Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 55
Smith e Holmes


Notas iniciais do capítulo

Oi galera!

Primeiramente, FELIZ NATAL!! ;D

Espero que tudo de mais maravilhoso aconteça à vocês!

Esta história aqui continua firme e forte porque eu sempre acreditei nela... Nunca deixem de acreditar em seus sonhos!

Agora vamos à introdução de hoje:

"Trens paralelos, plantas carnívoras devoradoras de gente, Olivia e John Travolta jovens... Não há duvida de que esse é um mistério e tanto para o Doutor solucionar... Porém, sua investigação por conta própria pode estar ameaçada, já que há dois detetives para solucionar este caso".



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/748924/chapter/55

—Eu não acredito!

—É.

—Ele é o...

—É. Aparentemente.

—Não pode ser!

—Mas é.

—Meu Deus! –Luisa saltou no mesmo lugar, mal podendo se conter. –Acabamos de encontrar o maior detetive de todos os tempos!

—Calma aí... –o Doutor olhou-a, completamente surpreso. Na maioria das vezes, era ele quem pulava feito um doido nessas ocasiões. Luisa chegou a estranhar sua falta de empolgação, mas acabou admitindo:

—É, não é? Você tem razão. É ridículo agir dessa forma na presença de Sherlock Holmes...

—Não foi isso que eu disse.  

Luisa fitou o amigo, meramente confusa.

—Como é?

—Não acho que seja exagero. –ele pôs as mãos nos bolsos. –Acredite, eu também estou á ponto de vomitar arco-íres a qualquer momento... Mesmo assim, algo sempre me detém no momento em que estou prestes a surtar!

A garota riu de seu comentário e deu-lhe um empurrão leve, só para descontai-lo um pouco.

Ás vezes você é tão bobo...

—Pode crer. –Melissa intrometeu-se, lançando ao rapaz um sorriso sarcástico. –De bobagens, ele com certeza entende!

O Doutor fitou-a com cara de pouco caso.

—Desistam. Nenhuma de vocês vai conseguir me convencer de que meu pressentimento está errado...

—Eu não entendo! Por que ele está tão diferente? —sussurrou Olívia para eles, desconfiada. –Quero dizer, Sherlock Holmes vestido de um modo tão desleixado?

—Vai ver ele acordou com o pé esquerdo, hoje... –supôs Melissa, indiferente.

—Conheço um pouco do “material com que estamos lidando” –começou Alicia. –Pode ser bobeira minha, eu sei! Mas sempre ouvi dizer que Sherlock era sistemático e perfeccionista... E eu entendo de perfis! Muito mesmo! E acho que o perfil atual de Holmes parece bastante contraditório comparado aos relatos do dr. Whatson nos livros...

—É verdade... –Luisa assentiu, pensativa. –Ele está mesmo diferente. E não só de aparência!

Ah...Vamos lá pessoal! Será que temos que levar tudo ao pé da letra? É obvio que aquela era a versão romantizada do personagem! –contrapôs Melissa, olhando indignada para cada um dos companheiros. -Será que ninguém aqui consegue assimilar uma versão mais realista da coisa?

—Não sei não Melissa... –retorquiu o Doutor com um ar irônico. –“Ninguém aqui é tão criativo quanto você...”

E eu aqui pensando que Sherlock não passasse de um personagem de livros de mistério!—interpôs John Travolta, bem humorado. –De onde saiu esse cara?

Ninguém respondeu. Nem mesmo o Doutor. Esse era o principal motivo pelo qual ele não comemorara o encontro com o famoso detetive. O Senhor do Tempo não conseguia entender como Sherlock Holmes poderia existir. É claro que conhecera seu escritor, Sir Arthur Conan Doyle, e acabara dando alguns spoilers, ou melhor, algumas idéias que ele poderia vir a usar para as aventuras do detetive. Mas agora, o personagem já não ganhava vida apenas nas páginas do livro... Estava questionando, deduzindo e andando bem na sua frente. E isso, o deixava altamente intrigado.

—Onde fica o vagão refeitório afinal? –perguntou Alicia, quebrando o silêncio.

