A Lenda de Cristal escrita por Tsu Keehl


Capítulo 18
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

Olá caro leitor(a).
Antes de ler o capítulo, gostaria que lesse aqui.

Como pode notar, eu acabei passando do prazo que normalmente estipulo para atualizar a história. Peço encarecidamente desculpas por isso.
Mas nesse último mês estive em um ritmo acelerado com trabalho, curso, evento e acabei por ter um probleminha de saúde (nada grave e já estou recuperada).

Sobre este capítulo, confesso que ele me deu um trabalhinho para escrever. Eu tinha traçado as linhas gerais dos acontecimentos nele, mas a medida que ia escrevendo, acabou ganhando outras direções e inserções á medida em que foi tomando forma.

A parte mais trabalhosa para mim foi a da reunião da Ordem. Eu inicialmente pensei em estendê-la, mas diante dos acontecimentos e da dificuldade de desenvolver tudo, acabei por resumí-la, pois certas coisas terão de ser tratadas em um outro momento da trama. E a parte que mais gostei de escrever, foi a primeira do capítulo. Porque ela é um pequeno prequel daquela ideia que tenho de contar sobre o passado e eu gostei de imaginá-la na minha mente.

Bom, dito isso, quero agradecer imensamente á todos que estão acompanhando a história, cada novo comentário, cada novo leitor(a) e algo que me motiva demais. Obrigada aos amigos e colegas que vem conversar comigo sobre a história e que tão sempre aí pra dar aquele apoio maroto ou ouvir meus lamentos de escritora. XD
Boa leitura!



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~*~

Ela podia ouvir os gritos da batalha, o tinir do metal das armas e o som dos golpes que os Pokémon disparavam, mesmo naquela distância. A noite parecia ter se tornado dia, pela claridade que os raios, golpes de luz e principalmente as chamas provocavam. Havia tanto fogo que mesmo a água e o gelo dos Pokémon desses tipos eram insuficientes para aplicar o caos crescente, combinados aos raios e venenos. E as ondas psíquicas faziam os demais golpes aumentarem, avançarem e se chocarem.
     Pokémon gritavam e agoniavam tanto na terra quanto no céu. Cheiro de fumaça, gases venenosos e sangue de humanos e criaturas se espalhavam com a ajuda do vento, fossem eles provocados  ou não. Uma fina chuva caía, não sendo suficiente para aplacar a destruição e o calor dos exércitos de humanos e Pokémon que batalhavam entre si.
    Ela era capaz de sentir a força de todo o ódio, desespero e desejo de destruição daquelas vidas. Os gritos e guinchos de raiva e dor impossíveis de discernir se vinham de humanos ou pokémon.
     A fumaça entrava em sua garganta e lhe dificultava a respiração em meio ás lágrimas e a dor lancinante que lhe cortava a alma.
     O bebê em seus braços chorava e ela abraçou-o contra seu peito, correndo na maior velocidade que podia, apesar do cansaço e do ferimento na perna que a fazia mancar, deixando um pequeno rastro de sangue.
   Por quê as coisas haviam chegado a esse ponto? Deveria ter lhe dado ouvidos. No fundo, sempre soubera que nunca deveria ter saído daquele lugar. Nunca deveria ter aceitado aquela proposta, nunca deveria ter entregado seu coração e traído seu dever. Quisera tanto e agora nada mais lhe restava.
    Era a punição que merecia.

    O pequeno Pokémon esverdeado flutuava a sua frente, procurando guiá-la pelo caminho do bosque. Após um clarão de luz, ela percebeu que as cores verdes do Pokémon estavam se tornando opacas e a pele dele extremamente ressecad . Mas, a despeito de sua expressão exausta, ele mantinha-se o mais firme que podia.
    Foi então que ela parou subitamente ao ouvir um estrondo ensurdecedor seguido por um grito que cortou o ar.
   Se virou e ergueu o rosto na direção de onde viera o som. E, entre os clarões de raios e chamas, viu o imenso pokémon branco desabar no céu em uma chuva de sangue, chocando-se contra a água e desaparecendo no mar.
    Tudo estava acabado agora.
 
  Abraçou a criança em seus braços e chorou enquanto ouvia os gritos exultantes de humanos e Pokémon inimigos.

