O Sistema é Um Porre escrita por Captain


Capítulo 3
Cena Aleatória #3


Notas iniciais do capítulo

Lembrando que eu não necessariamente compartilho da mesma opinião que meus personagens. Digo isso porque por vezes aparecerão cenas aqui com opinião política e afins que são um tanto quanto polêmicos.
Enfim, espero que gostem o/

E, ação!



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A cena mais deplorável que eu já vi na minha vida? Hmm. Não sei se foi essa, mas quando você me perguntou, foi a primeira que me veio à cabeça. Então acho que é válido, né?

Eu estava numa fila de banheiro. Chão daqueles pisos vermelhos antigos, sabe? E parede sem reboco. A construção era meio velha, rachaduras por tudo, em cima, embaixo, nas paredes, tudo rachando. O chão estava molhado, mas não havia chovido. Acho que uma das privadas estava vazando. Era um banheiro único, então havia homens e mulheres na fila. Essa guria na minha frente, cabelo roxo, bonita até, mas não muito. Eu tava meio bêbado até, mas não muito. Outra garota sai de uma das portas com as privadas e vai para um dos cantos do banheiro. Acocora no chão, próxima à fila, tira o celular do bolso, junto com um tubo de cocaína e uma nota de dois reais. Joga a cocaína em cima da tela no celular, apoiado no joelho. Tenta fazer algumas carreirinhas com os dedos, mas não funciona. “Alguém tem um cartão aí?” eu tateio meus bolsos, nada. Só tinha o celular comigo. Pego ele e passo para a garota da frente, com cabelo roxo, “grava seu número” ela concorda. Juliana System. System da banda eu acho, não sei. A Juliana System entrega o RG para a moça da cocaína. “Como é o efeito da cocaína?” pergunto, “deixa você elétrico, muito ligado, teu coração acelera pra caralho” ela responde. Acho que foi nesse momento que adicionei a cocaína a minha lista de drogas que iria experimentar quando tivesse 25 anos. LSD estava no topo da lista, sempre me despertou muita curiosidade. Mas eu não podia usar com quinze anos, seria muita irresponsabilidade da minha parte. Dizem que quem tem depressão tem maior propensão a ficar viciado. Ou seja, seria só mais alguma coisa pra ferrar mais ainda com a minha vida. Mas agora eu meio que não ligo mais, decidi esperar e a vontade passou.

Na época eu não via como um cenário ruim, mas acho que esse era só eu com os meus instintos amortecidos pela minha constante tentativa de me adaptar às modernidades do mundo. Todo mundo tá fazendo, então está certo. E eu acreditava. Coisa de adolescente. Mas lá no fundo algo estava errado, eu sentia algo errado. Eu só não sabia reconhecer que essa sensação vinha de dentro, não de fora.

Que cena deplorável, não é mesmo? Pode dizer. Já viu algo assim na vida, Nic?

 

 

Nic e Dado entraram pela porta da clínica ao mesmo tempo. A secretária havia ligado para eles e dito que havia um problema com os resultados. Alguma coisa com um problema no registro.

— Eu sinto muito, é que vocês possuem o mesmo nome e como estamos fazendo muitos exames nesses dias, com muita pressa, estamos recolhendo menos dados, para tornar as coisas mais rápidas.

Dado observou a fila gigante da fila de cadastro. A cidade inteira praticamente havia se mobilizado para fazer aquele exame.

— Mas isso é ilegal, certo? – Provocou a atendente.

Ela ficou vermelha e gaguejou.

— E-Eu sinto muito mesmo.

— E vocês não podem fazer esse exame de novo? Tirar nosso sangue novamente?

— Podemos, mas não posso colocar vocês na frente da fila.

— Que?! Você é idiota por um acaso? Vocês cometem um erro, e não podem concertar? Jogam isso como minha responsabilidade? – Dado se exaltou. Se tinha uma coisa que o deixava profundamente irritado era burocracia. Funcionário públicos porcos, preguiçosos.

— Tá, tudo bem, mas se os dois resultados deram negativo, não importa, certo? Significa que se foi trocado ou não, mesmo assim nenhum dos dois possui o vírus.

A moça olhou para baixo desconcertada e bateu as unhas na mesa, um tique nervoso.

— O resultado de um deles deu positivo.

— Ahá! Claro que sim! É por isso que não para de dizer “sinto muito, sinto muito”, desgraçada. – Disse imitando a mulher e exagerando no drama.

Eles ficaram na fila para tirar o sangue novamente, mas o resultado só sairia em no mínimo uma semana. Também havia o horário que cada havia feito o cadastro, mas eram horários próximos. Tentaram pedir para olhar as gravações da câmera, mas aparentemente as gravações não ficavam ali e sim com uma agência de segurança e eles primeiro precisavam protocolar um pedido, esse pedido tinha que ser aceito e só então poderiam olhar os vídeos. Protocolaram também. Mas tudo o que faziam parecia que só acabava desperdiçando o tempo que ainda tinham de vida. Ficar naquela fila de cadastro, lidar com a burocracia da agência de segurança, brigar com a atendente. Dado jurou para ela que se ele tivesse a porra do vírus ele voltaria até aquela clínica e estrangularia ela, já que não tinha nada a perder; palavras dele.

Até que a ideia lhes ocorreu. Eles poderiam viajar até a cidade maior e refazer o exame ali, como o equipamento e o laboratório ficavam ali, eles eliminavam mais ou menos uns três dias na espera. E Dado havia se encarregando de levar um maço de notas azulzinhas, podia vir a calhar.

 

 

— O que você faria se ganhasse na loteria?

— Abriria uma editora. Ou então, faria filmes das minhas obras.

— Uau, boa resposta. Viu, você é um cara interessante pra caramba.

— Ué, eu nunca achei o contrário pra você tentar me convencer. – Riu.

— Não estou te convencendo, estou me convencendo.

Ambos riram.

— Babaca... E você, o que faria?

— Eu compraria a porra do equipamento que faz essas análises desse vírus aí e colocaria no meio da sala, de mesinha de centro.

— Taí, genial. – Nic debochou.

— Ei, já sei! – Dado comentou, como se uma ótima ideia lhe ocorresse.

— O quê?

— Quando o buraco negro se forma no espaço.

— Ah, é? Significa que você desvendou o mistério de quando um livro passa a existir?

— Sim... Não. Eu não, Stephen King. Em um de seus livros ele comenta que uma obra só está verdadeiramente terminada quando o autor dela morre. Antes disso ele pode revisá-la e modificá-la, então não pode ser dada por pronta, mesmo se já está publicada. Então, não importa que o livro seja publicado, uma história só é uma história definitivamente pronta, quando seu autor morre.

— Uau. Se eu não tivesse segurando o volante, bateria palmas. – Nic riu.

— Ah, admita que é um bom argumento.

— Sim, eu admito. É um bom argumento. – Nic se rendeu.

— Que frase de efeito, hein? Quando um autor foda morre, um buraco negro se forma no espaço.

Nic riu.

— É.

— Ei, Nic. Se eu morrer, você poderia escrever um livro sobre essa viagem.

— Sobre dois caras num carro conversando enquanto não sabem qual dos dois irá morrer?

— Isso. E se você morrer, eu posso me esforçar e tentar escrever. E aí, de uma forma ou de outra, existiremos para sempre. – Dado deu uma pausa, pensativo. – Uau, eu deveria ser escritor, porque eu falo umas coisas muito fodas. – Brincou.

— Cala a boca. – Nic riu com gosto.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo sai no dia 22/01, vejo vocês por lá o/