Enquanto Seus Lábios Ainda Estão Vermelhos escrita por Moonkiss


Capítulo 2
O Perfeito Tom De Ônix


Notas iniciais do capítulo

Olá, honeys! Gostaria de agradecer a cada um que está acompanhando a história, é um ótimo incentivo para mim. Espero que estejam curtindo! Boa leitura a todos!



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Capítulo II — O Perfeito Tom De Ônix

Escrito por @Moonkiss

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Então eu tive a sensação de estar à deriva e o mar subitamente se revoltasse contra mim, orquestrando ondas colossais que me empurrassem para as profundezas. Aquele que um dia me abandonou? Meu corpo gelou e senti os batimentos cardíacos perderem o controle. O motivo dos meus pesadelos? As palavras de Naruto ainda ecoavam em minha mente, mas de um modo inexplicável ficavam embaralhadas, como se eu não conseguisse processar a informação. A razão para eu ter mudado tanto? Minhas pernas já não me sustentavam mais. Ele havia mesmo voltado para a cidade?! Tentei pronunciar algo, porém, falar de repente tornou-se um ato quase impossível.

— N-Naruto... — gaguejei, sem expressões. Ele me observa, triste e preocupado — como você soube disso?

— Eu o vi no aeroporto quando cheguei do Brasil.

A partir daí o desespero roubou integralmente meu autocontrole; caí de joelhos aos prantos. Não entendi o porquê de estar chorando. Por um lado estou de certa forma feliz em saber que Sasuke está bem, mas por outro imaginar que o cara responsável por todo o inferno que vivo há cinco anos retornou para assombrar minhas lembranças é definitivamente o fim do mundo.

Naruto agachou-se e me ajudou a levantar, seguidamente me abraçando de um modo gentil. Embora tivesse retribuído, estou perdida em pensamentos. Não sei o que fazer. O rosto dele é tudo o que meu subconsciente conseguia focar. Todos os pesadelos que aturei desde a noite de sua partida vieram à tona, tal como se cada cena fizesse parte de uma edição para um filme de terror. Aquilo era apenas o início de uma tormenta.

— Ele voltou, Naruto. — me desvencilhei um pouco dele para enxugar as lágrimas — O que eu faço agora?!

— Nada. Não faça nada. Eu sei o quanto essa situação é delicada para você, Sakura. — respondeu, calmo, alisando meus cabelos amigavelmente.

Depois de me recompor do choro e limpar os joelhos sujos de grama, o convidei para entrar e ele aceitou. Toquei a campainha enquanto fingia uma expressão neutra numa tentativa de não parecer que estava chorando, entretanto, foi em vão. Minha mãe se assustou ao deparar-se comigo naquele estado quando abriu a porta.

— F-Filha, o que houve? — questionou, espantada. Vendo que de mim não obteria respostas, ela recorreu a Naruto — Algo aconteceu, Naruto?!

— Boa tarde, tia Mebuki, eu vou conversar com a senhora. E Sakura precisa descansar. — explicou, tentando aparentar o máximo de tranquilidade.

Mamãe não disse nada. Concedeu-nos passagem e adentramos a sala, logo deixando as mochilas em um dos sofás. Quando sentamos ao redor da mesa de jantar, ela me ofereceu um copo d’água e bebi ao passo que Naruto fazia um resumo de tudo o que acontecera. No instante em que beberiquei o último gole, minha mãe deu um suspiro pesado e escorou o queixo sobre o punho. Olhava para Naruto, mas tenho certeza de que sua mente está longe. Eu sei exatamente como é o comportamento dela nos momentos de irritação, e este é um deles. Fiquei apreensiva, posto que dona Mebuki é uma mulher instável. Não queria causar problemas, no entanto, aposto que ela não vai ignorar o assunto.

— Pois é. Já vi que teremos problemas. — resmungou, contendo outro suspiro. Ela me encarou sem muita paciência — Vai tomar um banho, Sakura, depois nós conversamos direito.

Engoli seco ao escutá-la usando aquele tom de voz e assenti, em seguida colocando o copo de vidro sobre a mesa e apanhando a mochila. Subindo as escadas no intuito de ir tomar um banho, rezei para que ela não contasse nada ao meu pai, mas duvido que faria isso. Eu preciso me acalmar de qualquer jeito e tentar parar aquela dor de cabeça.

Chegando ao meu quarto, joguei a mochila na cama e peguei uma toalha limpa no armário. Entrei no banheiro logo após e o tranquei. Enquanto estava me despindo, lembrei daquele sonho ruim novamente. Cada detalhe minucioso dele, até do perfume de Sasuke eu nunca consegui esquecer. Tudo o que eu quero é sumir, tornar-me invisível, sofrer uma amnésia ou qualquer poder que me livrasse de tudo aquilo.

