Street Fighter: Victory Road escrita por Slash


Capítulo 3
Capítulo 2: As respostas moram no coração da batalha




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— Comecem a luta!

 

♫♪♪

 

 

O Leão assumia a posição clássica do boxe, levando o braço direito para defender o queixo e deixando o esquerdo um pouco a frente. Movia a perna esquerda um pouco para o lado, para proteger o plexo, deixando a direita atrás.

Já Ryu adotava uma postura muito mais plástica. Uma base longa, com a mão esquerda a frente do rosto, aberta, e a direita recolhida para a cintura. Não parecia uma posição prática para o com

Um velho indagava, no meio da multidão.

— Essa posição... Karate...

 

— O que disse?

Um jovem lhe cutucava.

 

— Esse rapaz, essa posição é do karate shotokan, estilo tradicional. Contudo, não é uma posição de combate, sim de um kata. A base é muito larga, ela não é prática, contudo...

 

— Contudo?

 

— É fácil de desviar ou de defender com ela. Repare como a perna esquerda está posicionada. Ele pode impulsioná-la para esquivar de qualquer soco do Leão. Esse homem não tinha a menor ideia de como funcionava o boxe a dois minutos, talvez esteja assumindo uma posição defensiva para estudar o adversário... É um idiota. Nunca deve ter lutado antes. Esse tipo de coisa só funciona em filmes, não em um ringue.

 

Então começou a luta.

O gigante partiu para cima do japonês e desferiu uma sequência de socos com a mão esquerda -- o jab.

Usa-se o movimento da cintura, da perna e do ombro para impulsionar um soco com a mão esquerda, em uma velocidade fulminante. A intenção, contudo, não é somente bater, sim testar a distancia do braço, as vezes confundir o oponente, e principalmente conseguir penetrar em sua defesa.

Em uma luta cada lutador é um quadrado. Os limites do quadrado são até onde vai a sua zona de defesa. O objetivo em uma luta não é saber bater forte, mas mestrar a distância, entrando dentro da defesa do oponente. O jab é um golpe que serve justamente para isso -- medir a distancia, controlá-la, de forma a permitir o lutador transpassar a defesa do oponente.

E quem dominar o terreno ganha.

Ryu movia-se para trás cada vez que o grandalhão desferia um jab diferente. A velocidade daquele soco curto era sem igual, o espantava. Poucas vezes havia visto adversários tão rápidos assim. O boxe era realmente incrível. Ryu sentia novamente o seu sangue ferver. Ambos pareciam dançar um ao redor do outro, em círculos, a medida que a areia subia quando entrava em contato com o atrito de seus sapatos. Contudo, naquela dança, cujo o preço era a vida, o grandalhão era muito mais experiente, por isso ia se aproximando cada vez mais do jovem karateka quando o golpeava. Conseguia penetrar em sua guarda, estrangulando a sua distância. Atingia-o seu então, desferindo um poderoso direto: Um soco efetuado com a mão direita, usando todo o movimento corporal, apoiando-se no pé direito, alcançando uma potência avassaladora composta de to

Era exatamente isso o que Ryu queria.

Lentamente dava um passo para trás. Com a mão arqueada, recebia com graça o soco do oponente, desviando-o com uma tapa. A força do golpe do Leão era completamente direcionada para a esquerda, tal como o seu corpo. E aproveitando-se da imensa truculência com que ele movia-se, Ryu usava a potência do golpe do inimigo contra ele mesmo, socando-lhe a face com a mão que estava presa à cintura, usando a rotação do quadril para conferir potência máxima.

Foi uma bomba. A velocidade imensa com que o boxeador deslocava-se se encontrou com o punho do karateka. Foi como o choque de duas locomotivas alucinadas, em extrema velocidade -- bem no nariz. E o grandão caiu no pra trás, batendo as costas no chão.

 

Nagashi... Uke...

 

— Quê?

 

— É uma defesa do karate shotokan. Ele aproveitou aquela base inútil para fugir, enquanto estudava o oponente. Esperou a melhor maneira de contra-atacar, desviando a força do adversário. Esse moleque... Achava que esses movimentos eram inúteis, mas ele realmente é o karate. Move-se como se tivesse internalizado todas essas técnicas.

 

Ryu retomou a posição normal, mas estranhou o fato de que a platéia não comemorava.

