Alma Rubra escrita por Nittaventure


Capítulo 8
Capítulo 07


Notas iniciais do capítulo

Se amanhece, aqui estou a selar tua fonte
Com o beijo que marca que te protejo
E, se escurece, me falta tanto um rumo
Que me perco em memórias [...]



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Era na primavera que as flores se desabrochavam e também foi na primavera que Kate completou seu décimo oitavo aniversário. Como uma linda rosa se abrindo para um mundo novo.

Kate despertou e contemplou o cantar dos pássaros no jardim, abraçou o travesseiro sentindo o perfume de Afonso, sabia que ele ficava durante a madrugada velando seu sono e percebeu como sua vida tinha mudado da água para o vinho: antes uma pedinte, que fedia e dormia na rua, e agora uma perfeita dama, frequentando teatros, óperas e cinemas, requintados restaurantes. A amizade com Olivia ficava cada dia mais sólida, mesmo Jackeline insistindo em dizer que Kate não passava de um bichinho de estimação, algo para Olivia se distrair e nada mais. Porém, Kate e Olivia em certos momentos mais pareciam irmãs.

O jeito alegre e descomplicado de Olivia fazia o mundo ser um lugar mais alegre para Kate. Porém, Marybeth não via isto com bons olhos, pois conhecia o final da história e rezava para que nada de ruim acontecesse a nossa jovem menina.

A cada noite que passava, a paixão de Kate por Afonso só aumentava. Toda vez que a lua começava a brilhar no céu, Kate sentia seu coração se acelerar. Ela sempre ficava ansiosa para ver Afonso.

Naquela noite, como em muitas outras, o silêncio reinava novamente na casa, o relógio cuco marcava três da madrugada, o ar quente da primavera entrava pela janela do quarto de Kate. Mesmo com sua nova vida, alguns pesadelos não a abandonavam.

Kate rolava na cama com mais um pesadelo. Ela despertou alarmada, passou a mão pelo rosto tentando afastar aquelas imagens que a atormentavam. Precisava de um pouco de água, então saiu do quarto usando seu blusão cinza. Na cozinha, ela lavou as mãos e rosto na pia. A água trouxe um frescor agradável à sua pele. Mesmo sendo silencioso como a noite, Kate conseguiu sentir a presença de Afonso quando ele se aproximou.

Afonso tocou as costas de Kate, e devagar suas mãos deslizaram pelos braços dela, fazendo-a se sentir livre de tudo o que a atormentava, livre dos medos, livre de qualquer dor que já sentira. Os lábios de Afonso traçavam uma linha de beijos até seu pescoço, depois ele apertou seus braços em volta da cintura dela e a virou para que o encarasse.

— Qual a tormenta que a tirou o seu sono, minha lady?

— Não há tormenta alguma. Eu só...

— Existe algo sim, pois escutei teus gritos. — Kate abaixou seus olhos de prata-derretida, jamais tinha imaginado que gritava na hora dos pesadelos, mas Afonso levantou seu queixo com o dedo.

— Ah, menina, não faça isto.

Eles tocaram os lábios suavemente, mas logo se tornou intenso. As mãos de Afonso fluíam pelo corpo de Kate, levemente no início e depois com mais força. Ele se deliciava com as curvas dela. Kate se derreteu, permitindo que Afonso tocasse-lhe as coxas, quadris e ombros. Ele assumia o controle do corpo dela. Kate, por sua vez, correspondeu beijando-lhe os lábios, queixo, pescoço, sentindo toda rigidez dos músculos de Afonso sobre seu fino blusão. Devagar Afonso foi afastando seus corpos. Kate não conseguia controlar sua respiração, que saía pesada como se fosse a primeira vez que ela usava os pulmões. Kate fechou os olhos se preparando para o vazio que ficaria em seus braços, assim que Afonso se afastasse. Quando os abriu novamente, estava em seu quarto, sozinha.

