Os Diários da Bruxa - Interativa escrita por Bétia


Capítulo 2
X — Como (não) ser o centro das atenções.


Notas iniciais do capítulo

Voltei! ♥
Como recebi a primeira ficha, pensei em adiantar enquanto minha mão não estava tão ruim assim. Mas acabei escrevendo tudo o que havia planejado, bem no ritmo que queria para a fic kddsjk Então espero que goste!



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 Normalmente, eu teria dito que aquele era o resumo do dia. Então eu teria deixado a minha comodidade pouco tempo depois, como também toda New Bark e os seus famosos “ventos de um novo começo” para trás.

 Engraçado como este era o motivo de eu estar aqui, para o início de conversa. Mas não posso dizer que me sentia muito diferente do que quando aportei ontem, só mais cansada.

 A vida de treinador que a gente vê na mídia é tão glamorosa, não é? Ninguém fala das horas na estrada como se ferrassem com a gente. Ninguém comenta que você nunca receberá só sim(s), que a solidão pode te consumir, e que o stress te faz se auto sabotar de diversas maneiras. Nem que todos esses pensamentos, por mais realistas que fossem, caso tomados de uma forma tão negativa, podem induzir a uma grande quebra na sua saúde mental.

 Eu posso lhe dizer que prezo pelo que tenho agora. Pelo Samuel, por meu trabalho ainda gerar o meu sustento, e por todos aqueles privilégios que, ainda que poucos, sei que os tenho.

 De volta à minha vidinha no presente, o celular marcava às sete, e eu não havia nem pregado o olho. A lista de afazeres parecia piscar no aparelho, a casa estava meio escura e a minha cabeça latejava. Só a minha mãe dizia que as melhores coisas da feira estão na hora em que ela começava, bem cedinho?! Bom, fora assim que o meu dia começara, quando eu havia saído quando o relógio bateu três e meia, ainda com a calça moletom, rasteira e regata. De fato, esse seu ditado não era mentira. Mas Kanto ainda era bem diferente de Johto, as bancas não haviam aberto.

 Voltei lá, lá para quatro e pouco, mas eu não tenho certeza. Foi quando a história se seguiu até cinco e meia, que é o que você já sabe; quando eu terminei de lanchar com o Sam, arrumei todas as coisas cortadas, rasgadas e quebradas e, repentinamente, me senti fraca, lesada, e com um baita sono.

 Como falei agora há pouco, não consegui dormir. Mas também não nego que ainda dei uns cochilos de leve, esses que foram momentos deveras aperreados pois eu tinha a sensação de que ia perder o dia se dormisse demais, e hoje de tarde eu tinha de fazer o check out.

 De qualquer forma, eu ainda tinha muito o que fazer. Escondi minhas tranqueiras para não ser assaltada caso alguém viesse compartilhar a habitação comigo, escovei os dentes e saí.

 Queria dizer que estava feliz em vasculhar várias lojas por uma bolsa nova, sonhando com a minha partida e tudo mais, mas não. Na real, eu não conseguia me concentrar nem nisso. Eu só sabia que alguém havia me dito que a rua do setor comercial era essa, há poucos minutos da feira da outra vez, e era isso que eu estava seguindo, só.

 Não espero que você entenda como minhas palavras não remontam a situação da mesma maneira como tudo ocorreu, conto como lembro e organizo, pois os cortes ainda me soam não vívidos e desconexos, ainda que eu consiga repetir de cor e salteado todas as sensações. Engraçado, né?!

 Então... Sabe o que é estar na rua e se sentir o centro das atenções? Isso não é comigo, mas foi assim. Imagine agora o cenário se complicando quando eu sentia tudo quente demais, alto demais, amplificado demais. Minha garganta se apertava e eu não compreendia a manifestação dessa sede. Minha cabeça já não latejava tanto, mas minha vista se comprimia tal qual meus ouvidos.

 As pessoas, por sua vez, só pareciam ter olhos para mim, e minha reclusão se expandia conforme eu me agarrava em olhares baixos, alguns sorrisos forçados para os simpáticos que passavam por perto, e as minhas próprias mãos gélidas, porém suadas.

 Eu estava mal, admito. Mas se ainda me restavam forças, eu terminaria o que tinha de fazer. Mesmo que, olhando de lá pra cá, talvez o Samuel não gostasse disso. Nem eu estava muito bem “gostando”.

