Victor estava animado para aquele encontro.

Ele finalmente conseguiu um horário em que ele, Lilia e Yakov estariam livres para almoçarem juntos e Victor contar sobre a grande novidade. Ninguém sabia sobre Yuuri ainda, ele queria uma surpresa! Mas esconder que agora tinha duas crianças estava ficando difícil, então ele precisava agir rápido.

Lilia e Yakov eram muito importantes pra ele, então obviamente eles seriam os primeiros a saber. É com um gosto amargo na boca que ele conclui que seus verdadeiros pais provavelmente só saberão sobre Yuuri quando a mídia o fizesse. Foi assim com Yuri, também. Ele não se importava.

Bom, agora não era hora para tristeza.

— Estou tão feliz que consegui fisgar vocês juntos! - ele disse sorrindo para os dois do outro lado da mesa - Parece que faz séculos que a gente não se vê.

— Nós trabalhamos juntos, Victor. Eu te vejo todo dia. - Yakov disse com os olhos semicerrados. Era o olhar de "Eu sei que você fez besteira, mas não sei o quê".

— Isso está me cheirando a uma de suas grandes ideias. - Lilia disse mais interessada no cardápio do restaurante - Não sei se devo ficar grata ou temerosa.

— Vocês são tão maus! - ele fez um bico - Não posso simplesmente conversar com os meus tutores favoritos?

Havia um "Seus únicos tutores" não dito pairando no ar. Aquilo fez com que os dois finalmente dessem um pouco mais de atenção pra ele. Mas estava na cara que aquela não era uma conversa normal.

Um garçom trouxe um copo com água a pedido de Yakov e Lilia finalmente disse:

— Você sempre pode, Vitya. - havia suavidade em sua voz, algo que o lembrava muito de quando ainda era criança  - Mas está escrito na sua testa que você tem algo a dizer. Comece logo.

— Ok, vocês que pediram! - ele disse com o maior dos sorrisos até agora, juntando as mãos sobre a mesa para impedi-lo de bater em algo - Eu tenho mais um filho!

Yakov, que estava tomando calmamente sua água, engasgou.

Lilia ficou indecisa entre encará-lo de olhos arregalados e ajudar seu ex-marido a recuperar o fôlego.

E Victor? Victor sorria como um lunático.

Quando seu ex-técnico conseguiu respirar novamente, perguntou alarmado:

— Você engravidou alguém?!

— Você nunca falou que gostava de mulheres! - Lilia falou numa voz fina demais para sua usual compostura - Pensamos que nunca teríamos esse problema e... Oh, Deus, é Markus Babichev tudo outra vez. - ela colocou as mãos sobre o rosto.

— Ei, ei! Eu não engravidei ninguém! - ele tratou de consertar logo, com um sorriso sem graça - Eu só adotei mais um bebê.

Com isso, os dois interromperam suas crises para encará-lo com um misto de incredulidade e desconfiança.

— Quê? - foi a pergunta uníssona de seus dois professores.

— É isso mesmo! Eu adotei mais um menino, ele se chama Yuuri, é de ascendência japonesa, tem só um aninho e é a coisa mais maravilhosa de todo o mundo! - ele disse todo contente e cheio daquele orgulho paternal de ter filhos fofos - Junto com Yuri, é claro.

Lilia e Yakov ainda o olhavam como se ele estivesse vendendo loteamentos na lua.

— Você adotou mais uma criança. - Lilia disse devagar, como se estivesse testando as palavras - Solteiro.

— Sim. - ele assentiu confiante.

Um momento de silêncio. E dois. E três.

— Garçom. - Yakov chamou fitando o prato vazio - Uma garrafa de vodca, por favor. A mais forte.

— E um copo pra mim. - Lilia murmurou massageando as têmporas. Estava muito velha pra esse tipo de drama.

Okay, não era esse tipo de reação que ele esperava, mas está valendo.

— Então, - ele disse prolongando a palavra, expectativa se tornando nervosismo a cada minuto - o que acham?

Yakov só respondeu depois de tomar sua bebida:

— Victor. - ele tomou fôlego antes de continuar - Nós nunca fomos contra você adotar uma criança. Nos preocupamos no início, mas sabíamos  que você precisava... de alguma coisa para continuar seguindo em frente. Yuri só melhorou a sua vida. - ele fez uma pausa - E nunca fizemos objeções sobre você não estar casado. Sabemos que não era isso que você queria.

— E nós nunca te proibiríamos de ter mais filhos, obviamente. - Lilia disse no seu tom raro de mãe preocupada - Mas Victor, Yuri nem fez cinco anos. E você disse que o mais novo é um bebê. É muito trabalho.

— Você terá que cuidar de duas crianças em idade pré-escolar sozinho. - Yakov disse num tom repreensivo - Nessa idade, eles precisam de muita atenção. E você tem uma agenda cheia.  Como espera conseguir isso?

— Eu tenho que tentar. - ele disse num suspiro quase cansado. Já tivera aquele monólogo tantas vezes - Vocês não entendem. Yuuri é incrível, ele me cativou de um jeito que eu só senti com Yura. E vê-lo sozinho, depois de descobrir tudo que ele passou... Eu não pude ficar de braços cruzados. Eu já o amo como se o conhecesse desde seu primeiro dia. Ele e Yura são tudo pra mim. - ele terminou quase numa súplica.

