou fazer isso. Um segundo estrondo ecoou por toda a montanha, o chão tremeu e Basho olhou assustado na direção da caverna. Se uma avalanche se iniciasse, mesmo estando quase no topo, seriam arrastados para baixo e a morte era inevitável.
   Isso não aconteceu.
  Do topo da montanha onde estava a caverna de gelo, um buraco se abriu, como que causado por uma força invisível que se projetou de dentro para fora, fazendo pedaços de rocha e neve voarem pelo céu. E, então uma grande forma branca e animalesca surgiu, agarrando-se com as asas feito garras, se fincando na rocha, o longo pescoço movendo-se como uma serpente enquanto ele saía para fora, urrando.
    Um sorriso de alívio surgiu no rosto de Moltres e, e ela  tratou de gritar uma ordem para o agente ajudar a levar sua irmã para dentro do helicóptero.
   Mas o agente não ouvia. Estava imóvel, os olhos esbugalhados, vendo o Pokémon lendário há poucos metros de si. E soube que não era a primeira vez que o via. Mas por que não se lembrava? E quando tentava se lembrar...só via os olhos bicolores se aproximando.

— Mexa-se! – a voz de Basho o tirou de seus pensamentos. – Não fique aí parado, cumpra seu dever ou vou lhe meter outro tapa!
— Mas...senhor...- o recruta apontou. – É... um Pokémon lendário!
— Sim, eu sei. Ligue aquele helicóptero e vamos sair daqui! A mulher precisa de cuidados médicos.

    O Rocket não estava entendendo mais nada. Desde quando um agente como Basho deixava  de lado um Pokémon como Lugia para se importar com uma pessoa? A expressão no rosto de seu superior fez com que ele acatasse a ordem sem contestar. Se contestasse, era capaz de Basho mandar que seu horrendo Steelix lhe jogasse montanha abaixo. Pelas histórias que ouvira, Basho era um dos agentes mais perigosos para desobedecer quando dava alguma ordem.
   Lugia então abriu as asas e levantou voo, passando próximo á eles e sobrevoando a cadeia de montanhas, iluminado pela luz do luar.
— O que ele está fazendo? Lugia!
— Deixe-o. – sussurrou Basho tocando no ombro de Moltres. – Vamos voltar para a base, ele sabe o caminho e deixou claro que a prioridade era deixarmos Articuno em segurança.

  Moltres abaixou a cabeça e assentiu. Abraçou a irmã contra si e a colocou dentro do helicóptero com a ajuda de Basho, enquanto o agente Rocket ligava o helicóptero. Antes de subir no veículo, Basho olhou uma última vez para o céu, observando Lugia, uma forma branca sobre o céu escuro.
  Sempre considerou Lugia como um dos Pokémon mais imponentes que existia, um Pokémon que representava realeza e, no distante passado, o Pokémon fora emblema de um grande e lendário rei. E quem diria que este rei se tornara o Pokémon que representava?
  Lembrou-se do poema registrado na tabuleta de pedra que havia roubado na biblioteca de Canalave e vendido para Lawrence.


“Resistindo ao profundo oceano
  Repousa o amante sacrificado
  Lugia, guerreiro de duas faces
  Desperte uma última vez
  Para desfazer o que ela fez.”


    O quanto aquelas palavras eram proféticas?
    Enquanto Lawrence e a Ordem acreditavam que a Equipe Rocket e aliados estavam querendo cumprir alguma profecia antiga para usar os Pokémon lendários como armas, o que estava começando a pensar e perceber era algo diferente.
   O Alto Conselho  e Igni tinham um objetivo ainda maior. Porque os Pokémon não eram apenas Pokémon, assim como também não eram apenas pessoas amaldiçoadas. E Lugia era o maior e mais importante de todos eles.

“ Sei que a presença e existência dele o deixou intrigado e desconfiado. Mas lhe ofereço uma oportunidade, Basho. Acompanhe-o, observe-o. Veja o que há nele. E perceba que ele não é simplesmente o que a Equipe Rocket precisa, mas sim o que o mundo atual precisa. Algo novo e grandioso está para surgir e estaremos do lado certo.”


   Achara exagero quando Igni disse aquelas palavras mas, enquanto observava Lugia voar no céu, como  um ponto de esperança na escuridão, as palavras de Igni e as intenções reais e ousadas do Supremo Conselho começavam a fazer sentido.

