Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 1
Surpresa


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem dessa continuação. Eu a fiz com muito amor e carinho para vocês.

Sempre estarei aberta a críticas construtivas, então não tenha vergonha de se manifestar sobre a história.

Sugiro que ao decorrer do capítulo, ouçam a música "Meu Bem Querer" do Djavan.

https://www.youtube.com/watch?v=CAD4vV2yEbw

Boa leitura!



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Há um mês Miguel e eu havíamos trocado um beijo. E há um mês nós também não nos víamos. Depois de uma discussão, acabamos decidindo nos manter afastados. Tínhamos pensamentos diferentes sobre o acontecido. O que para mim era um pecado mortal, para ele era sinal de que devíamos abandonar a Igreja e viver esse suposto amor.

Infelizmente, aquele beijo não foi o primeiro trocado por nós. Sentia-me imundo por ter feito isso, por ter cometido tremendo delito duas vezes. Meu Deus, por que cometi tamanho sacrilégio?

Eu não queria cometer esse ato pecaminoso, mas aquele homem tinha algo capaz de me enlouquecer. Ele provocava em mim uma espécie de paixão avassaladora nunca antes experimentada pela minha pessoa.

O Miguel, seu riso doce e a sua conversa envolvente, ainda me levariam ao inferno. A vontade de ter esse homem para mim, aumentava a cada dia.

Eu deveria estar por influência do Demônio, só isso poderia explicar tamanho descontrole frente ao meu amigo, que também era padre. Com certeza, o Maligno também estava o atormentando. Deus, de forma alguma, permitiria que dois homens se atraíssem, principalmente se ambos fossem padres.

Satanás desejava me ver pecar, queria me levar para o seu inferno, todavia a minha fé em Deus, era maior e aquela falha não seria repetida novamente.

A minha consciência estava imensamente pesada, por ter cometido esse maldito ato, mas eu não podia me confessar. Afinal como contaria tamanha infâmia a um amigo padre? Eu não podia pedir absolvição ao Miguel, pois ele era meu cúmplice. Pecamos juntos, sua absolvição era nula... Teria que me acostumar com a ideia de que nunca poderia confessar o meu terrível ato, o levaria para o túmulo.

Passar um mês sem ver o Miguel, havia sido ao mesmo tempo bom e ruim. Bom, porque assim evitamos novamente de pecar, mas ruim, pois eu sentia saudades dele. Desejava ardentemente vê-lo. Sabia o quão errado era querer isso, porém esse desejo parecia ser maior que todo o meu ser...

Miguel e eu, antes de qualquer coisa, éramos amigos. Na verdade, mais que amigos, confidentes.

Durante todo o tempo do seminário, ele foi o único no qual consegui verdadeiramente confiar. Contei a ele todos os meus segredos, que não eram muitos, nem tampouco extremamente vergonhosos. Em realidade, eram coisas pueris. Todavia para um jovem de vinte anos, eram coisas das mais importantes.

Contei lhe, por exemplo, da minha primeira e única namorada, Monique. Ah, como ela era doce e meiga... Foi com ela que quase fui homem, mas resisti à tentação, pois meu desejo era casar virgem, o mais adequado para um jovem católico. Apesar dela também ser católica, pensava de forma completamente diferente, por vezes ela insistiu que deveríamos nos entregar logo um ao outro. Afinal acabaríamos casando e adiantar um pouco as coisas não seria um problema tão grande.

Monique era muito apaixonada por mim, entretanto eu não conseguia retribuir esse amor por completo. Na verdade, eu não me sentia tão atraído pelo sexo feminino quanto os meus amigos. Às vezes, até me pegava admirando algum rapaz, porém logo reprimia esse pensamento pecaminoso.  Quando confessei isso ao padre de minha paróquia, veio o conselho: seja padre. A princípio, achei estranho. Não julgava levar jeito para o sacerdócio. Todavia, segundo ele, essa era uma boa maneira de prevenir a homossexualidade latente em mim.

Meus pais adoraram a ideia de eu tornar-me padre e me encorajaram. Toda a família me encorajou, menos meu irmão Ângelo, que não acreditava na minha vocação.

A minha namorada ficou completamente devastada com a notícia. Monique dizia me amar mais que tudo na vida e justamente por isso me deixaria ir. Ela jurava que o seu maior desejo era a minha felicidade, porém lamentava muito não poder me fazer feliz.

Miguel também havia compartilhado um segredo comigo. Ele revelou nunca ter se sentido atraído por uma mulher, porém não sabia explicar o porquê. Especulou ser então, um sinal de que deveria servir a Deus. Porém não era bem assim, a falta de atração pelo sexo oposto, no caso de Miguel e também no meu, significava a atração pelo mesmo sexo, a maldita homossexualidade que estávamos destinados.

