Two Shades Of Blue escrita por Mileh Diamond


Capítulo 4
Ácaros


Notas iniciais do capítulo

Heyyy, olha quem tá aqui, aproveitando a folga da Copa pra escrever~~
Isso aqui tinha tudo pra ser angst e não foi, estejam agradecidos u_u /q
Boa leitura!!



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Yuri achava tia Lilia muito legal.

 

Ela dava medo se você não a conhecia, mas depois de um tempo, ela se tornava uma das pessoas mais gentis de todas. Ela dava presentes, ensinava balé e fazia penteados super legais, até melhores que os de seu pai.

 

Era engraçado, porque ela parecia que não gostava de ninguém, só de Yuri. Tinha algo a ver com "Victor é o único aluno de Yakov que fez filhos bonitos." Tia Lilia não gostava de coisas feias.

 

Mas ela gostava de Yuuri e isso não fazia sentido nenhum, porque Yuuri não era bonito. Ele era baixinho, gordinho, com o cabelo arrepiado e não conseguia nem fazer um pliê sem cair como uma panqueca no chão.

 

De qualquer forma, eles gostavam de ir na casa dela, principalmente quando seu pai não estava com eles. Porque significava que eles podiam fazer o que quisessem.

 

Ou quase.

 

Desde cedo, tia Lilia estava entrando e saindo do sótão carregando a cada vez uma caixa cheia de coisas velhas. Era engraçado vê-la vestida daquele jeito: o cabelo em um rabo de cavalo baixo coberto por um lenço, em roupas mais simples que nada tinham a ver com os vestidos elegantes que ela usava todo dia.

 

E eram muitas coisas velhas carregadas.

 

— O que é isso? - ele perguntou se aproximando de uma das caixas e analisando o conteúdo. Vários daqueles discos antigos que seu avô tinha.

 

— Lixo de Yakov. - ela respondeu adicionando mais um bloco à pilha. - Não toquem em nada, meninos.

 

Ah, sim, Yuuri estava atrás dele como uma sombra. Típico.

 

Lilia falou para não tocar, mas não disse para não ver, então quando ela se afastou para ligar para Yakov e reclamar das cinco cópias inúteis de Tolstói que ele nunca leu, Yuri foi até o sótão. Yuuri foi atrás.

 

— Anda logo. - ele apressou o mais novo que subia os degraus a passos de tartaruga. Sabia que não tinha jeito de ele não ser seguido, mas seu irmão podia ser um pouquinho mais rápido, né?

 

Ele chegou ao cômodo primeiro. Tinha ainda mais coisas velhas. Mas essas eram as coisas velhas da tia Lilia e não de tio Yakov, então eram mais bonitas.

 

Por exemplo, Yuri sabia que em alguma caixa deveriam estar as fantasias de quando ela dançava no Bolshoi. Tio Yakov tinha muitas fotos e em todas ela parecia uma princesa. Além disso, deveriam ter outras coisas legais ali, porque pessoas velhas sempre guardam coisas legais.

 

Quando Yuuri chegou, Yuri já havia descoberto um livro super empoeirado em uma estante baixa. A poeira fez ele espirrar, mas ele só esfregou o nariz e se sentou pra ver o livro.

 

Yuuri começou a espirrar também. O mais velho revirou os olhos e abriu espaço no chão para ele sentar ao seu lado e, com sorte, ficar quieto.

 

— São fotos. - ele explicou enquanto folheava as páginas e Yuuri observava tudo com a mão na boca. - Ó, dá pra ver que são bem velhas porque tia Lilia não tinha rugas e tio Yakov tinha cabelo.

 

Eles continuaram vendo as fotos do tempo em que seus tios eram tão novos quanto Victor, talvez até mais. Os dois juntos em diferentes lugares do mundo, sendo que Yuri só reconheceu a Torre Eiffel. Yakov já ganhou várias medalhas, igual ao seu pai. Também tinham algumas fotos de Lilia no balé.

 

— Piê? - Yuuri disse apontando uma com a bailarina apoiada sobre a barra e a perna levantada para trás. Ela estava com outras duas meninas que Yuri não sabia quem eram.

 

— Não, "pliê" tem que levantar os dois braços. - o mais velho explicou demonstrando o movimento. - Ela tá fazendo um Ara... Ara... Ara alguma coisa.

