Através das barreiras do tempo escrita por Celso Innocente


Capítulo 25
Se o destino escreve...




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Tanto eu, quanto Regis e principalmente Pedrinho, por sermos os mais novos (embora existisse outros de nossa faixa etária, como meu quase vizinho José Pereira) continuávamos sofrendo o mesmo tipo de brincadeiras ridículas.

 

Se o destino escreve…

 

Estando em casa na parte da tarde, me deparei com Regis, que terminara de escrever uma carta, dobrara e colocara no envelope já endereçado.

— Pra quem você está escrevendo, maninho? — perguntei-lhe curioso. — Uma admiradora secreta?

— Acha! — Fez careta o maninho, como se garota fosse algo horrível. — É pro seminário Santo Afonso.

— Pra quê?! — exclamei eufórico.

— Pra quê? — deu de ombros, ele. — Pra que se escreve a um seminário?

— Pra fazer uma convenção? — ironizei.

— Que que é isso? — franziu o nariz como nem a saber do que eu falava em metáfora.

— Você vai mandar uma carta pro Seminário Santo Afonso da Aparecida do Norte?

—Vou! Como você sabe que é da Aparecida do Norte?

— Porque um dia eu escrevi essa mesma carta para o mesmo seminário. Quer saber de uma coisa, rasgue essa carta, amasse e jogue no lixo!

— Acha! Vou pôr no correio ainda hoje!

— Desista, maninho! Você não será padre! Vai se apaixonar por uma linda garota, que lhe dará filhos lindos!

— Credo!

— O que é credo? Filhos ou garota?

— Casar!

— Ainda bem que você não disse garota! Mostra que é hominho!

— Não gosto de garotas! Vou estudar e serei padre.

— Você tocou em um assunto legal para argumentarmos. Sua carta chegará ao seminário Santo Afonso, eles mandarão dois redentoristas virem pessoalmente falar contigo lá na fábrica de garrafas…

— Por quê? — interrompeu-me ele.

— Porque você está colocando no remetente o endereço caixa postal 49. Este endereço é da fábrica.

— Eles virão falar comigo? — estranhou Regis.

— Sim! Virão investigar se podem leva-lo para a tal vida em instituição de internato. Enquanto as crianças condenadas a vida de internato buscam jeitos de fuga, você quer ir pra um deles. Mas não têm problemas, pois você não irá!

— Você disse que eles virão me buscar! Claro que eu vou!

— Eles descobrirão algo que você não menciona na carta. Tem apenas o quarto ano escolar. Pra entrar no seminário precisa ter o colegial completo. Ou no mínimo o ginasial.

— Ãh!

— Eu te disse que seu bacharelado de quarto ano não é nada diante da vida de uma pessoa. Mas tudo bem. Eles dirão pra você continuar seus estudos e depois irá para lá. Você tentará ir para o seminário Salesiano de Guararapes. Porém, seus estudos também não será suficiente. Além de que, mamãe e papai não permitirão perder um filho pra igreja católica apostólica romana.

— Não irão me perder para a igreja!

— Por que você quer ser padre?

Ele apenas balançou os ombros como quem não quer revelar seus motivos.

— Não precisa me contar, maninho! Sei todos seus mais íntimos segredos! Você quer ser padre, porque acha que o padre já tem um ingresso garantido para o céu. Mude este pensamento, porque não é bem assim que é na realidade de Deus. Nem todos os padres vão para o céu.

— Ãh!

— Os padres, ou pastores evangélicos tem uma responsabilidade a mais do que… pessoas comuns. Como eles sabem de todas as obrigações para com Deus, se fizerem alguma coisinha errônea, já estarão condenados. E posso te falar outra coisa cruel? Os padres, como não casam e fazem votos de castidade…

— Castidade?! O que é isso?

— Desejos carnais, meu filho! Vontade de estar com garotas!

O maninho fez careta.

— Pois é! Pastores evangélicos são homens de Deus, assim como os padres, porém eles são casados, constituem famílias, não fazem votos de castidade. Os padres se dedicam só a Deus. Quer dizer… esta é a ideia. Mas eles são homens como qualquer outro e seus hormônios dentro do organismo começam a reclamar como pequenos demônios, “quero garotas! Preciso de garotas!… O pouco salitro não está resolvendo. ”

— Eeeh, maninho, você é maluco! — protestou Regis.

— Não sou não! — ironizei. — Só finjo que sou!

— O que é… hormônios?

— Existem diversos. Hormônios do crescimento! Que nos fará esticar! Como fermento. Hormônios da puberdade! Que fará nascer bigodinhos ralos em seu rostinho lindo! Pelinhos debaixo dos braços… nas partes do sexo…

— Você é maluco mesmo! — riu ele.

— Posso ser! Mas o fato é que os padres, muitas vezes, apesar de tomarem remédios e comerem comida à base de salitro para controlar esses hormônios, muitas vezes se perdem no controle e acabam cometendo grandes pecados, ao se envolverem com a inocência de menininhos como você.

— O quê?!

— Desculpe desapontá-lo, maninho! Não quero apenas assustá-lo. É que houve centenas de crimes cruéis como esse dentro da igreja. Será que o ingresso que eles pensam que conseguiram para entrar no céu terá valor?

— Os padres não fazem maldades com… menininhos! — ficou deveras revoltado o maninho.

— Infelizmente… como os hormônios do sexo estão brigando entre si dentro do organismo, padres que dormem em instituições que por algum motivo abrigam crianças; seminários principalmente. Tais homens de Deus acabam se apaixonando por rostinhos bonitos e… nem preciso continuar.

— Pare de falar asneira! — protestou nervoso, Regis.