— Padre, padre, a missa vai começar em dez minutos — bradou o coroinha.

O chamado do garoto tirou-me de meus pensamentos.

— Já estou indo, meu filho — disse enquanto voltava para a realidade.

Eu já estava pronto. Só faltava a coragem para iniciar a celebração. Tinha acordado um pouco indisposto naquele dia, meio sem vontade de fazer nada. O meu maior desejo era poder ficar deitado na cama o dia inteiro, olhando para o teto, mas não podia. O dever me chamava.

Quando já estava prestes a iniciar a missa daquela quinta feira, percebi que Miguel estava ali e me olhava de maneira insistente. Ele estava sentado num dos primeiros bancos. Tive vontade de fazê-lo deixar a igreja, contudo isso chamaria muita atenção dos fiéis e eu não queria acabar causando confusão. Além do mais, era bom ver Miguel, eu estava com saudades.

Há muito tempo já queria vê-lo, entretanto preferi não fazer isso. Tinha medo que o nosso ato pecaminoso pudesse se repetir.

— Miguel?! Aqui? — indaguei baixinho a mim mesmo.

O melhor seria tentar manter a concentração e realizar a missa como de costume, porém seria impossível eu conseguir me concentrar com aquele homem me olhando. Tentei ignorar a presença dele e dei início à missa. Todavia, aquilo foi um inferno, por vezes acabei trocando as palavras e me perdendo completamente. Aquela foi a missa mais confusa da minha vida.

A uma hora de celebração passou como se fosse uma eternidade. Miguel me olhava o tempo inteiro, o olhar dele era insistente e vez ou outra o desgraçado mordia os lábios como se quisesse me provocar.

Ao fim da missa ele veio conversar comigo.

— A sua benção, padre Paulo — disse pegando a minha mão e falando em tom de deboche.

Antes dele beijá-la, a puxei e reclamei com ele:

— O que vem fazer aqui? E sem batina?

Estávamos no ano de 2026, o bom Papa Francisco havia nos deixado há dez anos. A igreja estava sob o domínio do Papa Nicolau VI, um homem horrivelmente retrógrado. Entre as suas polêmicas decisões, estava a de que todos os padres deveriam voltar a usar a batina. Quem fosse denunciado por ser visto sem batina, poderia sofrer sérias penas. Ninguém sabia quais penas eram essas, na verdade ninguém se arriscava a saber. Do jeito que ele era, era capaz de excomungar um padre, só por este ter deixado de usar a batina.

— Tirei o vestidinho para lavar — declarou em tom sarcástico.

— Não se envergonha de falar assim? Queria que o Papa te ouvisse…

— E ia ter o que? — questionou cinicamente.

— Você sofreria sérias penas... Você parece não saber que agora, somos obrigados a usar batina em todos os lugares.

— Eu achei essa obrigação meio patética, porque não posso colocar só o vestidinho. Por baixo dele ainda tenho que colocar uma camisa e uma calça. Isso só me faz sentir calor. Essa cidade é um inferno, não sei como você consegue andar por aí cheio de roupa. Já não basta quando estamos fazendo missa que temos que nos encher de pano…

Eu não gostava nem um pouco do jeito como o meu amigo falava. Ele parecia não se importar mais com as regras da Igreja e isso me irritava muito.

— Miguel, você parece estar doido para visitar o inferno — disse em tom sério.

— Eu já estou lá, padre Paulo. E você também está. Ou por acaso não lembra do nosso…

Antes que ele continuasse, o interrompi:

— Vá embora, Miguel — pedi nervoso.

A presença dele ali me incomodava muito, eu tinha medo que alguém pudesse acabar, de alguma forma, desconfiando de alguma coisa. Um lado de mim sabia que isso era impossível. Ninguém nunca suspeitaria de nós, mas outro lado estava quase fazendo xixi na roupa de tanto medo.

Miguel nem pode responder, pois uma fiel chegou perto de nós e interrompeu a nossa conversa.

— Sua benção, padre — disse pegando a minha mão e a beijando.

— Deus lhe abençoe — respondi um pouco aflito.

Tive medo dela reconhecer o Miguel, pois muitos fiéis alternavam entre a minha paróquia e a dele, pois elas ficavam em bairros vizinhos.

— Quem é esse? Ele me lembra um pouco o padre Miguel…

Naquele momento, o meu coração bateu tão rápido que pensei que ele fosse sair pela boca. Se ela o reconhecesse, a confusão estava armada, Miguel poderia ser denunciado por não estar usando a batina e só Deus sabia as consequências disso.


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Notas finais do capítulo

Eita, será que ela vai reconhecer o Miguel?

Descubra no próximo capítulo ~musiquinha de suspense ao fundo~