Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 9
O Lápis Impossível


Notas iniciais do capítulo

Olá minha gente!
Começou a escurecer e o trio está oficialmente preso em Pisa. A melhor forma de lidar com essa situação é arranjando um lugar para passar a noite.



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O Doutor piscou confuso. Esquecera que dissera a Agustina que não mudaria da idéia. Agustina ficou a contemplá-lo, aparentemente esperando uma resposta, alguma iniciativa ou simplesmente, algum tipo de argumento vindo dele, mas nada o Doutor disse. Do contrário, pareceu ficar sem fala (o que era um milagre, tratando-se dele). O Senhor do Tempo corou e mexeu nos cabelos bagunçados, transformando a cachoeira de cabelos em um redemoinho “incontrolável”. Melissa chamou-lhe a atenção, cutucando suas costelas desconfortavelmente, o que o fez se sobressaltar e finalmente dirigir a palavra a Agustina.

—Eu... Hã... Meio que mudei de idéia... –disse ele.

—Que ÓTIMO! –brandiu Agustina, entusiasmada (até de mais). Mas ao perceber o tom ansioso de sua voz, procurou disfarçar. Não queria parecer tão “desesperada” diante de uma possível chance de trocar uma idéia com o rapaz. –E vós pretendestes ficar, então?

—Bem, parece que sim. Não há outra alternativa... –argumentou ele, lançando um olhar à Luisa, que completou a justificativa dizendo:

—É verdade. Nossa embarcação ainda não está pronta para levantar âncora e zarpar. –com isso, Agustina acrescentou:

—Bem, sendo assim, poderemos nos conhecer melhor, não? –ela passou uma das mãos entre os belos cabelos loiros e inclinou-se novamente sob o balcão. –Mas diga-me Doutor: quem tu és, exatamente?

—Sou só um viajante, que gostaria muito de poder se hospedar aqui... Isso é, se for possível, é claro. –resumiu ele, lançando a ela um sorriso amigável, evitando assim, que acabasse lhe fazendo mais perguntas.

—Oh, entendo... –disse, um pouco desapontada: desta vez ela esperava que o Doutor se apresentasse verdadeiramente, afinal, demonstrara estar interessada nele desde o começo, mas em geral, as coisas não fluíram como ela esperava. Ah... Mais Agustina não desistiria tão fácil! Ela era uma garota esperta... Diante daquela situação, deu de ombros e informou: -Bem, se desejam se hospedar basta assinar a lista com seus nomes, naquele caderno ali –Agustina apontou para a outra extremidade do balcão. Lá havia um caderno de capa dura, próximo a um porta-lápis bem abastecido. -Podem usar um desses, se quiserem... –ela indicou o agrupamento de lápis, distraidamente, enquanto apanhava uma maçã e mastigava-a, voltando a ler seu jornal. O Doutor e as meninas se entreolharam. Dirigiram-se para perto do caderno de registros.

O Senhor do Tempo foi o primeiro a se registrar. Apanhou um lápis qualquer. O primeiro que seus dedos tocaram. Segurou-o e assinou seu nome sem problemas. Melissa foi a próxima. Apanhou outro lápis preto e assinou seu nome completo. Luisa ficou por ultimo. Estendeu a mão e puxou um lápis aleatório, assim como seus amigos fizeram. Todavia, desta vez o exemplar em questão era bege. Sem desconfiar de nada, Luisa debruçou-se sob o balcão para assinar seu nome... Porém, cedo ou tarde viria a hesitar: O lápis não escrevia. A linha onde deslizara a grafite teimava em permanecer em branco. Ela forçou o lápis contra o papel, imaginando que formaria um amassado, ou um rasgo na folha, mas nem isso foi capaz de fazer. De repente, ao insistir em escrever, uma pequena e inofensiva corrente de energia atravessou seu braço, fazendo-o formigar. O susto fez com que ela largasse o objeto. O lápis rolou pelo balcão e caiu, próximo aos seus sapatos, espatifando a ponta finíssima no chão revestido de tacos.

—Oh! Que coisa... –murmurou Agustina, apanhando de boa vontade outro lápis preto e entregando-o a Luisa. Mesmo intrigada, a garota debruçou-se sob o balcão e tentou novamente: desta vez, o lápis escreveu normalmente. Nada de formigamento ou qualquer sensação incômoda. Mesmo assim, ela ficou alerta. Quando terminou de escrever, voltou-se automaticamente para o companheiro. O rapaz rapidamente notou que ela parecia apreensiva –estava branca feito papel.

—Algum problema? -perguntou o Doutor, tocando seu ombro. Luisa estremeceu. Estivera com os pensamentos longe dali. Seus olhos encontraram os dele.

—Não. Estou bem. –sorriu, disfarçando.

—Você demorou para assinar... Ah, é! Quase me esqueci: Você tem um nome Grande—brincou ele, para descontrair.

—Engraçadinho... –sorriu ela, dando-lhe um tapinha carinhoso no braço.