—Exatamente no centro do trem, onde acabei de instalar meu escritório particular. –esclareceu o próprio Sherlock Holmes. –Todos os sobreviventes estarão lá para possíveis interrogatórios, investigações e questionamentos. E, já que vocês também sobreviveram, então, igualmente meu escritório os aguarda para relatarem sua versão pessoal do ocorrido.

Ele empurrou a porta de um compartimento que abriu caminho para mais um vagão com pessoas e plantas mortas pelo percurso. Claro que aquela visão chocava á todos, mas, do contrário, Sherlock parecia perfeitamente à-vontade. Também, não era para menos: Ele era um detetive consultor e investigador criminal profissional. Não havia com o que se surpreender quando aquilo, para ele, era só mais um dia de trabalho.

Sem chamar atenção, o Doutor se distanciou do grupo. Começou a fazer sua próprias deduções. Ser obrigado a caminhar devagar em grupo e submetido á interrogatórios longos e tediosos não eram bem suas atividades preferidas. Ele desviou um passo e, quando deu por si, ficara alguns passos para trás do grupo, que se ocupava em passar pela porta da continuidade do trem, no próximo compartimento. O Doutor certificou-se de que ninguém percebera seu afastamento com uma olhada rápida, então seguiu direto para uma das poucas mesas que ainda continuavam em pé naquele vagão, em meio á toda aquela bagunça. Abaixou-se a ponto dos olhos ficarem da mesma altura da superfície da mesa. Colocou os óculos de armação quadrada e franziu a testa ao tocar um pó fino e verde, que se espalhava por todos os lugares. Imediatamente, ele tirou um frasquinho pequeno do bolso e recolheu uma pequena quantidade da amostra espalhada. Depois cheirou-a com cuidado, para não aspirar o pigmento.

—Pólen. Como eu suspeitava... –então endireitou o corpo, guardando o frasquinho no bolso. Firmou os olhos na primeira coisa que identificou na parede do trem: marcas de tiro. Alguém á bordo do expresso portava uma arma. Apenas desviando-se de uma planta estendida no chão, ele tocou o lugar onde a bala ficou alojada e desalojou-a, memorizando imediatamente uma seqüência de números que ela portava gravada em sua cápsula de metal, para uma possível futura identificação do tipo da arma. Em seguida, fitou a outra extremidade do vagão: os outros ainda tentavam abrir a porta.

—Agora... Empurrem! –instruía Sherlock, pondo a mão na maçaneta, junto dos demais. Apenas Whatson continuava imóvel, observando o colega em ação, com um ar crítico.

O Doutor sorriu de leve, com o modo com que todos estavam atrapalhados na tarefa. Felizmente, mais uma coisa desviou-lhe a atenção nesse meio tempo: Só então notou que o chão embaixo de seus pés continuava se movendo devagar. Intrigado, analisou uma taça de vinho que ainda se encontrava intacta sob uma das mesas. O movimento da bebida dentro da taça era a prova final de que o trem continuava a se mover, mesmo com todo aquele transtorno.

Ah! Melo amor de Deus, Holmes! Me deixe passar!—sem se demorar, Whatson abriu caminho entre o agrupamento de pessoas que tentavam empurrar a porta e, já sem paciência, quebrou a tranca com um pontapé e puxou a porta na direção contrária, fazendo-a entreabrir-se, um pouco trêmula. Todos ficaram de cara no chão com sua precisão.

—Muito bom, Watson. –comemorou Holmes. –Como é que sempre consegue essas proezas?

—É que você sempre teima em querer empurrar a porta, ao invés de puxá-la... –esclareceu Whatson.

O Doutor desviou os olhos. Ele mesmo vivia fazendo coisas do tipo. Como é que aquela distração de Holmes parecia tão a sua cara?

—Ah... –Holmes desviou os olhos, tomando a bengala do companheiro com impassibilidade. –Eu devia ter imaginado. –depois lançou-lhe um sorrisinho provocativo.

—Enfim... Será que podemos continuar? –John Travolta tomou a frente, abrindo a porta por completo. Naquele mesmo segundo, um garotinho cruzou a passagem. A ação foi tão sincronizada que nem parecia coincidência. Vinha correndo naquele mesmo pique já á bastante tempo pelo trem, mas a impressão que lhes deu num primeiro momento era de que ele esteve o tempo todo do outro lado da porta, esperando apenas que alguém a abrisse para que finalmente pudesse continuar seu percurso.

