Alma Rubra escrita por Nittaventure


Capítulo 2
Capítulo 01


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de agradecer do fundo do coração a minha adorável beta Pat Black por toda sua ajuda, dedicação e sua paciência, por fazer do meu texto algo melhor. Muito obrigado.



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Passados quase dois anos no orfanato, Kate ainda esperava pelo pai. Todo dia ela sentava de frente para janela e ficava se perguntando: “Onde você está papai? ”, “Papai está atrasado”, “Papai, você vai demorar muito para voltar? ”; perguntas que nunca seriam respondidas.

 


Uma semana antes de completar doze anos, Kate soube dos bombardeios em bairros próximos ao orfanato. A guerra se aproximava. Das nuvens, muitos aviões cinzas abriam suas barrigas; grandes bombas destruíam tudo que havia pela frente. Pessoas passavam fome e o orfanato estava mais lotado, crianças deixadas pelos pais na esperança de sobreviverem.


 Foi em uma noite fria que a jovem garota resolveu: já era tempo de sair e procurar seu pai. Em tempos difíceis ninguém prestava muita atenção nas crianças do orfanato, uma boca a menos para alimentar não era nada mal. Kate esperou até que todas as luzes estivessem apagadas, saiu do quarto carregando um lençol e foi direto para cozinha. Procurou a dispensa, e com uso de toda sua habilidade, conseguiu entrar por uma janela pequena. Apanhou queijo, pão, carne e um pouco de gordura. Colocou tudo junto com um par de roupas limpas dentro de uma trouxa e fugiu.


Todas as vezes em que penso em uma garota de apenas doze anos magrela, cabelos cor de ferrugem, olhos feito prata derretida, correndo descalça por ruas lamacentas, carregando nas costas sua pequena trouxa; em parte, eu me emociono.


 Era uma noite fria e escura, o vento uivava, folhas caídas rolando rua afora. Não era um boa noite para sair, a cidade estava em silêncio, porém uma pessoa se aventurou e caminhou silenciosamente. Não era uma pessoa comum, seus olhos tinham um brilho diferente. Nem sabia o que encontraria, mas era corajosa o bastante para encarar o mundo assustador que a esperava de braços abertos e garras afiadas.


A guerra estava presente em todos os lugares, cidades fediam a morte.
Depois de alguns dias andando, ela decidiu parar em uma cidade e viu, pela primeira vez, um desfile de judeus. Homens e mulheres que mal se aguentavam em pé, sendo empurrados, açoitados pelos soldados. As pessoas que assistiam aquele cortejo nojento apenas comentavam ou xingavam os pobres judeus. Ali, naquela pequena cidade, ela conheceu uma velha senhora, sua casa fedia a mofo e urina de gato. Ela seria um dos muitos amigos que Kate conheceria pela vida. Ela passava dias agradáveis rodeada de gatos, sempre mantendo a lareira acesa, afinal, era para isto que a velha senhora abrira sua porta para a garota órfã.


Sempre, quando uma coisa está perfeita, você deve ficar desconfiado; se Kate soubesse disso, ela teria ido embora um dia antes dos bombardeios.
O céu estava em uma cor alaranjada, salpicado de gotas de sangue, quando os primeiros aviões sobrevoaram a cidade, algo que nenhuma torre de vigilância previu.


Era dez da manhã quando a primeira bomba atingiu um sobrado azul desbotado, levantando poeira no ar; Kate estava a uma quadra daquele local. O gato em seus braços fazia carinho em sua mão, a senhora ao seu lado falava algo sobre o passado, quando tudo em sua volta veio abaixo. Kate nem conseguia respirar, o ar estava pesado, empoeirado, fedendo a óleo queimado, ela tropeçava em meio àquela cortina de fumaça e escombro, havia muitos gritos e sirenes; ao longe ela ouviu um nome:


— Gustavo! Alguém viu meu Gustavo?


Kate nem quis olhar o corpo em que acabara de tropeçar, mas sabia que era o tal Gustavo. Quando conseguiu sair daquele inferno, estava completamente suja de fuligem e cinzas. Ao longe, ela olhou para mim; acho que ela ficou u m pouco triste, afinal eu tinha  a alma da velha senhora estendida nos meus braços, apenas balancei minha cabeça para Kate e continuei meu trabalho que nunca acabava.