 

— Ei idiota! A luta não acabou!

 

O gigante então se levantou. Cuspia sangue. Levou o braço direito ao nariz e o torceu, colocando-o de volta no lugar, estancando o sangramento. Riu, sabia que estava diante de um adversário de verdade e agora não iria vacilar. Ryu respondia ao seu sorriso.

Ambos assumiram a mesma posição de antes e o gigante repetiu a sua estratégia. Ryu esperava o momento derradeiro para contra-atacar.

O direto.

Moveu-se para defendê-lo com precisão. Mas foi surpreendido.

 

— Uma... Finta!

 

Finta é um ataque fantasma. É um golpe dado pela metade, que tem a função de confundir o oponente e fazê-lo abrir a guarda. Se feita com maestria, uma finta é capaz de confundir mesmo os maiores profissionais. E Ryu, como não estava familiarizado com o boxe, era o alvo perfeito, deixando a sua face completamente desprotegida. Em suma, ele desferiu o soco, Ryu moveu o braço para defendê-lo, contudo o soco foi recolhido antes de atingir o seu objetivo, o que deixou o karateka completamente desprotegido.

O gigante recolhia o braço e usava a mesma força que o impulsionou para frente para rotacionar o corpo como um todo, invertendo a sua base e desferindo um direto com a outra mão, com o dobro de força do anterio -- duas vezes o peso corporal daquele monstro enorme e terrível, bem no nariz. 

Ryu caía para trás. A multidão vibrava.

 

— Ninguém nunca levantou depois de um desses.

 

— É, ninguém.

 

Mas Ryu não era ninguém. Cuspindo sangue, levantava-se, meio zonzo, mas logo se recompunha. O sangue que escorria do nariz ia até a boca, de forma que Ryu podia sentir novamente o gosto de quem ele realmente era. Havia tomado poucos socos tão fortes na vida. Levou a mão direita até o nariz e repetiu o gesto do Leão, colocando-o de volta no lugar e estancando o sangramento. Ria e por dentro gargalhava. Sentia que aquele golpe não havia atingido apenas o seu corpo, mas de certa forma havia afastado todas as dúvidas e vissicitudes que estavam contaminando a sua alma. Agora Ryu sabia novamente quem ele era, por que lutava. Os olhos dos dois se entrelaçavam e a tensão precipitava no ar. Agora o Leão já não subestimava mais o japonês. A verdadeira luta estava prestes a começar.

Deixava de blefe, assumia a posição de luta derradeira do karte shotokan.

E agora era ele que partia em direção ao adversário. Com o footwork digno de um mestre, na velocidade de uma bala, foi em direção a face do oponente e desferiu um poderosissimo soco com a direita. O gigante desviou e contra-atacou com outro jab. Ryu agora entendia a funcionalidade daquela tecnica e desviou com um salto para o lado, quase como se deslizasse por cima da areia. Aquela dança circular começava a ficar cada vez mais agressiva, quando os dois começavam a trocar séries de socos, tão fortes que o movimento dos seus pés faziam a areia voar.

Em uma luta, deve-se fazer de tudo para proteger a cabeça. Os dois evitavam ao máximo, seja com defesas ou esquivas, que a face fosse alvejada -- um bom soco e era adeus --, mas os seus corpos eram fustigados tão poderosamente que mesmo um elefante se veria derrotado diante dos punhos dos lutadores.

O Leão era duro, muito duro. Mas sua dureza não parecia apenas fruto de seus músculos... Ryu sentia, a medida que começava a ter a resposta para a pergunta que lhe aflingia.

 

— Para mim a luta sempre foi algo bastante agradável... Como chegar em casa.

 

Desviou-se de um direto do boxeador, chegando perto de seu ponto de equilibrio.

 

— Desde aquela luta no bar com o Guile, sinto que eu mudei, e estou mudando... Sinto que a cada luta, a cada embate, eu encontro, cada vez mais, eu mesmo... Esse combate, a medida que meu sangue ferve, borbulha, óh, eu posso, sim, eu posso sentir!

 

Ele recebeu um poderoso soco na barriga que o deixou sem ar.

 

— Eu não sou uma fera. Não mais. Eu sou um guerreiro.

 

O boxeador desferiu um poderoso direto em direção a Ryu. Ele desviou, saltando para a esquerda. Jogou o ombro para o lado esquerdo e com a rotação do corpo desferiu um soco no biceps do oponente, sem perdê-lo da linha de visão.