O menino cruzou o vagão como um rojão e colidiu com o Doutor, fazendo-o derrubar a taça de vinho em suas roupas, manchando-as. Sem se abalar, o garotinho prosseguiu, sem nem ao menos se dar conta dos danos que causou.

—Austin! –gritou Watson, mas o garoto não parou. –Esse menino ainda vai acabar se matando!

—Não o julgue, meu caro Watson... O menino sofre de distúrbios psicológicos e ataques de nervos. A mãe é submissa e o pai é um bêbado... Apesar de gostar de andar armado e lembrar das épocas em que serviu o exército. Isso quando ainda está meio sóbrio e tem meia dignidade á prestar. Quando não, prefere se entregar ao pôquer, apostas baratas e clubes de prostitutas. –Holmes deduziu de uma vez só. Whatson cruzou os braços, insatisfeito.

—Muito bom, Holmes! Você não poderia ter sido mais discreto...—ironizou o homem.

—O menino está muito agitado desde o incidente de mais cedo... –Holmes prosseguiu, fitando o colega com intensidade. –Isso explica muita coisa... Á propósito, o que o senhor está fazendo?—perguntou sem mais nem menos, voltando-se para o Doutor inesperadamente, questionando-o sem nem ao menos ter demonstrado estar prestando atenção em si.

—Eu estava verificando a qualidade do vinho... –o Doutor disse na maior cara de pau, para não levantar suspeitas. –Está bastante molhado e vermelho... Acho que não há evidencias acusativas aqui, senhor. –ele disse, examinando as próprias roupas, manchadas.

Holmes semi-cerrou os olhos para o Doutor, fumando mais um pouco de seu cachimbo.

—Ótimo. Agora vamos... –ele indicou-o.

—Doutor... Ahn... Smith! Doutor Smith, ao seu dispor... Mas pode me chamar somente de Doutor!—acrescentou o Senhor do Tempo, caminhando para junto do grupo, com as mãos nos bolsos.

—Ah... Outro médico!? Era tudo que eu precisava agora... –Sherlock pareceu zombar, ao apertar sua mão. –E eu que pensei que só precisaria agüentar o dr. Watson criticando-me pelos caminhos desta vida... –ele riu da própria insinuação. Então ficou sério. -Em todo caso: Prazer em conhecê-lo.

—Igualmente senhor Holmes! –o Doutor disse, com um sorriso mais autoconfiante no rosto.

Continuaram seu percurso até finalmente chegarem ao vagão-refeitório.

—Aqui será nossa parada... –Holmes anunciou, abrindo a porta do compartimento. Depois voltou-se para o grupo atrás de si com um sorrisinho pretensioso no rosto. –Bem vindos ao inferno!

O que viram á seguir foi uma enxurrada de conversas paralelas, ressoando ao mesmo tempo. Todos os donos das vozes eram sobreviventes do colapso de realidades e do ataque das plantas-carnívoras. Talvez por isso mesmo, sentiam-se na necessidade de conversarem entre si, trocando medos e dúvidas em comuns, todos ao mesmo tempo... Ao todo, eram catorze pessoas sobreviventes: Dois aristocratas já de certa idade, um portando óculos e o outro não (o sem óculos era mais gordo que o outro), ambos de cartola, bengala, bigode branco e roupas elegantes distintas, um de smoking preto e o outro de cinza; também havia uma dama de cachos loiros acima dos ombros, vestido vermelho bufante e chapéu de laço na cabeça; um rapazote de pouca idade, lá para os seus dezesseis anos, usando boina, camisa cinza risca de giz, calça marrom, gravata borboleta e suspensórios pretos; Um homem robusto e espaçoso, de rosto vermelho e inchado (provavelmente por causa da bebedeira), dividindo um banco com uma mulher miúda e simples (aparentemente os tais pais do garoto com problemas psicológicos); a senhora Lancaster e seu cão, que haviam chegado á sala um pouco antes deles; um empregado (garçom) e o cozinheiro-chefe, com suas roupas típicas; e um rapaz afundado discretamente em uma poltrona bem no fundo da sala, tirando um cochilo. (Isso sem esquecer os próprios Holmes e Watson, que também haviam sobrevivido ao acidente e o garotinho com distúrbios, que fugira desembestado pelo trem).

