Alma Rubra escrita por Nittaventure


Capítulo 6
Capítulo 05




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Sua boca tinha um gosto horrível. Ela bebeu um pouco de água, depois abriu as cortinas da janela, mas no quintal alguns pássaros cantavam alegremente e o som fazia sua cabeça doer. A porta do fundo rangeu e Marybeth entrou trazendo várias sacolas de compras, sobre o fogão já tinha um bule de café quente, e o seu aroma preenchia o ar fazendo seu estômago protestar. Kate caminhou devagar para perto da mesa e sentou, logo tinha uma caneca de café fumegante perto do seu rosto.

— O que você está fazendo aqui? Hoje é Natal! — A voz de Kate saiu pesada, fazendo sua cabeça latejar ainda mais

— Olha para você! Se embebedou feito um gambá! — Mary Beth puxou uma cadeira e sentou perto de Kate, colocando dois remédios em um copo com água. — Pediram para eu vir hoje, vão pagar o dobro para mim, e dinheiro é dinheiro. E você, o que passou pela sua cabeça para ficar se embebedando?

— Eu só… — as palavras ecoaram em sua cabeça fazendo-a quase explodir.

Ela viu o sorriso de Marybeth. Com muito esforço, bebeu um pouco de café amargo, para depois beber o remédio que estava no copo. Mesmo Marybeth insistindo muito para voltar para cama, Kate não abriu mão de ajudar com seus afazeres.

A casa, por algum milagre, não estava muito bagunçada, isso era algo bom, pois Kate não sabia quanto tempo levaria para passar o efeito do álcool do seu corpo, cada vez que abaixava a cabeça para pegar alguma coisa, sentia que estava usando um chapéu de chumbo sobre sua cabeça.

 Quando tudo ficou limpo, ambas sentaram para almoçar Marybeth preparou um assado com farofa e uma salada de macarrão. Kate sabia que tudo estava delicioso, porém, só o cheiro da comida já a deixava com náusea. Kate voltou para seu quarto para limpar a sujeira que tinha feito na banheira, no entanto tudo estava perfeitamente limpo. Ela achou estranho, tinha plena certeza de ter vomitado à noite anterior, mas como Marybeth já tinha ido embora não tinha como ela perguntar se fora quem limpou.

Ela tomou um bom banho gelado e dormiu; acordou com a lua tentando brilhar entre nuvens. A casa estava às escuras, apenas uma luz brilhava fraca no escritório. Kate entrou, mas estava vazio, talvez todos tivessem saído enquanto ela dormia; olhou para a mesa solitária com o abajur aceso, caminhou até a estante de livros, passou os dedos pelos títulos sem saber do que se tratava, ela ainda não havia aprendido direito a ler esta nova língua, mas nunca desistiu de tentar. Abriu um livro e, com muito esforço, juntou as palavras.

— E-l-e l-e-v-a-n-t-o-u a m-ã-o e t-o-c-o-u o r-o-s-t-od-e-l-a — tomava fôlego para continuar a ler, quando uma voz a assustou fazendo o livro cair no chão.

— Ele levantou a mão e tocou o rosto dela, fazendo sua face corar. Ela, por sua vez, limitou seu olhar, pois sabia que isso denunciaria o que estava sentindo.

Seus olhos vislumbraram a figura dele saindo das sombras, sua camiseta estava aberta deixando a mostra seu corpo. Kate sentiu que o sangue escorria de seu corpo Tentou pegar o livro, queria fugir, não suportaria se ele a desprezasse novamente; quando tentou mover seu corpo para sair do escritório, ele já estava parado a sua frente, segurando firmemente sua cintura.

Os lábios dele estavam puxados em um sorriso cínico que ela não conseguiu parar de olhar, as mãos dele eram frias no início depois ficaram mornas. Uma leve pressão em seus lábios, Kate sentiu uma língua invadindo sua boca; ele a beijava com força, e sua mente tentava processar tudo aquilo. Kate nunca tinha sido beijada. Ela queria corresponder, sentiu seu corpo começar a queimar; então ele se afastou, deixando em seu lugar um ar frio. Ela tocou os lábios, que formigavam,quando tentou andar, porém, só conseguiu cambalear para fora do escritório. Talvez tenha levado muitas horas para que Kate entendesse realmente o que tinha acabado de acontecer, pois em sua mente ela pensava estar sonhando acordada. Quando conseguiu chegar ao seu quarto, ela ainda estava arfando e todo seu rosto estava radiante, pensando que devia ser um sonho estranho que teve por causa da bebida. Ainda arfando deitou na cama, notando, antes de adormecer, que pela fresta da janela entrava a luz brilhante da lua.