—Certo. Venham por aqui... Vou lhes mostrar as acomodações. –Agustina guiou-os por dentre um corredor que levava a uma escada estreita. Sem que percebessem, Luisa ficou para trás. Com agilidade, apanhou do chão o lápis bege com a ponta quebrada e guardou-o no bolso. Não estava certa do que havia encontrado... A única coisa que tinha certeza era que aquilo parecia ser algo importante, que não deveria ser ignorado. Conseguiu se juntar aos outros antes que estes sentissem sua falta. Agustina já estava no topo da escada, Melissa a acompanhava de perto, enquanto o Doutor, de certo modo, esperou até aquele momento para subir. Era como se seu subconsciente soubesse que deveria esperar por alguém, nesse caso, Luisa. Quando ela o alcançou, ele apenas virou-se e sorriu pelo canto dos lábios, como costumava fazer quando estava sendo compreensivo. Então, por mais uma única vez, Agustina os chamou. Eles subiram a escadaria juntos. Ao chegarem no topo, contemplaram o primeiro andar, silenciosamente. Era um lugarzinho simples. Um estreito corredor estendia-se pela frente, e nele, havia várias portas com numerações. Eles andaram até quase chegarem ao final do corredor, então viraram à direita e chegaram a outro corredor que dispunha de mais portas. Agustina seguiu em frente, parando de súbito ao chegar na porta de numeração 8.

—Esse aqui é nosso ultimo quarto de solteiro. Os demais estão alugados, por hoje, é claro... –dizia ela balançando o molho de chaves na fechadura, enquanto abria a porta. –Bem, sintam-se em casa...

Os três entraram logo atrás dela. Melissa, logo de cara, não ficou muito animada com o resultado.

—Este é um ótimo quarto...-comentou Agustina.

—Aham... E cadê o resto dele? –indagou Melissa, percorrendo o cubículo.

—Como assim o “resto”? Tu estás vendo ele todo. –confirmou Agustina.

—Mas isso é muito pequeno! Nem conseguimos caber os quatro do lado de dentro, quem dirá dormirmos aqui... –reclamou Melissa.

—Acalme-se, está bem? Esse é apenas o último quarto de solteiro disponível, não o ultimo quarto que a pousada fornece. Certamente que não os farei ficar todos nesse mesmo aposento... Eu suponho que soubesse disto? –interveio Agustina.

—Ah... É claro! –mentiu Melissa, descaradamente. –Mostre-nos as demais latas de sardinha... Digo, os quartos! –acrescentou rapidamente.

De volta ao corredor, eles caminharam mais um pouco até pararem no número 12. Então Agustina mostrou-lhes o quarto. Este era maior que o último. Também, não era para menos: tratava-se de um quarto de casal. O trio gostou muito mais daquele lugar... Só que havia um pequeno problema: até então, Agustina havia apresentado apenas dois aposentos à eles, e não parecia fazer menção de escoltá-los até um terceiro.

—Bem, se precisarem de algo, já sabem onde me encontrar... Boa noite! –despediu-se ela.

—O quê? Mais o que significa isso? Nós somos Três, caso não tenha percebido! –esbravejou Melissa. –E quanto ao terceiro quarto?

—Terceiro? Ah! Que coisa! Esqueci de lhes dizer: Só havia dois quartos disponíveis... –esclareceu Agustina, de última hora.

—Como assim “esqueceu de nos dizer? Isso aqui é uma pousada! Você tem que ter mais algum quarto disponível... –retrucou Melissa, enquanto Agustina balançava a cabeça negativamente. –Já olhou atrás do armário de vassouras? Tem de ter algum lugar! Você por acaso não teria um armário de vassouras, teria?

—Temos sim. Mas ainda não começamos a alugá-lo... –brincou Agustina. –Senhorita, o que pretendestes fazer com um armário?

—Sei lá... Se ele fosse grande, talvez pudéssemos deixar o Doutor dormir nele! –zoou Melissa, rindo do amigo.

O Doutor fez cara de pouco caso.

Ra, ra. Você me mata de rir –ironizou. –Tenho uma idéia melhor: E se colocássemos você no armário, trancássemos a porta e jogássemos a chave fora, hein? Me parece muito mais apropriado...

Melissa lançou a ele seu olhar mais penetrante, o que o fez se calar (mas com um sorriso largo nos lábios). As duas meninas voltaram-se para a porta: Só então perceberam que Agustina havia ido embora. Provavelmente voltara a recepção –não poderia abandonar a entrada do estabelecimento por tanto tempo. Ainda insatisfeita, Melissa dirigiu-se à escada, chamando impaciente pela moça-recepcionista. Luisa correu em seu encalço, deixando o amigo para trás. Quando deram por si, estavam ambas gritando no peitoril da escada. Agustina não dava-lhes ouvido, ou simplesmente fingia não escutar seu chamado. Algo as intrigava: Por que Agustina não dissera que só haviam dois quartos disponíveis? Parecia que não queria dar-lhes motivo para partir. Era mesmo estranho... Ela nem os deixara ciente do quanto teriam de pagar por uma diária. O que estaria tramando? Foi aí que Luisa lembrou-se de como ela se esforçara anteriormente para convencê-los a ficar ou, pelo menos, era o que vinha fazendo com o Doutor. Ela queria mesmo que ele ficasse... Queria que ele a acompanhasse na manhã seguinte ao seu primeiro encontro com a Torre de Pisa. Isso parecia ser muito importante para ela. Luisa já começara a assimilar a situação com devida calma e compreensão, quando percebeu: O Doutor não estava com elas.

Rapidamente refizeram os passos até chegarem aos respectivos aposentos: O quarto de solteiro permanecia aberto. Isso só poderia significar que o Doutor se apoderara do quarto de casal.

Silencio total. As meninas se entreolharam: Luisa pareceu ficar um pouco embaraçada. Afinal, estivera pensando que as duas, por serem garotas, ficariam juntas no quarto maior, enquanto o amigo ficaria com outro aposento... Mas agora, com a situação aparentemente fora do planejado, as coisas pareceram ficar mais complicadas.

—Quer dizer então que uma de nós vai ter que aguentar o “garotão maluco” a noite toda? –falou Melissa lentamente, sem aparentar nervosismo.