 

— A luta para mim é como uma forma de comunicação. Lutando com esse cara, consigo entendê-lo mais do que se tivesse conversado com ele a vida inteira. A potência colocada em cada golpe, a forma como o fogo acende em seu olhar, o peso que ele coloca em cada movimento... Eu consigo enxergar, sim. Enxergar dentro de sua alma, entendê-lo. E a medida que o golpeio, também o faço me entender.

 

 Deslizou os pés em direção ao braço direito do oponente e golpeou o seu ombro com um soco, à toda potência, com a direita.

 

— Não, eu não luto com o intuito de ferir ou matar -- se já o fiz, não mais o faço. Isso aqui não é um derramamento de sangue sem sentido, é a luta pela vida. A luta que muitas pessoas, a maioria delas, simplesmente fogem, porque "querem ficar bem". O seu desejo por querer "ficar bem" as fazem ignorar o fato de que nós precisamos lutar para proteger o que é bom, pois só assim se é possível ser feliz. E é aí que nasce a fraqueza da alma.

O homem no tatami mostra a sua verdadeira face. E é por isso que luto. É isso que busco... Complascência. Luz.

 

— Fpoem direção, agora, ao braço esquerdo, deslizando por baixo do punho do oponente. Lhe golpeou também no ombro.

 

Entendimento mútuo e por fim auto-entendimento. Como consequência...

 

O oponente baixava a sua guarda. Ryu viu o momento ideal e lhe encaixou um soco definitivo no queixo.

 

— Paz.

 

O gigante caiu no chão. Demorou a se levantar. Começou a contagem. O mesmo homem de antes perguntou ao velho, que parecia entendido de luta.

 

— O que o moleque fez? Nunca vi o Leão abaixar a guarda assim.

 

— O pirralho é inteligente. Ele sabia que a guarda do campeão era intransponível, não podia atingir o seu rosto, então resolveu atingir o seu corpo. Uma porrada no bíceps completamente distraído, não sabe como isso dói... Isso trinca o músculo, o trava. No ombro, cara, você não sabe o quão dificil fica levantar os braços depois de um golpe assim. Esse tipo de estratégia não é muito inteligente em um combate com luvas, mas aqui usamos as mãos nuas. O pirralho fez algo que ninguém pensou, pois estamos adaptado demais às regras, que sim, não existem aqui, mas de certa forma ainda nos assombram. Ele é um gênio.

 

— 8

 

— 9

 

— 10...

 

— O vencedoooooooooooooooor!

 

Ryu havia sido vitorioso. Ele sorria. Sorria porque agora entendia, e não podia ser mais grato ao Leão. Todos o aplaudiram e então o karateka se preparava para deixar o circulo, até que era detido pelos espectadores.

 

— Ei, moleque, você venceu UMA luta só. Tem mais lutas, vamos ficar aqui até as dez da noite ou ninguém mais resolver aparecer, se prepare pra apanhar!

 

— Cinco? Mas eu mal estou me aguentando de pé! Esse cara era duro, ei!

 

Ryu era empurrado pro centro da arena. Então, do fundo, brotou um brutamontes ainda maior do que o Leão, que era recolhido por um grupo de homens que o levavam, todo ensanguentado, pro canto da parede do balcão. Não pareciam se importar muito com cuidados médicos.

Por sorte, os quatro oponentes que se sucederam não eram tão habilidosos como o Leão. Ryu derrotou todos eles sem suar muito, o que fez com que os poucos lutadores curiosos que se escondiam no meio da multidão dessem no pé. Sorte dele, ou não voltaria andando pra casa naquela noite. 

A multidão então se dispersou. Um sujeito macabro se aproximou do japonês e lhe jogou algumas cédulas de dinheiro.

 

— Sua parte, china.

 

— Minha parte? Ei, espere, vocês estavam lutando por dinheiro? E eu sou japonês!

 

— Você pode ser o que quiser, no meu território é china. Então, não quer a grana? Quer me dar?

 

— Não, não... Eu quero sim.

 

— Ótimo. Esteja aqui na próxima semana.

 

— Ei, você tem que aprender a falar com as pessoas!

