Café avec un parfum de fleurs. escrita por sea nymph


Capítulo 3
Act III.




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Sherlock estava sozinho na Le Monde, era tarde da noite de sábado e os dois últimos clientes começavam a se despedir. O dia havia sido calmo, mesmo para uma semana que era véspera do fim de ano. O Natal batia à porta e isso significava uma movimentação exagerada na cafeteria. Só hoje mesmo tinha perdido a conta de quantos bolos de frutas foram despachados. Apesar do estresse que vinha junto das festividades, ele gostava de se sentir ocupado, atarefado. Encarava isso como um descanso pra sua mente que, desde o dia em que havia conhecido John, perturbava-o.

Essa semana mal haviam se visto e quando isso acontecia apenas trocavam alguns cumprimentos formais. Não houve conversa que pudesse marcá-lo intimamente, ou que fizesse sentido tê-lo perambulando pela periferia de suas memórias. Então por que quando ficava quieto era John que lhe puxava os pensamentos? Por que não conseguia esquecer dos olhos cinzentos que espelhavam a luz sufocante da floricultura? As respostas nunca ficavam claras e ele tinha que ponderar entre as duas únicas coisas que lhe vinham a mente: gentileza e misteriosa beleza.

Ah, sim, havia-o achado bonito. E não sabia se era por causa da paixão do homem por algo tão "comum" quanto flores ou pelas linhas que compunha aquele corpo que eram simples, não tão extraordinárias, mas o suficiente pra lhe roubar total e parcialmente a atenção.

"Tenham uma boa noite.", o sorriso que lhe tomou a boca não mostrava seus dentes e Sherlock abrira a porta para que o casal passasse por ela, acenou quando os viu se distanciar abraçados.

O suspiro veio como um alívio para o corpo que estava pesado e o dono da cafeteria deixou-se demorar um pouco na rua. A noite estava fresca, com o céu lindo e limpo. O escuro do firmamento era recheado de gotinhas prateadas, como diamantes que piscavam sapecas para ele. Automaticamente a atenção de Sherlock foi para a loja à frente, algumas lâmpadas ainda bruxuleavam dentro da floricultura e isso o fez lembrar fracamente das pequenas casinhas de madeira que serviam de enfeite nas maquetes natalinas. Uma graça. Rindo consigo, ele se arrumou para voltar ao calor de sua loja, quando uma movimentação lhe buscou a curiosidade.

Ainda existia alguém dentro da Mallorn e essa pessoa era justamente aquela que, inutilmente, estava tentando tirar da cabeça. John logo se materializou do lado de fora, perturbando o quase silêncio da alameda com o tilintar de sinos que para Sherlock já era costume. Erguendo o pulso, o mais alto olhou de relance pra seu relógio vendo que horas eram e ponderou pra si mesmo quais os motivos do outro ainda estar trabalhando. Quando finalmente o percebeu ali parado, o loiro acenou tímido, rápido, dando indícios de que estava pronto pra seguir seu caminho.

Fechando a porta atrás de si, Sherlock atravessou a rua com passos largos, suas mãos grandes fazendo volume nos bolsos externos do casaco escuro. Tentava capturar cada pedaço do corpo que aos poucos ficava próximo. O dono da floricultura franziu levemente sua testa, deixando transparecer o interesse pelos movimentos do maior.

"Oh, boa noite, Sherlock.", sua voz troou tranquila para dentro dos ouvidos do moreno e um sorriso aberto traçou o desenho de sua boca fina. "Veio encomendar mais algumas dúzias de flores? Que tal rosas dessa vez?"

"Quais rosas você me recomendaria?", Sherlock compartilhou do sorriso, contagiado pela linha reta e branca dos dentes alheios. Conteve seus lábios esculpidos numa mordida discreta. "Boa noite... Está saindo tarde hoje. Problemas nas entregas?"

"Carmim.", disse John sem pestanejar. Sua mão passou carinhosamente pela nuca, demorando alguns segundos antes de se esconder atrás de suas costas. "Muito engraçado..., mas sabe como é o caixa nos fins-de-semana... Precisa fazer toda aquela contabilidade, ah, coisas burocráticas e chatas. E você, uh? O que ainda faz perambulando pela rua?"