***

Quanto mais ela negava, mais claro ficava que estava mentindo. Não que alguém tivesse algo a ver com sua vida, mas Kate não queria magoar Marybeth. O fato era que Marybeth acreditava piamente que os Kissinger eram demônios que roubavam as almas de moças jovens e, por isso, Kate continuava negando seus sentimentos para que sua amiga não ficasse preocupada ou triste.

 A jovem garota suspirava cada vez que o sol ia se pondo. Antes de poder se entregar nos braços de Afonso, ela tinha de brincar de ser a boneca de Olivia, que insistia em vesti-la, maquiá-la e ajeitar-lhe o cabelo e depois saíam as duas pelas ruas. A primeira vez que foi a ópera ela não gostou, achou tudo muito exagerado, os passeios que a deixava feliz eram ir ao cinema ver aquelas pessoas dentro da tela. Era surreal. Porém, o melhor de tudo era quando entrava pela porta e encontrava a casa em silêncio, significava que Afonso a aguardava para ela poder derreter em seus braços.

Cada noite e cada dia, Kate criava cada vez mais laços com os Kissinger e se esquecia do restante do mundo. Marybeth era a única humana com quem Kate convivia e, por alguma razão, Kate tinha muito carinho pelas pessoas daquela casa e não fazia questão de conhecer outros seres humanos. Porém, Marybeth queria que Kate tivesse outras opções em sua vida.

— Kate, quero que venha comigo para uma festa. — Foi uma grande surpresa para Kate ser convidada por Marybeth, pois ela não falava muito de sua família, e as únicas coisas que Kate sabia era que ela tinha três filhos e um marido doente. E agora estava sendo convidada para uma festa. Já fazia tempo que não convivia com outras pessoas, o fato de se envolver tão intimamente com os Kissinger a estava fazendo se afastar do resto do mundo.

— Eu não sei se devo ir!

— O mundo está em guerra, menina, e nem por isso devemos deixar de comemorar a vida. Minha filha mais nova está fazendo aniversário, mas não será nada grandioso.

— Bem, vou pensar.

— Não tem que pensar, Kate, tem que ir. Será muito bom para você, e terá muitos rapazes lá.

— Marybeth, já te falei que não me interesso por rapazes; se eu for, será pela sua filha.

— Que seja! Então coloque uma daquelas roupas bonitas, pois ainda tenho que passar na confeitaria para pegar alguns doces.

Enquanto Marybeth terminava de fechar as últimas janelas na mansão, Kate, no quarto, colocava seu vestido florido e amarrou uma fita no cabelo. Depois que Kate já estava pronta, ela pegou um pouco de dinheiro para comprar algum presente para filha de Marybeth. Ainda faltavam muitas horas para o sol se pôr e as duas juntas deixaram a mansão e o bairro luxuoso para seguir pelas ruas indo em direção a parte pobre da cidade. Não foi fácil pegar a condução que deixava os casarões e ruas largas para trás e seguir por becos com prédios velhos e sobrados lotados de pessoas. Passando em frente de um galpão, que servia de morada para ratos e pombos, Kate se lembrou que já tinha dormindo ali em um dia de chuva.

Chegando à casa de Marybeth, Kate percebeu que o lugar não era grande e que as paredes estavam machadas por causa da infiltração.

Kate foi apresentada aos filhos de Marybeth, todos muito alegres. Enquanto as pessoas chegavam, Kate se encostou a um canto, segurando um gato no braço e afagando atrás de sua orelha. Pouco depois, ela sentiu Marybeth tocar em seu ombro e puxá-la para mais perto das pessoas.

Marybeth trajava um vestido florido que deixava seu rosto iluminado. Sendo Marybeth uma mulher forte e muito bonita, que não se importava com cor ou raça, uma amiga que Kate gostava muito, ela lembrava a sua mãe.

— Menina Kate, deixe este gato de lado, venha dançar; meu primo Ricardo quer conhecer você. — Não adiantaria protestar. Kate já tinha sido arrastada até a sala onde todos dançavam e riam alegremente.