~*~

  
   Igni observou novamente os três artefatos que colocara no chão, deslizando os dedos pelas antigas e gastas lâminas, como se as acariciasse. Sabia perfeitamente a quem aquele sangue incrustado nas lâminas e que resistiu às intempéries do tempo, pertencia.
   Raikou, Entei e Suicune.
  Podia sentir o último sopro de vida que cada um deles teve: olhos, coração, garganta.
  E o rancor e ódio haviam ficado impregnado no sangue pela magia antiga nas lâminas enfeitiçadas. Sabia disso porque conhecia essas magias. Conhecia-as bem demais.

  Ergueu os olhos para o céu. A noite estava escura e fria, com o céu repleto de nuvens que cobriam a lua. Era ideal para fazer tal ritual, de modo que sentou-se de joelhos no chão, diante das lâminas e atiçou a pequena fogueira á frente, que iluminava os artefatos.  De um pequeno saco de pano, tirou um punhado de pó negro, que jogou na fogueira. Com um silvo as chamas se elevaram, crepitando com intensidade e ele manteve os olhos bicolores fixos no movimento das labaredas que dançavam ao vento  e o que poderia haver dentro delas.
  Antes, costumava murmurar preces e mantras, mas descobrira que não precisava fazer isso. Pois em seu sangue corria o mesmo sangue que Ela.
   Seu pensamento bastava.

  Pegou um punhal de aparência antiga, cujo cabo era cuidadosamente entalhado com estranhas runas em formato Unown e cuja lâmina brilhava em tons de prata, azul e vermelho sob a luz. Com a ponta da lâmina, traçou um longo e fino corte na parte interior de seu antebraço esquerdo.
  Crispou os lábios diante da dor que queimava e ardia em sua pele enquanto o sangue surgia e fluía. Largou a adaga e pegou a primeira lâmina gasta, permitindo que algumas gotas caíssem sobre ela. Fez o mesmo com a segunda e com a terceira.
  Jogou álcool sobre o ferimento e se permitiu gemer de dor. Em seguida, pegou um pano e envolveu o braço ferido, procurando estancar o corte temporariamente até que  terminasse o que precisava fazer. Não demorou para que o pano manchasse com o sangue mas a dor era suportável.
  Pegou a primeira lâmina e a ergueu na altura dos olhos lilás e âmbar. Fez o mesmo com a segunda e a terceira lâmina.

— Ora, ora... – murmurou, um pequeno sorriso em seus lábios. – E não é que estão os três juntos?
   Isso será muito mais fácil, pelo menos para a primeira parte.

   Depois de recolher as coisas apagar a pequena fogueira, Igni voltou para a base. Haviam muitas entradas alternativas que a maior parte dos agentes não conhecia. Ele entrou por uma delas, que lhe levava rapidamente na direção de seus próprios aposentos. Aquela entrada secreta era muito útil e na certa fora criada, no passado, para a evacuação eficaz de líderes do exército caso acontecesse um ataque inimigo na base.
  Chegou á seus aposentos particulares, onde Dômino e Shiranui estavam sentados cada qual em um sofá próximo á lareira, parecendo conversar casualmente.

— Olha só...parece que estão bem á vontade. – Igni falou, se aproximando. – Mas onde está o vinho?
— Deveria fazer um curativo decente nesse ferimento. – resmungou Dômino. – Está sangrando demais.
— Eu sempre sangro. - ele falou, indo até o aparador e servindo-se de uma taça. – Mas eu me curo extremamente rápido.
—  Conseguiu a localização de um dos cristais?
— Consegui dos três. – respondeu ante a pergunta de Shiranui. – Converse com sua equipe para que concentrem em procurar as feras de Johto, que vivem correndo pelo continente.
— Qual deles?
— Os três. Precisamos ter informações diárias das localizações de cada um deles.
— E quanto á localização dos cristais?
  Igni encarou o cientista com um sutil sorriso.
— Curiosamente, os cristais de cada um foram enterrados juntos. Engraçado isso, mas era de se esperar já que eles são irmãos do rei apenas pelas leis humanas. Será necessário organizarmos uma equipe para irmos até a cidade de Snowpoint.
— Em Sinnoh? Que merda. – resmungou Dômino. - Depois do ocorrido lá em Hoenn, se verem Lugia novamente ligado á alguma destruição, o governo de Sinnoh vai encher o saco e dizer que Johto tem algum envolvimento político.

