A luz do teu olhar escrita por Ariane Munhoz


Capítulo 5
Flor de Lótus


Notas iniciais do capítulo

Prontos para um pouco de superação e coragem?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759424/chapter/5

Certa vez, quando Kiba era pequeno, ele havia balançado muito alto, tão alto que nenhum garoto de três anos conseguia alcançá-lo. Nesta ocasião, sua mãe, Tsume, havia lhe alertado que se insistisse em fazer aquilo sem segurar as correntes, Kiba poderia acabar caindo e se machucando.

Foi exatamente o que aconteceu em sua terceira tentativa quando, ao soltar as correntes, alegre por sua vitória, Kiba voou do alto do balanço e caiu de cara no chão. Perdendo os dois dentes de leite da frente e ficando com os joelhos em carne viva.

Naquela ocasião, ele havia jurado de pés juntos nunca mais balançar novamente, mas sua irmã, Hana, o encorajou a fazê-lo, garantindo que alguns traumas na vida eram piores do que outros. E que, às vezes, precisamos cair do balanço para nos levantarmos novamente, com mais experiência, e tentarmos outra vez.

Ela tinha razão sobre o balanço e a experiência. Hana costumava ter razão em muitas coisas.

E, agora, lembrando-se disso, Kiba se perguntava que tipo de mistérios cercavam a vida de Aburame Shino para ele se tornar tão recluso. Pois a personalidade destrutiva que afastava todas as pessoas de perto parecia ser um reflexo de seu trauma. E, até então, tudo o que Kiba entendia é que ele havia perdido a visão. Quão impossível seria se seus olhos se fechassem para o mundo?

E, ainda assim, eu o faria se pudesse te ter aqui agora, nee-sama.

Abriu os olhos quando a oração foi encerrada. Kiba gostaria de acreditar que, em algum lugar, sua irmã Hana ainda olhava por ele. Mas não sabia se a existência de uma entidade superior era verídica ou não. Mas acreditava que existia algo além desta vida. Talvez. Era um impasse que vinha vivendo desde que perdera a irmã. Perda com a qual tinha dificuldades de lidar constantemente. Como agora.

Não pense nisso, Kiba. Foque-se.

− Muito bem. – Iruka chamou a atenção de todos com um sorriso singelo. O grupo era composto por pessoas que haviam passado pelo trauma de perder algo ou alguém, e, dentre eles, Kiba reconheceu Hyuuga Hanabi, que acenou-lhe brevemente com uma das mãos. Ele sabia que tanto ela quanto Hinata haviam perdido a mãe no incidente. Fato que só descobrira através dos obituários dos jornais na prisão, pois Hinata demorou alguns dias até lhe visitar. Afinal, sua prisão não havia sido um escândalo nacional, mesmo que a culpa que carregasse fosse a de ter facilitado a entrada de um dos terroristas no estabelecimento onde trabalhava: a parte de segurança noturno no shopping. Não era o emprego ideal, mas ajudava a pagar as contas e sua faculdade na época. – Hoje temos um membro novo aqui conosco. Que tal você se apresentar e falar um pouco sobre você?

Kiba notou que todos os olhares se voltaram em sua direção. Claro! Todos os outros já deviam frequentar a reunião há mais tempo!

− A-ah... Sou Inuzuka Kiba, tenho 23 anos, e sou um novo voluntário aqui no centro de reabilitação. – Coçou a nuca, um pouco incerto sobre o que dizer.

− Existe algum motivo pelo qual escolheu se tornar voluntário, Inuzuka-san? – A voz de Iruka era um tanto quanto tranquilizante. Fazia com que Kiba quisesse se abrir com ele. Mas ao mesmo tempo, sentia-se incomodado em expor a própria vida dessa maneira.

− Bom, eu...

− Ele é um amigo da família. – Hanabi veio em seu socorro, abrindo um sorriso breve para Kiba. – Amigo de infância de Hinata-nee-sama, e um irmão mais velho para mim. Sempre esteve presente nas nossas vidas. Com sua índole, não me surpreende que tenha virado um voluntário aqui.