Depois de longos minutos debaixo do chuveiro, permitindo que a água gelada tentasse amenizar a enxaqueca, fui para o quarto e comecei a me vestir. No momento em que ajeitava as alças da regata preta, percebi que havia mudado não somente em meu interior e desejei ter doado o espelho da penteadeira diante de mim enquanto pude.

É certo que eu sempre possuí o corpo magro, um pouco infantil para a idade que tenho, mas minhas bochechas estavam fundas demais. Se eu pusesse um vestido longo e branco e um véu as pessoas seriam capazes de me confundirem com a Noiva Cadáver a julgar pela minha palidez e magreza. Meus pais culpariam a má alimentação e talvez seja essa a razão mesmo. O problema é que eu geralmente não tenho apetite nenhum.

Balancei a cabeça para tentar afastar aqueles pensamentos e passei o desodorante, que estava numa das gavetas do toucador. O pus em seu devido lugar depois do uso, apanhei o uniforme sujo e desci, onde Naruto estava esparramado no sofá assistindo televisão e tinha tirado os sapatos. Parei no último degrau e olhei em volta. Não vi nenhum sinal da mamãe. Levei a roupa do colégio até a cesta ao lado da máquina de lavar, que fica no quintal dos fundos. Na sala, me aproximei um pouco mais dele e perguntei:

— Onde está minha mãe?

— Foi ao mercado, por enquanto vou ficar aqui com você. — balbuciou, sem desviar a visão para mim.

Ergui as pernas dele, que ocupavam o maior espaço, e me sentei, logo as pondo no meu colo. Fiquei olhando para a tela do aparelho a nossa frente por algum tempo. Ele assistia a um reality show nacional bem esquisito e de repente apanhou o controle remoto e começou a trocar os canais.

— Hoje em dia não tem nada que preste na televisão! — reclamou de cenho franzido, até que então encontrou um canal onde estava passando desenhos animados. Ele sorriu e sentou num pulo — OBAAA, DESENHOS!!

Assim que Naruto saltou como uma criança hiperativa, suas pernas atrapalhadamente bateram debaixo do meu queixo, algo que me fez morder a língua sem querer. Controlei um grito e atirei o travesseiro ao meu lado na direção dele, o atingindo no rosto. Havia doído de verdade, parecia que um pedaço da minha língua fora arrancado. Por um milagre não sangrou.

— Tenha mais cuidado, seu imbecil! — avisei com a voz um tanto estranha, pois tinha colocado a língua para fora. Ele se levantou da queda, apanhando a almofada e pondo atrás da cabeça.

— Foi mal, não precisava machucar também!

Fiz algumas caretas por causa da dor da mordida até ficar quase imperceptível, ainda pensando sobre o retorno de Sasuke à Konoha. Não sei se a estadia dele é temporária ou não, mas uma coisa é certa: me recusaria a sair de casa, com exceção das idas ao colégio. Pretendo diminuir o número de possibilidades de encontrá-lo na rua, pelo menos enquanto estivesse sozinha. Não seria nem um pouco agradável se ele me visse em meio a uma crise idiota, levando em conta que não faço a mínima ideia de como reagiria diante da presença de Sasuke. No entanto, existe uma questão mais importante: por que ele voltou? Será que cumpriu sua vingança? Ou será que se arrependeu?

— Acha que ele volta a falar conosco? — indaguei sem pensar duas vezes. E me arrependi. Naruto me encarou como se eu tivesse feito a pergunta mais estúpida do mundo.

— E você ainda pergunta? Sasuke nos deixou sem ao menos dizer para onde iria! — gritou. Há muito tempo que não via um Naruto tão enfurecido — Estava cego com a tal vingança contra o irmão dele! Eu também senti falta dele no início, aquele maldito era meu melhor amigo. Mas ele morreu pra mim.

Apesar da raiva que emanava, senti uma pontada de mágoa ali. Enquanto ele aumentava o volume da televisão com o controle, aparentemente ainda irritadiço, recordei-me da rivalidade entre os dois durante a infância, que acabou convertendo-se numa espécie de amizade quando crescemos mais um pouco. Nós éramos os únicos amigos de Sasuke. Naruto também sofrera com sua partida ao ponto de planejar mil e uma estratégias para ir atrás dele. Todavia, ao longo do tempo, foi acostumando-se com a ideia de que provavelmente nunca iríamos nos reencontrar, além de ter a certeza de que ele em momento algum se importou conosco. Naruto odeia tocar naquele assunto desde então.