Ricardo era um rapaz de ombros largos, com um sorriso branco e olhos verde-outonal, que dançava muito bem. Porém, Ricardo era tímido demais para conversar com Kate, ao contrário de seu irmão Augusto, que cheirava a café com rum, e tinha os lábios grossos e escuros, além de caninos acavalados sobre outros dentes, mas que não tiravam a beleza de seu sorriso.

Então a nossa jovem menina dançou e se divertiu, mas seu coração e seu corpo gritavam pelos braços e beijos de Afonso. Porém, quando a festa acabou e ela resolveu partir, Marybeth não achava seguro Kate ficar andando pelas ruas da cidade durante a madrugada e, por este motivo, achou melhor que Kate dormisse em sua casa.

Marybeth, como boa anfitriã, fez questão que Kate dormisse na cama de sua filha, no entanto Kate não achava justo colocar a pequena Micaelly para dormir no chão sobre cobertores e decidiu dividir a cama com a menina. Na cama Kate observava a doce e pequenina Micaelly dormindo e ficou imaginando como estaria seu irmão e sua irmã. Será que no céu eles ainda eram crianças e estariam junto da mãe?

Na manhã seguinte, Kate e Marybeth seguiram juntas para o casarão dos Kissinger. Ambas conversavam e riam com os acontecimentos da noite anterior. Kate não tinha se interessado por nenhum dos muitos sobrinhos de Marybeth, no entanto tinha que ficar escutando sua amiga falar como seria bom caso ela se interessasse por algum deles, que eram rapazes trabalhadores. Mas Kate só tinha sentido uma única coisa: uma profunda e doce amizade por todos.

Quando a noite chegou, Kate estava em seu quarto; quando uma rajada de vento espalhou alguns jornais velhos pelo chão, ela se abaixou para juntar, por isso nem reparou que Olivia estava sentada em sua cama, e com isso acabou levando um susto. O rosto angelical de Olivia estava fechado em uma carranca mal-humorada.

— Onde você estava? — Os olhos de Olivia estavam em tons de sangue vivo.

— Fui à casa de Marybeth, era ano da filha dela.

— Quem lhe deu ordens para sair daqui? — Olivia segurou o braço de Kate com força, mas isso não deixou Kate chateada, foi o tom possessivo na voz de Olivia que a deixou chateada, afinal, Olivia não era sua dona. Kate endireitou o corpo, seus olhos, de prata-derretida, sérios e fixos nos olhos vermelhos de Olivia.

— Como assim ‘ordens’? — Kate perguntou. — Olivia, você não é minha dona, eu trabalho aqui; sim, faço todo serviço, somos amigas, mas isso não lhe dá direito de se intrometer em minha vida pessoal.

— Ora, a ratinha está mostrando as garras; depois de tudo que eu fiz por você.

— Você não fez nada por mim! Tudo que você faz é para sustentar seu egocentrismo. E agora solta o meu braço.

O olhar de Olivia era de um gato prestes a abocanhar um rato; caso Kate fosse a ratinha já teria morrido; porém, ela não era assim tão fácil de ser domada, e foi essa força emanando de seu corpo que impediu Olivia de fazer algo, e o máximo que Olivia fez foi um biquinho dengoso com os lábios que não derreteu Kate.

— Poxa, eu tinha preparado um passeio ao cinema.

— Olivia, por favor, não quero ir a cinema algum. Agora me deixa em paz.

As presas de Olivia se tornaram pontudas enquanto seu biquinho retornava para uma carranca e, percebendo que não conseguia nada, ela desapareceu.

Kate sentou na cama e soltou o ar, não queria ter brigado com Olivia depois da noite maravilhosa que teve. Ela fechou os olhos e esfregou a testa com a mão, estava cansada, precisava dormir. Devagar deitou em sua cama e começou a cochilar, mas um toque morno a fez despertar. Kate abriu os olhos devagar, e viu que Afonso estava sentado na beirada de cama. Um sorriso iluminou o rosto de Kate, que se inclinou para frente, querendo preencher aquele espaço entre eles com beijos e suspiros.


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