Amor em trânsito escrita por


Capítulo 2
2. outro ônibus


Notas iniciais do capítulo

Olha quem voltou hahaha eu disse que os outros capítulos não seriam tão grandes, não disse?
Boa leitura!



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— Sentiu saudade?

— Como você... Eu não te dei meu número - concluo, confusa.

Assim que saí do ônibus, os policiais pegaram meus documentos e disseram que eu teria que passar por um interrogatório. Logo, depois de eu ter deixado a chamada desconhecida tocar até parar, o número ligou novamente no mesmo momento que eu saí da salinha privada.

— Acha mesmo que eu desistiria de você assim tão fácil, Lív? Depois de cinco anos? - a voz rouca respondeu e eu pisquei - Topa um encontro?

Entro na fila pro próximo ônibus que iria me levar a SP. Sento em um dos assentos, dessa vez sem ser janela.

— Não sei se você notou, mas agora eu tô viajando, Pedro.

— Ah, bom esse tipo de encontro a gente pode ter depois. Tô falando de tu me encontrar mesmo, agora.

Franzo a testa e pondero. Eu não o tinha visto depois de sua despedida mais cedo e supus que ele tinha descido ali mesmo, que não iria para o mesmo lugar que eu.

— Como assim?

Ouço uma risada.

— Olhe pra trás, Liv. - viro-me no mesmo instante e fito o sorriso presunçoso, o qual pertencia a pessoa que estava falando comigo. - Vem pra cá.

Ele desliga antes que eu responda e penso por cerca de cinco minutos antes de caminhar junto com minhas bagagens para o assento ao seu lado. Ele sorri ainda mais e se inclina pra beijar minha bochecha.

— Acho que está na hora de conversarmos sobre nossas vidas atuais, não? Tipo o fato de estarmos indo ambos para São Paulo.

— Eu pensei que você morava em São Paulo - respondo e depois mordo os lábios quando noto a gafe que estou dando. Que linguaruda você, dona Liv.

Ele ergue as sobrancelhas.

— Alguém andou me pesquisando.

Ruborizo e reviro os olhos, tentando focar em outra coisa. Agora que trocamos de assento eu não tinha como enconstar a cabeça na janela e fingir que a paisagem da estrada era mais interessante que a nossa conversa.

— Você sabe meu número - afirmo em uma tentativa de defesa - E quase ninguém sabe essa informação nova, então não sou a única stalker.

— Stalker? Já estamos nos definindo assim? - ele ri e eu noto o brilho nos seus olhos de novo. Um brilho que tinha desaparecido quando a mãe dele faleceu, mas que estava de volta.

maldito seja, pois eu sempre amei aquele brilho nos glóbulos esverdeados.

— Então, você realmente mora em SP? - pergunto.

Ele apoia a cabeça no assento, olhando para o céu escuro e estrelado lá fora.

— Morava.

— E o que vai fazer lá?

Ele volta-se pra mim novamente.

— Vejo que despertei sua curiosidade, cara Liv. Estou falando com a stalker agora?

— Você mesmo disse para nós aproveitarmos a oportunidade para passar o tempo - sorrio.

Na verdade, eu não sabia o que estava fazendo questionando coisas que sempre pareceram pertinentes na minha mente. Eu só... Bom, tinha tantas perguntas que eu mantive guardada em uma caixinha no meu cérebro, então ele veio e a caixa apenas se abriu.

— Bom, eu vou terminar a burocracia da minha mudança e fazer um pedido.

— Pedido?

Noto o momento em que ele se contém nas palavras e a covinha se afunda na sua bochecha.

— Confidencial, Liv. É só uma coisa que eu estou ficando louco.

— Tem a ver com seu trabalho?

— Talvez.

— Com alguma namorada? - Tenho que perguntar essa.

Ele dá risada.

— Definitivamente sim.

Meu coração despenca de um precipício e noto com curiosidade os dedos dele que ainda apertam o anel de prata.

— Ah.

Ele joga a mochila no chão e vira a perna para poder ficar totalmente de frente pra mim, segurando uma de minhas mãos.

— E você? O que tem feito? Por que vai pra São Paulo?

— Hm... Eu escrevi uma coisa. E eu vou mostrar para uma editora. - respondo.