— E caso você se esbarre com o Sasuke por aí, só vou te avisar uma coisa: não quero você falando com ele, ouviu bem? — alertou com um timbre quase sinistro, me olhando de soslaio. Fiquei desconcertada.

— Sim...

— Ainda bem. — grunhiu. Eu travei o maxilar, não gostara do jeito que ele falou comigo.

— Não precisa ser tão grosseiro, você não tem o direito de me tratar assim.

— Tá, me perdoa. Você sabe como eu detesto falar nele. — subitamente arqueou uma sobrancelha e projetou a ponta do queixo na direção do meu tórax — O que é isso aí na sua clavícula?

Segui até aonde o olhar dele estava mirando: as cicatrizes dos arranhões gerados pelo pesadelo da semana passada. Senti um nó no estômago e tentei não demonstrar inquietação. Não quero que Naruto saiba que ainda sonho com Sasuke e muito menos que sofro com as consequências deles. Hoje o clima já está tenso e não estou a fim de piorar a situação. Subi a blusa discretamente para tentar esconder as feridas.

— Nada, não é nada. — pigarreei, me erguendo de pé — Vou fazer um milk-shake para nós.

Ele assentiu, ainda severo e concentrado em seu desenho animado. Andei até a cozinha e abri o freezer, retirando de lá um pote de sorvete de morango. Quando fechei o eletrodoméstico, dei uma rápida espiada em Naruto. Suspirei baixinho, reconhecendo a culpa que tenho por deixá-lo assim.

Me desculpe por tudo...

 

[...]

— O bom é que ele toma conta de você. — minha mãe respondeu com afeição, picando alguns legumes para o jantar — Adoro o Naruto, é uma pena ser tão lerdinho e boca suja. Eu olho para ele e logo me lembro da Kushina... ah, que saudades da minha amiga.

Mamãe e papai eram amigos de infância de Kushina e Minato, os falecidos pais de Naruto desde seus primeiros meses de vida, que então foi criado por Jiraiya. Dizem que foram atacados por uma raposa-vermelha durante uma trilha e não resistiram aos ferimentos.

Já estava quase anoitecendo quando Naruto decidiu ir embora. Eu tinha o acompanhado até a entrada do quintal e, enquanto se distanciava, observei algumas nuvens acinzentadas formando-se lá em cima outra vez. Pela manhã, aquele azul celeste havia surgido magicamente, e ele desapareceu do mesmo modo, algo que talvez indicasse mais uma noite chuvosa.

— Sim, ele é um bom amigo. — afirmei, lavando na torneira da pia uma maçã bem madura que apanhei da fruteira em cima da mesa. Mamãe parou o que estava fazendo e me olhou, aflita.

— Mas e você, está se sentindo melhor?

Ela explicou tudo ao meu pai assim que ele chegou do serviço, o qual depois veio me consolar. Apenas sorri e disse que estava bem. Afinal, sorrisos também servem como uma espécie de máscara. Eu francamente não estou recuperada do susto de hoje mais cedo, porém, a última coisa que desejo agora é criar mais problemas. A dor de cabeça finalmente parou, e isto já alivia bastante o meu estado.

— Estou sim. — menti, em seguida mordendo um pedaço da fruta e encostando-me na parede da cozinha — Mas quero descansar. Vou esperar o papai sair do banho para escovar os dentes e ir dormir.

— Não vai jantar?

— Não.

— Hmm, OK então. Eu só espero que a chegada dele não interfira na sua saúde, que por sinal já não anda tão bem assim. — falou com um pouco de desdém enquanto refogava os legumes que tinha cortado.

Mamãe nunca gostou de Sasuke. A arrogância e frieza dele sempre a fizeram ficar enojada, sem contar no fato de eu ter sofrido muito por causa daquele desgraçado. Não tiro a razão dela. Às vezes ela se amedrontava com aquela obsessão que eu possuía por ele no passado. Dizia que era uma doença, e não amor. Contudo, não podia negar o pequeno detalhe. Se o que eu sentia era amor? Claro. Doença? Talvez sim, talvez não. Entretanto, apenas sabia de algo: aquilo com certeza era perigoso.

Em silêncio, e por incrível que pareça, acabei terminando de comer toda a maçã. Quando ouvi a porta do banheiro abrir-se, fui escovar os dentes sem mais delongas.