~*~


    Crystal acordou sufocando um arquejo e sentiu o coração descompassado. Sua visão estava embaçada e, ao levar a mão ao rosto, percebeu que estava chorando. Ergueu-se na cama e tateou o travesseiro notando a fronha úmida. Pelo visto, ficara chorando durante todo o sonho.
     Mas, como era o sonho? Quanto mais tentava se lembrar, mais as imagens dele se desvaneciam.
     Olhou ao redor.Na cama ao lado, Alice dormia, os longos cabelos pretos espalhados pelo travesseiro.

      Enquanto arfava, esperando os batimentos do coração se estabilizarem e aquela sensação ruim na boca do estômago assentar, Crystal estudou o pequeno quarto da pousada, podendo ouvir o som da garoa que começava lá fora.
      Aqueles estranhos sonhos estavam se tornando cada vez mais recorrentes desde que voltara a Johto e por mais que eles não se fixassem detalhadamente em suas memórias, a sensação que lhe causavam permanecia por dias. Sentiu como se algo estivesse queimando sua pele e pegou o cristal que mantinha no cordão em seu pescoço. Ele estava um pouco quente, talvez por conta do calor do seu próprio corpo. Mesmo na pouca luz podia ver a mescla de cores que nele havia. Quase podia crer que as cores dele estava mais vívidas, mas certamente isso era apenas impressão.

     Ela voltou a se deitar. Talvez devesse contar sobre os sonhos para alguém, mas quem acreditaria?
   Olhou para Alice que continuava dormindo.
   Com um suspiro, Crystal se cobriu, virou-se para o outro lado da cama e tratou de tentar dormir.

~*~


     Era uma sala de reuniões não luxuosa, mas também não simples. Era agradável e funcional, como o proprietário fazia questão que todas as coisas que tinha fossem.
    O cômodo era de tamanho mediano, mobiliado com três grandes estantes de madeira sólida que iam até o teto, repleta com livros sobre Pokémon e relacionados. Um aparador com diversas gavetas estava na parede ao lado da porta e para cada estante de livros, havia á frente uma poltrona de leitura.
   No centro da sala, haviam quatro sofás que rodeavam uma mesa baixa retangular, onde havia sido colocado um notebook, algumas pastas e papéis e até mesmo copos vazios.

    A porta de vidro que dava acesso á varanda estava trancada, mantendo uma certa privacidade necessária mas permitindo o vislumbre do grande e silencioso pasto que ia até onde a vista podia alcançar.
   A noite seguia alta e estrelada, e não havia qualquer ruído externo. Essa era uma das maiores vantagens de fixar moradia na área rural da pequena cidade interiorana de Pallet.
   Eusine terminou o relato sentindo-se em um misto de vergonha e irritação pelo silêncio que se seguiu entre todos os presentes e o único som era o tic-tac monótono do relógio na parede.
   Ele estava sentado em um dos sofás, observando os demais com o canto dos olhos.

   A professora Juniper bebericava o suco de manga em seu copo, olhando os papéis sobre a mesa . O renomado pesquisador Spencer continuava sentado em uma das poltronas próximas á estante de livros, as mãos cruzadas sobre o colo. O dono da residência, professor Carvalho, continuava sentado, os olhos fechados. Já Lawrence estava sentado no outro sofá a frente da professora Juniper, verificando notificações no celular distraidamente enquanto controlava um sutil sorriso de desprezo que parecia teimar em querer surgir em seu rosto.
   Desgraçado.
  Apenas o mestre Lance mantinha-se de costas para todos, em pé a observar a noite pela  porta envidraçada da varanda. Ele havia se mantido em silêncio durante todo o relato do colecionador e seu rosto não denotava qualquer tipo de reação.

  Embora Eusine não fosse capaz de ler suas mentes, ele sabia perfeitamente que todos o julgavam, cada qual a seu modo. E não podia repreendê-los, afinal ela havia sido mesmo um imbecil, deixando-se enganar facilmente por uma espiã que lhe levou não apenas artefatos de grande importância para a Ordem, mas também sua confiança no caráter alheio.
  O professor Carvalho deu um gole em seu suco, colocou o copo sobre a mesa e pensou um pouco antes de começar a dizer.