— Rasgue essa carta! Você não será padre! Eu sei o seu destino e nele não consta uma batina. Consta muitas fraldas, as quais você terá que trocar sempre na bundinha de seus filhos sagrados.

Ele ficou nervoso, rasgou tal carta em milhares de pedacinhos e começou a chorar protestando:

— Não vou me casar! Vou estragar o seu destino! Você não terá filhos!

— Ah terei sim! Pode ter certeza que terei! Na hora em que esse coraçãozinho que pulsa em seu peito sentir uma dorzinha estranha por uma garota linda, que eu sei muito bem quem é! Na hora em que seus hormônios do amor acordar dentro de você dizendo, eu quero beijar! Quero amar a noite inteira! A vida inteira! Você me dará filhos, sim senhor!

— Beijar! Amar… Iéca!

— Você sabe o que eu quero dizer com amar… não sabe?

— Transar?

— Você é esperto! — ri. — Acho que seus hormônios já estão querendo acordar!

— Eu, hem!

Se eu conseguisse de fato fazer o maninho abandonar a ideia de tentar ir para o seminário, eu, como já disse para mamãe, estaria evitando que ele tivesse uma amizade perigosa, não para ele, mas para um tal amigo que ele não viria a conhecer.

Porém, como o destino procura alternativas para de fato acontecer o que está escrito no livro da vida, eu me surpreenderia com o que aconteceria, talvez antes mesmo de que se eu tivesse deixado do jeito que este ingrato teria preparado.

Na fábrica eu percebera que em momentos de folga, Regis estava sempre conversando com o senhor Percival, um homem de seus cinquenta anos de idade, que era o responsável pela lavagem do vidro reciclado.

A princípio não me importei, pois era até bom que ele tivesse contato com outros, pois assim estaria longe de cretinos aliciadores. Inclusive, o senhor Percival, embora se mantivesse neutro nas atitudes de… safados (na verdade ele trabalhava em setor afastado dos tais e não conseguiria mesmo ajudar tais vítimas pequenas), era um homem bom, que respeitava as crianças como pessoas.

©®©

Em final de tarde daquela mesma semana, na rua em frente de casa, percebi o maninho vindo lá do início da rua, a uns trezentos metros distante.

Quando ele chegou próximo, perguntei curioso:

— Oi maninho, onde foi? Visitar o senhor Manoel e dona Marcelina?

— Não! Fui buscar isso! — mostrou-me um queijo fresco.

— No mercado?

— Não! Ganhei do senhor Percival.

— De quem?! — espantei-me.

— O que foi que você ouviu? — balançou os ombros.

— Mas… você foi na casa dele!? — insisti assustado.

— Não! — ironizou. — Achei o queijo jogado no meio da rua! Claro que fui na casa dele! Não posso?

— Não pode não?

— Você quer mesmo mandar em mim, Arthur? Eu vou onde quero, cara! Ele é um homem bom e me mandou ir lá, que sua mulher teria feito vários queijos e me daria um.

— Você não pode ir lá! Sabe por quê? Eu vou explicar! Não deveria, mas vou! O senhor Percival tem um filho…

— Tem — confirmou Regis. — Ronival! E tem duas filhas! Patrícia e Maíra! E uma mulher! Dona Judith!

— Pois é — analisei as consequências, mas… — Esse menino… vai começar a te convidar a ir para o quarto dele…

— Sim! — deu de ombros o maninho. — Fui com ele no quarto dele!

— E com o passar das visitas que você fará constantemente à casa dele, ficarão sempre juntos naquele quarto, que ele manterá sempre fechado.

— E daí?! — não entendeu Regis.

— Carinha… esse garoto vai se apaixonar por você!

— Sai de mim, owh! Sou homem! Muito macho! Não é porque eu queria ser padre que eu sou viado!

— Pois é! Você é muito macho! Ainda bem! Vai salvar minha reputação! Sabia que Ronival também almeja ser padre?

— Sim! Ele me falou! Ele vai para o seminário Salesiano.

— Ele não vai! Também é um sonho perdido!

Pensei um pouco e insisti

— E vai se apaixonar por esse machinho aí!

— Credo, meu! — franziu toda a cara o maninho. — Pare com isso! Arranje uma garota pra se apaixonar por mim! Você só me arruma pre…dóquilos!

— O quê? — achei engraçado o maninho querer imitar minhas palavras. — Pedófilos!

— É! Esse negócio de pessoas que abusam de crianças!

— Ronival não é isso! Ele é um garoto pouco mais velho que você. Porém, ao invés de se apaixonar por garotas, acabará gostando de um garanhãozinho loiro.

— Pare de inventar asneira.

— Acredite em mim! Você não pode ter amizade por ele, pois esta amizade não terá um bom final.

Ele começou a chorar e emendou:

— Acho que você apareceu aqui só pra atazanar a minha vida. Tenho que pedir permissão a você pra fazer tudo. Até em minhas amizades você quer interferir! Daqui a pouco, quando eu quiser namorar, você vai também querer escolher minha garota.

— Vou! — ri com malícia. — Terá que ser a minha mulher! Aliás… você me fez lembrar algo. Não quero que tenha um filho de uma garota que esteja com onze anos de idade.

— Eeeh! Tenho onze anos agora! Não vou ter filhos!

— Não disse você! Disse, ela!

— Você já falou isso com minha mãe! Eu ouvi! Não serei predó… abusador de crianças!

— Não será! Você terá dezessete! E pensarão que são namorados. Se cuide. E aconselhe ela.

— A mãe dos seus filhos?

— Não! Outra garota. Você saberá.

Nos calamos por um instante, depois insisti:

— O caso hoje se chama Ronival. Não volte mais lá. Será melhor pra vocês dois!

— Vou tomar banho!


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