Nas noites em que realmente estou perdida e nem sequer cochilar consigo, costumo em segredo ingerir algumas pílulas para dormir. Eu as compro e guardo de modo cauteloso o pequeno frasco dentro da fronha do meu travesseiro. Sei que ninguém aprovaria isso, mas estes remédios são atualmente a única saída, e prevejo que hoje irei me revirar nos lençóis por horas caso eu não os tome. Tendo ciência do problema, antes de descer para comer, havia escondido o frasco em um dos bolsos da saia. Com a porta já trancada, o peguei e o abri, despejando sobre a palma da mão duas pílulas. As engoli de uma só vez. Argh, que coisa mais amarga.

Depois no meu quarto, já tendo desejado uma boa noite aos meus pais, peguei um uniforme escolar limpo e o ferro de passar roupa para ajeitá-lo. Assim que terminei o pus pendurado no cabide dentro do armário e troquei a saia pelo short do pijama verde bebê para finalmente ir deitar. Devolvi o frasco para onde habituo escondê-lo.

Ainda está cedo, mas não quero conversar com ninguém, então pus o celular no modo silencioso — mesmo que tivesse visto nas notificações algumas mensagens do nosso grupo — e ativei o despertador para ir à escola amanhã. Sei que deveria me distrair, no entanto, nada poderia prender minha atenção agora. Já havia apagado a luz, crente de que facilmente sentiria sono.

Por cerca de uns quarenta minutos fiquei apenas me revirando na cama. Porcaria de remédio que não faz efeito. Inevitavelmente aquelas recordações tomaram posse dos meus pensamentos. Olhei para o teto, visualizando o rosto de Sasuke mentalmente. Jamais me esqueci de seus lábios retos e finos, que raramente curvavam-se para formar um sorriso. Sua maneira de andar, sempre com altivez e confiança. Os cabelos negros como o carvão e incrivelmente lisos e arrepiados. Mas aqueles olhos... eram o que eu mais gostava nele. Tão lindos e desde sempre me fitavam da forma mais ríspida possível, como se fôssemos um nobre e uma simples escrava. Eram o perfeito tom de ônix.

Virei para o canto da parede quando me dei conta de que pensar nele não agregaria em nada. Resolvi ouvir apenas o tique-taque do relógio enquanto fechava as pálpebras e, repentinamente, pude sentir o abraço de Sasuke no instante em que uma lembrança boa dele atravessou minha memória tal qual um raio de luz. Não choveu naquela noite.

 

[...]

Sentei na poltrona de couro preto, resistindo à tentação de pôr uma mecha de cabelo atrás da orelha. Caso fizesse isso, eu seria praticamente obrigada a manter contato visual direto com a psicóloga Kurenai Yuuhi, que ainda preenchia um ou outro documento.

Naquela manhã, Naruto, Hinata, Neji e Rock Lee foram buscar-me em casa para irmos à escola. Durante o caminho, Lee comentou comigo que a senhorita Yuuhi estava a minha procura no dia anterior, todavia acabou sendo socorrida na enfermaria devido a um desmaio em seu horário de almoço. Infelizmente não teria como escapar daquilo. Antes que ela viesse a mim pessoalmente, preferi terminar com aquele problema de uma vez por todas após a aula de Língua Japonesa do professor Yamato.

Estou cabisbaixa, mas ao entrar dei uma ligeira olhada ao redor de sua sala; ela havia modificado algumas coisas, como por exemplo o adesivo de parede colado atrás dela em formato de um mandala preto e verde-água e o grande vaso de vidro no canto do escritório que carrega uma palmeira ráfia. Tinha avistado também alguns porta-retratos de moldura vermelha no lado direito da escrivaninha e no esquerdo uma flor de lótus feita de cristal multifacetado. Confesso que a nova decoração ficou bonita, no entanto, não estou nem um pouco contente em vê-la.

— Boa tarde, Sakura. — cumprimentou suavemente, o que me fez acordar daquele transe. Pôs a papelada num envelope pardo e o guardou na gaveta da escrivaninha entre nós — Perdoe-me por não ter entrado em contato diretamente com você ontem, tive alguns contratempos.

— Sem problemas. A senhorita melhorou? — respondi sem olhá-la nos olhos e tentando fingir inexpressão. Ela abriu um sorriso discreto e colocou as mãos delicadas sobre a mesa, cruzando-as.

— Sim, fico grata por perguntar. Mas enfim, e você? Como está? Não te vejo desde a semana anterior às provas finais.

— Estou bem, só um pouco cansada.

— Quer conversar sobre?

— Hmm, não por enquanto, obrigada. — murmurei, me ajustando no assento.