"Caçando alguém que queira me acompanhar numa xícara de chá, quem sabe..."

Os lumes se tocaram, mudos. Sherlock percebeu que as maçãs do rosto alheio sustentavam um tom rosado quando John virou-o de lado e contemplou os poucos carros que passavam na rua. Era adorável, tanto que o mais alto precisou conter o barulho do ar que escapava pesado de seus pulmões para não denunciar seu contentamento.

"Ninguém chegou a ser voluntário pra essa aventura?"

"Não.", lamentou Sherlock, tentando a cada segundo solver o quanto pudesse de informação ali disponível. O que diabos ele tinha pra roubar-lhe assim? "Diga-me, John, gosta de aventuras?"

O loiro riu soprado antes de responder. "Não, mas estou curioso, que tipo de aventura estamos falando?"

"Algo que definitivamente envolva piratas.", comentou fingindo seriedade, mas a leveza do quase rir de John o fez afrouxar as expressões. "Sério... Aceita um chá?"

* * *

Os olhos de John seguiam-no como uma águia prestes a capturar sua presa, sentado do outro lado do balcão, ele se divertia em prestar atenção em cada movimento que o companheiro fazia. Sherlock, por sua vez, se distraia com a áurea do loiro, era tão quente, era quase... palpável. A água já fervia na chaleira elétrica, chiando melodiosa e denunciando que estava disposta para sua função. As xícaras de porcelana aguardavam o líquido fumegante, algumas flores secas no fundo bailaram suaves pelo fluído transparente. O aroma floral e de cereja acariciou suas narinas com um beijo casto.

"Sua cafeteria é um lugar agradável...", comentou John, o tom baixo de suas palavras fizeram cócegas nos ouvidos de Sherlock. "Agora entendo porque é tão frequentada. Ah, obrigado...", acrescentou quando recebeu seu chá róseo.

"A ideia é que quem visite nunca mais queira ir embora.", o sorriso sugestivo apareceu involuntário e o mais alto precisou levar a porcelana até a boca pra que o convidado não percebesse. Fechou as pálpebras quando sorveu um pouco do sumo aquecido.

"Você sabe mesmo como conquistar um cliente, então.", murmurou o florista para a xícara. O vapor quente que espiralava no ar, lambeu as maçãs do seu rosto. Sherlock parecia hipnotizado, deixando seus olhos translúcidos namorarem cada tom de jambo que a derme do homem expressava. "Escute, por que disse sobre piratas lá fora?"

"História boba, quando criança foi a primeira ambição da minha vida. Mas, não encontrei nenhuma tripulação disposta, então resolvi me render aos encantos da confeitaria."

"Prefiro você como chefe confeiteiro...", e sorriu.

"Prefere?"

Ele se limitou a manter o riso nos lábios, John parecia calmo e se deleitar com o chá era sua única preocupação. Educado, respondia-lhe as perguntas e mantinha a pequena conversa que apenas era interrompida pelas bocas ocupadas. Mal sabia o tanto que o coração do mais alto acelerava displicente, sem um ritmo certo, quase provocando resmungos de excitação. Sherlock precisava controlar os embargos que sofriam sua voz pra não dar muito na cara.

"Gostaria de algo pra acompanhar? Tem uns biscoitos aqui que... Que acabaram."

"Oh. Não precisa se incomodar, Sherlock, estou bem apenas com o chá. Está gostoso, realmente..."

"Não tem problema algum.", insistiu o confeiteiro, xingando mentalmente a falta dos doces ali. Estalou a língua contra o céu da boca, num forte sinal de desgosto quando lhe passou pela mente a brilhante ideia. "Gostaria de me acompanhar até a cozinha? Podemos fazer alguns. Não vai demorar."