—Pois é –afirmou Luisa.

—Está bem –disse Melissa, solidária. Luisa estava certa de que a amiga se ofereceria para passar a noite com o Doutor, quando ela terminou dizendo: -Que seja você, então!

Antes que Luisa pudesse ao menos raciocinar, Melissa correu em disparada e trancou-se no quarto de solteiro.

—O quê? Eu não acredito nisso! Minha própria amiga!!! –indignou-se Luisa. –Volte aqui e lute como uma garota digna!

—Digna de quê? Só se for digna de não precisar passar uma noite com ele!

—Melissa, qual é? Por que tanta relutância em ceder? É só uma noite e... O Doutor não me parece tão ruim assim!

—É? Então por que não passa essa noite com ele?

 Luisa parou para pensar: Ela também estava sendo relutante quanto a isso. Então respirou profundamente e disse que iria, porque não tinha nada a temer.

—Mesmo sabendo que ele é um completo estranho? –insistiu Melissa.

—É isso aí. –ela disse, decidida.

—E se ele tentar alguma coisa? O que você vai fazer?

—Você quer dizer, hã... Bem, aí eu mostro quem é que manda! Improvisarei. Darei um jeito...

Melissa calou-se por um momento. Em seguida, a tenção na porta diminuiu. A maçaneta girou e se abriu. Melissa surgiu do outro lado, tímida. Parecia um pouco envergonhada do que fizera com a amiga... Queria poder se desculpar de alguma forma.

—Está certo então: Quer cara, ou coroa?

—Hã? –perguntou Luisa. Melissa retirou do bolso uma moedinha do século XXI. E mostrou-a.

—Vamos jogar na sorte, certo? Quem perder fica no quarto de casal...

—Pra mim está bom. –Luisa deu de ombros.

Melissa então fingiu se concentrar... Chegou até a benzer a moedinha –o que fez a amiga rir –depois chacoalhou-a três vezes antes de arremessá-la pelos ares.

—Pronto. Qual lado da moeda você escolhe?

—Sei lá, pode ser “Cara”. –optou Luisa.

—Está certo. Eu fico com “Coroa” então.

Melissa jogou a moedinha para o alto. O pedaço de bronze foi em frente, até que a força da gravidade puxasse-o novamente para baixo. Por fim, a moedinha despencou no soalho e as duas finalmente puderam ver o resultado.

—Coroa, Yes!!! –gritou Melissa, festejando.

—Ah, certo. Parece que me encontro na mesma situação de antes. –comentou Luisa.  

—É, bem: Regras são regras... –ressaltou Melissa, contente com a vitória. –Boa noite, boa sorte, e... Você sabe—ela fez uma pausa. Lá estava sua cara de generosa, de novo. –Se precisar de alguma coisa pode me chamar... –ela já ia fechando a porta, quando lembrou de dizer: -Mas se vocês acabarem fazendo alguma besteira, juntos, não me chamem por isso, O.K? Eu não vou sair correndo no meio da madrugada para acudir você, se o “garotão” acabar causando problemas...

Aquele “Juntos” martelou insistente na cabeça de Luisa e, por mais que ela não quisesse pensar nisso, estava sim, preocupada com aquela possibilidade. Nem era por nada... Ela achava o Doutor interessante e tudo mais, mas desde que o conhecera, vinha percebendo alguns lados intrigantes no amigo: Algo entre a obscuridade e o desejo. Obscuridade em um passado conturbado e cheio de caos; Desejo de poder estar com alguém... Em qual sentido em especial? Ela não fazia a menor idéia. Isso já era um grande motivo para deixá-la inquieta.

Foi então que a menina se tocou de mais uma coisa: Aquela era para ser sua segunda noite no novo bairro, sob a segurança do teto do sobrado amarelo... Mas ela não estaria lá. Tão pouco estaria na casa de Melissa; Mas sim, em um lugar muito, mas muito distante de sua moradia atual... Em outro tempo e espaço. Em outra época. Foi aí que a incerteza bateu à porta: Quem poderia garantir que ela e Melissa estariam em casa no dia seguinte? Como poderiam ficar tranquilas, sem saber onde a TARDIS estava? Se não conseguissem encontrá-la, como voltariam para casa?

—Enfim... –continuou Melissa, fazendo Luisa voltar à realidade. –Você vai ficar bem, né?

—Claro –sorriu Luisa, afastando para longe aqueles pensamentos. –Afinal, bem, vamos ser razoáveis: O Doutor pode até não ser o cara mais normal que nós conhecemos, mas isso não muda o fato dele ser fofo, inteligente, engraçado, carismático e sonhador... –ela quase suspirou, mas deteve-se antes. Nunca suspirara por ninguém na vida... O que estava acontecendo com ela? Luisa nem o conhecia direito... Não havia como ignorar esse fato. De certa forma, isso também a incomodava.

Como se já não bastasse ficar intrigada com seus próprios sentimentos, ainda teve que aturar a ultra-mega-super cara de nojo de Melissa. Seu rosto parecia dizer com todas as letras: “Como pode pensar essas coisas? Na boa, o que você vê nesse cara!?”.

—Ah, Meli! Não faça essa cara... –repreendeu uma Luisa, com ar risonho. Não importava mais o que a estivera preocupando, pois Melissa definitivamente aniquilou todo o clima de tensão. –Admita: O Doutor é um cara legal! E passar uma noite inteira ao lado dele pode ser uma experiência interessante... –disse Luisa, um pouco mais entusiasmada com a idéia.

—Por que você tem que ver sempre o lado bom das coisas? –questionou Melissa.