Seu sorriso torna-se maior. E eu noto o quão bonito ele ficava com aquela camiseta do Coldplay preta com um trecho de uma música da banda. Pare de pensar nisso, Liv!

— Posso ler?

Chego a engasgar com a ideia. A obra que estou segurando foi escrita exatamente no momento em que estávamos separados. Jesus, o que ele acharia se soubesse que tem um personagem baseado nele? Ou ainda, que a história é quase a da gente?

— Definitivamente não.

Seus olhos param de analisar meus dedos e ele ergue as sobrancelhas, focando o olhar diretamente no meu rosto.

— Por que?

— Por que o quê?

— Por que não posso ler? Temos quase um dia de viagem de ônibus, Liv - ele ressalta.

— Ah, é um romance - respondo mordendo lábio - Não é bem a sua praia.

— Estou disposto a sair da minha zona de conforto.

— Está bem embalado - aperto o plástico nas minhas pernas - Não queremos que o editor veja algo danificado, não é?

— Prometo que tomarei cuidado. - sua mão agora está encima das folhas juntamente com a minha e ele sorri ainda mais para minha reação - Vamos lá, sempre adorei ler tudo que você escrevia.

— Aquilo era poemas, Pedro. Poemas de uma adolescente na bad e que não tinha nada pra fazer além de refletir sobre as banalidades da vida. - Eu realmente devia ter aproveitado mais pra assistir Netflix naquele tempo.

— Mas eu gostava, era você ali. Crua. Nua. - agora é o sorriso malicioso que vem à tona - Apenas deixe-me...

Antes que ele pegue as folhas da minha mão, afasto-me dele e coloco o manuscrito dentro da mochila. Fecho os olhos com força e dou de ombros.

— Sabe como é, não faz bem ler no ônibus, sabe? Pode provocar deslocamento de retina.

Ele ri e revira os olhos.

— Meu Deus, o que você esconde aí? Um novo Kama Sutra? — questiona e eu arregalo os olhos quando um senhor ri discretamente atrás da gente.

— Claro que não, seu idiota! - respondo, dando-lhe um tapa e ele desvia com uma gargalhada, passando o braço por meus ombros.

— Desculpe-me, não pude evitar essa - ele tenta conter o riso - Mas vamos lá, eu quero ler algum dia, não quero ter que esperar ser publicado pela editora.

Sorrio, presunçosa.

— E o que me garante que você comprará meu livro após a publicação, hm? Não posso correr o risco de perder um leitor assim, sabe? Preciso que você compre e depois jogue na minha cara o quão provavelmente chato é o que eu escrevi.

Seu sorriso muda para uma expressão pensativa. Os dedos agora tocavam meus ombros expostos pela regata e eu podia sentir o cheiro do amaciante na sua camisa.

— É um bom questionamento, Liv - responde, mas seus olhos brilham divertidos - Porém, eu de qualquer forma compraria, sabe? Já me conformei que irei comprar todos os seus livros, em todas as versões que forem lançadas.

Dou risada.

— Para ler e jogar na minha cara o quanto minhas narrações são tediantes? - Era uma coisa que ele sempre me dizia sobre os livros românticos.

Ele sorri.

— Se isso for garantir que eu irei me encontrar contigo em vários momentos, então irei comprar todos os exemplares. Mas, estou realmente ansioso pra ver seu rosto quando eu lhe disser que finalmente me encantei por um romance.

Sua fala faz meus sentimentos se revirarem no peito. Aquilo era a promessa de um encontro futuro. Por favor não me iluda, Pedro.

— Isso realmente seria algo surpreendente. É melhor não prometer coisas indevidas, Pedro.

— Por você, Lív, eu leria todos os livros de romance.

E antes que eu pisque e sua boca avance na minha, desvio de seus lábios com um abraço surpreendente, constrangedor e quente. Deixo meus lábios enconstarem em seu pescoço, parecido com o momento que tivemos há algumas horas atrás quando o ônibus estava sendo assaltado.

Ele dá uma risadinha.

— Essa é uma bela maneira de me conter.

Suspiro baixinho, tentando controlar as batidas do meu coração que estavam me deixando louca. Respiro fundo, antes de dar um leve beijo em sua clavícula exposta e sorrir enquanto me afasto.

