Mr. & Mrs. Black escrita por pnsyparkinson


Capítulo 6
Capitulo Cinco.




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Marlene saiu cedo do escritório pela primeira vez na vida, dizendo para Lily que não estava se sentindo bem. Que talvez algum inseto tivesse grampeado seu pescoço no deserto. Por falar em grampear, a morena disse também que iria verificar o carro, casa e corpo, à procura de grampos que o tal assassino de aluguel poderia ter implantado enquanto tentava matá-la. 

Lily engoliu as desculpas, mas seu olhar esmeralda continha todas as dúvidas que sua boca não deixou escapar. Ainda era cedo para que McKinnon falasse de suas suspeitas, não podia contar a ninguém, nem mesmo Evans.

Ela ainda não estava pronta. Precisava ter certeza e ver com os próprios olhos que sua vida não havia passado de uma ilusão de ótica. Quando chegou em casa seus dedos doíam de tanto apertar o volante do carro e sua sanidade mental repousava sobre uma única coisa: o jantar às sete. 

Durante o trajeto ela planejou detalhadamente o menu. Decidiu que pratos e que toalha usaria, pensou inclusive em parar para comprar flores. Queria — e precisava — que tudo saísse perfeitamente. Pelo menos uma última vez, antes que tudo desmoronasse. 

[...]

Os faróis do carro de Sirius iluminaram a fachada de casa, o jardim, a garagem. Coisas para as quais ele sequer olhava mais. De repente, aquela casa perfeita em um dos melhores subúrbios de Nova York, pareceu o cenário do mais novo seriado de TV, chamado "Essa vida que não é minha."

Apagou os faróis e olhou a residência por um instante, com apenas uma pergunta em mente: o que diabos Marlene serviria no jantar daquela noite?

Será que ela sabia que era ele quando tentou matá-lo? Ou pensou ser um agente inimigo que se metera no caminho dela? Será que ela sabia sobre Sirius? Será que ela sabia que ele sabia sobre ela? 

Ele se questionava como era possível duas pessoas morarem na mesma casa, com tantos segredos importantes, e sequer suspeitavam da verdade?

Olhou pela janela da cozinha e não havia nenhum sinal de sua esposa. Estaria Marlene preparando um jantar ou um assassinato? 

Ao mesmo tempo apreensivo e furioso, Black forçou a aliança no dedo e abriu a porta do carro. 

A dobradiça chiou, um cachorro latiu ao longe e os arbustos farfalhavam próximo à porta da frente. Naquela noite, sua adorável casa parecia incrivelmente ameaçadora. Semelhante a uma linda mulher com ideias malignas na cabeça. Totalmente alerta, seguiu pela calçada e abriu a porta da frente. 

Com cautela, pisou no hall de entrada, uma das mãos carregando a maleta e a outra no bolso da calça, onde guardava sua coragem. E Sirius estava guardando uma arma, não uma bebida. Deixou a porta se fechar sozinha e seguiu em frente, os olhos atentos para qualquer movimento.

— Timing perfeito. 

O homem pulou de susto, quase atirando no próprio pé por ainda estar com o dedo no gatilho. Marlene, ela havia surgido do nada, sorrateira e fatal. Vestida para matar, por assim dizer. E trazendo nas mãos dois martinis gelados. 

A mulher perfeita, como nos velhos tempos. Como se o universo inteiro não tivesse virado de cabeça para baixo desde a última vez em que ele saiu de casa. 

Sirius olhou para os drinks ao dizer:  — Isso é novidade.

Marlene vivia no pé dele por causa da bebida.

— Uma novidade boa, eu espero - ela disse com um sorriso sedutor. Depois empurrou a taça de cristal na direção do homem, e por mero reflexo, ele tirou a mão do bolso para pegá-la. Do bolso onde estava a arma.

Coincidência? Ou truque esperto de uma assassina experiente? Ela ofereceu os lábios para um beijinho e ele a beijou como de costume, mas sem fechar os olhos. E então notou: ela também não havia fechado os olhos.

— Voltou mais cedo - falou Sirius, estreitando os olhos rapidamente antes de voltar a pose de antes.