Inesperadamente, Holmes pegou todos de surpresa ao assobiar por entre os dedos, de modo que os que não ficaram surdos com a intensidade do assobio, perderam atenção em suas discussões banais e fitaram os recém chegados.

—Todos vocês, aquietem-se, por favor... –pediu Watson. –Descobrimos, em nossa pequena busca pelo expresso, que todos os espécimes de plantas-carnívoras morreram. Pensávamos que estaríamos sozinhos nos vagões, apenas recolhendo provas e investigando, mas o sr. Holmes e eu acabamos encontrando mais pessoas deslocadas pelo trem...

—Preciso rever as variantes com cautela... Não quero ter que pegar pesado, nem acabar acusando de suspeito uma pessoa de boa índole. Apenas gostaria que fossem sinceros e o mais claros que consigam ser... É só isso que lhes peço. O resto é comigo, senhores. –o detetive deu as costas para os vários rostos curiosos e sentou-se em uma poltrona. -Ah! Mais uma coisa: Em hipótese alguma...

—Marty! –Melissa gritou, correndo na direção contrária á que todos olhavam.

—... Me interrompam quando eu estiver em processo de dedução. –Sherlock terminou, apoiando o cotovelo no braço da poltrona, e a cabeça no punho fechado. Por fim, balançou a cabeça negativamente, num ato de cansaço. Watson, já prevendo que aquilo iria demorar, murmurou ao companheiro em poucas palavras que se retiraria para procurar o menino que corria desembestado pelo trem.

A conversa no vagão se seguiu:

Melissa?—Marty McFly ergueu a cabeça. Estivera cochilando em uma poltrona ao fundo do vagão, por isso não reconhecera a prima no meio dos recém-chegados. Sorriu ao vê-la e correu ao seu encontro para abraçá-la. –Você conseguiu! O doutor disse que conseguiriam...

Mas que Doutor é esse, afinal?—Luisa intrometeu-se, correndo até eles. O Doutor, Alicia, Olívia e John fizeram o trajeto um pouco mais devagar.

—Ah, e você deve ser a Luisa Parkinson! A garota bonita que é a melhor amiga da minha prima, eu suponho? –ele apertou a mão dela, sorridente.

—Ah... Eu sou sim. –ela disse, meio sem graça, apertando sua mão em retorno. -Oi pra você também, Marty... –ela sorriu, apesar de não conseguir esconder o assombro de vê-lo tão jovem. –Não leve a mal, mas você está tão diferente...

—Eu sei. –ele assentiu. –Eu não sou a versão do mesmo Marty que vocês conhecem em 2015. Gostaria de ficar e explicar, mas o tempo é curto. Á cada segundo perdido, o doutor acaba ficando ainda mais enrolado. O doutor é um amigo meu. Ele é um cientista... Nós estávamos testando seu último invento em 1985, quando tudo deu errado e ficamos presos em 1930!

—Se você veio de 1985, então isso significa que você é a versão adolescente do meu primo Marty! –empolgou-se Melissa, ao fazer as conexões. –Que coisa engraçada! Apesar dos nossos poucos anos de convívio, você parece muito mais acessível agora...

—Eu lamento por isso. –ele desculpou-se. –Quando chequei os arquivos, procurando por vocês, nunca imaginei que fossemos tão distantes...

—Você disse para nós virmos até aqui, em 2050, para ajudá-lo... –emendou Luisa. -Como sabia onde nos encontrar? Nem minha mãe sabe sobre nossas viagens...

—Ele disse que vocês dariam um jeito. Eu sei lá! O doutor é assim mesmo... Ele nunca diz coisa com coisa!

—Mas nós viemos com o Doutor. –Luisa interveio, puxando o amigo para junto de si. –Esse é o Doutor. É por causa dele que conseguimos chegar aqui hoje...

—Muito prazer, Marty. –o Doutor apertou sua mão, sorrindo pelo canto dos lábios.

—Ah! Então era por você que o doutor Brown estava procurando... Ele tem alguns contatos com cientistas que estão do outro lado do mundo...