Depois desse incidente, Kate não quis mais se aventurar na cidade, ficou a vagar, sempre seguindo em frente, até que um dia chegou a um pequeno porto de navios. Alguns chegando e outros já prontos para partir; ela observou cada um cuidadosamente, em sua mente elaborou um plano brilhante; e decidiu que embarcaria em algum daquele navio. Talvez ela só estivesse cansada de tantas mortes ou era apenas uma piada do destino, mostrando que não importava para onde ela fugisse a morte a seguiria. Ela escolheu um com grandes velas azuis escuras, em sua lateral escritas as palavras Destruidor de mostro. Enquanto homens carregavam sacos e caixas para embarcar no navio, Kate furtivamente conseguiu subir a bordo e se escondeu atrás de vários barris e caixas, cobrindo seu corpo magro com um pedaço de pano negro e formando um pequeno esconderijo.


Caminhar por tantas ruas cheias de destroços tinham maltrata seus pés. Ela se encolheu na forma de uma bola e adormeceu, trazendo os pesadelos. Via sua mãe gritando, enquanto aqueles homens a forçavam a fazer aquelas coisas. Depois, o sonho mudou e tudo que conseguia ver era o sangue escorrendo pelo lençol. Seus olhos se abriram apavorados pelo sonho, seu estômago não parava de se revirar, um gosto amargo e azedo invadiu sua boca, o esconderijo estava abafado e fedia a urina. Levantou um pouco o pano; deixando o ar fresco entrar, podia ver vários homens trabalhando. Soldados! Um navio de guerra! Viu água respingando no chão do navio, uma subida e decida do navio e seu estômago não aguentou, vomitou uma gosma amarela no chão. Enquanto tentava controlar mais uma ânsia, algo grudou em seu cabelo. Um rapaz de cabelo amarelo falando uma língua estranha arrastava e balançava seu corpo magro.


— Olhem, homens, hoje à noite nós teremos festa!


Kate aranhava com suas unhas a pele dele, enquanto o xingava, em uma tentativa desesperada para se soltar. O soldado ri, mostrando os dentes amarelos e acavalados.


— Ela não é grande coisa, mas não devemos recusar uma mulher, afinal, faz tanto tempo que não sei mais o que é uma...


Ele tentava passar a mão pelos seios não formados de Kate, que sentia todo o domínio do medo em seu corpo. Aquele soldado começou a puxá-la para algum lugar e, neste momento, as lembranças de sua mãe sofrendo aqueles abusos vieram à tona junto com as lágrimas. Só conseguia pensar em uma coisa: é a minha hora, vou morrer; papai, eu te amo. Quando alguém a puxou pelo braço, tirando-a da mão do soldado, ela viu um rapaz de cabelo castanho avermelhado, com uma cicatriz na sobrancelha que descia pelo queixo. Ele falou algo que ela não compreendeu, mas sabia que estava defendo ela, e isso acalmou seu coração inquieto.


— Ker, você está louco? É só uma criança.


— Vá à merda. Eu não acabaria com ela, vou dividir com todos, mas eu quero ser o primeiro a meter naquela bucetinha.


O rapaz de cicatriz se jogou em cima do outro soldado, dando-lhe socos. Logo, gotas de sangue começaram a pingar pelo chão do navio. Outros soldados apenas gritavam, instigando a briga. A pobre Kate ficou parada, pensando que poderia fugir, mas não tinha lugar algum para ir, apenas o oceano para todos os lados. Um tiro ecoou em seu ouvido.


Um homem de barba rala, quase branca, passou por Kate, ignorando sua presença, e foi até os soldados caídos no chão, um com a boca sangrando e o outro com o nariz no mesmo estado. Ambos levantaram, bateram continência e encararam o capitão.


— Mas que merda você dois estavam fazendo?


— Senhor, permissão para falar.


— Sim, diga, soldado Ker.


— O Jhal quer algo que é meu, senhor!


— Ora, seu desgraçado, ela não é sua, é uma criança.


— Silêncio. Os dois expliquem-se melhor. Soldado Jhal.


O soldado caminhou até Kate e segurou em seu ombro, fazendo o capitão ver o tal motivo da briga.


— É esta criança, senhor, ela foi encontrada a bordo do navio.  Sei que é uma clandestina e isto é contra a lei, mas acredito que isto não dá o direito ao soldado Ker de se aproveitar dela, afinal, é...- O capitão levantou a mão, apontou com uma varinha, cutucou a menina e torceu o nariz com nojo.