 

— Piê! - Yuuri disse animado erguendo os braços, apenas para esbarrar em outra ciaxa e levantar mais poeira. Ele voltou a espirrar.

 

Yuri esfregou o próprio nariz, tentando aliviar a coceira.

 

— Seu bobo, eu já falei que não é pliê...

 

Yuri! - a voz de Lilia ressoou assustadoramente pela casa - Eu vou te dar cinco segundos para aparecer na minha frente com o seu irmão e é melhor que vocês não tenham ido ao sótão.

 

Oh, oh.

 

— Vem. - ele disse ficando de pé e puxando Yuuri consigo. - Se você não correr, a gente fica de castigo.

 

O mais novo podia não entender com todas as letras o que era "castigo", mas ele fez o favor de andar mais rápido. No andar de baixo, uma Lilia de braços cruzados e um olhar nada feliz esperava os meliantes.

 

— Olha pro seu estado, Yura. - ela resmungou retirando a poeira de seu cabelo e roupas - Em risco de pegar uma alergia! E o seu irmão? Bebês não podem respirar poeira, é cheia de ácaros.

 

Aquela palavra era nova.

 

— O que é ácaro? - Yuri perguntou com o cenho franzido.

 

Lilia ia responder, mas foi interrompida por um toque no telefone celular. Era Yakov de novo, em defesa de suas preciosas cópias de Tolstói e outras quinquilharias que corriam perigo.

 

Os dois foram deixados sozinhos novamente, mas Yuuri decidiu que eles deveriam montar blocos de novo e arrastou Yuri com ele. O mais velho ainda ficou com aquilo na cabeça.

 

O que era ácaro?



 

 

 

Mais tarde, quando ele tinha esquecido momentaneamente o tal ácaro, ele convenceu Lyuda - a empregada da casa - a deixá-lo tomar sorvete. Mas muito sorvete mesmo. A mulher não conseguia dizer "não" para Yuri e ele se aproveitava disso muito bem.

 

Agora que ele tinha um irmão, eram duas pessoas para manipulá-la. E tudo que Yuri queria, Yuuri queria em dobro. Pobre Lyuda.

 

Ele terminou as duas tigelas de sorvete de chocolate à tarde. Foram ótimas tigelas, obrigado. Sua tia não ficaria nada feliz em ver seu estoque de guloseimas atacado, mas ele não estaria lá para levar a bronca.

 

À noite, quando eles estavam esperando Victor para ir embora, ele sentiu a dor.

 

Era um desconforto na garganta, como se ele tivesse gritado por horas e só agora estivesse sentindo. Mas ele não gritou o dia inteiro. O que era aquilo?

 

— Cadê meus bebês?~ - Victor anunciou assim que chegou à casa de Baranovskaya.

 

— Eu não sou bebê. - Yuri resmungou.

 

— Vi-tor! - Yuuri chamou contente assim que viu o pai e tratou de erguer os braços pedindo colo de onde estava no tapete.

 

— É "papai", Yurachka. - ele disse segurando o menino e beijando sua bochecha - Vocês não deram trabalho pra Lilia, certo?

 

— Tirando as duas vezes em que meu Fabergé correu risco de vida, não. - Lilia, que estava sentada no sofá lendo um livro, disse sem nem levantar os olhos - Mas eles entraram num sótão empoeirado. Precisam de um banho.

 

— Ah, o sótão. Lar de sonhos e pesadelos. - ele suspirou nostalgicamente, lembrando da vez em que ele, Georgi e Shura entraram no sótão de Yakov à procura de fotos constrangedoras dos pais, apenas para se traumatizarem com as fotos de férias de Lilia e Yakov em 1971. O fato de que existiu um tempo em que aqueles dois ficavam bem em roupas de banho era inconcebível para os três. - De qualquer forma, obrigado por cuidar deles hoje, Lilia. Prometo que perturbarei Yakov na próxima.

— Disponha, Vitya. - ela sorriu minimamente. - Fiquei feliz em saber que Yuuri gostou dos livros que mandamos.

 

Victor falsificou um sorriso enquanto carregava os brinquedos que eles haviam trazido. Aquele livro infernal dos animais de fazenda deveria ser queimado.

 

— Um ótimo presente, Lilia. Obrigado. Digam "tchau", meninos.