—Ah, bom, eu não sou exatamente um cientista... –o Doutor articulou. –Não trabalho desenvolvendo geringonças para alguém... Sou autônomo. No entanto, também não construo geringonças para mim... Na verdade, estou mais para um viajante á paisana...

—O doutor também é. –Marty acrescentou. –Quero dizer, não na maior parte do tempo, mas desde que ele inventou a máquina do tempo, vem fazendo muito isso...

—Como é que é? Ele inventou uma máquina do tempo? –o Doutor coçou a cabeça.

—É. Ele me deu permissão para dizer isso a você. Disse que ajudaria á convencê-lo a aceitar o caso...

—E conseguiu! –o Doutor parecia pasmo. –Onde é que está esse tal de dr. Brown? Eu gostaria de trocar uma palavrinha com ele...

—É aí que está o problema... –Marty intensificou. –Eu não consigo encontrá-lo! Sei que está á bordo do trem, porque nossos comunicadores ainda funcionam, mas não consigo localizá-lo e... Vocês já repararam no tamanho dessa coisa? Vai levar meses para revirarmos esse trem inteiro! Eles tem vagões de refeitório, vagões de socialização, as alas dos dormitórios, banheiros, cozinha, a cabine do maquinista, as alas de dormitórios dos empregados... Nunca conseguiremos encontrá-lo! 

—Mas se ele recrutou á todos nós, então talvez esperasse que uma turma maior consiga se dividir para procurá-lo! –sugeriu Luisa. –Seria mais rápido e prático também.

—É, mas isso não parece o tipo de decisão que o doutor costuma tomar –alertou Marty, preocupado. –Geralmente, nós conseguimos nos virar muito bem sozinhos. Se ele os chamou aqui, com certeza é para um propósito maior... Algo que esteja muito além do nosso alcance.

—E isso o preocupa. –o Doutor adivinhou.

—Sim. –Marty baixou a cabeça. –Sabe, o doutor tem sido meu melhor amigo. Nos metemos em confusão, normalmente por descuido meu, mas... Ele sempre consegue reverter tudo! Tenho medo que ele possa estar em apuros...

—Não se preocupe mais -o Doutor sorriu, colocando as mãos nos ombros do garoto. –Vamos ajudá-lo á encontrar o dr. Brown.

—Sério? –Marty sorriu, aliviado, apertando a mão do Doutor freneticamente. -Obrigado! Obrigado Doutor! Será de grande ajuda poder contar com vocês nessa busca...

—Então o que estamos esperando? –disse John Travolta, determinado. –Vamos começar á procurá-lo agora mesmo!

Com sua licença... Será que eu posso participar da reuniãozinha particular?—Holmes ergueu-se da poltrona, espantado. –Eu pensei ter acabado de dizer que vocês seriam interrogados! Não vou deixá-los ficar passeando pelo trem... Houve assassinatos aqui! Vocês podem muito bem ser os culpados e estarem querendo sair de fininho... E não vou ser eu, estúpido bastante á ponto de deixá-los se distanciarem dessa sala! 

O Doutor fitou-o com intensidade, então o grupo todo se entreolhou.

—Como eu estava dizendo Marty –o Doutor ergueu as sobrancelhas, já dando alguns passo em direção á porta. –Nós vamos encontrar seu amigo...

Luisa, Melissa, Marty, Alicia, Olívia e John seguiram-no sem problemas, mas Sherlock impediu-os de seguir novamente, desta vez alcançando a porta do compartimento com espantosa rapidez, antes dos sete e apontando o braço de um violino para o Doutor. O rapaz ergueu as mãos, ficando sem reação por um momento.

—O que ele pensa que vai fazer? –Melissa deu com a língua nos dentes. –Isso é um violino, não uma bazuca!

—Sherlock Holmes foi conhecido por ser um excelente violinista, esgrimista e boxeador, nos livros... –Alicia revelou. –Não o julgue por seus métodos antiquados... Ele pode ter uma carta na manga!

Angard!—ele fincou a ponta do violino no peito do Doutor, e nada aconteceu. O próprio Doutor ficou encarando-o como se o detetive fosse doido.

—Ah... Ou talvez não. –Alicia atou as mãos, corando levemente com a expectativa errada.