— É realmente uma situação....complicada. E precisaremos pensar em como devemos proceder a partir de agora com relação a isso.
— Se refere aos artefatos de importância e valores inestimáveis que agora estão nas mãos da Equipe Rocket e que induz a eles crerem que termos o conhecimento de parte do que eles estejam ambicionando ou ao fato de que Eusine precisa de apoio emocional por ter sido facilmente enganado devido a sua inapta capacidade de discernir o caráter e reais intenções de uma garota mais nova?
— O que está insinuando?! – Eusine bateu a mão na mesa. – Você não perde a oportunidade de provocar não é, Lawrence?
— Eu não estou provocando ninguém. Fiz apenas uma pergunta.
— E o que é esse sorriso de escárnio e tom de voz irônico, hein?
— ...Eusine, se acalme.
— Professor Carvalho, ele está claramente tentando me tirar do sério e não é a primeira vez!
— Eu não tenho culpa se você é uma pessoa que se irrita facilmente diante da verdade. – alfinetou o empresário. – Ela levou os artefatos e sua dignidade.
— Quem é você para falar sobre dignidade, seu tutor subversi...!
— Dobre essa língua para falar comigo. – embora a voz de Lawrence fosse calma, o humor sumira. – Todos aqui sabem muito bem que se tivessem permitido que eu ficasse com os artefatos, eles não teriam sido roubados. Sou o maior colecionador e as peças mais valiosas que tenho são devidamente protegidas. Sabem disso muito bem.  

   Todos permaneceram em silêncio, até que o professor Carvalho tomou a palavra.

— Com o roubo dos artefatos pela agente Rocket, isso nos prova que a organização sabe que temos conhecimento do que eles estão fazendo e obviamente que tentaremos impedi-los. A Equipe Rocket certamente nos colocará como alvos a serem investigados ou até mesmo abordados.
— Será mesmo? – disse Juniper. – A agente pode ter roubado os artefatos na casa de Eusine porque ele a levou para ver sua coleção e ela pode ter deduzido que eram peças valiosas.  A Equipe Rocket possui muitos agentes agindo praticamente por conta própria.
— Não acredito nisso. Ela...estava usando o uniforme de um agente de elite.  Mesmo que esses uniformes tenham caído em desuso, ela o usou realmente para me provar que era tudo um golpe!
— Essa agente. – pela primeira vez Lance falava. – Ela chegou a se identificar?
— Não. O nome era falso. Mas ela derrotou meus Pokémon sozinha, usando apenas uma arma de choque. – Eusine passou a mão no rosto. – Ela era loira, e bonita,parecia ser alguém de caráter, até inocente...mas na verdade era uma pessoa totalmente o oposto!

     Lance apertou os dedos nos próprios braços cruzados, voltou a olhar pela janela e não disse mais nada.

—Os artefatos que estavam em posse de Eusine são peças de valor histórico, mas quase completamente desconhecidas entre os colecionadores. – explicou Lawrence. - De acordo com a lenda, são as relíquias que levaram os três lordes de Johto á morte.
— Apenas poucos saberiam disso, as peças ao olhar de qualquer pessoa, não parecem carregar tamanha importância. - Spencer se levantou. -Havia na mansão de Eusine, artefatos mais valiosos e atrativos para uma ladra. Mas ela roubou especificamente estes três. E pela forma como ela enga...digo, abordou Eusine, é evidente que foi ordenada a isso.
— Ordenada pelo Alto Conselho? – murmurou Juniper.
— É bem possível.
— Se for mesmo, estamos com problemas.

   A reunião se estendeu por mais uma hora. Cogitaram possibilidades e o que poderia ser feito a partir de agora. Por carência de informações específicas, decidiram continuar cada qual fazendo a sua parte investigativa tomando o dobro de cuidados. E se reunirem novamente no mês seguinte.
   Um a um, os presentes foram se despedindo e saindo, até que restavam apenas dois.

