Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 2
Nada Bem


Notas iniciais do capítulo

Aqui está mais um capítulo. Espero que gostem.

Boa leitura!



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 Miguel e eu ficamos em silêncio e nos olhamos por alguns segundos. O olhar dele denunciava que assim como eu, ele estava aflito, porém Miguel acabou tomando coragem e mentiu:

— Sou um irmão do padre Miguel, me chamo Rafael.

Graças a Deus, a fiel em questão já era idosa e além de não enxergar muito bem, ainda tinha a memória fraca. Então, era bem provável que ela não lembrava direito do rosto do Miguel e acabaria aceitando aquela história de Rafael.

— Prazer, senhor Rafael. O que faz por aqui?

— Vim assistir a uma missa do padre Paulo, as palavras dele confortam o meu coração — respondeu com um leve sarcasmo, provavelmente não percebido pela senhora, mas por mim sim.

— Sim, as missas dele são lindas, mas hoje ele pareceu meio confuso... Deve ter sido o calor — falou dirigindo-se a Miguel, ignorando a minha presença.

O calor, com certeza havia sido o calor... O calor provocado por Miguel, calor esse capaz de subir por debaixo de todas as roupas vestidas por mim naquele momento, pois por mais que houvesse tentado ignorar a presença dele ali, havia sido impossível, e por vezes, o nosso beijo reprisou na minha mente... Ah, como desejei repetir aquele ato tão pecaminoso...

— Obrigado, fico muito comovido com isso — respondi meio sem jeito.

— Agora preciso ir, meus netos e meu marido estão me esperando — despediu-se.

Junto com ela as outras pessoas foram indo embora e logo só eu e Miguel ficamos ali.

— Como teve coragem? O inferno não te amedronta mais? — interroguei nervoso, mas ao mesmo tempo aliviado.

Felizmente havíamos escapado daquela situação tão embaraçosa.

— Você queria o que? Que eu falasse Oi eu sou o padre Miguel e estou dando um passeio sem batina? Aí eu seria obrigado a explicá-la, porque estou descumprindo a ordem do Papa.

O tom de voz de Miguel misturava ironia e irritação, demonstrando o quanto ele era pavio curto.

— Vá embora Miguel, não quero mais falar com você, a cada palavra sua, sinto que você e eu estamos mais próximos ainda do inferno — disse enquanto me dirigia para a sacristia.

Eu não aguentava mais ficar perto de Miguel, era como se a qualquer momento eu fosse agarrá-lo e beijá-lo novamente.

— Vim, porque tive saudades — declarou em tom doce me seguindo.

— Saudades de mim? Ou da safadeza que fizemos? — interroguei.

— Você me vê como um pervertido. Eu não sou assim — argumentou ainda me seguindo.

— É claro que é. Não se importa com o seu voto de castidade nem com as regras da Igreja.

— Você não entende nada, Paulo. Eu te amo e quero poder viver o meu amor com você.

Naquele momento, quis poder retribuir a declaração, quis poder selar os nossos lábios novamente, porém felizmente consegui me conter.

— Amor? Você acha que isso é amor? Você acha que dois homens podem se amar dessa forma? Você está possuído pelo Demônio, Miguel — esbravejei.

Eu estava com uma certa raiva. Sentia raiva de mim e de Miguel. Por que aquele amor havia surgido nos nossos corações? Aquilo seria uma provação de Deus? Uma tentação do Diabo?

— Demônio, Demônio, Demônio... Sempre a culpa de tudo de errado é Dele. Por que não o deixa em paz no inferno? — disse num tom de voz alto, praticamente gritando.

— Porque ele não nos deixa em paz aqui. E sinceramente, você está precisando de um exorcismo, porque esse não é o Miguel que eu conheci no seminário.

— Eu mudei, todo mundo muda. O planeta gira, Paulo. Nada fica inerte no mesmo lugar — declarou no mesmo tom anterior.

— Tudo muda menos Deus e o Santo Padre, que não aceitam as safadezas horrendas que passam em sua mente — argumentei elevando o meu tom de voz.

— Na nossa mente — retrucou.

— Não me iguale a você — rebati ainda em tom de voz elevado.

— Nós somos iguais, padre Paulo. Muito iguais... — sentenciou baixinho enquanto retirava-se.

Quis ir atrás dele, entretanto julguei que o melhor seria deixá-lo ir. Ir para talvez nunca mais voltar, a distância faria bem.

No fundo, eu era sim, igual a ele. Muito igual, porém com uma pequena diferença: eu lutava contra a vontade do Diabo. Eu ao menos tentava vencer aquela atração demoníaca, mas o Miguel não, ele já havia se entregado de corpo e alma ao coisa ruim...

[...]

Uma semana longe do meu amigo, havia se passado, não havíamos nos falado de maneira alguma. Naquela manhã de sol reluzente, eu encontrava-me no mercado, fazendo compras, até que acabei cruzando com uma fiel.

— Bom dia, padre Paulo. A sua benção — disse pegando minha mão e a beijando — Como vai o senhor?

— Bom dia, Mariana, Deus lhe abençoe, minha filha. Eu vou bem, na medida do possível. E você, como vai?

— Vou bem também. Quem não vai nada bem é o padre Miguel, mas também, depois do acontecido…

Ao ouvir que meu amigo não ia bem, senti um nervosismo e uma preocupação extrema. Rapidamente minha boca ficou seca e o meu coração começou a bater em descompasso.

— Por quê? O que aconteceu com ele? — questionei com ar de preocupação.

— Pensei que o senhor soubesse. Os dois são tão amigos…

— Mas eu não sei, por favor, me conte — falei praticamente em tom de súplica.

Eu queria muito saber o que tinha acontecido, a cada instante a minha preocupação aumentava ainda mais.

— Ele está mal, não quer sair da cama de jeito nenhum. Ele ficou assim depois da morte da mãe, a coitada teve uma parada cardíaca do nada — revelou.

— A mãe dele morreu? Que dia? — interroguei surpreso.

— Não sei direito o dia, mas foi na semana passada — explicou — Acho que no sábado — acrescentou depois de curto silêncio.

— Ok, muito obrigado por me avisar — disse enquanto me retirava do local.

— Mas aonde o senhor vai? Não vai terminar as suas compras? — interrogou.

— Vou ver o meu amigo. As compras ficam para depois — justifiquei.

Fui correndo para a casa de Miguel, precisava vê-lo o quanto antes. Ao chegar lá, bati na porta com todas as minhas forças, mas ele não abria de jeito nenhum.

— Vamos Miguel, abra. É o Paulo, eu vim te ver — gritei.

— O que quer aqui? Eu não quero ver ninguém — bradou de volta.

— Deixe disso, nesses momentos é sempre bom conversar com alguém.

Ele ficou em silêncio. Do jeito que o Miguel era, o provável era ele não abrir a porta. O meu amigo, às vezes preferia a solidão. Para ele, ela era uma boa companheira e ajudava os pensamentos a fluírem melhor.

— Quer mesmo que eu vá embora?


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