Kiba sentiu-se grato, embora aquela fosse apenas meia verdade dos fatos. É verdade que teria escolhido se tornar um voluntário ali desde o início se não tivesse sido preso, mas...

− Entendo. – Iruka deu-se por satisfeito. – No momento adequado, Inuzuka-san se abrirá conosco. Tenho certeza. Mas, por ora, alguém quer fazer as honras de contar um pouco o motivo de fazer parte desse grupo?

O silêncio foi famigerado. Olhares trocados rapidamente, enquanto ninguém parecia ter coragem de abrir-se realmente. Iruka sabia que essa era a parte difícil. Pois a maioria das pessoas sentia-se incomodada em abaixar as defesas e permitir que os outros conhecessem seu lado mais sensível. Mas não se sentia especialmente feliz quando tinha que escolher alguém a dedo.

Lee fez menção de dar um passo à frente. Embora já tivesse compartilhado sua história ali algumas vezes e soubesse que algumas pessoas tinham dificuldade de fazê-lo. Algumas, como as de Gaara, não eram segredo para ninguém. Mas saber como ele se sentia a respeito disso era algo completamente diferente. E o ruivo tinha ciência de que alguns dos olhares eram dirigidos para si. Outros para Shino. Bem, a diferença é que Aburame não podia enxergar isso.

E esse é um péssimo pensamento, Gaara. Péssimo.

− Eu quero. – Foi surpreendente para todos quando Sarutobi Konohomaru deu um passo à frente na roda antes de todos. Sempre reservado, costumava entrar mudo e sair calado, com uma expressão fechada de quem parecia ter chupado uma dúzia de limões antes de ir para a reunião. Pois muitos acreditavam que ele só estava ali pela namorada, Hyuuga Hanabi, uma das poucas a conhecer sua história de fato.

− Muito bom, Konohomaru-san. – Iruka acenou com a cabeça, deixando que ele escolhesse o momento propício para começar seu relato.

Shino apenas bufou, desconfortável. Como se quisesse estar em qualquer lugar, menos ali. Fato que deixou Kiba um tanto indignado. Ele precisava ser assim tão grosseiro?!

Konohomaru sentia as palmas das mãos suarem e os dedos frios de nervoso. Hanabi, por sua vez, entrelaçou os dedos aos do namorado, sorrindo-lhe de maneira solicita, como quem dizia estou aqui com você. Só vá até onde consegue. E ele era grato por isso. Pois sabia que sem Hanabi ao seu lado, já teria esmorecido por completo naquele mundo de pesadelos aterrorizantes.

− Eu... não tive nenhuma sequela do acidente como aconteceu com muitos aqui. – Ele ergueu o olhar na direção de Shino brevemente. Por um momento sentindo o desprezo que emanava do homem por estar ali. E engoliu em seco. – Mas eu perdi meus pais. Ambos. – Abaixou os olhos. Um coro de “sentimos muito, Konohomaru” pôde ser ouvido. Como uma espécie de lamento coletivo que serviu para Konohomaru como uma espécie de alavanca para que prosseguisse com seu relato.

“Uma das bombas foi instalada no prédio onde eu morava. Por ser um local residencial, a ANBU não focou ali. Estavam mais preocupados com os grandes centros, hospitais, shoppings... não imaginaram que prédios cheios de pessoas também poderiam ser alvos. E não apenas aqueles com sedes de trabalho. Eu e meus pais estávamos em casa naquele dia, assistindo filmes. Eu havia faltado na escola porque os dois estavam de folga. O prédio não explodiu por inteiro. A bomba não foi colocada com essa intenção. Mas explodiu próxima aos ductos de gás. Criando um vazamento interno que alcançou primeiro os andares superiores. Mas acontece que a fiação do prédio era velha e mal cuidada. A explosão atingiu o reservatório de água do prédio e... bem, as faíscas criaram uma explosão que varreu em chamas tudo o que estava próximo. Ainda me lembro quando as chamas invadiram meu andar. Em como meu pai tentou desesperadamente nos tirar pela escada de incêndio. Mas as chamas tomavam conta de tudo. Era impossível sair. Quando os bombeiros chegaram, meus pais insistiram que eu fosse o primeiro a ser levado, pois já havia inalado fumaça demais. Eu não queria me separar deles, entende? Não queria. Então... quando o bombeiro me tirou de lá, tudo explodiu. Tudo explodiu...”