 

O homem olhava de forma odiosa e saía. Estava armado, mas tinha medo que não conseguisse atirar rápido o suficiente... Já não havia sobrando ninguém ali. Exceto pelo Leão, que estava estirado, todo ensanguentado, no canto da parede do galpão, sentado no chão. Já havia se recuperado a ponto de poder ir embora para um hospital, como os outros lutadores, mas parecia triste, distante, humilhado demais para se levantar.

 

— Ei, cara, ei! Por que você ainda está aí?

 

O gigante nada respondia. Olhava para Ryu com muito ódio. Até que começava a falar.

 

— Já me venceu. O que quer? Tirar meu orgulho?

 

Ryu desferia um sorriso inocente e respondia.

 

— Olha. Toma. É seu. Diferentemente de todos os outros que lutaram comigo hoje, você é o único que aparenta ter bom coração.

 

Ryu colocava o dinheiro no chão. O homem em sua frente ficou completamente surpreso, então começou a falar.

 

— Você... Está dando... Pra mim?

 

— É. Você é uma boa pessoa, tenho certeza disso. Toma, pode ficar. Você precisa mais do que eu.

 

— Eu... Não sou...

 

— Para de ser bobo! Se não quiser eu pego de volta, eim?

 

— Eu... Uma boa pessoa não estaria em um lugar como esse...

 

— Não diga besteiras. Eu sei que é uma boa pessoa, senti quando lutei com você. Está só um pouco confuso, como eu estava, mas no fundo você é do bem. Digo isso porque, diferente daqueles caras, que lutavam por grana, você luta por alguma coisa. Eu senti isso. Tentou ficar em pé até o fim. Você se esforçou muito mais do que eu. Na fibra, derrotou-me.

 

— Você... Como sentiu...?

 

— Conheço muito mais um homem de lutar com ele do que pode imaginar. Eu aprendi a sentir isso.

 

O gigante não conseguia falar, começava a chorar. Aquele presente parecia significar muito para ele. Segurava o dinheiro como se estivesse segurando um bebê, por nada nesse mundo iria soltá-lo. Balbuceando, devido ao incontrolável choro, começou a falar.

 

— Eu fui um campeão de boxe no passado. Nada grandioso, mas tive meus titulos. Me aposentei com uma modesta quantia de dinheiro, pois não podia mais lutar.

Sabe, nesse esporte apanhamos muito na cabeça, então eu desenvolvi uma pequena rachadura no crânio que pode me deixar completamente louco. A minha esposa, quando soube que eu não tinha mais carreira, me deixou. Tive de pagar uma pensão absurdamente alta para meus dois filhos, os meus maiores tesouros! Então, depois de muito me sugar e sugar, ela ficou viciada em drogas.

Lutei na justiça para recuperar os meus filhos, mas o juiz ainda manteve a guarda com ela, o que, juntando à pensão que eu pagava, me fez falir. Queria voltar aos ringues, mas ninguém queria patrocinar um lutador que já estava com os dias contados -- eu podia ter coisas, complicações. Então fui morar em um apartamento velho que pertencia a minha falecida mãezinha.

Pouco depois minha mulher morreu de overdose em uma festa com alguns atores de Hollywood -- ela roubou todo o meu dinheiro, meus filhos, enquanto eu morava na podridão -- e minhas crianças foram morar com o avô, que é um veterano de guerra que parece que perdeu o coração nas trincheiras.

Estão infelizes, completamente. O juiz disse que posso ter novamente a guarda de meus filhos se obtiver um emprego e renda fixa. Mas eu não sei fazer nada, sou muito, muito burro. A única coisa que sei fazer é o boxe... E por isso entrei nas lutas clandestinas. Preciso de dinheiro, dinheiro para... Meus filhos...

 

— Você desceu até as trevas para juntar forças e poder lutar contra as próprias trevas... E no final se machucou, se transformou em um monstro. Eu já fui um monstro. É preciso mudar, seguir em frente, procurar a sua luz.

Cara, olha, não se preocupe. Se depender de mim, você jamais irá ter, na sua vida, que tomar um soco novamente. Eu vou te ajudar nessa jornada.

 

O gigante entao tornou-se uma criança. Não sabia mais o que fazer. Abraçou o jovem rapaz, enquanto chorava copiosamente. O seu sentimento vertia por seus olhos, falava por ele. Havia arranjado um grande amigo.

 

 

 

[CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO]

 


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