Na manhã seguinte, Kate tinha acordado com um sorriso radiante no rosto, era como se o mundo inteiro estivesse em festa, ela nem se importava com as pesadas nuvens cinza no céu.

— O que você tem hoje?

— Não tenho nada! Por que está perguntando?

— Por que você está com este sorriso no rosto. — Kate mordeu de leve os lábios relembrando o beijo roubado da noite anterior. Claro que ela não poderia contar para Marybeth, seria seu segredo proibido. — Menina qual sua idade?

—Tenho dezessete. — Kate não lembrava a data exata do seu aniversário, mas lembrava que sempre que o comemorava o jardim de sua casa estava florido, era na primavera.

— Já está na idade de se casar, será que existe alguém que esteja enamorado de você?

— Não! Marybeth, não tem ninguém, e agora pode me passar o queijo?

 O rosto de Kate ficou ruborizado, ela estava se apaixonando por aquele homem. Ele, um ladrão que roubou seu primeiro beijo, e por este motivo ela passaria o dia inteiro desejando que o sol se ponha novamente, pois queria sentir mais uma vez seu corpo flutuar e o ar faltar em seus pulmões.

Eu sempre achei lindo as histórias sobre o primeiro amor, já busquei muitas almas apaixonadas e, toda vez que eu tinha que buscar alguma alma naquele casarão, eu observava a jovem Kate e seu olhar apaixonado, como ela suspirava cada vez que a lua surgia no céu e como seu olhar era de pura tristeza cada vez que ele não aparecia.

Kate ficava se perguntando se Afonso tinha ido embora, várias noites quando ainda não o tinha visto novamente, ela tinha receio de acabar o encontrando com outra mulher. Com o dinheiro que recebia, ela comprou alguns vestidos, perfume e uns sapatos. Claro que ela não sabia nada sobre moda ou estilo, apesar das roupas estarem limpas era tudo de segunda mão. Usar uma camiseta de flanela azul com calça e um sapato fechado não a deixava com ares feminino. Muitas vezes ela ficava parada olhando as vitrines das lojas, imaginando como ficaria usando alguma daquelas roupas. Será que algum dia seria bonita igual a Jackeline?

Certa tarde, após terminar de passar muitos lençóis, Kate subiu as escadas para guardá-los nos quartos, pensando que ninguém ainda estaria acordado, pois ainda não estava escuro. Aproximando-se de um dos quartos, ela ouviu um choramingo baixo e a voz de Barnabé parecendo zangado.

— Não Olivia! Desta vez não irei fazer teu gosto.

— Você é um insensível, só estou querendo algo tão simples. Se você não quer, deixa-me fazer isto.

— Já chega! — Kate sabia que aquilo era uma briga, pois todos naquela casa falavam de uma forma suave e calma mesmo que algumas vezes suas feições mostrassem o contrário e, mesmo que não estivessem gritando, ela sabia que não era uma boa hora para estar naquele local, mas antes que ela saísse da frente da porta, Barnabé a abriu e encarou Kate com seus olhos vermelhos e sua carranca zangada. Ela se afastou dele e, antes que falasse algo, ele desapareceu; Kate viu Olivia debruçada sobre a cama. A nossa jovem menina aprendeu desde cedo a nunca se meter nos problemas dos outros, isto era um instinto de autopreservação, assim ela não ficaria muito apegada à pessoa e também porque ela já tinha seus próprios dilemas pessoais e, por este motivo, Kate levantou os pés bem devagar tentando não fazer barulho algum, mesmo assim o piso de madeira rangeu com seu pouco peso.

— Kate, venha aqui, não tenha medo.

Kate soltou o ar desanimada, virou na direção da porta e caminhou devagar para dentro do quarto, que tinha uma fraca iluminação. Ela ficou de frente para Olivia, cujos olhos pareciam estar derretendo em sangue que escorria manchando sua pele pálida. Kate não sabia se deveria guardar os lençóis ou ficar ali parada encarando Olivia. Mas, pelo estado daquela moça, Kate decidiu colocar os lençóis sobre um pequeno sofá e sentar ao lado de Olivia; ela deslizava suas mãos pelos ondulados cabelos da moça, uma cena estranha de ser ver. Kate mantinha seu corpo tenso pela situação, jamais consolara ninguém, porém, Olivia parecia tão frágil e desprotegida, que a nossa jovem menina se sentiu mal em pensar deixá-la sozinha naquele quarto.