— Bem, senhor Jhal, devolva a menina a quem a encontrou, não quero ser responsável por esta clandestina imunda. Também não posso privar os meus homens de um pouco de divertimento.


— Mas, senhor, é só uma menina, uma criança.


Os olhos do soldado tinham uma angustia palpável. Kate soube que aquele homem estava lhe defendo, mas parecia não está conseguindo convencer o seu superior a aceita-la então preparava para sair correndo, e se jogar no mar, quando um homem alto, que parecia um muro, parou atrás dela e falou com voz de trovão.


— Eu me responsabilizo por ela, senhor.
Todos ficaram boquiabertos, o soldado de dentes amarelos ficou vermelho de raiva, mas nada dizia. Provavelmente, ele mordia a língua na tentativa de engolir as palavras. John Wlerten era um afro-americano muito alto que tinha um bom coração; e sabia que o capitão não lhe negaria isto. Ele olhou para a menina parada a sua frente e sorriu, seus dentes eram extremamente brancos e transmitiu um pouco de tranquilidade para Kate.


— Bem, soldado, se é isto que quer, ela é toda sua. Agora, tire-a daqui e todos voltem ao trabalho.


Todos voltaram aos seus afazeres, deixando apenas aqueles quatro, parados, como se tivessem congelado naquele lugar. Mas foi John, com sua voz de trovão, que descongelou o tempo.


— Me chamo, John, e você?


Às vezes achamos que anjos não existem, muitos acreditam que eles são como nos livros, com cachos loiros, olhos azuis, iguais àqueles querubins pintados no teto das igrejas, só que no mundo real não é assim. Na maioria das vezes, os anjos são humanos, sempre prontos para ajudar; naquele momento, Kate havia encontrado o primeiro anjo de sua vida: um homem negro que mais parecia uma muralha.


— Sou Kate…


O alemão de Kate saiu pesado com o cansaço que já demonstrava em seu rosto e corpo. John apenas esboçou seu sorriso branco e respondeu em um alemão com sotaque.
Quando a mão pequenina e pálida de Kate apertou as mãos grandes e negras de John, surgiu uma amizade muito bonita.
O navio levaria cerca de três meses para chegar ao seu destino, o porto de Santa Barbara. Nesse tempo, ninguém conseguia imaginar como uma simples garota conseguira conviver com tantos homens. Como não tinha dormitório para mulheres, Kate ficou no quarto de John. Ele improvisou uma rede, seu colega de quarto não se importou nem um pouco.


Não era um navio de férias, todos precisavam trabalhar. Kate não seria deixada de fora, foi designada para a cozinha e ajudava na limpeza. Apesar da dificuldade do trabalho, Kate estava feliz, tinha um lugar para ficar e um novo amigo muito gentil. Porém, ela nem imaginava que isso estaria prestes a mudar. Ker não esqueceu a humilhação que passou, ele sabia que quando o navio atracar no porto não teria chance de se vingar daquela menina. Esperou que Kate ficasse sozinha na cozinha do navio. Em sua mente, ele imaginava que ela fosse frágil; uma menina magrela não poderia oferecer tanta resistência, seria fácil violentá-la. Jogou ela no chão enquanto tentava arrancar sua roupa. Ele era muito forte, mas Kate não era tão fraca: sabia se defender com mordidas, socos e arranhões. O que aconteceu foi algo cômico: Ker acordou na enfermaria, lembrando-se apenas de algumas coisas. Seus companheiros riram muito ao contarem que a menina tinha acertado sua cabeça com um frigideira de ferro. Um homem com quase dois metros de altura sendo nocauteado por uma garota de braços finos e olhar faminto. Depois disso, ele e outros decidiram tratá-la com respeito.


Uma garota esperta, nos jogos de carta, ela sempre ganhava os cigarros de todos, porém ela nunca tinha a intenção de ficar com nenhum e os devolvia. Com isso, conseguia cativar vários soldados e também o capitão, que tinha uma preocupação: o que fazer com Kate quando chegasse em Santa Barbara?


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Notas finais do capítulo

Um novo mundo esta preste a se abrir para nossa pequena menina. Novas aventuras!
Deixe seu comentaria, gostaria muito de saber o que esta achando do texto.
beijo até a próximo.



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