“ Que pensem. Terá em breve.”


— Dômino, quero que cuide disso. Mas não falaremos disso agora, vamos esperar que Lugia retorne.
— Está bem. E onde estão os artefatos?
  Igni jogou em seu colo um saco de pano.
— Espere uns meses e depois forneça para algum leilão clandestino. Sempre tem quem compre.
— Não será mais útil?
— Serviram a seu propósito. Agora nada mais são do que um antigo artefato sem poder que não o de render algum dinheiro. Agora, se puderem me dar licença e se retirarem... foi um dia cansativo hoje e após isto. – ele mostrou o ferimento. – Gostaria de descansar um pouco.

  Shiranui assentiu com um movimento da cabeça e se retirou. Dômino fez o mesmo não sem antes Igni rodear-lhe a bunda e ambos trocarem um beijo rápido. Ao ficar só, Igni colocou a taça sobre a mesa e desenrolou o tecido que havia prendido no braço, jogando o pano ensanguentado no fogo da lareira. Observou o corte em seu braço. Ainda estava aberto e latejava, mas o sangue já havia parado de escorrer.
   Lambeu o ferimento, saboreando o gosto do próprio sangue.
  Hoenn e Sinnoh sempre quiseram sobrepujar e dominar o continente de Kanto e Johto mas, se achavam que ambas regiões se renderiam e aceitariam, estavam muito enganados.
  Em breve as coisas começariam a acontecer, de verdade. 

~*~

  
   Empoleirado no cume de uma das muitas montanhas de Seafon Islands, Lugia observava o nascer do sol. Naquela altitude, o som das ondas batendo na costa inexistente, permitindo que aproveitasse o silêncio e, embora o ar fosse frio e rarefeito, isso não o incomodava. Em sua forma de Pokémon, percebia que era capaz de suportar tranquilamente a mudança de pressão, fosse no céu ou no fundo do oceano.
   Após ver o helicóptero se distanciar dali, em direção á base Rocket, Lugia sabia que suas irmãs ficariam bem, principalmente Articuno. Ainda que não confiasse inteiramente naquele lugar e na maior parte das pessoas que compunham aquele exército (era um exército, por mais que Igni tentara lhe dizer que não era bem aquilo), Igni era um aliado. Unidos pela mesma causa, pelo mesmo objetivo.
  Mas, seria mesmo?

   Sacudiu as asas e voltou a se aprumar no topo da montanha, observando os primeiros sinais da aurora no céu. Podia sentir o vento, mas não o frio. Se tornara imune as oscilações do clima, fosse no céu ou no mar. Uma habilidade Pokémon, certamente, mas que também se estendera quando voltava a ser humano.
  Vivera por séculos aprisionado na forma de fera, nas profundezas do oceano na maior parte do tempo. Mas ás vezes voava pelo céu, o mais alto que era capaz. Por liberdade, por agonia, por fúria, por desespero, por uma paz que nunca encontrava.
   Era o amontoado de sensações e seu desejo, no qual se agarrava, enquanto procurava encontrar aqueles que eram sua família e, principalmente, todas as memórias da vida que teve. Morrera por Ela. E havia renascido amaldiçoado por Ela. E onde Ela estava agora?

   Estaria como ele e suas irmãs e irmãos? Se lembrava daqueles momentos antes de sua primeira morte, o que viu pela última vez antes do silêncio e da escuridão lhe cobrir pela eternidade.
  Mas essa eternidade não viera e em seu lugar, surgira o tormento. O tormento de estar preso na forma daquele ser que mais o compreendia.

“Éramos parte de uma mesma essência, um não viveria sem o outro. Nossas mentes e almas estavam interligadas. Nascemos juntos e morremos juntos. E, ao final, nos tornamos um só.”


   Mas ao final, perdera tudo. E cada perda, ao longo do tempo, o fazia querer nunca mais voltar.
   Perdera seu Pokémon, seu reino, seu povo, sua família, seu amor. E dentre todas as perdas, a que mais o agoniava e atormentava era a perda do bem mais precioso que haviam tido juntos.
  O que havia acontecido? Nem mesmo Igni tinha a resposta, lhe jurava isso. E pelo menos, nessa questão, sabia que o outro dizia a verdade.
  Estava preparado para a resposta, que no fundo tinha certeza qual era. Mas, por mais doloroso que fosse, queria, precisava saber o que havia acontecido.
  Quando Igni lhe quebrara a maldição, ambos haviam concordado com o que deveria ser feito. E mesmo que não confiasse inteiramente em Igni, era tudo o que tinha para auxiliá-lo.