—Porque eu sou assim! –disse Luisa, como que refletindo sobre si mesma. –Viu o que você arrumou pra a cabeça? Quis minha amizade, agora aguenta! –brincou Luisa. Melissa sorriu ao ouvir aquela insinuação.

—Eu teria sido sua amiga mesmo que você fosse uma delinquente fora da lei! –rebateu.

—Cala essa boca! –riu Luisa. Automaticamente, ela virou de costas e seguiu rumo ao quarto 12, com o bom humor completamente restaurado. Quando parou diante da porta, pôde perceber que a amiga continuava a observá-la, à distância.

—Boa noite, Lady Who. –cutucou-a Melissa.

Cala essa boca antes que eu venha até aí resolver tudo no tapa!—reagiu Luisa, não conseguindo evitar sorrir. Porém, ao virar-se para a porta, percebeu o rosto ficando quente.

Na real, o que realmente a preocupava era o fato de ter que dizer ao amigo que ambos teriam que dormir juntos, na mesma cama, apesar dela saber que o Doutor já poderia ter pensado nessa possibilidade, devido ao fato deles serem três, e os quartos somente dois. Mas, e se ele não tivesse pensado? E se já estivesse dormindo? Não, ele com certeza não estava, pois uma luz passava por baixo da porta indicando que o quarto estava iluminado (na medida do possível, pois nessa época não havia luz elétrica; assim sendo, Luisa deduziu que se tratasse da luz de uma lanterna, ou quem sabe de um candelabro –a última opção parecendo mais correta, pois a luz que banhava o chão tremeluzia bruxuleante, como faz o fogo ao queimar uma superfície inflamável).

É estranho dizer, mas ela não tinha memorizado nada que havia naquele aposento. Quando entraram pela primeira vez, guiados pos Agustina, acabara se distraindo com as cobranças de Melissa sobre um “terceiro quarto” e não havia reparado nem na cor da colcha da cama... Se é que havia uma cama.

Lembranças à parte, Luisa respirou fundo, encarando a porta número 12, erguida à sua frente. Estava enrolando demais para entrar no quarto... Convencida de que precisava tomar uma atitude, resolveu dar o próximo passo e segurar a maçaneta. Depois disso, foi fácil fazer o resto.

A porta se abriu silenciosamente. Luisa inclinou a cabeça, dando uma boa olhada no lugar: era espaçoso e aconchegante. O aposento era composto por uma mobília rústica (moderna para a época); tinha um candelabro em cada lado da larga cabeceira da cama, que por sinal, estava coberta por uma colcha carmim.  Um guarda-roupa de carvalho ocupava a extensão de uma das paredes, enquanto uma lareira, crepitando fogo, reinava na outra. Uma LAREIRA! Era dali que vinha a luz com efeito bruxuleante que Luisa vira passar por debaixo da porta... A garota ficou bastante empolgada: Fazia tempo que não via uma lareira! E com o frio que fazia naquela noite, iriam mesmo precisar de uma.

A quentura da lareira atraiu Luisa para dentro do aposento. A garota aproximou-se do fogo, para esquentar as mãos. Só então reparou em uma janela com vidraça, espremida a um canto. Uma janela com assento embutido, para a pessoa se sentar e contemplar a vista. E lá estava sentado o Doutor, observando as estrelas com a mesma fixação de um gato hipnotizado pela lua.   

—Hã... Olá? –ela disse, chamando-lhe a atenção.

—Ah, olá! –ele se pôs de pé. -Como vai? –perguntou, como se não se vissem há tempos.

—Bem. E você?

—Estou legal –ele sorriu.

—Ah, que bom! –ela sorriu também. –Porque tenho algo pra comunicar.

—E o que seria? –indagou ele, esperançoso.

—Vou passar a noite com você! –disse ela, o mais espontânea que conseguiu ser. Por um momento, ele pareceu ficar sem reação.

—Verdade?

—É –ela sorriu meio sem jeito. -Bem, só se estiver tudo bem pra você... Do contrário, eu posso ver se acho um lugar pra mim com Melissa, ou no armário de vassouras... –sugeriu Luisa, pra descontrair.

—Acho que no armário seria mais seguro. –brincou ele.

—Pois é –ela riu. –Mas, brincadeira à parte... Sério... Eu não quero mesmo incomodar...

—Não está incomodando.

—Tem certeza? Talvez... Você tivesse outros planos para hoje à noite. E se eu ficar... Sei lá, posso acabar atrapalhando.

—Você? Atrapalhando? –ele sorriu, divertido. –Tá aí uma coisa que realmente me surpreenderia!

Luisa ficou meio ansiosa depois disso... Sentiu as mãos começarem a suar, e não era por causa da lareira. Então o Doutor queria que ela ficasse? Estava aí um problema: Porque ela ainda não tinha decidido se estaria muito à vontade com isso.

—Sério... Eu não acho que você vá me querer como companhia de quarto –desconversou, mudando completamente de postura. O Doutor estranhou seu argumento.

—E por que eu não haveria de querer?

Luisa ficava cada segundo mais embaraçada.

Porque... Eu falo demais! -foi a brilhante desculpa que arrumou. Então, como que para ilustrar sua afirmação, disparou: –Sério, chega a ser irritante... Nessas horas pareço uma matraca! Especialmente quando fico nervosa, diante de uma situação diferente, da qual não estou acostumada. Aí já viu! Fico insuportável mesmo...Tá vendo? O efeito já começou! —ela sentiu o rosto esquentar. Aquela discussão era só uma maneira desesperada de cair fora o mais rápido possível... Porque ela estava em pânico! Luisa odiava se sentir encurralada (em todos os sentidos da palavra). Nessas horas, começava a inventar desculpas esfarrapadas, ou simplesmente tagarelar, só para sair de alguma situação que estivesse deixando-a tensa ou pouco à-vontade, mas o Doutor não estava facilitando para ela.