Não tardou muito para perceber que eu já havia feito idiotice: ficar remexendo-se na cadeira ou evitar contato visual exprime incômodo, ansiedade. Aprendi isso com a própria Kurenai. A psicologia é tão maligna que estuda com precisão todos os comportamentos humanos ao ponto de os profissionais desta área adquirirem a habilidade de descodificar até a região mais escura da sua mente. E é por esta razão que tentava omitir tudo dela, principalmente os pesadelos com Sasuke, mesmo que ela já tomasse conhecimento disso desde o princípio. Foram eles os culpados por eu estar aqui.

— Gostou? — ela riu moderadamente, dando uma olhadela para a flor de lótus quando reparou que eu a fitava — Decidi aderir o Feng Shui*.

— Ah, sim.

— Fiquei preocupada com você. — pude sentir uma verdadeira gentileza tanto em suas palavras quanto em seu olhar — Sua mãe sabe que você não tem comparecido às sessões?

Quase dei um pulo e automaticamente uma gota de suor frio escorreu pela minha têmpora. Não entendi a pergunta. Kurenai enviara duas cartas, antes e durante as férias de primavera, para mamãe, relatando sobre minhas ausências consecutivas nas sessões. Eu escondi os documentos e falsifiquei a assinatura dela. O que haveria dado errado? Emiti um pigarreio e decidi finalmente empurrar uma madeixa de cabelo para trás da orelha.

— C-Como assim, Srta. Yuuhi? Ela está ciente sim, tanto que assinou as duas cartas que você enviou.

— Você não me engana mais, Sakura. — revelou tranquilamente. Os olhos de cor escarlate estão um pouco arregalados e circunspectos — Sei que você falsificou as assinaturas. Devo confessar que você simulou quase perfeitamente a caligrafia da Sra. Haruno.

Senti meu corpo a um passo de liquidificar-se. Admito que por esta eu não esperava. Como essa louca conseguiu descobrir a minha farsa?! Imaginei todas as técnicas possíveis que minha mãe usaria para me assassinar, principalmente porque é bem provável que eu receba uma suspensão. Antes que pudesse ficar completamente muda ou enrubescida, algo que seria pior, tentei aclarar o contexto daquela história, embora estivesse gaguejando:

— M-Me desculpe, mas se a senhorita me der uma chance eu explico por que fiz isso!

— Está desculpada, Sakura. Antes eu queria esclarecer algumas coisas. — exalou um suspiro leve e aproximou-se um pouco mais de mim. O perfume dela tem essência de rosas — Me permite?

— Sim...

— Sei que você não gosta dos nossos encontros. Sei que sua mãe é quem lhe obriga a frequentar às sessões. Também sei que você não está bem e por isso meu dever é te ajudar pelo menos um pouco, porém, não quero que se sinta pressionada. — ela dialoga comigo num tom estranhamente fraternal — Vamos fazer o seguinte: ao invés de nos vermos duas vezes na semana, você pode vir apenas às terças-feiras. E eu não conto nada à diretora Tsunade ou aos seus pais sobre suas ausências e a falsificação da assinatura. Combinado?

Sinceramente, meu desejo mesmo é excluir as consultas com a psicóloga da grade curricular. Contudo, sei que a senhorita Yuuhi não tem autoridade o suficiente para isso e que apenas deseja agir com profissionalidade. Ela também está sendo legal. É notável que a cumplicidade da doutora transmite franqueza, mas uma parte de mim detesta aquilo. Enfim, decidi acertar as contas com ela. É o único meio de livrar-me da asneira que cometi.

— Sim. Eu não queria trazer problemas para a senhorita, eu só... — tentei desabafar. Ao ver que nada conseguia sair, bufei e abaixei a cabeça, apoiando-a com o dorso da mão — ah, esquece. Obrigada, doutora Kurenai.

— Te peço apenas que deixe este acordo em sigilo. Suponho que você não esteja nos seus melhores dias, então hoje eu te libero. Mas só hoje, hein?

Assenti e me pus de pé, agradecendo internamente aos céus por ela ter sido atenciosa quanto ao meu humor. Apesar de aprovar, tenho receio de que mentir para a senhora Tsunade possa prejudicar o emprego dela. A Kurenai é uma boa pessoa, e eu me sentiria um lixo caso fosse responsável pela demissão de alguém. Cocei a nuca, um pouco inibida.

— Doutora... tem certeza de que isso não te trará prejuízo?

— Eu darei o meu jeito, não se preocupe. Agora vá, Sakura. — ela ordenou, sorridente. Levantou-se e me conduziu até a saída, pondo a mão graciosamente sobre meu ombro logo depois — Boa aula e não hesite em vir me procurar, caso queira conversar.