— Ah! Kate, como me sinto sozinha, seria mais apropriado se eu deixasse de existir neste mundo. — Um suspiro baixo e uma fungada de nariz; aquilo era triste demais de ver.

Como poderia se sentir sozinha se aquela casa vivia repleta de pessoas e festa todas as noites? Não fazia sentido.

— Não achas que isso é injusto de falar? A senhorita tem o senhor Barnabé que a ama e faria tudo para vê-la feliz! — Olivia levantou a cabeça, e Kate esperava ver maquiagem borrada e um nariz vermelho escorrendo, mas ela continuava com aquela beleza angelical perfeita.

— Não me fale daquele medíocre egoísta, eu sinto falta de uma amiga. —Observando Kate, seu olhar se iluminou. — Queres ser minha amiga, Kate?

— Eu?! Mas a senhorita Jackeline que é sua amiga.

— Por favor! Jackeline não passa de uma invejosa mentirosa, que faria qualquer coisa para acabar comigo

Kate sorriu de uma forma sem graça, mas Olivia parecia não se importar, ela se levantou e foi para a penteadeira. Para Kate foi a oportunidade para sair do quarto. Quando ela foi pegar os lençóis sobre a cadeira, eles tinham sumido. Ela olhou no corredor e os viu espalhados até a escada.

— Que inferno! —Kate praguejou silenciosamente, pensando quem teria feito aquilo.

Enquanto ela se abaixava para pegar os lençóis, Jackeline apareceu usando somente uma calcinha e com os seios à mostra.

— Olha só!  A porquinha vai virar bichinho de estimação da Olivia, as coisas só melhoram para você.

Eu não sei qual era a cor da alma de Jackeline, porém, posso dizer que devia ser em um tom de cinza-chumbo, pois ela não era cruel por ser uma vampira, ela fora uma pessoa egoísta, e ela sabia que Kate tinha algo especial, e, talvez por isso, ela sentisse muita inveja e medo de ser substituída naquele grupo.

Kate jogou os lençóis que antes estavam limpos, agora todos sujos e manchados, no pequeno tanque. Nunca fora de pensar em vingança, no entanto queria dar uma lição em Jackeline, mostrar que não linha medo dela.

No dia seguinte, enquanto todos estavam dormindo em seus caixões, Kate aproveitou que Marybeth estava podando algumas plantas e subiu as escadas sorrateiramente, carregando um balde cheio de lama, e foi para o quarto onde Jackeline dormia. Primeiro ela abriu as pesadas cortinas e olhou atentamente o quarto, talvez ela morresse naquela noite ou fosse despedida e voltasse a morar na rua, mas já estava cansada das humilhações de Jackeline. Kate viu dois caixões encostados na parede, ela sabia que Jackeline estava dentro de um daqueles caixões, mas qual? Devagar ela abriu a pesada tampa e uma mão gelada segurou-lhe o pulso fazendo seu coração quase parar. Ela olhou e viu que era a mão de Lorenzo, o acompanhante de Jackeline, ele apontava para o outro caixão, então fechou a tampa e se encaminhou para o caixão certo. Devagar a tampa foi levantando, dentro ela pode ver a figura de Jackeline dormindo, os lábios vermelhos, a pele pálida e o cabelo amarelo, ela era simplesmente linda e até mesmo Kate ficava admirada com sua beleza, porém, ela não ficaria tão bonita assim por muito tempo.

Eu já mencionei que nossa jovem menina era muito corajosa. Ela já enfrentou um soldado nazista, já brigou com lobos por comida agora ela jogaria um balde de lama em uma vampira.

Ela virou o balde despejando todo seu conteúdo em Jackeline e fechou a tampa em seguida; e, como era muito esperta, correu para a porta, mas antes pode ver a tampa do caixão voar pelos ares e Jackeline saindo de dentro dele coberta pela lama preta. Por ainda ser dia, e as janelas estarem abertas, ela não conseguiu ir atrás de Kate, que a encarou com um sorriso vencedor no rosto.

— Eu vou te matar! Vou beber cada gota deste seu sangue imundo, sua porquinha.

— A única porca que eu vejo é você. E aproveite a lama.

Kate desceu as escadas sorrindo, pelos gritos de Jackeline. Marybeth entrou na casa desesperada e encontrou Kate sentada na cozinha.