 

Dasvidanya, tia Lilia. - Yuri disse sem toda a animação usual. Aquela garganta estava estranha.

 

— E como se diz, Yurachka?

 

Da-nya. - Yuuri disse timidamente antes de voltar a chupar o dedo. Victor teria que corrigir aquele hábito o quanto antes.


 

 

 

A viagem no carro foi silenciosa, com uma ou outra vez Victor perguntando o que eles tinham feito no dia. Yuri estava perdendo a vontade de falar.

 

Então veio a tosse.

 

Victor franziu o cenho enquanto olhava pelo espelho retrovisor.

 

— O que foi, Yuri?

 

— Nada. - ele respondeu porque, de fato, não era nada, só uma tosse.

 

E ela continuou, com mais dor de garganta.

 

— Não estou gostando disso. - Victor disse preocupado.

 

Yuri estava, também. O que ele tinha feito de errado agora?

 

Nem bem Victor parou o carro na garagem, ele já estava virando-se no banco e colocando a palma da mão sobre a testa de Yuri. Papai tinha uma mão fria.

 

— Yuri, você está com febre. - ele franziu o cenho. - O que será que aconteceu?

 

Yuri arregalou os olhos. Ele quase nunca ficava doente. Na última e primeira vez que aconteceu, Victor o levou ao hospital em pânico por não saber se era uma virose simples ou uma gripe forte. Pais de primeira viagem sofrem demais.

 

Mas Yuri não conseguia apontar razões para uma gripe. Ele nem havia corrido na chuva como da última vez!

 

Ou, talvez não fosse gripe.

 

E se fosse o tal ácaro?

 

Yuri mal viu quando Victor o carregou no colo (e deixou Yuuri andando), ignorou Makkachin à porta e o soltou apenas quando chegaram ao quarto dele, onde ele foi colocado na cama.

 

— Sua garganta dói? - ele perguntou e Yuri assentiu - Eu vou pegar o termômetro e um remédio.

 

— Eu vou ter que ir pro hospital? - ele perguntou com um pouco de medo.

 

— Não, não. - Victor sorriu, afastando sua franja com os dedos. - Papai agora sabe o que fazer nesses casos. E Yurachka vai me ajudar a cuidar de você.

 

Dito Yurachka estava na porta do quarto tentando entender por que ele fora ignorado por seu adulto preferido. O mesmo adulto passou por ele a passos rápidos em direção a cozinha, deixando as duas crianças a sós.

Yuri estava com a mente a mil. Seja lá o que eram os ácaros (ele imaginava como pequenos monstrinhos furando sua garganta e quem sabe o que mais), eles deveriam ser muito graves. Será que ele deveria contar a Victor? Mas então ele ficaria bravo por ele ter feito algo tão idiota! Mas e se ele deixasse os ácaros piorarem?

 

Ele poderia muito bem morrer naquela noite.

 

Seu irmão agora estava tentando subir na cama com dificuldade. Não devia ter um banquinho ali por perto?

 

— Yu-ah? - Yuuri disse tentando chamar a atenção do mais velho. Normalmente, à essa hora ele ajudaria Yuuri a subir.

 

Mas Yuri estava ocupado olhando para o nada e... chorando.

 

— Yuuri, - ele soluçou sentindo seus olhos lacrimejarem - eu vou morrer.

 

—  Huh? - Yuuri, ainda no chão, disse piscando os olhinhos.

Yuuri não entendia o que "morrer" significava. Ele apenas olhou para Yuri com aquele misto de confusão e curiosidade típico de bebês. Mas ele entendia que lágrimas significavam um problema, porque Yuri só chorava quando tinha alguma coisa errada. E eles precisavam de Victor pra fazê-lo parar.

— Vi-tor! - ele chamou pronto para ir atrás do mais velho e explicar a situação. Pelo menos, parte dela.

 

— Não! Se você falar pro papai, ele vai me deixar de castigo! - Yuri disse segurando sua mão e ainda se debulhando em lágrimas. - Olha, quando eu for embora, você não pode chorar muito, tá? Porque não adianta nada chorar por quem já morreu.

 

E Yuuri, com menos de dois anos e sem entender nada, achava que aquilo era uma tremenda palhaçada.

 

— Para! - ele exclamou fazendo uma careta séria, enquanto soltava sua mão. Por que a criatura loira não ficava quieta?