“Lhe darei tudo o que precisar. E, em troca, deixe-me continuar ao seu lado quando tudo isto acabar. Falhei uma vez, nunca mais irei falhar de novo. A quero de volta tanto quanto você e tudo que este mundo é agora, precisa mudar.

 
    Mas palavras eram fáceis de serem ditas, promessas, fáceis de serem feitas. Mas atos eram diferentes. Eram trabalhosos, perigosos. A época em que governara, o mundo era muito diferente do que era agora. Igni dizia que era fácil e possível Mas a sociedade hoje era diferente. As guerras eram diferentes. Quanto mais estudava sobre todos os avanços da humanidade e mudanças que aconteceram, mais estava certo de que o mundo e a sociedade que conhecia não era mais o mesmo. Poderia se adaptar sem problemas á eles, mas eles poderiam se adaptar á ele?
    Quando voltara a ser humano, seu objetivo era quebrar a maldição sobre si e sobre suas irmãs e irmãos. E encontrá-la. Tinha de encontrá-la, tinha de saber as respostas sobre tudo que havia acontecido.
  Mas, á medida que ia conhecendo o novo mundo e as propostas e oportunidades que Igni estava lhe mostrando, sentia que precisava decidir sobre muitas coisas sobre si mesmo.
  Quando conseguisse livrar-se inteiramente da maldição, isso deixaria de acontecer, assim como todos os outros poderes que agora tinha. E seria apenas um humano.
    Apenas humano.

  “Você é diferente de todos os outros, majestade. Sempre foi e continua sendo. Tudo lhe foi
tirado uma vez mas agora deve ocupar o lugar que sempre lhe foi de direito. Não é o acaso que fez nos reencontrarmos, não foi o acaso que lhe permitiu conservar a sabedoria de um rei e os poderes de um Pokémon lendário. Foi algo que tinha de acontecer.”

  O dia começava a clarear e ele pôde ver, ao longe, o sol surgindo no horizonte. Aquilo era muito bonito de se ver e ele sentiu seu coração leve apesar de tudo.
   Sentiu os raios de sol em seu rosto e olhou para além das montanhas. Bem ao longe, estava as cidades, as florestas, os lagos, todo o continente de Johto. E mais além, Kanto.
  Agora, se quisesse, Kanto e Johto poderia lutar para recuperar o que era seu e de suas irmãs e irmãos por direito.
  Lembrou-se das palavras de seu velho e querido mentor, há muito tempo atrás, antes de tudo ter acontecido. Mas não seria fácil, como no passado também não havia sido.

“ Um rei não é capaz de fazer isto sozinho, meu senhor. Mas talvez, um conquistador possa.”

 
   Lugia abriu as asas, soltou um silvo e voou em direção ao continente.

~*~

 


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo por aqui...
Por incrível que pareça, posso dizer que meio que estou orgulhosa por ele. Foi um capítulo que se desenrolou gradualmente; eu havia tido ideias para o que colocaria nele ainda no fim do ano passado e á medida que escrevia, fui percebendo o quanto o Lugia é um personagem com o qual vou adorar trabalhar e moldar.
Espero que a cena de Articuno não tenha ficado muito semelhante á cena de Moltres mas pelo menos nesse capítulo, não tenho nada que pareça "filler" como pareceu no capítulo anterior. Acho que por ter percebido isso no outro capítulo, nesse inseri partes com informações essenciais para a trama.

Á medida que escrevia, me animava mais e mais para trabalhar o passado de Lugia, sua época de reinado. Ele é um personagem que tem um magnetismo especial e assim como alguns leitores já gostam dele, quero mostrar a visão também dos personagens da história sobre ele. E até dele próprio e todos seus conflitos e objetivos.

Outro que merece sempre atenção é o Igni: ele é ainda uma incógnita, mas acho que com as informações subtendidas neste capítulo, pode-se ter algumas ideias sobre ele, seus ocos e objetivos que, garanto, é muito mais do que está aparentando.

No aguardo de seus comentários e opiniões.
Até o próximo capítulo!



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