— Lawrence, antes de ir, gostaria de falar com você.
   O empresário terminou de abotoar o paletó e encarou o professor Carvalho.
— Espero que não seja algo demorado, tenho muito a resolver na empresa  logo pela manhã.
    O professor notou o quanto ele parecia cansado. Vira Lawrence pouquíssimas vezes quando este era adolescente e, embora ainda fosse jovem, era perfeitamente visível o quanto o título e poder refletiam e pesavam nele.
— Eu...sei que sua relação com os membros da Ordem é incômoda e que todos e você, possuem opiniões divergentes. Mas estamos reunidos aqui por uma mesma causa.
— Estamos? - Lawrence arqueou uma sobrancelha. – A verdade é que cada um está aqui por seus próprios motivos, mas eu sou o único que deixo isto claro.  E por isso nenhum de vocês me suporta e acreditam que os estou espionando. E gostariam mesmo que eu nem fizesse parte disso.
— Esta sua opinião é equivocada.
— Ah, não é. Sabe disso e não precisa tentar justificar com palavras bonitas e contextos mentirosos. A verdade é que a Ordem é muito pequena e seleta e, embora seus membros sejam nomes influentes, eles não possuem a influência que eu tenho. Dos presentes aqui, eu sou o único que pode ter acesso a pessoas poderosas tanto do lado branco quanto do lado negro da esfera política.

    O professor Carvalho tencionou abrir a boca, mas o outro continuou.
—  Por isso a Ordem precisa de mim. Ou melhor, do meu poderio, meu dinheiro e minhas redes de contatos. Além, claro, do meu conhecimento e acervo histórico acerca da época do Grande Rei, na qual a Equipe Rocket está interessada. É isso que os faz me tolerarem aqui. Sou o membro com os contatos que possam querer e os acessos que possam precisar. – o rosto dele era sério. - Nada mais.
— ...se acha isso dos membros da Ordem, por que aceitou fazer parte?
— Além de concordar com algumas coisas, tenho motivos particulares para tal. E posso lhe garantir que espião, eu não sou. Não preciso disso. Enfim boa noite.

   Assim que Lawrence saiu, o professor murmurou para si.
— Não o mantemos na Ordem por conta de sua influente rede de contatos. Mas sim que, haja o que houver, é mais prudente tê-lo como aliado do que como inimigo.

~*~

 
   A floresta de Ilex era estonteante.
   Ela era a maior e mais misteriosa floresta do mundo e estendia-se de New Bark até Magohany,pegando o extremo Leste ao extremo Oeste de Johto. Um paraíso ecológico de espécies vivas, sua maior característica eram as gigantescas árvores; carvalhos e nogueiras centenários, talvez milenares.
   Mas, o que realmente atrai pessoas de todos os continentes são as lendas que a cercam e da qual há registros desde eras antigas. Algumas eram relacionadas á antigos vilarejos e prática de magias antigas. Mas a maior parte das lendas (e também mais populares e com mais informações documentadas) se referiam a Pokémon.
   A mais difundida delas era sobre o Guardião da Floresta, o Pokémon Celebi. Na lenda, dizia-se que o misterioso Pokémon vivia na floresta e tinha a capacidade de viajar através do tempo e, como um espírito mágico, tudo o que a floresta sentisse, ele também sentiria.

   Alguns povos antigos haviam reverenciado tanto este Pokémon na região, que em um determinado ponto da floresta fora erigido um pequeno santuário em sua homenagem.
  Quando o antigo santuário foi descoberto, historiadores  e estudiosos de Pokémon incentivaram o governo de Johto a criar um parque  turístico ali. E após alguns anos, isso foi feito e o Parque Florestal de Ilex surgiu, sendo diariamente visitado por pesquisadores, turistas e treinadores Pokémon, que vinham até ali para aperfeiçoar seus conhecimentos, habilidades ou apenas admirar a beleza da natureza.
   O tal parque era imenso mas ainda assim ocupava uma pequena parte territorial da floresta. Os mais de 80% restantes da floresta era uma reserva ambiental de acesso proibido, exceto em situações muito específicas.
    Na área delimitada pelo parque, eram permitidos passeios turísticos, trilhas até o Santuário de Celebi e também que treinadores Pokémon credenciados tivessem permissão para capturar Pokémon selvagens.
    Mas a Floresta de Ilex não era uma floresta  como as outras: por conta de sua antiga existência, as árvores tendem a crescer tão próximas e volumosa, que o céu e a luz são quase inteiramente bloqueados, criando um aspecto de penumbra constante em boa parte dela. E isso permitia que a diversidade vegetal e Pokémon crescesse e se adaptasse em diversas formas.