 E assim eu segui andando até que avistei uma loja peculiar, as suas portas de vidro foram o que me chamou a atenção, a princípio. Não pude ver bem o seu nome no letreiro, mas esse já era um ponto a mais já que não parecia em nada com um comércio de roupas, que era só o que eu havia encontrado.

 Logo eu tentei adentrar no local, meio cansada, meio curiosa. Colocando a mão no puxador, eu percebi que alguma coisa ali estava muito errada. Mas não falo da falta de força que não me permitia abrir a porta, mas sim daquele bafo gelado escapando das brechas até a minha cara.

 Só sei dizer que a minha vista escureceu por um momento ou dois, e assim lhe digo que não sei como narrar o que vem depois. Saiba que, primeiramente, fui abraçada pelo frio, de forma que, conforme ele ia me escalando, eu sentia meu corpo bambear, amolecer, e então a dor. Eu até agora não tenho muita certeza se o grito de socorro que planejei me escapou.

 

“...”

 Quando acordei, já não sentia mais nada daquilo, somente um inexplicável medo. Aos poucos meus olhos voltaram ao foco e eu conseguia ver tudo, ainda que meio embaçado: As prateleiras reviradas e empoeiradas, lotadas de diversos tipos de, chuto, medicinas; o birô imprensando-me contra a parede de madeira, vidros quebrados e esqueletos de Seadra pelo chão, assim como várias pessoas correndo pelas brechas da cabana. Estava tudo meio enevoado também.

  Ao longe, eu sentia alguém chamar por mim. Gritava: Ana!

 Ainda que soasse familiar, isso me fazia pensar que já havia algum tempo. E esse era o dilema básico dos nomes compostos: O conjunto é lindo, mas você sempre será chamado por um, ou outro. Dificilmente ambos. Mas e esse sentimento que também me aflorava?! Era isso saudade?

 Foi quando olhei para baixo e então percebi que vestia-me como uma enfermeira, o que era estranho. Na vã tentativa de me tirar dali, eu fazia pressão nos mais diversos lugares, mas o tampo da madeira descascou e eu cortei a palma da mão, sem querer. Tudo só me fazia lembrar que eu estava ficando sem tempo.

 A julgar pela sequência dos acontecimentos, tratava-se de um sonho.

 No seguimento, com a inalação de algo estranho que subiu depois do ar rarefeito, eu tossia. De forma que também sentia um gosto metálico escorrer pela minha garganta. Meus sentidos não pareciam estar muito bons, e conforme eu bambeava ao tentar empurrar a mesa para fora, o sangue pingava.

 Eu sabia que eu tinha de chegar até ele, de modo que uma parte de mim esperava que ele também me encontrasse. Mas eu não podia gritar pois, ainda que me restasse lá alguma força, nada que eu fazia parecia ser alto o bastante para abafar o barulho dos Weezings do inimigo, que cercavam cada perímetro do acampamento.

 E logo um clarão alaranjado pareceu tomar conta do território, sinalizando que o local havia sido evacuado e só me restavam as mortes de companhia. Todos haviam ido, menos eu. E eu conhecia o motivo disso, era uma ordem de ambos os batalhões: Não deixem-nos criar expectativas que há um caminho de volta. Eu ficaria à mercê junto com alguns soldados imobilizados no campo de concentração dos enfermos.

 Como eu sabia disso, eu não sei, mas assim que as explosões começaram mais ao longe e chegavam mais perto, eu sentia o meu corpo desistindo. As ondas de som e energia se propagavam, mas eu só conhecia o início de cada uma delas, já que meus ouvidos cediam à pressão e trocavam a trilha sonora pelos batimentos acelerados do meu arredio coração.

 A tristeza me bordou quando senti que iria morrer sem ver ninguém... E então cedi a uma tosse pela última vez, me agarrando ao primeiro treco que vi quando o Pokémon venenoso ao lado da minha cabana começou a ficar vermelho. Ali teria sido o meu fim caso aquela dupla estranha, entre um flash e outro, não tivesse aparecido para salvar o dia.

 

“...”

 Eu senti meus calcanhares sendo arrastados. Foi quando levantei de súbito, podendo sentir de volta o que era viver sem ter um peso no estômago, vendo uma pequena Kirlia retirar a sua mão que repousava em meu colo.

 Quero dizer, eu não sei ela era bem pequena, não que sua espécie fosse lá muito grande... Na verdade, o Persian ao seu lado que estava me desconcentrando. Samuel era mesmo um gigante. Acho que uma coisa era ser um pokémon de pais iguais, e outra é ser cria de um cruzamento com Arcanine.