— Estava com saudades.

— Eu também.

Seria imaginação ou teria ela rapidamente espiado o curativo na orelha do homem? Certamente Sirius não sabia, mas Marlene não disse nada e, com o queixo, apontou para a sala de jantar.

— Vamos?

— Après vous - ele disse, como o perfeito cavalheiro que se mostrava em casa.

Com um leve movimento dos ombros, McKinnon virou-se e seguiu na frente. O moreno deixou que seus olhos passeassem pelo corpo dela, à procura de alguma pista, talvez de armas. A primeira vez, em muitos anos, que de fato a enxergavam. Aquele vestido revelava muito mais do que escondia, nenhuma arma a bordo. Pelo menos do tipo convencional.

Sirius  teria se deleitado mais com a paisagem não fosse o receio de que, a qualquer minuto, Marlene pudesse estourar os seus miolos.

Quando entrou na sala de jantar sua apreensão ficou ainda maior. O lugar estava todo arrumado, como se fossem receber a família real britânica em peso. Flores, toalha de linho, talheres para todo lado. 

"Fica esperto", alertou a si mesmo. "Ela vai aprontar a qualquer instante."

— Achei que você guardasse essas coisas para as ocasiões especiais - falou.

— E jantar com meu marido não é uma ocasião especial?

Ela chegou ao ponto de afastar uma cadeira para que o homem sentasse. E ele o fez, devagar, os olhos fixos nos dela, todos os sentidos atentos. Como se fosse o maître de um restaurante sofisticado, Marlene retirou o guardanapo de linho de cima do prato, abriu-o com um gesto brusco e ruidoso — e nesse momento Sirius sentiu um frio na espinha — e por fim estendeu-o no colo do marido.

— Ora, ora, muito obrigado - disse, fazendo o jogo dela.

— Por você eu faço tudo - ela sussurrou. 

Ele apostava que sim.

Aproveitou que a esposa estava atrás de si e furtivamente escondeu a faca sob o guardanapo. Aparentemente ela não notou; seguiu feliz para a cozinha, jogando um sorriso coquete por sobre o ombro antes de desaparecer.

Sirius lutou para reprimir uma sonora gargalhada e pegou sua bebida. Até que viu algo na cozinha, pouco antes da porta se fechar. Uma embalagem de soda cáustica sobre a bancada da pia. A taça congelou no ar, a poucos centímetros da boca. 

"Caramba, como era mesmo o cheiro da soda cáustica?" pensou, aturdido. Farejou a bebida. Nenhum cheiro esquisito. Pensou. "Quem sabe..."

Mas isso não provava nada. Sem tirar os olhos da cozinha, derramou o líquido num vaso de flores sobre a mesa, torcendo para que elas não explodissem.

Enquanto esperava, examinou a mesa à procura de... não sabia exatamente do que: pistas, armas, armadilhas. Os talheres de prata brilhavam, ameaçadores, sob a luz das velas. O vinho se transformou num veículo para o veneno; o centro de mesa, num instrumento de estrangulação; o arranjo de flores, num possível esconderijo para uma granada.

Então sua mulher voltou à sala, carregando um assado nas mãos e sorrindo como uma mistura de coelhinha da Playboy e dona-de-casa exemplar. O assado tinha uma faca cravada no topo, uma faca de aparência sinistra.

— Humm... carne assada. Meu prato predileto.

A lâmina cintilava sob a luz das velas enquanto Marls afiava a faca, empunhando-a como se quisesse deixar bem claro que sabia cortar muito mais que um pedaço de carne. Como se tivesse vida própria, a mão de Sirius rapidamente se fechou em torno do pulso dela.

— Não, não, não... - murmurou — Você já teve trabalho demais preparando essa maravilha. Deixa que eu corto, querida.

De início ela resistiu, mas, à custa de muito charme, acabou cedendo. Fazendo questão de se afastar da mesa assim que a faca, afiada como uma gilete, passou às mãos do homem.

Segurando a faca no ar, pronto para cravá-la na carne, viu o reflexo de Marlene sobre a lâmina.