   Quando Alice e Crystal chegaram na entrada da floresta, não contiveram uma exclamação de surpresa diante da tamanha beleza, inspirando profundamente o ar puro e aromatizado proveniente das frondosas árvores.
— Caramba! Fiquei tanto tempo nas cidades respirando poluição que só agora percebo que senti falta de ar puro! – falou Alice. – Foi mesmo uma boa ideia dar um passeio aqui em Ilex não é, Crystal?
— Hãn? Ah...é sim.

    Alice estava começando a achar estranho a falta de foco da outra. Desde que haviam acordado, Crystal parecia meio “aérea”. Mal tocara no café da manhã e quando haviam chegado na pequena rodoviária de Azalea, confessou que não sabia muito bem para qual cidade gostaria de ir. De modo que ela prontamente aceitou quando Alice vira o micro-ônibus fretado para Ilex e propôs um passeio.
    Mas durante o caminho, Crystal não conversou muito. Alice até tentou puxar conversa mas a outra respondia e não dava continuidade.  Então, depois de deixarem suas mochilas no guarda-volumes (era pago e um valor um pouco alto, mas era melhor do que caminhar pelo parque com excesso de peso), Alice decidiu tentar abordar a amiga.

— Está se sentindo melhor?
— Hum? – Crystal afirmou com a cabeça. – Estou sim...por quê?
— É que hoje você parece diferente... digo, você está mais quieta do que o normal, quase não conversamos.
— N-não é nada! É que eu tive um sonho estranho...foi só isso, não tem o que se preocupar.
— Um sonho ruim?
  Ela não precisou responder para Alice saber. E esta preocupou-se se o sonho pudesse ser referente a alguma lembrança ruim que Crystal tivesse tido.
— Eu não lembro direito...era confuso... – as imagens do sonho ainda permaneciam em sua mente, mas não queria falar sobre elas. – E não era nada que fosse alguma lembrança ou algo que eu tivesse assistido, sabe? Foi estranho.
— Bom, então tente não pensar demais nisso! Foi só um sonho.
— É...tem razão.
—  Vamos aproveitar o passeio, está um dia lindo hoje! E o contato com a natureza é ótimo para melhorar os ânimos e mandar pra longe qualquer sensação ruim!

    Crystal concordou. Talvez fosse melhor fazer isso mesmo. Não queria preocupar ou aporrinhar Alice com isso, afinal, eram apenas sonhos sem sentido.
    Após verificarem que estavam carregando somente o essencial para o passeio (e Alice aproveitar para encher as garrafinhas de água no bebedouro), elas entraram no parque, caminhando por uma das várias trilhas.
— Será que vamos encontrar algum pokémon lendário? – perguntou Alice. - Dizem que aqui em Ilex é lar de alguns deles.
— Pokémon vamos encontrar, agora lendários já não sei.
  Subitamente, ambas foram tomadas por uma dor cortante de algo que bateu em suas canelas com força.
— Ai, ai, ai! Mas o que é isso?!

   Um Farfetch’d surgiu da moita ao lado, com um olhar inquisidor e empunhando ameaçadoramente um galho de alho-poró com o qual atacara as duas.
   Crystal rapidamente sacou uma pokébola do seu cinto. Sabia que Farfetch’ds eram Pokémon relativamente raros mesmo que não fossem muito úteis em batalha.
   Lançou a pokébola, mas habilmente o Pokémon rebateu usando o galho de alho-poró, fazendo ela ser lançada para longe, sumindo entre os altos arbustos.
— Hah, meu Pokémon!!!
— Deixa que eu dou um jeito! – Alice tirou uma pokébola do próprio cinto. – Carne de Farfecth’d é saborosa quando bem assada!
— PARADAS AÍ! Não ousem atacar esse Pokémon!
— Foi ele que atacou primeiro!
   Um rapaz usando trajes que se assemelhavam aos de um escoteiro se aproximou. Mas quando Crystal o viu, não conseguiu conter a surpresa.
— KENTA?
— Cry-Crystal?! Caramba, o que você tá fazendo aqui?!
— Eu que te pergunto!  Não era para você estar em jornada lá em Sinnoh?
— Então....é que... – ele coçou a nuca. – E-eu mudei de ideia e...
— Mas por quê? Quando conversamos, você disse que estava super empolgado lá, que já estava a caminho da primeira insígnia...o que te fez mudar de ideia?