—Deixa eu entender melhor: Eu não deveria querer passar a noite com você porque você fala demais? —averiguou ele, descontraído.

—Não! Não foi o que eu quis dizer... Eu só... Ai, Droga!—praguejou baixinho. Ela estava sem saída.

 Confusa, a garota observou o amigo, que continuava olhando-a com um sorriso divertido no rosto. Porque ele continuava sorrindo? Parecia até deboche... Bem, talvez ela estivesse dando motivo. Luisa repensou o que fizera e parou de chofre: De repente, sentia-se uma boba por ter agido daquela maneira.

 -Olha, desculpa tudo isso... Eu não sei o que deu em mim. –foi só o que conseguiu dizer. Não sabia mais o que pensar, nem o que dizer a seguir... Sentiu as bochechas esquentarem mais uma vez. O fato era que ela havia se enrolado de tal maneira, que não fazia idéia de como “passar por cima” daquela situação. Embaraçada, a única opção viável que lhe ocorreu foi se retirar, enquanto ainda havia tempo.  

Porém, ela nem deu meia volta, quando o Doutor reagiu: Segurou sua mão.

—Não vá embora –pediu ele, com a voz rouca. O jeito do qual ele falou fez com que Luisa se arrepiasse; Mas algo surpreendeu-a ainda mais do que tudo: Ele corou, igual ela, mas não tentou disfarçar. Sua mão continuou estendida, segurando a dela. Seus olhos castanho-esverdeados contemplaram-na... Aquela pura mistura de mistério e carisma fundiu-se em um só. Ela sentiu um impulso súbito de abraçá-lo. Sentiu um desejo muito grande de tê-lo em seus braços... Sentiu como se suas forças vitais estivessem conectadas. De algum jeito, de certo modo, ela passou a compreendê-lo melhor. E então... Ele soltou sua mão. –Eu gostaria que você ficasse...

—Está bem. –concordou Luisa, finalmente. –Então eu fico.

—Que ótimo! –ele sorriu. –Quero dizer, eu não quero forçá-la a nada... Mas acho que seria divertido passar uma noite aqui... Melhor do que lá fora, no frio.

 Luisa abriu um sorriso. 

—Por mim tudo bem. Se você não se importar em ter uma garota como colega de quarto...

—Por que eu me importaria? Na verdade, seria muito bom, para variar... Eu só tenho conversado com a TARDIS, ultimamente.  

—Então era uma conversa de mão única –assentiu Luisa, compreensiva. –Você se sentia sozinho...

—Bom, pode-se dizer que com a TARDIS nunca se está realmente sozinho –interpôs, mas depois perdeu o raciocínio, pois sua cabeça finalmente desvendara o significado de outra coisa: -Espere um instante... Oh! Eu já entendi! Você e Melissa deviam ficar no mesmo aposento! –exclamou.

—Hein?

—É que acabou de me ocorrer que talvez você preferisse ficar com Melissa essa noite... Se quiser, eu posso ir para o outro quarto, aí vocês duas podem ficar juntas aqui. -disse ele, já prestes à sair do aposento.

—Não! Nem pensar! -retrucou ela rapidamente, barrando a passagem. –Não vamos começar com isso de novo! Melissa já se ajeitou no outro quarto... Além do mais, ela me mataria se eu fosse chamá-la à uma hora dessas! Não, vamos deixar tudo como está, O.K.?

E, para sua surpresa, o amigo não protestou, nem fez objeções. Apenas voltou a sentar-se à janela.

—Certo. -disse ele, com um olhar meramente satisfeito. -Que assim seja.

—Que assim seja. –repetiu Luisa, esfregando o braço, sem saber mais o que dizer. Depois de alguns poucos instantes, o Doutor finalmente quebrou o silêncio constrangedor, dizendo:

—Não quer se sentar?

—Ah, sim, vou me sentar... Esqueci que havia uma cama aqui –disse ela, mais descontraída de novo. Luisa sentou-se de pernas cruzadas sob a cama, esperando que ele seguisse com a conversa.

—E então, o que quer fazer? –perguntou ele.

—Sei lá, o que você quer fazer?

—Ainda não sei. O que os humanos costumam fazer em horas como essas?

—Bem... -começou uma Luisa pensativa, que logo obteve a resposta certa para aquela pergunta de tantas possibilidades. -Tem uma coisinha que um garoto e uma garota podem fazer juntos em horas como essas... Se é que me entende?

—Ah! Sim! Bem... Não. Não compreendo, desculpe –disse ele, mudando rapidamente a expressão facial. -E o que seria?

O olhar de Luisa cintilou ao ouvir aquela pergunta. Ela sorriu e puxou o amigo pela manga do terno. Por fim, apontou animada para sua bolsinha cor-de-rosa:

—Vamos jogar banco imobiliário! O que mais poderia ser?

*     *     *

Passado vários minutos, não se ouvia mais conversas naquele dormitório. Todos os comentários existentes restringiam-se exclusivamente ao jogo, naquele momento, em faze final e decisiva. Os dois estavam muito quietos. Ambos mantinham total concentração no tabuleiro e nos dados. Quando, inesperadamente, o Doutor anunciou:

—Você me deve R$: 120.000,00 –disse, sentado de pernas cruzadas sob um largo carpete (da qual Luisa também utilizava), com a cabeça apoiada em um dos punhos. Quase na metade do jogo, o Doutor havia sacado de um dos bolsos, um óculos preto de armação quadrada, e passara a usá-lo daí por diante, até o final da partida. Os dois estavam sentados um de frente para o outro e, ao mesmo tempo, estavam de perfil para a lareira que queimava sem cessar.