Ele precisava de apoio. Lilia e Yakov eram o mais próximo de uma família receptiva que ele tinha. Ele ficaria desolado se fosse abandonado agora, também.

Eles ficaram em silêncio pelo que pareceu uma eternidade para Victor. Então, Lilia tomou a sua parcela de vodca e murmurou:

— Confiamos em você, Vitya. - ela até se permitiu um sorriso - Você é o melhor pai para Yura. Tenho certeza de que será para esse novo Yuuri, também.

— Apenas tenha cuidado. - Yakov completou - Crianças nos tiram a paciência. Você vai perder os cabelos rápido com dois meninos tão pequenos.

Victor poderia chorar agora, mas de felicidade. Eles eram os melhores pais. Os mais chatos, mais rabugentos, mas os melhores. Ele não tinha ideia do que faria sem eles.

— Obrigado. - ele conseguiu dizer após sua euforia silenciosa - Muito, muito obrigado, Yakov, Lilia. Vocês não têm ideia do quanto isso significa pra mim.

Os dois sorriram e, por um momento, foi como se Victor tivesse ganhado uma medalha na categoria Júnior, de novo. Eles tirariam uma foto juntos, sairiam para comer doces super gordurosos, Lilia mandaria ele tirar os cotovelos da mesa, Yakov reclamaria dos bolinhos caríssimos que ele escolhera. Era como ter treze anos novamente. A melhor das sensações.

— Bom, suponho que temos que nos preparar para a chegada do caçula. - Lilia disse recobrindo a expressão séria do planejamento - Quando ele começará a morar com você?

— Ah. - ele piscou algumas vezes, quase se esquecendo de que eles não sabiam - Ele já está comigo! Faz uma semana, na verdade.

Se tivesse como Yakov engasgar duas vezes, ele o faria. Lilia também.

— Mas... Por que você não nos contou?!

— Eu quis fazer uma surpresa! - ele era Victor Nikiforov, duh.

Se havia uma palavra mais forte que desgosto, serviria para descrever o olhar dos dois naquele momento. Yakov desistiu daquela conversa e se serviu de mais vodca. Lilia olhou para seu ex-marido com uma cara que Victor apelidou ao longo dos anos de "A culpa é sua por deixá-lo cair do berço".

— Seu aluno. - ela disse acusatoriamente.

Yakov resmungou.

— Ah, agora ele é meu aluno. Em 2002, ele era seu "príncipe do gelo muito puro para esse mundo". Como o mundo dá voltas.

— Ele era uma criança normal até você deixá-lo patinar aquela versão techno vergonhosa de Kalinka. - ela rebateu.

— E foi você que fez a maquiagem, Lilushka.

Victor só ficou observando com um sorriso semi-forçado enquanto seus antigos treinadores reviravam o passado como se ele não estivesse ali. Por que ninguém gostava da Kalinka de Yamboo? Era uma música tão boa!

Antes que os dois pudessem se casar novamente apenas pelo prazer de repetir o divórcio, Victor retirou o celular do bolso e abriu a Galeria.

— Eu tenho fotos! - ele anunciou interrompendo a discussão que já começava a citar farpas dos tempos de Gorbachev.

Aquilo fez o casal se virar rapidamente e o drama acabou. Eles eram loucos por fotos de seus quase netos.

— Eu preciso dos meus óculos. - Lilia reclamou enquanto revirava a bolsa.

Yakov foi quem pegou o celular primeiro. Ele pareceu rejuvenecer vinte anos só vendo as imagens.

— Ha! Olha essas bochechas, ele lembra Popovich com a mesma idade.

Lilia finalmente encontrou os óculos e soltou um audível "Aww" que não combinava em nada com sua imagem de tirana do balé. Victor ficou até com ciúmes.

— Ele é uma graça! Como Victor consegue filhos tão bonitos? Seus garotos são uma vergonha para a procriação, Yasha.

— As meninas de Markus não são feias, Lilia. - Yakov tentou defender pelo menos um de seus alunos e sua prole.

— Odette e Mila não eram nada atraentes quando crianças, Yakov, não seja hipócrita. - Lilia disse vendo as próximas fotos do seu novo alvo de mimos - Yura parece que chupou um limão aqui. Ele recebeu bem a notícia de um novo irmão?

— Não muito. - ele admitiu com um suspiro - O primeiro dia foi horrível. Ele queria que Yuuri fosse devolvido. Está melhorando, mas ainda tem problemas. Yura é muito ciumento.

Os dois sufocaram uma risada ao mesmo tempo.

— Bom, ele tem a quem puxar, não, Vitya? - Yakov disse com um sorriso zombeteiro.

Victor fechou a cara, apenas para sorrir falsamente logo depois.

— Viemos aqui para almoçar e eu estou com fome. Vamos fazer os pedidos, então?

O resto da refeição seguiu normalmente, com Victor falando sobre o mais novo membro da família e Lilia e Yakov ouvindo atentamente. Lilia praticamente ascendeu a um plano superior de fofura com a notícia de que Yuuri gostava de balé e Yakov riu do sofrimento de Victor por ainda não ser chamado de pai.

E Victor não conseguia se ver tendo aquela conversa com seus pais verdadeiros. Não havia o carinho e o cuidado. Não havia as risadas, as broncas com a tentativa de educar e não de punir. Ele já aprendera há muito tempo que família não é algo determinado por sangue.

Ele só esperava conseguir dar aquilo a Yuuri.