Meneei a cabeça num sinal positivo, tentando devolver o riso. Escutei a psicóloga fechar a porta do escritório ao passo que eu atravessava o corredor, indo até o bebedouro. Ao beber água, penso em como farei nos próximos encontros, já que não posso mais faltar. Ainda não me sinto confortável para conversar sobre minha vida emocional.

Quando terminei, vi Shikamaru Nara caminhar relaxadamente em minha direção com a mochila carregada nas costas e os polegares nos bolsos da calça. Sempre tão despreocupado. Acenei para ele, pois estava usando fones de ouvido. Meu amigo retirou um deles e deu um sorriso comedido ao perceber minha presença, me abraçando depois.

— E aí, Haruno?

— Oi, Preguiça. O que faz aqui?

— Vou para a aula de Literatura agora. — ele apontou a cabeça na direção da primeira sala à direita, fazendo uma expressão entediada — E eu nem tô preparado psicologicamente pra aturar a falação do Kakashi.

— Mas o Kakashi Hatake é legal.

— Ele é sim, a aula dele não.

— Me sinto assim com o professor Gai.

— Eu também. — revirou os olhos castanhos e naturalmente estreitos — Por falar nisso, aquela tarefa que a Anko passou para casa ontem me irritou, embora eu goste de Matemática.

— Mas você não veio ontem...

— Peguei emprestado o caderno do Gaara.

— Ah, sim. MEU DEUS!! — quase me esgoelei, dando um tapa na testa devido a minha estupidez — Esqueci de fazer a lição de casa, e ainda tenho aula com ela mais tarde!

— Anko é uma mulher problemática, acho melhor você fazer isso agora. — Shikamaru riu um pouco, me olhando sugestivamente. Cruzei os braços, estressada.

— Droga, o pior é que eu não prestei atenção na aula dela e sou péssima com cálculos...

— Relaxa, te empresto meu caderno de Matemática pra copiar o dever. — puxou a mochila para frente e a abriu, retirando dela um caderno de capa preta. Me entregou — Toma aí.

— Você tem certeza, Shikamaru? Não vai precisar dele ainda hoje? — rebati, um tanto acanhada, hesitando em aceitar o objeto. Ele estalou a língua.

— Não, criatura. Para de graça e aceita logo.

Não acho uma atitude correta copiar a lição de casa de um colega, mas realmente Anko Mitarashi é uma professora bem rígida e não desperdiça uma mínima oportunidade de infernizar a vida dos alunos. Grande parte dos estudantes não gosta dela, ou melhor, do seu sadismo. Resolvi então apanhar o caderno e seguidamente Shikamaru fechou o zíper da mochila e a pôs de volta nas costas. Agradeci enquanto me afastava aos poucos:

— Muito obrigada, te devolvo quando voltarmos para casa!

— Olha, acho que vou ficar mais um pouco na escola depois do término das aulas. Preciso fazer algumas pesquisas pra um trabalho lá na biblioteca.

— Sem problemas! Se você não for embora com a gente eu passo lá e te entrego!

— Valeu, Sakura! — disse, jogando uma piscadela e direcionando-se para a sala.

Eu sequer poderia pensar em estudar num momento como este, no entanto, decidi copiar a tarefa durante a aula de Física. Chegando na classe certa, empurrei a porta com cautela, me deparando com o professor Asuma Sarutobi escrevendo no quadro negro e com alguns olhares curiosos dos alunos. Avistei Ino, Neji e Rock Lee em carteiras próximas uma da outra no meio da sala.

— Boa tarde, professor. — saudei quase em um sussurro, encabulada. Ele virou-se para mim — Perdoe-me pela demora, estava resolvendo alguns assuntos...

— Boa tarde, Srta. Sakura. — sorriu cordialmente, voltando sua visão para a lousa — Não se preocupe. Entre, ainda estamos iniciando a aula.

Fiz uma pequena mesura em gratidão e entrei, caminhando até onde meus amigos estavam. Havia pedido a Neji, durante a aula de Língua Japonesa, que levasse minha mochila para esta sala, já que eu estaria na reunião com Kurenai. E a vi repousada em uma carteira ao lado dele. Rock Lee, sentado em frente, se virou para trás e indicou o lugar com seu costumeiro semblante animado:

— Chega mais, gatinha!!

— Poupe-me.

Apanhei a mochila para sentar-me e a coloquei no chão ao meu lado. Sem demoras, retirei de lá o caderno rosa e o estojo simples da mesma cor e os deixei em cima da mesa, abrindo este último a fim de pegar uma caneta para copiar rapidamente a lição de Matemática do Shikamaru. E lá vamos nós. Enquanto virava as páginas, Neji sussurrou para mim, sem desviar sua atenção do quadro:

— E então, se resolveu com a Srta. Yuuhi?