E ela havia retirado outra faca, ainda maior que a primeira, do bolso de seu aventalzinho. Como foi que ela fez aquilo caber ali? O facão era grande o suficiente para abrir uma trilha no meio da floresta, mas ela usava-o para cortar ao meio as batatas assadas. Como se fosse a coisa mais natural do mundo. 

A situação era estranha demais. Os dois ali, juntinhos, como se fossem recém-casados, talvez procurando meios para degolar um ao outro. Reparando em Marlene, ficou abismado com a facilidade com que ela manejava uma faca. Por que nunca havia notado isso antes? Aquela mulher tinha as mãos de um samurai.

Perguntou a si mesmo o que ela usava para treinar.

— Como vão as coisas no trabalho? - indagou casualmente.

— Tudo em paz - ela respondeu — Na verdade, tivemos um probleminha com uma comissão esta semana.

— É mesmo? - perguntou, todas as antenas levantadas.

— É. Duas empresas contratadas pra executar o mesmo serviço - disse ela, observando o marido servi-la um pedaço de assado. 

— E as coisas se arranjaram depois?

Ela serviu uma batata no dele, a faca um pouquinho próxima demais de um pedaço da anatomia dele — de formato semelhante — que talvez ela não hesitasse em cortar também.

— Ainda não - ela falou — Mas vão se arranjar.

Sirius admitia que até então não vinha se comportando de maneira  paranoica, procurando segundas intenções em cada detalhe sem importância. Mas agora ele tinha a nítida sensação de que conversavam numa espécie de código, falando por enigmas. 

Se sentaram nas cabeceiras da mesa, fora do alcance físico um do outro. Ela bebericou o vinho e esperou que ele começasse a comer. No entanto, Black parecia hesitante, olhando para o prato em sua frente. E se a comida estivesse envenenada?

Percebeu então que Marlene o observava atenta. Não podia deixar que ela notasse seu pavor, portanto, como um guerreiro medieval, partiu um enorme naco da carne e cravou os dentes nele.

— Hummm... está muito muito bom - disse, refreando o impulso de cuspir tudo no chão — Fez alguma coisa diferente?

Ela o encarou.

— Você sempre pergunta isso.

— Sempre me esqueço de como esse prato é delicioso - tentou contornar a situação, sorrindo.

Marlene gostou do que ouviu e sorriu também. Ele brincava com a comida, na tentativa de ganhar tempo.

— Você pode me passar...

E antes de sequer terminar a frase, algo foi zunindo em sua direção, e automaticamente ele lançou a mão na mesa para pegá-lo. O saleiro. Fosse uma Lâmina qualquer,  estaria morto antes que o sorriso chegasse aos lábios dela outra vez.

De certa forma, McKinnon estava fazendo o que sempre fazia: sempre caprichava na arrumação da mesa, sempre servia um jantar legal, como aqueles que aparecem nas revistas, sempre corria atrás da inatingível perfeição. Mas naquela noite ela estava diferente. Não estavam apenas num restaurante diferente. Estavam em outro planeta. Tudo parecia ter um sub texto. Seus gestos pareciam sutilmente diferentes. Observou quando ela levou a mão ao copo de água. Seus movimentos pareciam seguros, deliberados. Cada um deles, uma linha reta.

Como era possível que ele nunca tivesse percebido os músculos rijos que delineavam aqueles braços tão lindos? Aquele jeito de andar, gracioso como o de uma ninja? O estado de alerta constante, a reação imediata a qualquer barulho?

Como uma verdadeira profissional, ela tinha consciência de cada um de seus movimentos, sabia que reflexos bem condicionados e movimentos seguros muitas vezes significavam a diferença entre a vida e a morte.

— Como foi em Atlanta? - ela perguntou especificamente. Sabia muito bem que ele não tinha estado lá.

— Tive uns probleminhas com uns números - respondeu sem titubear — Algumas coisas não batiam umas com as outras.

— Coisas importantes?

— Vitais.

Os olhares se entrecruzaram sobre a mesa. Ele podia ver as chamas — talvez das velas — que ardiam em seus olhos.

— Mais um pouco de vinho? - ofereceu. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, adiantou: — Deixe que eu sirvo, afinal, a garrafa está no meio da mesa.