—É sério isso que eu estou presenciando? –o Doutor deixou a testa em V. -É o melhor que pode fazer?

Com essa deixa, Sherlock deu um giro, arrancando uma espada de esgrima de verdade, de trás do casaco, e apontando-a para a garganta do Doutor.

—Nem de longe... –o detetive respondeu, á todo vapor.

—Ah... Certo, certo. Ótimo! Eu me rendo! –o Doutor sorriu, impressionado. -Que legal... “Você tirou uma espada de dentro do casaco”. Muito engenhoso, Sherlock. Um truque muito engenhoso... Mas será que agora nós dois podemos conversar como pessoas civilizadas? 

—Não. Tenho uma sugestão melhor... –Sherlock propôs. –Nós poderíamos dançar! Eu tento golpear sua jugular com essa espada em uma luta de esgrima profissional e você tenta não ser atingido... –ele ironizou, impassível. -Divertido, não acha?

Luisa estremeceu ao lado do amigo.

—Argh... Super!—o Doutor suspirou, quando Holmes afastou-se dele e guardou decididamente a espada por baixo do casaco. Aquilo servira de aviso.

—Bom, estamos decididos então... Vocês passarão pelo interrogatório e ponto final. –Holmes determinou, tamborilando os dedos no queixo. -Isso pede uma nova coleta de dados... –o detetive caminhou pela sala, com todos os olhos em cima de si. -Sei que já falei com todos vocês nesta sala, mas preciso de uma nova cessão de interrogatório com esses seis aqui, –e apontou para o Doutor e seus amigos do outro expresso. –então vou pedir para ninguém deixar esse compartimento enquanto perguntas estiverem sendo feitas, eu fui claro? –anunciou, olhando especificamente para Marty. Era obvio que McFly não dissera toda a verdade ao detetive, sobretudo a parte sobre quem era, de onde veio e o verdadeiro motivo de estar a bordo do trem; Holmes podia desconhecer essas informações, mas agora sabia que o garoto era parente de Melissa, e com algumas pequenas peças do gigantesco quebra-cabeças se encaixando, ele não poderia se dar ao luxo de perder o rapaz de vista. Naquele instante em que terminou de estudá-lo minuciosamente com o olhar, Watson retornou ao compartimento, trazendo o garotinho Austin consigo. Sherlock Holmes desviou a atenção de McFly. –Ah, Watson! Retornou no momento certo. Improvise uma nova sala de interrogatório... Quero falar com um por um.

Em pouco tempo, dois vagões á esquerda do vagão refeitório, lá estavam todos eles isolados das conversas paralelas do restante dos sobreviventes. Sentados todos sozinhos em cada banco, e vigiados de perto pelos olhos atentos de Sherlock Holmes. Watson ausentou-se desde o inicio dos interrogatórios, argumentando que tentaria conversar com Austin, na intenção de acalmá-lo, e depois ficaria tomando conta do restante dos suspeitos no vagão ao lado, se certificando que ninguém mais sumisse de vista.

Criando um ambiente pouco luminoso, com apenas um lampião aceso, iluminando o espaço entre a poltrona de Holmes e a cadeira do interrogado; o detetive instruiu a todos os demais que estivessem na parte sem luminosidade, para que imaginassem estar em um tipo de “sala de espera”, da qual houvesse uma parede invisível entre eles e a ala de interrogatório. Desta forma, ninguém da espera, poderia interferir nos depoimentos do interrogado...

Apesar de estarem todos juntos na mesma sala, era impossível não se sentir incomodado com o detetive fiscalizando-os o tempo todo, com seus olhos curiosos.

 

(...)

—... E o quê mais? –instigou o detetive, apoiando o cotovelo no braço de madeira da poltrona.

—Eu não vou falar mais nada. –retorquiu Melissa, mascando chicletes ruidosamente.

Ele inclinou-se para frente na poltrona.

—Interessante... E por que não?

—Porque meu chiclete acabou e eu estou ficando com fome! E você não vai gostar de me ver com fome...

—Ah... Tá legal. Tragam um ensopado para a moça! –pediu Sherlock ao garçom parado na porta com as roupas maltrapilhas, rasgadas em vários lugares por causa do acidente de trem.