—O Quê? Isso não pode estar certo! –retrucou Luisa, vasculhando a pilha de cartas espalhadas pelo chão, ao seu lado. -Ei! Aonde estão os meus R$: 10.000,00? Não é justo, você me roubou!—esbravejou Luisa.

—Não, não roubei –negou ele.

—E tem mais: Eu estou devendo à você R$: 12.000,00, e não R$: 120.000,00! –revoltou-se ela, certa de que havia algo errado naquela conta.

—Não de acordo com meus cálculos –rebateu ele.

—E como vou saber que você não está me enrolando, Sr. Doutor?—disse ela, com certo tom de desafio, ainda de braços cruzados, fingindo estar brava.

—Por causa disso aqui -o Doutor desdobrou uma folha de sulfite comum, repleta de continhas do inicio ao fim. Não tinha como provar o contrário: Ele certamente estava com razão no que dizia.

 Luisa fitou a folha, impressionada. Não sabia se o aplaudia por tal façanha (O cara marcou o jogo inteiro no papel! São poucos os que fazem isso hoje em dia...), ou se ficava com raiva e pagava logo de uma vez os R$: 120.000,00.

Ao invés das duas opções, ela resolveu dizer:

Seu sem graça! —e atirou as cartas sob o tabuleiro, entregando o jogo. Luisa ficou sem nenhum dinheiro no banco. -Como você fez isso?

—Sempre fui bom em contas... -falou ele, sorrindo pelo canto dos lábios, de um modo pensativo, lembrando-se de seus tempos de escola. –“Academia dos Senhores do Tempo...” é, aqueles foram bons séculos... Houve até uma época remota, em que eu cheguei a ser o melhor da turma!

—Puxa, legal... –disse ela, supondo ter entendido a estratégia dele: (ELE NÃO ERA HUMANO!)

—Eu sempre gostei das matérias... hã... Como vocês chamam na Terra: Exatas. Sabe? Química, Física, Matemática, Temponogmática...

—Espera aí! Temponog... O quê?

Temponogmática. –repetiu ele, mais claramente. –É como a matemática, só que é muito mais divertida. Bem, em suma, seria a matemática, mas com uma certa diferença: Serve exclusivamente para cálculos universais. –disse ele e, vendo que ela ainda parecia confusa com sua explicação, tentou ao máximo exemplificar o que dizia: -São coisas como: medição de capacidade de Vortex Temporal, freqüência de paradoxos, cálculo das possibilidades temporais, o numero “x” de portais tridimensionais que caberiam dentro de um buraco de minhoca, quantas vezes você pode reescrever a história sem ao menos danificá-la, como detectar pontos fixos no tempo e em quais casos isso se aplica... É uma área muito fascinante!—disse o Doutor, empolgado.

Luisa arregalou os olhos.

—Calma aí! Você está me dizendo que tanto Matemática, quanto Física e Química são matérias, tipo, universais?

—Mais é claro! Essas três matérias são integradas em praticamente tudo que conhecemos. Não há como servirem de base somente para o planeta Terra.

—Aprendeu a fazer contas e tudo mais no seu planeta? -admirou-se Luisa.

—É mais ou menos isso. Sabe, física química e matemática são matérias conhecidas universalmente. Claro que o tema varia de planeta para planeta, pois como você deve saber, as leis da Física, a gravidade, os elementos químicos, teoremas, regras e símbolos usados, mudam de uma civilização para outra. Mesmo assim, não perdem a essência. -ele fez uma pausa e contemplou o céu noturno pela janela.

—Então o homem não é o único a utilizar esses sistemas. Existem planetas com Matemática, Física e Química mais desenvolvidas que a nossa?

—Ah, existe de tudo! –falou. Seu olhar estava com um aspecto sonhador, agora. -Se há uma coisa que você tem que saber é que o universo é cheio de surpresas... Existem centenas de bilhares de trilhões de formas de vida... Mas se você for parar para pensar, morreria antes de conseguir gravar um quarto dos nomes de todas essas espécies.

—E você? –sorriu Luisa, curiosa. –Como faz para gravar tantos nomes?

—Ah, eu tive séculos para me aperfeiçoar. Em geral, faço isso em meu tempo livre...

—Quer dizer, o tempo entre o momento em que você se mete em encrenca e o meio tempo em que você corre? —presumiu ela.

—Precisamente. –concordou ele, e os dois riram abertamente. Por fim, o silêncio tornou a cair sobre eles. Mas não era um silêncio constrangedor... Eles já estavam bem mais à vontade um com o outro. Ambos ficaram trocando olhares significativos, até que Luisa recomeçou:

—E então, quer me ajudar a guardar o jogo?

—É claro. –concordou ele, de prontidão. Juntos, agruparam todas as peças e fecharam o tabuleiro. Luisa puxou a caixa do jogo, que estava em cima da cama, e colocou-a no chão para que pudessem guardar as peças dentro. Terminaram rápido, então a garota abriu sua inseparável bolsinha rosa e tratou de empurrar a caixa do jogo de volta para dentro. O Senhor do Tempo ficou bem atento, observando-a. Já vira aquela cena antes (quando Luisa tirara o jogo da bolsa pela primeira vez), mas até então, não entendia como aquilo funcionava: No começo, ainda era possível ver os contornos do papelão, como se esse estivesse apertado contra o forro do tecido (o que era compreensível, já que a caixa era duas vezes maior que a bolsinha), mas mesmo assim, Luisa continuou empurrando-a pouco a pouco para dentro. Depois, quando passou da metade, o tecido da bolsa pareceu ficar milagrosamente folgado; a caixa terminou de escorregar para dentro e tornou-se imperceptível.