— Digamos que sim. Depois te explico.

— Por falar no assunto, sabem aquele desmaio dela de ontem? — rumorejou Ino, com um demasiado brilho nos olhos. Ela mordiscou a ponta de sua caneta com estampa de marcas de batom vermelho e eu fingi interesse:

— O que tem?

— Boatos dizem que ela está grávida do professor Asuma...

— Eles são noivos, o que há de tão estranho nisso? — Neji se queixou, sério como de hábito, olhando-a de esguelha por cima da longa mecha de cabelo castanho. Ino bufou com seu comentário.

— Argh, não dá pra fofocar com você, Neji.

Eu não tinha notado algo diferente na psicóloga Kurenai, então me surpreendi com a probabilidade de ela estar grávida. Todavia, não estou disposta a ouvir fofocas. Já Rock Lee, que ficou pasmo com a suposta notícia, pediu para que Ino continuasse contando sobre o que sabia a respeito do assunto. Ignorando as conversas paralelas, continuei transcrevendo as respostas do dever de casa para meu caderno. Pra que juntar números com letras?!

Após alguns minutos, terminei o trabalho de Matemática. Coloquei o caderno de Shikamaru e o meu de volta na mochila cuidadosamente, apanhando o de Física. O senhor Asuma então começou a explicação da nova matéria, mais especificamente sobre física mecânica. No instante em que lecionava, escutei repentinamente Ino comentando algo com os rapazes, deveras entusiasmada:

— Depois a gente conversa sobre isso!

— Está se referindo a quê? — perguntei, levantando uma sobrancelha. 

— Você não me escutou, não é? — cerrou os lábios, com o olhar meio torto para mim — Eu tinha dito que planejei durante as férias inteiras uma festa lá em casa e a marquei para esse fim de semana.

— Vai ter bebida liberada, Ino?! — interrogou Rock Lee com um ar malicioso e empolgado. Uma veia ressaltou sobre a testa dela.

— Lee, eu já te falei para deixar essa vida! Em plenos dezessete anos e o garoto já é alcoólatra! Mas sim, vai ter bebida liberada, menos para você!

— Isso é uma injustiça... — Lee fez um bico em sinal de decepção — por que não?

— Ainda pergunta? Sabe muito bem que você fica insuportável quando está embriagado!

— Vocês querem calar a boca antes que o Asuma brigue conosco? — Neji retorquiu, desta vez expondo irritação.

Ino e Rock Lee mostraram as próprias línguas em um gesto infantil para ele e eu o venerei em meu íntimo por ter feito aqueles dois se calarem. Agora, em relação à festa, não sei exatamente o que pensar. A vontade de ir é zero, porém, conheço bem o poder de persuasão dos meus amigos, então não teria como competir com eles, principalmente porque todos querem que eu me distraia. Ninguém merece...

Depois dos prolongados períodos de Física e de Matemática — aliás, as questões do dever de Shikamaru estavam todas corretas —, o sinal que indicava o horário de saída tocou. Hoje nenhum de nós novamente foi selecionado para o grupo da limpeza*, logo recolhi todo meu material escolar, guardei dentro da mochila e esperei meus amigos fazerem o mesmo, que por coincidência também têm Matemática no último tempo. Quando nos despedimos da Srta. Mitarashi e saímos de sala, encontramos Gaara e Tenten no corredor em meio à multidão de estudantes que iam para o portão da escola.

Rock Lee assobiou no intuito de chamar a atenção de ambos. Assim que conseguiu, nós nos aproximamos deles. Neji pegou sutilmente a bolsa de Tenten e passou a carregá-la enquanto dava-lhe um carinhoso beijo na testa. Estão namorando, algo que é digno de um coro de aleluia se levar em conta o tempo que demoraram a se confessarem um ao outro. No momento em que andavam de mãos dadas ao nosso lado, ela disse em tom alto:

— Aviso que a nova professora de Química é uma mulher louca e pervertida.

— Quem é ela? — inquiri, rindo um pouco. Gaara, que levava a mochila de Ino e apoiava o braço por cima de seus ombros, me respondeu com um aspecto nauseado:

— Mei Terumi. Fui assediado por aquela perua...

— E você ainda reclama?! — Lee vociferou, revoltado. Seus olhos de repente brilharam e ele sorriu de orelha a orelha — Eu tive aula com ela hoje mais cedo, e acabei me apaixonando. A Srta. Terumi é uma deusa!!