—Hã... Precisa ser mesmo um ensopado? É que eu não sou muito fã de coisas pastosas... –Melissa fez uma careta, ao que trançava distraidamente uma mecha do cabelo.

—Ah. Tudo bem. Então traga algum alimento sólido para a menina beliscar, por favor... –Holmes alterou o pedido, desgrenhando os cabelos de cansaço.

Valeu, cara!

O que disse?—o detetive arregalou os olhos.

 

(...)

—Então você disse que é estudante...

—Não. Eu já passei dessa fase... Agora sou uma ex-aluna. Sabe? Recentemente liberta pelos poderes das minhas fantásticas notas finais do ensino médio, sacou? –assumiu Alicia, orgulhosa.

—Eu acho que sim. –Holmes virou uma página do bloquinho de anotações. –E você veio fazer o quê no expresso, hoje?

—Nada.

—Como é?

—Estou apenas curtindo a vida!

Rá-rá! Essa é nova! –Holmes sorriu, fazendo algumas anotações no papel. –Uma donzela sozinha em um trem como este, sem rumo nem destino traçados... Muito comovente. Vou me lembrar de dizer exatamente essas palavras à Watson quando estivermos de folga do trabalho: “estou apenas curtindo a vida” Isso é magnífico! Posso anotar o que disse?

—Claro! –Alicia riu, empolgada.

 

(...)

—...Você sabe algo sobre plantas?

—Só o básico. –disse Luisa.

—O que quer dizer com “só o básico”?  Você é botânica, por acaso?

—Não.

—Então o que exatamente seria “o básico”, pra você?

—Só o que a minha mãe me ensinou. –Luisa sorriu largo, animada com a pergunta. -Nós costumávamos plantar centenas de flores no nosso jardim imenso! Temos um gramado extenso na parte da frente da casa, grandes árvores, arbustos e um chafariz... E no quintal dos fundos, uma piscina de plástico, uma rede e também um balanço. Claro que nada disso existia lá antes de nós nos mudarmos para a rua Bannerman... Eu também conheci Melissa lá. Ela é minha vizinha! Acredita que moramos em casas encostadas uma da outra?

Ahan... –Sherlock fechou o bloquinho de notas e apoiou a cabeça contra o punho fechado, entediado.

 

   (...)

—Eu não me lembro de muita coisa... Só sei que estávamos no trem, então veio a confusão e depois viemos parar aqui. –explicou John Travolta.

Mas o que aconteceu antes disso?—sondou Sherlock, achando ter encontrado alguém que pudesse lhe fornecer alguma informação valiosa. –Houve alguma coisa que lhe chamou atenção antes do acidente? Me diga tudo que se lembrar...

John riu.

—Bem, vamos ver: Acho que o que me chamou mais a atenção foi... Á roupa justa que a Olívia estava vestindo no camarim...—ele fez um movimento sensual com os braços. –Cara, que gata!

John!—Olívia, que estava nos fundos do vagão pouco iluminado, arremessou uma almofada na cabeça dele. –É melhor tomar cuidado com o que fala, espertinho, porque estamos ouvindo tudo o que vocês estão dizendo!

Ei! Será que posso ter um pouco de privacidade, por favor?—exclamou John, sem se zangar realmente, gostando da brincadeira. -Pensei que Holmes tivesse dito para imaginarmos que há uma “parede invisível” entre vocês, na espera, e eu, que estou sendo interrogado...

É. Diga isso para a minha almofada! —e Olívia atirou outra almofada em sua direção. John se abaixou no ultimo segundo e Holmes foi atingido no rosto, por engano.

—Ai meu Deus... Mil desculpas, senhor Holmes! –Olívia mordeu o lábio, segurando as duas mãos juntas.

—Sem problemas. –o detetive piscou, sem poder evitar um tique nervoso.

 

   (...)

—Então você não é uma prostituta...

Claro que não! Eu não costumo usar roupas justas normalmente... Só quando estou me apresentando! –defendeu-se Olívia.

Há, claro... –Holmes ergueu as sobrancelhas. –Muito interessante... –e rabiscou algo no bloquinho. –Então você não se considera uma vadia por usar roupas justas, mas faz apresentações abertas ao público constantemente...