—Menina! Não diga que esse grito foi por algo que você fez?

Kate apenas balançou os ombros e começou a preparar algo para comer, aquela poderia ser sua última refeição. À medida que o dia ia terminando, Marybeth sentia uma angústia tremenda, ela não compreendia por que Kate se mantinha tão calma. Antes de ir embora ela abraçou a jovem menina, pois sabia que no dia seguinte receberia a triste notícia de um corpo encontrado boiando no rio.

Imagine o mundo em câmera lenta... Foi assim que a cena se desenrolou.

Kate estava colocando as taças de cristal sobre a pequena mesinha perto do sofá quando viu tudo a sua volta voando no ar, enquanto unhas afiadas rasgavam pele de seu braço. Seu corpo bateu contra a parede. Ela sentiu muita dor quando seu corpo foi levantado no ar novamente e pode ver Jackeline a encarando com olhos vermelhos e uma feição demoníaca, não tinha beleza algum. Ela dobrou o pescoço de Kate e abriu a boca, mas, neste instante, Jackeline foi jogada do outro lado da sala. Kate viu Olivia e Lorenzo ao seu lado, enquanto Barnabé e Afonso seguravam Jackeline.  

— O que vocês pensam que estão fazendo? Me deixa acabar com ela.

—Jackeline! Cala a boca! — Barnabé soltou o braço de Jackeline e começou a se servi de uma garrafa de whisky e começou a beber. Barnabé parecia estar se divertindo com a situação. — Menina, você me surpreendeu com sua coragem. Olivia, leva a nossa... a senhorita Kate para fazer uns curativos enquanto nós conversamos com Jackeline.

Kate foi carregada por Lorenzo para o andar superior, levada para o quarto de Olivia e posta deitada de bruços sobre a cama.

Logo, Olivia passava o algodão embebido em algo laranja no machucado de Kate, enquanto Lorenzo espalhava algo nas suas costas.

— Já conheci muitas pessoas loucas, porém, nunca uma capaz de enfrentar um vamp...

— A loucura é o que nos dá força.

Lorenzo sorriu de forma jovial, não parecia ser mais velho que Olivia, sua pele não era branca, e sim meio acinzentada, e Kate percebeu que em uma de suas mãos faltavam dois dedos. Apesar de eles serem tão diferente um dos outros, pareciam ser uma família.

Kate teve que ficar deitada por algum tempo, para que os remédios fizessem efeito. Estava com muita dor nas costas por ter sido arremessada contra a parede; Olivia parecia estar se divertindo em cuidar de Kate, com muita facilidade ela tirou a roupa de Kate para colocar uma camisola de seda e renda. A nossa valente menina mais parecia uma boneca de pano,quando Olivia decidiu pentear os longos cabelos dela. Não tinha passado da meia-noite quando Barnabé entrou no quarto de Kate, ele trazia em sua mão um pequeno cálice de bronze.

— Olivia, meu bem, já chega de brincar.

— Mas... — Olivia fez um beicinho e um olhar manhoso, Barnabé tocou seu rosto e beijou seus lábios, ela, a muito contragostoeu um beijo na testa de Kate e saiu do quarto.

— Senhorita Kate, quero que saiba que não me agradou nada o ocorrido de hoje, eu prezo muito pela boa convivência em minha casa. — Kate tentou se ajeitar na cama, mas cada músculo de seu corpo doía; apesar da voz de Barnabé estar calma, Kate sabia que ele estava falando sério. — Sei que Jackeline às vezes é muito irritante, mas jogar lama nela não era a coisa certa a fazer. É por isso que, a partir de hoje, eu realmente espero que você também me ajude a preservar essa boa convivência.

Kate balançou a cabeça em concordância com tudo que foi dito, ela gostava daquela casa e daquelas pessoas e naquele momento não consegui entender qual o motivo real de Barnabé ainda tê-la deixado viva.

 Às vezes precisamos esperar pelo inesperado, e quando Marybeth viu a jovem Kate sentada à mesa da cozinha tomando café, sentiu seu peito se encher de alegria, acreditou que suas orações tinham sido atendidas.

Eu, em muitos anos de trabalho, já escutei as mais fervorosas orações, nos campos de batalhas; muitos rezavam para que eu chegasse logo e levasse suas almas destruídas, porém, não foram as orações daquela mulher de quadril avantajado que me impediu de buscar a alma daquela menina, ela não tinha o fio prateado de mortalidade e, a cada dia naquela casa, seu fio ficava cada vez mais rubro.


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