Tive que ter muito autocontrole para não desferir um murro em Rock Lee, dado que sempre que o Sobrancelhudo começa com seus ataques de energia é difícil acalmá-lo novamente. E, caso eu não esteja enganada, percebi uma pontinha de ciúme vindo de Ino quanto ao assédio que Gaara sofreu da professora nova; ela havia adotado uma postura indiferente e permaneceu em silêncio.

— Que história é essa de você ser assediado? — Neji brincou, sorrindo de um jeito sacana brevemente — E por acaso vocês viram Shikamaru, Naruto e minha prima?

— Ela disse que achou o Gaara lindo e que queria que ele tivesse a idade dela. — Tenten imitou uma voz sedutora e nós rimos, exceto Ino, com o rubor que apareceu nas bochechas de Gaara. Ela retornou a falar normalmente — Nós não vimos. Mas acho que Shikamaru disse algo sobre ir à biblioteca depois das aulas, ele tem um trabalho de Língua Inglesa pra fazer.

Subitamente recordei-me da promessa que fiz a Shikamaru. Preciso fazer isso ainda hoje, não sei quais são os horários de aulas dele. Caso contrário, supondo que ele tenha aula com a Anko amanhã, ela poderia arrancar friamente os órgãos dele. Dei meia-volta, subindo a escadaria enquanto eles já estavam na metade dela. Meus amigos viraram-se para mim e eu os comuniquei, ainda andando:

— Gente, eu lembrei que preciso devolver o caderno que peguei emprestado com o Preguiça. Prometo ser rápida, daqui a pouco alcanço vocês!

— OK, Sakura, estaremos no portão aguardando vocês. — falou Gaara, alto o bastante para eu escutar. Assenti e prossegui adiante.

Os corredores já se encontravam quase desertos. A biblioteca se localiza no terceiro andar do prédio, então demoraria um pouco para chegar ao meu destino. Irrevogavelmente meus olhos fixaram-se no chão. E mais uma vez cá estou eu perdida em pensamentos.

Minha mente está apenas digerindo tudo o que ocorrera de ontem para cá. Estou uma bagunça, sobretudo porque as coisas vieram à tona como uma bola de neve: rápidas e uma atrás da outra. Queria fugir para um lugar onde eu possa descansar e respirar um ar puro, me sentir livre pelo menos uma vez do dia a dia, sem hora para regressar.

No momento em que passei em frente à diretoria, senti de repente um empurrão no ombro abrupto o suficiente para fazer com que eu perdesse o equilíbrio e minha mochila caísse, visto que estava distraída demais. Vi-me estatelada no chão como uma tonta e corei ao considerar que usava a saia pertencente ao uniforme. Ligeiramente a consertei e me estiquei até a bolsa para apanhá-la. Pedi perdão ao indivíduo e por fim o olhei.

Por um súbito instante, um meteoro colidiu-se com a Terra do meu universo, produzindo ondas de choque capazes de atingirem velocidades descomunais; tão impactante que foi o bastante para destruir uma parte da crosta terrestre. E uma camada de fogo colossal culminou o planeta. Quaisquer tipos de forma de vida transformaram-se em cinzas e vapor. Uma aniquilação completa.

Incrédula, o analisei de cima a baixo. Sua altura, obviamente, havia se estendido, e com ela músculos foram desenhados em evidência, tornando-o elegantemente intimidador. Os cabelos negros e desgrenhados continuavam intactos. A pele ficara um pouco mais pálida. E os olhos dele, sombrios como uma noite sem luar, me avaliavam de maneira ríspida como sempre fizeram. Sua presença me deixou imóvel, ainda ajoelhada, e sem fala alguma.

— Você continua a mesma desastrada de sempre. — rosnou a mesma voz que eu ouvia em meus sonhos.


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Notas finais do capítulo

OBS.: *Feng Shui (Vento e água) = termo de origem chinesa estabelecido por uma relação Yin e Yang que representa o conhecimento das forças necessárias para conservar as influências positivas que supostamente estariam presentes em um espaço e redirecionar as negativas de modo a beneficiar seus usuários;
*Grupo da limpeza: No Japão, os alunos limpam as salas de aula, os corredores e os banheiros, dividindo-se em turnos. A regra tem o intuito de ensinar o valor do trabalho próprio e em equipe e o respeito ao meio ambiente, por este motivo não existem auxiliares de serviços gerais nas escolas japonesas.

Hmm, e esse reencontro entre o Sasuke e a Sakura? Devo admitir que as confusões estão apenas começando, fiquem de olho! Isso é tudo por hoje, pessoal. Um grande beijo para todos e até a próxima!! ♥



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