— Você ainda não me contou como tem meu número - concluo e desvio do assunto anterior. Ele ia me beijar, caramba!

Ele respira fundo, encarando a janela novamente. Eu também faço o mesmo, só que no meu caso a única coisa que tenho pra olhar são duas crianças que brincam de maquiar a mãe enquanto esta dorme. O pai, sentado no assento de trás, está rindo.

— Sua avó me deu.

Volto-me instantaneamente pra ele.

— Como é que é?

Ele bagunça os fios negros do cabelo. Mas não responde nada. Ah, não. Não é hora de ficar calado, Pedro.

— Você estava em Florânia? Tipo, ficou dias lá? - e não me procurou.

Essa última parte eu contenho. Não só porque estou surpresa por ele ter voltado à Florânia quando nunca - se quer uma vez - voltou na cidade depois da viagem, mas também porque sempre pensei que quando ele voltasse iria me procurar. Nossa, eu passei meses crendo nisso.

Afinal, ele não era de lá. Minha cidade é rústica, pequena e no meio do nada.

— Sim. Fui a trabalho, um dos amigos da praça me ligou. O Guilherme, lembra dele? Então, ele está montando uma...

— Floricultura. Uma rede de floriculturas - interrompi e quis gritar com Gui por ele não ter me contado absolutamente nada - Ele te contratou pra fazer o design da logomarca.

— Isso - ele confirmou.

Estralo os dedos e tento me concentrar, Guilherme está montando o projeto há meses. Ele me mostrou semana passada a nova marca. O que, por conseguinte, quer dizer que Pedro estava na cidade há semanas. Porra, há quase um mês!

— Fui um babaca de novo, não fui?

Mordo o lábio e tento conter a frustração. Ele não é mais seu namorado, não tinha obrigação de te procurar. Sorria, você está bem. Você vai ficar bem, Liv.

— Bom, não sou eu que tenho que julgar isso - respondo, dando-lhe um sorriso contido - Não sou mais nada sua.

— Lív...

— Desculpa - peço - Foi um momento de fraqueza, sabe? Um momento em que uma garota de 19 anos ainda esperava o namorado voltar depois de uma briga catastrófica. Mesmo sabendo que era improvável. Sou uma mulher agora, Pedro.

— Uma bela mulher, diga-se de passagem. - sussurrou.

Reviro os olhos. Pra isso serve os ex-namorados: para acabar com os momentos femme fatale? Ah, por favor!

— Cala a boca - ralho.

— Você sabe que sou eu que tenho que pedir desculpas aqui, não sabe? Simplesmente... Eu tentei tanto ir lá, Liv. Passei madrugadas com o caminho até sua casa na minha mente, encontrei pessoas que nos conheciam, quase cumprimentei sua irmã pra ver se ela se lembrava de mim, mas.. Mas eu não consegui. Não no momento certo.

— Tá tudo bem.

— Você sabe que essa é a pior mentira do mundo, né? Sempre que vejo alguém dizendo isso, percebo o quanto nós, seres humanos, somos mentirosos.

Ergo as sobrancelhas. Eu tentava não me inclinar pra pegar os fones e o deixar falando sozinho.

— Vai analisar as mentiras humanas agora? Tudo bem que você sempre foi meio filósofo, mas...

Ele ri. Uma risada que não chega até seus olhos.

— Eu devia ter ido.

— Verdade. Mas o que somos nós além de puros arrependimentos, não é mesmo?

Ele assente e eu fecho os olhos, cansada. Já passam das dez da noite, provavelmente. E ainda teríamos uma longa viagem.

Ficamos em um silêncio perturbador que eu aproveito para encarar seu perfil pela penumbra das luzes do ônibus. Meros detalhes: A barba rala por fazer, a pequena pinta no queixo, as leves olheiras, os traços que repuxavam seu olhar meio oriental. Saudade é foda, né? O palavreado sujo nunca se encaixou tanto.

— Você se arrepende de algo, Liv? De nós? - pergunta um tempo depois.

Eu pondero por um instante, enquanto pego uma manta de retalhos na mochila, cobrindo meus ombros nus.

— Ironicamente, não. Eu poderia ter te conhecido em um momento melhor e não ter quase vomitado nos seus pés quando saímos daquele ônibus? Poderia. - divago - Mas eu poderia não ter me apaixonado? Acho difícil.