Sua voz foi se tornando um fio até desaparecer. Ninguém o repreendeu pelas lágrimas silenciosas que corriam por seu rosto de maneira desenfreada. Ninguém tirou sarro. Hanabi apenas apertou sua mão com mais força, admirando-o por sua coragem. Pois sabia o quanto custava para Konohomaru falar a respeito daquilo.

− Acredito que deva ser muito difícil para você lidar com tudo isso, Konohomaru-san. Sinto muito. – Iruka se manifestou.

Konohomaru apenas acenou positivamente com a cabeça, tornando a se sentar ao lado da namorada.

− Você foi muito corajoso, Kono-kun. – murmurou baixinho, dando-lhe um beijo no rosto. Sem se importar com o sabor salgado das lágrimas.

− Me sinto um covarde... – confessou.

− Jamais. – disse ela. – Não pense assim. Vai ficar tudo bem.

Konohomaru queria acreditar que sim. Que um dia os pesadelos o abandonariam. Que conseguiria salvar pessoas presas a infernos como aquele em que seus pais haviam perecido.

− Acho que você é muito corajoso, Konohomaru-san! – Lee ficou em pé, parecendo um soldadinho de chumbo enquanto falava. – Poucas pessoas sobreviveriam a algo assim e pensariam apenas nos outros! Porque o que aconteceu a você certamente foi terrível também!  Mas meus pais me ensinaram algo... Que a flor de lótus nasce na lama, mas floresce da forma mais espetacular que existe, completamente pura, sem se deixar contaminar. E eu acredito que você crescerá muito! Não desista! Você não é um covarde!

Gaara se viu surpreso pelas palavras de Lee. Queria sentir-se daquela maneira. Puro. Mas sentia-se apenas sujo. Envolto pelo sangue da própria mãe que fora incapaz de salvar. E sentiu as marcas escondidas pelas mangas longas pinicarem. Sua culpa. A morte de sua mãe era sua culpa.

− Lee... – Konohomaru engoliu o choro que chegou à garganta. Pois sabia que o pai de Lee havia ficado paraplégico. – Obrigado!

Curvou-se diante dele, grato por suas palavras. Grato por alguém além de Hanabi acreditar em si.

Depois disso, a reunião seguiu normalmente. Com dinâmicas realizadas em grupo, com todos tendo que interagir. Até o momento final, quando a socialização era feita junto com bebidas e alguns quitutes, causa pela qual a maior parte das pessoas ali jurava vir. Mas observando o clima leve ao final da sessão, Kiba soube que não era bem assim. Mesmo que os doces estivessem maravilhosos!

Em determinado momento, observando Shino que não havia saído da cadeira, aproximou-se com um suco de caixinha e um biscoito, entregando a ele. Shino ia emendar, dizendo que não tinha fome, mas surpreendentemente sentiu o estômago reclamar. Tomou um gole do suco, surpreso.

− Melancia. Não costuma ser a primeira escolha da maioria das pessoas. Por que achou que eu gostaria? – perguntou.

− Porque nada em você parece ser simples ou normal. E ninguém – praticamente ninguém – gosta de suco de melancia. Parecia ser a sua cara.

Shino apenas encolheu os ombros, mordiscando de leve o biscoito.

− Não estou gostando mais de você por isso, garoto.

− O-oe, não me chame de garoto! Temos a mesma idade! – exclamou. – Eu acho.

− Tenho 26. Você é um pirralho recém-saído das fraldas. – Shino sorriu de canto. Kiba notou as cicatrizes novamente, descendo por baixo da gola alta do casaco que ele quase não levantava para comer.

− Grande coisa. – Kiba inflou uma das bochechas, injuriado com a atitude de Shino. Por que ele precisava ser tão desagradável?!

O silêncio pairou entre os dois, incômodo novamente. Kiba não sabia que tipos de assunto puxar com Aburame. Pois ele não parecia fazer questão de querer conversar. Batucava os dedos sobre a superfície da mesa ao seu lado quando Hanabi aproximou-se com o namorado, Konohomaru, para salvá-lo pela segunda vez naquele dia.