 O Sam logo correu para o meu lado, era engraçado ver como ele me olhava com se eu fosse quebrar a qualquer momento. Coitado, ele estava verdadeiramente preocupado. Mas não falou nada, talvez porque tivesse notado que eu estava com sono e um pouco voando, ou porque pensava que se me sacaneasse, eu me jogaria da sua garupa e... Acho que uma queda de um e setenta não mata, mas eu não ia mais andar por alguns dias sem reclamar da dor. E a melhor alternativa seria me carregar até a próxima cidade de parada, o que estaria fora de cogitação para ele.

 Eu ri com a cara do moço na sessão dos chocolates quando ele me levantou. E desviei o olhar, pensando que se bem que não é todo dia que a gente vê quase dois metros de gato andando por aí. Me arrumei bem nele enquanto percebia... Era uma farmácia! Definitivamente, o lugar errado.

 Já a moça do caixa, segundos depois, me chegou com um copo d’água e um pouco alarmada. Eu precisava daquilo. Agradecendo a ela, eu acabei sabendo uns poucos detalhes sobre o que tinha acontecido: O moço dos chocolates havia tentado sair enquanto eu tentava entrar do jeito errado, e ai trancamos a porta um para o outro. Depois teve o meu desmaio. E eu precisava comer algo de sustância, dormir e beber mais água.

Acabou que eu me senti meio em débito com aquelas pessoas, mesmo que, no parecer, tudo isso havia ocorrido em dois minutos de black out. Então desci, gastei um pouco da minha grana em doce, reparti entre os dois.

 Quero dizer, quer não gosta de balas e chocolates caros? Até a Kirlia do cara pareceu feliz! E eu bem que poderia ter sido abusada e perdido tudo ali, mas eu ainda tinha as minhas notas no bolso, o elástico pros cabelos e chicletes. A pokébola do Samuel também estava ali.

 Depois de mil obrigadas na vergonha, eu saí, meio que apoiada no meu amigo. As pessoas ainda paravam para olhar quem estava passando, mas dessa vez eu sentia que era porque éramos carne nova. Também havia o quesito “gato de quase dois metros”.

Uma senhorinha que fazia compras com seu Persian regular nem nos notou, mas seu parceiro pareceu um pouco abalado. E eu te juro que não era pelos cabelos brancos e as manchonas em amarelo de listinhas laranjas que ele, o Sam, tinha, tampouco por todos os pelos em excesso. Era pela imposição. Postura.

 Foi quando o Ana! me pareceu soar novamente. E eu me virei perguntando o que era e quem, mas a cara que meu Persian me fez deixou claro para mim que não havia surgido nada de novo no ar. Mas aí, quando eu voltei a caminhar, o cenário, por um segundo, voltou ao sonho, onde o vento balançava as brasas que restavam em crateras e corpos no chão.

— Ei, você esqueceu isso por lá. — Falou outra vez o moço dos chocolates, tocando no meu braço enquanto eu não respondia. Eu agradeci mais uma vez no automático, me perguntando de onde tinha saído aquilo ali que ele me entregava. Não era meu. Aliás, de onde ele tinha vindo, também!? — Erhh, desculpa... — Ele pediu depois de uns instantes de silêncio. — ...esse foi o melhor jeito que arrumei para poder vir falar com você outra vez. — Sua Kirlia olhava para mim de uma maneira diferente, era quase uma empatia. E eu apostava que sua habilidade era o Sincronizar. — Eu... Poderia te fazer umas perguntas sobre o seu pokémon? — E então eu olhei dele, de volta para sua amiguinha psíquica, para o Sam, e para o bloquinho em suas mãos.

— Porque não? — Eu confirmei, meio em dúvida, meio em dívida, convidando-o para uma sombra ou um café enquanto ele concordava em me acompanhar e me seguia no caminho, quieto, enquanto eu olhava para o relicário na minha mão.

 A abertura dava para a foto de um casal. Ana Júlia de um lado, Robyn do outro. Estranhamente, aquela moça era muito similar a mim. E devo lhe contar que segurei uma cara meio assombrada quando me virei, falando: Por acaso, o seu nome é Robyn?; e ele concordou.


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Notas finais do capítulo

Se não tiver dado para entender direito, a Ju é de Kanto e agora está em Johto.