   O rosto do garoto se avermelhou. Kenta era um rapaz asiático da mesma idade que Crystal. Não era muito alto e nem muito forte, com cabelos pretos meio despenteados (apesar do boné que usava (mas que não conseguia esconder o topete que se projetava pra fora do mesmo), e a pele bronzeada de sol. O rosto dele era amigável, com olhos pretos e um semblante ansioso.
— B-bom... – ele parecia procurar as palavras, enquanto um suave rosado preenchia suas bochechas. – É que, nossa é tanta coisa...é que, hum..eu achei que poderia ser legal tentar jornada aqui por Johto porque... e você estava falando de forma tão empolgada que ia fazer jornada por aqui! E eu pensei...é, poderia ser legal! E decidi vir pra cá! Fora que o custo de vida para treinadores em Sinnoh é bem salgado e... de Ajudante Florestal
   Ele falava rápido, procurando evitar de encarar Crystal nos olhos. Mas logo ela teve um estalo e exclamou.
— O Faurinho! Preciso encontrá-lo!
— ..quem?!
— O meu Brellom! – ela respondeu, correndo em direção aos arbustos. – Quando o seu Farfetch’d apareceu, eu pensei que ele era um Pokémon selvagem e iria iniciar uma batalha, lancei minha pokébola e ele a rebateu pra longe!
— Ah, o Farfetch’d tem esse hábito mesmo, mas ele não é meu, ele é do gerente florestal daqui e... Ei, onde vocês estão indo?!

   Crystal já estava se embrenhando no meio do mato fora da trilha e Alice a seguia.
— Tenho que encontrar minha pokébola!
— Mas não podem ir por aí,  vocês estão sem credencial, por isso o Farfetch’d atacou vocês!
— Credencial? Desde quando se precisa disso pra entrar em um parque?! – rosnou Alice. - Isso aqui não é Zona de Safári!
— São normas do parque, não posso deixar que entrem sem estarem credenciadas!
    Crystal estava alheia ao bate-boca. A vegetação rasteira ali era densa e ainda por cima sua pokébola era uma Friendy Ball e sua coloração superior verde acabava por se camuflar entre as folhas. Ela continuou procurando no chão, afastando as folhagens e praguejando baixinho contra aquele maldito Farfetch’d.

   Foi então que ela sentiu algo pingar em suas costas e, ao erguer os olhos para o alto, seu estômago se contorceu.
— E quem é você para ditar as normas daqui? – rosnou Alice cruzando os braços.
— Eu estou trabalhando temporariamente essa semana aqui! – respondeu Kenta evitando olhar para o decote da regata da garota. - Vi que estavam recrutando gente para ser Ajudante Florestal temporário esta semana aqui no Parque e me candidatei! E minha função é não deixar pessoas sem credencial passarem!
— Pessoal...falem..baixo...
   Ela apontou pra cima e eles logo perceberam. Estavam os três embaixo de uma grande árvore e, pendurados nos galhos da mesma, havia dezenas de Kakunas.
— ...minha nossa...
— Não façam...movimentos bruscos. – pediu Kenta.

    As duas concordaram. Os Kakunas eram o estágio evolutivo intermediário dos Beedrils e quando evoluíam, eram extremamente agressivos, atacando a primeira coisa que vissem. E não eram raros os relatos de pessoas violentamente atacadas por ferroadas desses Pokémon quando se deparavam com colmeias ou enxames deles. Havia casos em que treinadores foram tão picados que chegaram a ser internados em estado grave.
— Vamos sair daqui...devagar...
— São apenas Kakunas, se não evoluírem, não vão atacar a gente. – sussurrou Crystal em resposta ao comentário de Kenta. – E eu tenho de encontrar o meu Pokémon!
— Tem certeza que sua pokébola caiu por aqui? Podemos procurar longe deles...
— O Farfetch’d rebateu ela nessa direção!
— Eu vou chamar um guarda florestal!

    Kenta virou-se para voltar á trilha, mas enroscou os pés em algumas raízes rasteiras, tropeçou em um Weedle que rastejava por ali e perdeu o equilíbrio, batendo contra o troco da árvore de forma tal, que os Kakunas pendurados nos galhos balançaram. Os três permaneceram imóveis, atentos a qualquer movimentação.
— ...acho...que tá tudo bem...ah, merda...
— ACHEI! – gritou Crystal erguendo o braço, com a pokébola bem segura em sua mão.
   Foi então que ela percebeu o erro que cometera. Um zumbido crescente se fez ouvir e segundos depois, Beedrils foram surgindo e alguns Kakunas começaram a brilhar indicando o processo evolutivo. Os três estremeceram.
— CORRAM!