− Kiba-kun, olá. – Ela acenou com uma das mãos, abrindo um sorriso para o rapaz. Konohomaru repetiu seu gesto.

− Hanabi-chan! A última vez que te vi, tinha quase dez centímetros a menos! – Kiba não se fez de rogado, abraçando Hanabi com um aperto digno de urso.

− Assim você me esmaga, Kiba! – exclamou ela, e Kiba afastou-se um tanto sem jeito. – Esse é meu namorado, Konohomaru. Acho que você não o conhece.

De fato, Kiba não conhecia. Mas achou muito corajosa a atitude dele.

− Prazer, sou Inuzuka Kiba. – Estendeu a mão para cumprimenta-lo. – E este protótipo de árvore ao meu lado é Aburame Shino, insuportável profissional. – Kiba não escondeu o olhar de descontentamento a Shino, que apenas encolheu os ombros como se pouco se importasse com o que Kiba achava de si.

Hanabi deu uma risadinha, ao que Konohomaru coçou a nuca, um tanto sem graça.

− O prazer é meu. – Konohomaru devolveu, com um sorriso no rosto. Apertando a mão de Kiba firmemente.

− Acho que você foi incrível ao dizer tudo aquilo. – Kiba expressou, com um sorriso que deixava um dos caninos expostos. – Eu não teria tido essa coragem.

− Hn. – Para a surpresa de Kiba, Shino concordou com ele. – Poucos gostam de expressar como se sentem a respeito de seus incidentes. Não se diminua por isso.

− O-obrigado, eu acho. – Konohomaru, desacostumado a ser o centro das atenções, não sabia como agir.

− Temos muito a conversar. Por que não passa lá em casa mais tarde, Kiba-kun? – Hanabi ofereceu.

− Não posso. – Kiba ensaiou um sorriso que nunca chegou aos seus lábios. – Direto para casa.

Hanabi sentiu-se insensível por esquecer.

− Oh! Sinto muito, Kiba-kun! Mesmo.

− Não se preocupe. – Encolheu um pouco os ombros. – Temos que ir agora. O Shino tem uma consulta com a médica.

− Consulta inútil. – Voltou ao humor costumeiro. Mas Kiba apenas revirou os olhos, tocando o braço dele, e Shino estendeu a bengala enquanto seguiam para fora da sala de reunião, sob os olhares atentos de Iruka.

− Eu não te disse que você tinha sido badass? Hum? – Hanabi o cutucou entre as costelas. E, por algum motivo, Konohomaru sentiu-se bem por finalmente ter colocado aquilo para fora.

X

Mito parou diante da faixada do centro de reabilitação Mokuton, respirando fundo.

− Será que estou mesmo pronta para isso, Toka? – perguntou à melhor amiga, que enlaçou o braço ao dela, totalmente segura de si.

− Claro que está. – disse ela. – Não seja tola. Eu estou aqui, não estou? Não vou te deixar sozinha.

Mito estremeceu. Mas precisava voltar a viver sua vida. E o retorno ao trabalho seria o primeiro passo para isso. Pois ela era como uma flor de lótus. E renasceria pura e bela apesar de toda a sujeira que sentia em seu corpo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mais um domingo, mais um capítulo!

Konohomaru criando coragem e se abrindo para todo o grupo! Mereceu até destaque como capa de capítulo. Esse bb fofo, como muitos – ou todos – aqui, passou por grandes dificuldades como já foi descrito no capítulo anterior! Mas ainda bem que ele tem Hanabi ao seu lado e uma família super amorosa também que está ali por ele!

Além disso, o pessoal do centro de reabilitação que está pronto para ajudar, né?

Temos também Kiba refletindo um pouco sobre a condição de Shino, mas ao mesmo tempo não suportando seu jeito turrão. Será que eles vão se resolver?

E, claro, temos Lee sendo bolinho como sempre, né?

O próximo capítulo vai ter uma cena um pouco mais pesada, mas eu deixarei nos avisos.

O que será que Mito nos reserva com essa chegada misteriosa?

Nos vemos no próximo domingo, pessoal!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A luz do teu olhar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.