 

— Yuuri, isso é sério! - o menino na cama disse esfregando o nariz - Morrer é muito chato.

 

Yuuri tinha que fazer Yura parar de chorar. Olhando ao redor no quarto, ele procurou coisas que poderiam acalmar o mais velho. Os brinquedos eram uma boa opção.

 

O menor foi até o baú em que as coisas de Yuri eram guardadas. Batman ou Mulher Maravilha? Ele resolveu levar os dois. À passos ligeiramente desengonçados, ele voltou para a cama e entregou os brinquedos, esperando alguma reação positiva.

 

O loiro só balançou a cabeça e abraçou os joelhos.

 

— Você é muito bobo. Eu não quero brincar. - ele disse fungando e esfregando os olhos.

 

Se brinquedos não resolviam, então restava o abraço. Mas Yuuri ainda não alcançava a cama.

 

— Yu-ah...

 

— Cheguei. - Victor anunciou entrando com uma bandeja contendo um copo d'água, um frasco de remédio, uma colher e um termômetro - Dr. Gastnev disse que quinze gostas resolveriam e... Yuri, o que foi?

 

— Papa, eu vou morrer. - Yuri confessou com um soluço.

 

— Quê? - Victor teve que piscar algumas vezes antes de compreender o que ouvira - Yuri, você não vai morrer. De onde tirou essa ideia?

 

— Eu não tô com gripe! São os ácaros e eles estão me furando por dentro!

 

Victor teve que pressionar os lábios um contra o outro para evitar uma maldade. Se ele risse, iria direto para o inferno. Não era certo rir de uma criança que estava com medo de morrer por poeira.

 

— Yura, ácaros não matam ninguém. - ele assegurou permitindo-se um sorriso - Você deve ter pego uma friagem, é normal. Nós vamos cuidar disso.

 

O garoto piscou algumas vezes, para absorver o que lhe fora dito.

 

— Mas tia Lilia disse que não podemos ficar perto de ácaros! - Isso significava que eram perigosos, não?

 

— É verdade, porque senão você começa a espirrar e ficar cheio de bolinhas no nariz. - ele explicou calmamente - Mas, se você tem um papai para cuidar de você, as alergias vão embora e tudo fica bem. Entendeu?

 

Ele precisou de um minuto ou dois para organizar as ideias. Ácaros não eram tão ruins. Ele não estava doente por causa deles. Ele iria ficar bem.

 

— Então... Eu não vou morrer? - ele perguntou só para confirmar.

 

— Não, solnyshko, você tem muito o que viver ainda. - seu pai inclinou-se para beijar sua testa - Agora me ajude a tirar a sua blusa para eu medir a sua temperatura.

 

Yuuri reclamou com um som de insatisfação que estava sendo ignorado de novo.

 

— Ah, Yurachka, você quer ajudar, também? - o mais velho dos três finalmente reparou no desconforto de seu caçula, colocando-o na cama para participar do evento - Agora, vamos cuidar do seu irmão.

 

Yuuri não ajudou em nada, mas Yuri, muito depois, entendeu que ele tentou cuidar dele, na melhor forma que ele podia. Isso o deixou... feliz. Agradecido é uma palavra melhor. Seu irmãozinho podia ser um bobo às vezes, mas ele se esforçava para fazer as coisas certas. Era engraçado pensar que ele, tão pequeno, queria cuidar de alguém maior, como Yuri. Yuuri faz tudo ao contrário.

 

A partir daquele dia, Yura começou a esperar quando Yuuri andava muito devagar.


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Notas finais do capítulo

Bônus:
~ Lilia ligou logo depois avisando sobre o sorvete roubado e Victor explicou a Yuri que tomar sorvete demais te deixa gripado.
~ Nenhum lixo do Yakov foi, realmente, para o lixo. Foi tudo para a casa de campo dos dois (yep, eles ainda mantém em propriedade conjunta porque o ship é real), num hábito bem russo de não jogar nada fora. Nenhum romance de Tolstói foi machucado nessa história.
~A posição que Yuri não conseguia dizer o nome é um "Arabesque"

Qualquer semelhança entre o enredo e a vida da autora é mera coincidência :x Sem bullying.

E foi isso por hoje, people, espero que tenham gostado dessa dose de fluff :D ♥

Até a próxima!

XOXO



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