    Ele nem precisava ter gritado, pois as duas já estavam correndo. As Beedrils  investiram contra eles e logo o enxame começava a ganhar uma certa proporção. Sabiam que, se fossem atingidos por uma ferroada de tais Pokémon, a dor seria desesperadora.
— Carralho, mas que merda! – gritou Alice empurrando as folhas. – Que merda, merda!
— Vamos nos dispersar! Assim elas não vão saber quem seguir!
  A ideia de Crystal era boa e os três dispararam pela floresta, cada um em uma direção. Crystal contornou a grande árvore onde estavam os Kakunas, vendo que Alice e Kenta corriam na direção oposta. Crystal correu destrambelhadamente e, devido ás folhagens rasteiras serem altas e espessas, não viu o barranco até já estar caindo por ele. Tentou se manter de pé, mas não conseguiu e rolou na terra. Gritou e procurou tentar proteger o rosto, mas com a velocidade da queda, sua mente não conseguia pensar em nada e então houve um baque e tudo escureceu.

~*~

Crystal abriu os olhos lentamente, sentindo o aroma de folhas verdes e uma fragrância doce.  Moveu o corpo, podendo sentir o chão duro e a terra úmida. Piscou algumas vezes para perceber onde estava, mas tudo o que via era plantas. Ergueu-se devagar com um gemido, ficando sentada.
     Seu corpo doía e estava toda suja de folhas e terra. Notou os joelhos e mãos raladas e, uma rápida olhada ao redor, a fez lembrar-se da queda no barranco.
  A floresta estava silenciosa e os poucos raios de sol passavam das pequenas frestas entre as folhas das árvores.

   “ O...o que aconteceu? Quanto tempo eu fiquei desacordada?”

    Tateou o próprio corpo a fim de ver se estava tudo consigo e com os itens que carregava. Olhou para trás, notando a altura do barranco. Era visivelmente alto, havia tido sorte de não ter se machucado gravemente ou mesmo fraturado algum osso na queda.
     Puxou a pokégear da porchete, notando que não havia sinal. Impossível tentar ligar ou enviar uma mensagem. Mas pelo menos conseguia ver as horas e aquilo a preocupou. Logo começaria a escurecer e não poderia ficar ali.
— EEEEI! – gritou. – ALGUÉM AÍ? PRECISO DE AJUDA!

      Silêncio, seguido apenas pelos sons de possíveis Pokémon ao longe. Não adiantaria ficar ali gritando na esperança de que viessem resgatá-la. Claro, se Alice e Kenta tivessem conseguido se livrar do enxame de Beedrils, na certa iriam avisar do seu desaparecimento. Só esperava que eles tivessem conseguido escapar ilesos.
    Tentou se levantar e soltou um gritinho, caindo no chão. Levou uma mão ao seu tornozelo esquerdo, notando que estava um pouco inchado. Era só o que faltava. Foi então que se lembrou.
    Olhou assustada ao redor, procurando desesperadamente a pokébola que segurara nas mãos enquanto fugia do enxame de Beedrils. Será que depois de tudo havia perdido novamente seu Brellom? Não podia perdê-lo, havia prometido...
    O ruído de algo se movendo nos arbustos mais á frente, fez Crystal retesar o corpo.
    Um vulto esverdeado passou correndo por entre as folhagens poucos metros á frente. O que era aquilo?

— ...olá.... – arriscou. – Eu...eu não vou te machucar...
“Besta! É um Pokémon selvagem, ele não vai entender suas intenções! Ainda mais que se eu tentar capturá-lo ou jogar um dos meus Pokémon, vou estar sendo falsa com minhas intenções...mas por quê estou pensando nisso? Um Pokémon não vai entender...”