"Realmente não precisa se incom-"

"Eu insisto!", exclamou, depositando em suas feições alguma expressão que pudesse surtir efeito. Pareceu convencer o botânico, que logo já havia ficado de pé. O riso furtou-lhe a moldura dos lábios e, guiando-o, desapareceram por trás das portas ao fundo da cafeteria.
Ao acender as luzes, Sherlock pôs-se a caminhar automaticamente até as domas que descansavam nos ganchos, ao lado delas se concentravam alguns aventais escuros. Quando voltou até o convidado, carregava uma das peças de roupa. John pareceu hesitar ao pegar o tecido, mas podia vê-lo minutos depois levar os braços para as costas, ajustando o pano em seu corpo. O maior ligou um dos fornos ali, configurando as temperaturas com propriedade e depois repetiu os mesmos movimentos feitos pelo outro. A luz da geladeira iluminou seu rosto branco e afastando-se dela, segurava um bloco quadrado de massa.

"Você mostra sua mágica pro mundo através das flores, John. Vou te ensinar um pouco da minha...", e com auxílio dos dedos, ele chamou o homem que até então se encontrava na porta da cozinha absorto demais com o lugar.

A mesa, que ficava ao centro, havia sido salpicada por uma camada fina de farinha e a massa gelada foi depositada ao centro daquela poeira quase tão branca quanto a neve. Sherlock ergueu as mangas de sua blusa de botões preta, sujando os limites com o polvilhado alvo. Um rolo de madeira estava ali e ao que parece havia sido usado mais cedo. Os antebraços claros do confeiteiro denotava os músculos que contraíam com a força em abrir a pasta em tons de creme.

"Não precisa de segredo. Do centro para fora. Quer tentar?", ofereceu ele, abandonando o rolo pesado sobre a massa parcialmente esticada. Sorriu com a dúvida que estava acarrancando as feições de John. Mas, vencendo-o pela insistência, viu-o repetindo seus movimentos. "Quem diria que você escondia um doceiro interior?"

"Acredite, nem mesmo eu sabia da existência dele.", a voz de John soou divertida, enquanto grudava sua atenção na folha amanteigada que abria em frente aos seus olhos. "É um tanto trabalhoso, por quanto tempo você fica aqui dentro?"

"O dia inteiro. É meu palácio mental.", murmurou se retirando até uma das gavetas e voltou sustentando uma faca em seus dígitos.

"Ah, por isso não o vejo perambulando.", comentou causalmente, parando o que fazia pra se certificar se precisava espalhar mais a pasta, ou se fizera um bom trabalho.

"E você procura me ver pela cafeteria?", Sherlock cravou a atenção no rosto que se ergueu, a resposta veio com um dar de ombros desapegado.

"Às vezes."

"... Oh.", o maior não esperava a sinceridade que veio dos lábios alheios, e dessa vez pode sentir suas bochechas corarem um pouco. Limpou a garganta do nó que se formou ali e respirou através de um suspiro discreto. Com esmero, passou a faca para o suposto aluno. "Corte pra mim algumas tiras. Não precisam ser perfeitas. Eu vou buscar o creme e geleia... Então, ãh, quer dizer que você ficava intrigado por não me ver junto dos funcionários?", tentou aparentar que mantinha o assunto por pura eventualidade.

John assentiu, começando a traçar linhas na massa como se esta fosse uma página de papel e a lâmina um estilete. "Não intrigado, mas... curioso. Você é interessante. Um bocado interessante." 

Sherlock encarou-o por cima de seu ombro, mas ele nem sequer havia se mexido da posição que estava. O confeiteiro passou a mão por seu rosto pálido, piscando lento para as costas do botânico. Você é um bocado interessante. Aquelas palavras lhe picotou os neurônios de tão inesperadas, John as deixava cair pela língua com uma fluidez invejável. Isso o encorajou a manter o assunto com simplicidade ou pelo menos, controlar-se para não fazer uma besteira. Quando voltou a si, percebeu o erro que o mais velho cometia ao cortar a massa. Posicionou-se às costas de John e sobrepôs as digitais mornas nos pulsos dele, forçando-o a cessar os movimentos.