—Ta-dã! –disse Luisa, mostrando o resultado. O Doutor ficou observando aquela cena, boquiaberto.

—Não, sério... Eu desisto. Não entendo como você conseguiu fazer a caixa caber dentro da bolsa... –admitiu, consternado. -Isso é fisicamente impossível!

—Não para mim –Luisa sorriu, misteriosa. 

—Certo. E imagino que você não vá me mostrar como esse truque funciona...

Para sua surpresa, Luisa estendeu-lhe a bolsa.

—Fique à vontade para tentar descobrir... Se obtiver sucesso, por favor, me avise. Eu também gostaria muito de saber como funciona.

—Como assim? –o Doutor apanhou a bolsa. -Você não sabe como funciona?

—Pois é, eu não faço a menor idéia... –confirmou Luisa. -Ganhei a bolsa no meu aniversário de onze anos. Minha mãe sempre diz para eu lavá-la comigo para todos os lugares; Que sempre que eu a estivesse usando, os problemas seriam solucionados com facilidade... –o Doutor ergueu uma das sobrancelhas ao ouvir aquilo.

—E como a bolsa poderia ajudá-la?

—Sei lá. Guardo um monte de coisas aí... –comentou Luisa. -Sempre levo comigo itens que preciso, e que futuramente, posso vir a precisar.

—Entendi. –assentiu ele. –Às vezes é preciso acreditar e fazer as coisas impulsionado por uma idéia, mesmo que ela não tenha fundamentos, ou pareça ser improvável.

—É isso que sempre penso. –concordou ela, contente por ser compreendida por ele. –E então? Você tem algum palpite sobre o funcionamento?

—Deixa eu ver uma coisa primeiro –ele olhou dentro da bolsa... E se surpreendeu com a amplitude interior: -Uou! Nossa! Isso aqui é gigante mesmo, hein? Caramba... –assobiou. –Que é aquilo? É o braço de um violão? —voltou-se espantado para a amiga. –Você carrega um violão dentro da bolsa?

—Que foi? Violões são ótimos para quebrar o gelo... –interpôs ela.

—Minha nossa! –admirou-se. –Puxa vida, você gosta mesmo de juntar coisas. Parece até eu!

—Eu disse à você –Luisa deu risada.  

—O.K. Vamos em frente –o Doutor começou a analisá-la. –O que seria isso? O interior é algum tipo de “portal” que leva a outro lugar? Um lugar bem maior... Outra dimensão, possivelmente. Onde você consegue armazenar uma montanha de coisas, sem aparentemente “ocupar espaço algum”.

—Que nem a sua TARDIS, que é maior por dentro. –sugeriu Luisa.

—Bem lembrado! Poderia ser isso... Ou talvez fosse algum tipo de buraco de minhoca, aprisionado dentro de um objeto de proporções pequenas... –falou, distraído. –Não, não. Isso já seria muita pretensão. Um exagero... Não acha?

—Não sei –Luisa atou os braços. -Nem sei direito o que isso quer dizer...

 Ele colocou a língua no céu da boca, pensativo.  

—Certo. Esqueça todas as minhas insinuações! O “achometro” não vai nos levar a lugar nenhum... Bem, por outro lado... –e tirou uma espécie de tubo prateado do bolso, com uma pedra verde-azulada na ponta. –Isso aqui poderá nos ajudar a encontrar as respostas.

—Nossa... Isso é uma lanterna? –perguntou a menina, curiosa.

—Não –disse ele. -É uma chave de fenda. E ela é sônica.

 -Sônica?

  Ele sorriu de rosto inteiro.

—A mais sônica de todas as chaves –garantiu. Então o Doutor ativou um comando e a chave emitiu um zumbido. -Desse jeito. Viu?

—Puxa, que legal! –falou Luisa. –Mas, o que ela faz exatamente?

—Ah, um monte de coisas! Quer ver? –ele apontou-a para o teto. O zumbido tornou a ressonar por todo o ambiente... Porém, nada aconteceu. –Aah! Droga—resmungou ele.

—Qual o problema? –perguntou ela ao amigo, que dava batidinhas na chave. Aparentemente, ela deveria ter feito alguma coisa.

—Nada de mais. É só um probleminha antigo que eu vivo esquecendo de concertar: É que... A chave sônica não funciona em madeira.

Como?—Luisa achou aquilo engraçado.  

—Ei! Não ria! É uma coisa constrangedora! Ainda tenho que inventar uma função para madeira... É complicado. A pior parte, é que basicamente tudo nesse lugar é feito de madeira... Maldita mobília rústica!

Não desconte sua raiva na mobília—disse ela, contendo o riso. –Sério: porque você foi pegar esse negócio?

—Segure a bolsa, por favor –Luisa obedeceu. O rapaz colocou novamente seus óculos de armação quadrada, depois apontou a ferramenta na direção da bolsa e ativou o dispositivo. A chave sônica zumbiu enlouquecida. Luisa franziu a testa: Não sabia o ia acontecer.

—E agora, o que está fazendo?

—Estou escaneando sua bolsa. Ela me parece incrível demais para ser um simples acessório de uma garota normal da Terra... –a chave fez um zunido diferente -E não é que eu estava certo!?