    Algo se remexeu na folhagem rasteira atrás de uma árvore e Crystal respirou fundo. Se o Pokémon a atacasse, não conseguiria correr com o pé machucado daquele jeito.
   E então ele surgiu, detrás do tronco da grande árvore. Metade do seu pequeno e rechonchudo corpo visível. E Crystal suavizou quando seus olhos se encontraram com os grandes olhos dele.
   Um Bulbasaur.
   Ainda que ele fosse um Pokémon nativo da região, não era uma espécie comum de se encontrar.
   O pokémon anfíbio inclinou a cabeça,  abrindo a boca de uma forma que quase parecia um sorriso e deu dois passos para frente.
  Ele e Crystal se encararam em silêncio e a garota pensou que precisava fazer alguma coisa. Não queria assustar o Pokémon e sabia que qualquer movimento seu poderia ser mal interpretado e fazê-lo fugir ou até mesmo atacar. Então tentou a única abordagem que conseguiu.

—...-o-oi...tudo bem?
  Se alguém a visse tentando conversar com um Pokémon selvagem a achariam maluca, mas como estava sozinha, não via problema. E além do mais, aquele Bulbasaur era fofo e parecia demonstrar mais curiosidade do que hostilidade.
— Não se preocupe... não vou te fazer mal. Eu.. estou perdida... – ela apontou sutilmente para trás. – Caí daquele barranco e não sei como voltar.
  Ela sabia que aquele Pokémon não conseguia entender o que ela dizia, mas sentia-se melhor falando e procurava, através do tom de voz e postura, mostrar que não queria lhe fazer mal. E aquilo parecia surtir efeito, pois o Bulbasaur se aproximava devagar, um passo de cada vez.
— Eu sou Crystal, uma treinadora Pokémon e...
  O Bulbasaur expeliu, de seu bulbo, uma pequena semente, que caiu diante de Crystal.
— É... pra mim?
— ...bulba!
— ...obrigada! – Crystal pegou a semente. – Eu estou procurando minha pokébola, ela caiu da minha mão e é tipo assim...

  Crystal tirou uma pokébola do seu cinto e a direcionou para o Bulbasaur. O Pokémon olhou e então correu para onde viera, fazendo a vegetação do arbusto farfalhar. A garota soltou um muxoxo. Perdera a possibilidade de capturar o Pokémon porque estava conversando como se ele pudesse entendê-la! Era mesmo uma tola, na escola sempre lhe diziam.
  Foi então que o Bulbasaur voltou, carregando uma pokébola entre seus cipós. Ele parou diante dela, estendendo o cipó e lhe entregando o artefato.
— Minha pokébola! – exclamou Crystal. - Ah, Faurinho! Que bom que não te perdi! Muito obrigada, Bulbasaur!
  O Pokémon continuou olhando-a com seus olhos curiosos enquanto a via prender a pokébola no cinto. Ele então se aproximou, apoiando as patinhas na perna de Crystal, o que surpreendeu a garota. Não era normal que pokémon selvagens agissem assim.

  Foi então que ela ouviu algo se aproximar entre as folhagens e em um gesto involuntário de proteção, abraçou o Bulbasaur.  Olhou na direção do ruído mas uma forma envolta por uma intensa luz a impediu de enxergar e a envolveu por completo seguida por uma voz austera.
— O que você está fazendo aqui?

~*~


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Notas finais do capítulo

Terminando o capítulo aqui...

Queria notificar sobre os personagens que apareceram na reunião da Ordem:

— A professora Aurea Juniper é a estudiosa de pokémon que aparece nos games da geração de Unova. Ela aparenta ser jovem (acho que uns 40 anos no máximo) e a considero muito charmosa.

— O pesquisador Spencer aparece no terceiro filme de pokémon (o do Entei). É ele quem desperta os Unows e é dado como desaparecido durante o filme. Mas provavelmente não farei conexão dele com o ocorrido no movie.

— O professor Carvalho todo mundo conhece né, então dispensa notas.

Sobre o Kenta, ele foi aquele fator que surgiu do nada a ideia de colocá-lo no capítulo e eu fiz por crer que poderia ajudar a fluir melhor como um todo. E agora vai dar certo para o que posso inserir no capítulo seguinte. E o Farfetch'd eu coloquei dias antes de lançarem oficialmente a evolução dele para o novo game. Coincidência?

A Crystal ter um Bulbasaur era algo que eu já havia pensado na época que estava selecionando os pokémon pra ela e de repente, surgiu a opção de inserí-lo já.

Enfim, espero poder atualizar a fic mais rápido agora, agradeço por ler tudo isso aqui e continuar acompanhando!



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