Sei que ele está sorrindo, pelo modo como fica calado e suspira aliviado. Mas não ouso olhar.

— E você? - murmuro.

O silêncio reina de novo. Maravilhoso. Agora somos mestres em silenciar um ao outro.

— Nunca me arrependeria. Está gravado - aponta para as tatuagens e sorri quando eu franzo a testa - Tem alguns momentos nossos aqui também.

— Os seus desenhos... - sussurro. E toco a linha da rosa vermelha quase sem pétalas no seu braço esquerdo.

— Cada uma delas são de momentos que vivi. Eu fiz uma pra cada lugar que passei fora e mais uma para cada momento que eu me lembrasse de nós. E caramba eu me lembrei de muitos.

Olho para o desenho meio torto gravado em sua pele. Escondido por um emaranhado de notas musicais, uma parte de uma partitura.

— Isso é um pê...

Ele tapa a minha boca no mesmo momento. E ri.

— Não. Meu Deus, não acredito que de tudo que tem aqui você notou isso!

Eu sorrio e afasto a mão dele, esta que cobre o desenho que mencionei.

— É o que eu acho mesmo?

Ele coça a cabeça, encabulado.

— Não era pra ser.

Dessa vez eu realmente gargalho. Jesus, quem é que tem um pênis tatuado no braço?

— Eu ainda vou concertar isso direito, ok? Foi um mau entendido na Bulgária, sabe? Não era pra ser tão visível assim, né... Mas...

Eu dou risada de seu constrangimento.

— São essas as lembranças que você tem de mim? - questiono sorrindo - É isso que você tanto lembrava?

Ele arregala os olhos e agora suas bochechas avermelham levemente.

— Lívia!

— Bom, pelo que eu sei, o seu era maior que isso - ergo as sobrancelhas para os traços na sua pele - Só se encolheu com o tempo.

Dessa vez, recebemos alguns olhares enviesados e uns "vão dormir!", porém só consigo virar e encarar o tom de tomate das bochechas de Pedro com um sorriso maroto.

— Você vai me matar! - ele ri, encabulado enquanto tenta descer mais a manga da camisa. - Você sabe que tem uma arma contra mim agora, não é?

— Claro, se eu postar isso no Facebook vai viralizar em dois tempos - rio e finjo que vou pegar o celular - Seria uma boa, não é?

Ele segura meu braço no mesmo momento. O ônibus passa por um buraco e sacoleja, fazendo com que a manta deslize por meu corpo. Os olhos de Pedro instantaneamente encaram o decote exposto, desviando o olhar logo em seguida.

— Você não faria isso, faria?

— O quê?

Ele sorri com a minha distração.

— Postar a tatoo no Facebook.

— Eu nem tenho Facebook - sussurro.

Seus dedos fazem um caminho por meu braço. Os olhos acompanhando a mão.

— E como você fazia pra me stalkear? - estremeço quando ele beija meu pulso, roçando a barba por fazer em minha pele.

— Esse assunto de novo?

— É.

— Hã... Eu... - Ele pega o outro pulso, fazendo o mesmo gesto - Usava o da minha irmã.

Ele ri.

— Sabia que a Luísa não curtiria todas as minhas fotos em um dia só. Só outra pessoa era descuidada ao ponto...

— Eu não fazia isso! Ai, caramba! Era tão óbvio assim?

Ele suspira e olha para a janela.

— Me fazia crer que você ainda pudesse gostar de mim.

— Eu gosto. - a declaração sai da minha boca.

Ele sorri.

— Eu nunca parei - ele responde e boceja - Acho que é melhor dormirmos agora, não? Amanhã será um longo dia, principalmente pra você.

Levanto de volta a coberta, enconstando a cabeça no assento e fechando olhos.

— Boa noite, Lív. - diz.

Sorrio, ainda sem o ver.

— Boa noite, Pedro.

Ele adormece em questão de minutos, os dedos ainda presos aos meus próprios dedos. Eu abro os olhos, enconstando minha cabeça em seu ombro porque, caramba, eu não podia desperdiçar aquele travesseiro gratuito.

— Eu me arrependo de uma coisa - sussurro baixinho, quase pra mim mesma - De não ter ido junto com você.

 

 


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