—O que você descobriu? –Luisa debruçou-se para enxergar o que o amigo tanto olhava na lateral da chave sônica. Naturalmente, ela não compreendeu o significado daquilo. –Fala! O que descobriu?

—Que essa bolsa é composta por uma tecnologia inigualável...

—É Alienígena? –indagou Luisa, de imediato.

—Não. Pelo contrário! É da Terra –ele continuou o escaneamento. Estava certo de que se persistisse, a chave sônica chegaria a uma conclusão mais precisa. Entrementes, passou uma das mãos pelo rosto: Jamais imaginou que um dia estaria quebrando a cabeça para entender o funcionamento de uma bolsa feminina; Por fim, a ferramenta terminou seu trabalho e ele foi conferir os resultados: Foi aí que suas sobrancelhas se arquearam e ele tirou os óculos, inconformado:

Fora de escala. –anunciou.  

—O que isso quer dizer?

—Que os leitores não conseguiram determinar o que faz a bolsa ser assim. –explicou, dando uma última olhada na bolsa. –Bem, pelo menos uma coisa minha chave sônica descobriu: Não é tecnologia alienígena. Veio do próprio planeta Terra. O engraçado é que parece uma bolsa comum... Mas só parece, por que isso é bem incomum até para os padrões da humanidade.

Luisa olhou meio receosa para a pequena bolsinha que carregava para todos os lados. Que segredos ela possuiria?

—Bem, ficaremos de olho nela –disse o rapaz, atirando a bolsa de volta para Luisa. Ele percebeu a inquietude da amiga, e logo acrescentou:

—Não precisa se preocupar... Ela é inofensiva. –garantiu. –Só vamos... Tomar cuidado com ela. Apesar de parecer normal, tem um tremendo poder oculto no interior; Não deixe ninguém tomá-la de você, Luisa. Ela com certeza foi dada a você com algum propósito... Guarde-a bem. –aconselhou ele. –Nunca se sabe quando ela poderá ser útil.

Luisa assentiu positivamente, passando a alça da bolsa ao redor do pescoço. Nesse instante, o Doutor observou-a... E teve uma idéia:

—Ah!

—O que foi? -perguntou ela.

—Eu estava aqui pensando com meus botões... –começou ele, sugestivo. –Essa bolsa parece ser super legal, sabe? Algo que não deve passar despercebido... Muito menos ser ignorado! Foi então que pensei: Por que não damos um nome a ela?

—Um nome?

—É! Bem, não exatamente como um “nome próprio”. Mas talvez, alguma espécie de título que faça jus a ela... À qualidade que ela possui! –foi então que ele fitou o teto, ergueu um dos braços e fez movimentos circulares no vácuo, como se estivesse limpando uma janela invisível. Em seguida, falou as seguintes palavras, como se essas estivessem escritas no ar: -Vamos chamá-la de “Bolsa Que Tudo Tem”.

—A “Bolsa Que Tudo Tem” –repetiu Luisa, analisando a proposta. –É, eu gostei disso!

—Excelente! Faltava a opinião da guardiã da bolsa!—brincou. -Bem, eu não quero me gabar, mas sou bom com nomes. Também em cálculos e escaners...

—Bom, já que estamos escaneando coisas –Luisa enfiou mais da metade do braço dentro da bolsinha, murmurando um: “eu sei que coloquei em algum lugar por aqui”; Então tirou de dentro dela um pequeno objeto: o Lápis bege. –Sei que é madeira, mas será que você pode dar uma olhada nisso pra mim?

O Doutor apanhou o lápis nas mãos e observou-o com cuidado.

—Claro. Algum problema específico? –perguntou ele, com um dos olhos fechados, enquanto o que estava aberto fazia e inspeção geral. –Ele também é maior por dentro? Tem uma grafite gigantesca no interior ou algo assim? Porque se for isso, você não precisa mais se preocupar em comprar lápis novos... –disse ele irônico.

—Não, definitivamente não é isso. –afirmou ela.

—Bem, então o que seria? –sorriu ele, como se esperasse que ela dissesse algo banal.

—Olha, seu sei que isso vai soar entranho, mas ele não escreve em nenhum tipo de papel.


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Notas finais do capítulo

Se eu gostava de exatas no meu tempo de escola? A resposta é muito simples e curta: Não. Então, porque resolvi fazer o Doutor falar sobre "a magia das exatas"? Bem, obviamente porque na época eu precisava estudar doze matérias diferentes (da qual muitas eu não me identificava) e precisava de algum incentivo, então pensei: Doctor Who me inspirou à fazer tanta coisa... Por que não poderia me ajudar a ficar boa em exatas?
Nas palavras de Rory Williams: "O Doutor disse que o universo é enorme e ridículo, e que as vezes milagres acontecem. Sabe, eu gostaria de ter um milagre ridículo neste momento" - (The Big Bang)

Foi exatamente o que eu pensei naquela época... E quer saber de uma coisa? Funcionou tão bem pra mim, que no último ano do ensino médio, eu cheguei até a ser uma das melhores da classe.

O que? Se eu ainda me lembro de algum teorema? CLARO QUE NÃO! O meu negócio mesmo é artes... Não vou mentir: Eu gostava daquelas matérias, mas fico aliviada de saber que não terei que trabalhar sempre com elas.

Enfim, pelo menos serviu para tornar aqueles tempos mais divertidos.

"Física, física, física, físicaaaaa... Física! Espero que esteja anotando tudo" - (10º Doutor em "The School Reunion"). ;)



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