"Essa massa é um tanto delicada...", não precisou manter o timbre de voz padrão já que tinha o corpo tão próximo. A sua cabeça pendeu por cima do ombro largo alheio facilitando seu campo de visão e pressionando a pele tão branca quanto a sua, passou a guiar os palmos masculinos como uma guilhotina, moldando faixas perfeitas. "Assim... Vê? Quando você abriu a massa, criou camadas que..."

John virou o rosto, ficando os dois em paralelo. O mais alto engoliu em seco. Estavam tão próximos que podia decifrar todos os detalhes mais ocultos, ou até mesmo decorar cada linha que formava aquela fronte. O semblante que o mais baixo lhe oferecia era um tanto calmo, mas conseguia-se perceber a  surpresa pelos lumes cinzentos. Um aroma estranhamente cítrico cativou seu olfato e o carinho que vinha da respiração quente lhe envolveu todos os sentidos da cútis. Sherlock pode vislumbrar os movimentos lentos que a boca fina do homem em sua frente faziam ao se comprimir numa tentativa inútil de dizer algo. Eram tão vermelhos, pareciam tão macios. 
O impulso viera como um trem desgovernado e Holmes quando deu por si, já havia largado as mãos quentes e pousado suas palmas em volta das feições tão, tão próximas. Sua boca se encaixou na semelhante com um pedido inocente, quase casto e pra seu espanto, não houve nenhuma rejeição. O encaixe dos lábios foi lento, cauteloso, mas não menos instigante. A doçura que lhe invadiu o paladar era como expor a pele nos primeiros raios de sol numa primavera aguardada por tanto tempo. Seu coração não apenas se jogava contra o peito, mas também tremia de um excitação proibida. Os dígitos deslizaram a estrutura da derme do homem, passando a desenhar seus traços firmes, sentindo cada músculo se mover e relaxar com o toque impremeditado. Watson, por sua vez, largou os instrumentos na mesa esquecida e levou os braços pra o ponto alto de seu corpo, os ombros, cruzando os membros em busca de uma posição confortável. Sherlock tinha removido a destra do rosto alheio e agora, apoiava-na próximo as costelas, enquanto os dedos canhotos peregrinavam até se encaixaram nos fios loiros e macios.

Que delícia de perfume ele tinha.

A língua delineou o inferior estreito, rogando a permissão que queria em subsequência. O hálito quente provocou um gemido subconsciente e a cavidade bucal do florista abria-lhe o caminho. O sabor era do amargo mais doce que já havia provado. E as provocações que o músculo sofria com o gêmeo, resultava em apertos por todo o corpo magro e musculoso do mais baixo, uma carne macia, viva. Ah, como ele queria poder passar as próximas nesse gracejo lânguido. Um pouco mais, talvez...

A interrupção do ósculo trouxe-lhe uma careta de frustração, Sherlock se negou a abrir os olhos no mesmo momento. Seus sentidos ainda redecoravam o que haviam sentido há poucos segundos, a dormência do calor do companheiro ainda irradiava pelos seus lábios esculpidos. Mordiscou até um canto do inferior, como se pudesse manter a memória do gosto alheio em sua língua úmida.

"Desculpe...", a voz rouca de John despertou-lhe e seus olhos cinzas desviaram pra que não se chocassem com os do mais alto. O homem tirava às pressas o avental que usava, colocando-o em cima da bancada esquecida. Sherlock deu um passo a frente no intuito de impedi-lo de sair, mas já era um tanto tarde e o florista já cruzava a porta da cozinha, abandonando-o ali mesmo.


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Notas finais do capítulo

A atualização veio mais cedo dessa vez, heim? Contar pra vocês que esse capítulo, ah, nossa. Nossa. Que carinho por ele. Terminei as últimas palavras ouvindo o final de Give me Love (Ed Sheeran), aquele monólogo com uma voz tão gostosa, tão perfeita pra esse momento. Ah, estou suspirando.

Quero agradecer a quem "votou", adicionou a biblioteca ou favoritou em algum lugarzinho do coração, não imaginam o quanto isso me enche de inspiração pra continuar. E aos que comentaram, então, um abracinho mais apertado que tudo.

Beijos.



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