Levantou-se da cadeira e foi servi-la.

E gostou de ver o medo subitamente brotar nos olhos dela.

[...]

"Olha só, o filho da puta!" foi o primeiro pensamento de Marlene o observa-lo.

Sentado do outro lado da mesa, exatamente como vinha fazendo todas as noites por seis longos anos. Os mesmos gestos, as mesmas palavras, como um marido de brinquedo, movido a pilha. Sempre sorrindo. Sorrindo para ela. Sorrindo para tudo o que ela dizia. Sorrindo para o maldito pedaço de carne. Sem jamais enxergar o que quer que fosse.

E mentindo deslavadamente durante todo esse tempo.

"Como foi em Atlanta, querido?" resmungou, em pensamento. "Tudo bem, fora uns probleminhas com uns números. Blá, blá, blá. Acontece, meu amor, que eu não estava em Atlanta. Estava no deserto, tentando explodir os seus miolos com os meus CANHÕES!"

E bebendo do cantil de prata que ela deu a ele. E também comendo sua torta.

Por um instante ficou ali, observando-o repetir o mesmo teatro de sempre. Será que pensava nela quando não estava em casa? Será que riu da mulherzinha ridícula quando enfiou a torta naquela boca imunda? Será que fazia piadas com o nome dela quando se jogava nos braços de uma agente qualquer, provavelmente uma femme fatale, nas noitadas pós missão cumprida?

Era por isso, então, que virava para o lado e dormia feito pedra sempre que passava as noites comigo, pensou.

Não que lhe faltasse apetite. Mas gastava cada gota de sua energia vivendo aquela emocionante vida dupla.

De repente, o coração da mulher parou. Não havia gostado nada daquele brilho no olhar alheio. Será que Sirius sabia que era ela, sua mulher, quem ele quase havia apagado naquele desfiladeiro no deserto? E agora estava ali para terminar o serviço? Talvez não soubesse. Nem soubesse que ela sabia. E no final das contas quisesse apenas servir um pouco de vinho.

"Ou talvez estivesse cansado da mulher enfadonha e quisesse dar cabo dela apenas para fugir com alguma agentezinha ordinária chamada Natasha!"  

Ele vinha em sua direção, casualmente carregando a garrafa na palma da mão, olhos sempre pregados nos dela.

Aquela garrafa a deixou tensa. Se quisesse, Sirius não teria a menor dificuldade para espatifá-la no crânio da mulher. Seus olhos procuraram a faca mais próxima. Prendeu a respiração, cruzou as pernas, levantou a própria taça.

Quando ele se abaixou para a servir — ou matar —, percebeu que parecia surpreso. 

O vestido havia subido um pouco nas pernas, revelando o joelho enfaixado e os hematomas adquiridos na queda sobre as rochas no deserto. Black deixou a garrafa escorregar da mão.

Num gesto rápido ela esticou o braço e pegou a garrafa em pleno voo. Uma manobra brilhante e com reflexos excelentes. Reflexos incomuns para uma dona de casa.

Sirius lentamente abriu um sorriso. O olhar de ambos se cruzando outra vez.

Ele sabia. E sabia que ela sabia. 

E agora ela sabia que ele sabia que ela sabia. Isso mesmo. De repente se transformaram num casal que sabia demais.

Marlene deixou a garrafa cair.

Vendo-a cair — aparentemente em câmera lenta — em direção ao tapete perfeitamente branco, foi surpreendida por certas lembranças.

O encontro em Bogotá. Sirius sempre envolvido nas coisas. Nunca havia perguntado o que estava fazendo por lá, nem por que saía em horários tão estranhos para supervisionar um projeto de construção. Só se interessava pelas horas abençoadas em que ele estava livre para passar na cama dela. Quando não estava fazendo amor com ele, cuidava das missões que a haviam levado até lá. Três assassinatos em apenas uma semana. E ele? Provavelmente fazia exatamente o mesmo.

Com um barulho surdo a garrafa se esborrachou no chão, espalhando vinho para todos os lados e cobrindo o tapete perfeito com uma terrível mancha vermelho-sangue.

 


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