—Eu sou cantora e atriz! O que queria que eu fizesse? –ela pôs as mãos nos quadris. Então seus olhos brilharam ao se lembrar da sensação extasiada que sentia ao exercer sua profissão. –Sabe...? Quando vou fazer um filme, seguindo scripts... Um espetáculo, cheio de coreografias, ou um show, muito bem ensaiado, não deixo de pensar que é o melhor trabalho do mundo!

—Acho que compreendo algumas dessas palavras... –analisou Holmes. –Então você faz espetáculos para entreter as pessoas...? –indagou ele. Até agora, ela não conseguira desmentir suas suspeitas.

—Você nem imagina como é gratificante assistir o resultado de tantos ensaios cansativos, tomarem forma no desenrolar do projeto, seqüenciado e já terminado! No fim das contas, aquele trabalho todo torna-se divertido e envolvente... As crianças adoram os musicais! É divertimento para toda a família!

As crianças... –repetiu Holmes, fazendo uma careta alucinada. Na época dele, espetáculos artísticos feitos por mulheres só poderiam significar uma coisa... –Santo Deus, mulher! —o detetive se benzeu. -Me conte mais sobre isso!

   (...)

—Esses biscoitos estão ótimos! –degustou Melissa. –Vai Sherlock! Manda a próxima pergunta...

—Ah... Certo. –Sherlock endireitou-se na cadeira, finalmente sentindo que a coisa ia pra frente. -Você viu alguma...

—Eu tô com um pouco de sede... –Melissa atropelou-o na maior cara dura. -Tem leite aí?

—Precisamente. –Holmes ergueu o corpo, procurando o chefe de cozinha novamente. -Chefe! A garota quer leite... E é melhor correr desta vez! Tenho certeza que ela irá falar á qualquer momento...

 

 (...)

—Você está me dizendo que terminou a escola há três dias. Saiu de casa sozinha esta manhã. Tomou um trem sem rumo definitivo. Conheceu essas pessoas á bordo do trem. E sobreviveu ao acidente apenas por ter trocado de sapato com o Doutor?

—Os All Stars tem ótimas solas! –Alicia acrescentou. –Olha... –e enfiou os pés encima da mesa.

Holmes arregalou os olhos para a atitude dela.

—Ah... Notável.

 

   (...)

—Então sua mãe cultivava orquídeas?

—É. Mas as preferidas dela eram as Luisinhas. –Luisa sorriu. -Captou a referencia?

Ai, Deus!—ele espalmou a testa com uma das mãos, injuriado.

 

   (...)

—... E ela era incrível! Você tinha que ver... Nós dançamos um bocado naquela pista de dança! Sabia que fui eu que inventei a maioria dos paços famosos da discoteca? –tagarelava John Travolta.

—Ahãn... –Holmes rabiscava alguma coisa no bloquinho, por vários minutos seguidos.  –Sensacional...

—Pois é.

—Hum-hum.

—É isso.

—Hum...

John fitou-o intrigado. Mesmo após ter parado de falar, o detetive não parava de fazer anotações.

—Posso saber o que tanto você anota? Eu já acabei de falar...

—Ah... Eu não estou anotando. Estou fazendo palavras cruzadas... –anunciou Holmes, empolgado, ao que John ficou perplexo. Ao notar o desapontamento do rapaz que já vinha falando por vários minutos, Holmes estipulou: -Quer dar um palpite, meu jovem? Eu preciso de um sinônimo de trouxa...

John achou melhor não comentar.

 

(...)

—Então você se apresenta em um prostíbulo...

NÃO! Em filmagens, atrás das câmeras, em um palco, ou ao vivo... –então Olívia parou para encará-lo. –Você não faz a menor idéia do que eu esteja falando, não é?

—É elementar, minha cara. –admitiu Holmes. –Mas não se intimide com isso... Parece tudo muito interessante. Inclusive à parte das crianças amarem seu trabalho... –Holmes deu risada. -Eu achei isso bárbaro!

Mesmo estando um pouco sem graça, Olívia se permitiu sorrir de leve.

 

   (...)

Depois de uma bandeja de biscoitos, quase um litro de leite, várias arregaladas de olhos, um possível nó no cérebro e metade de um bloquinho de notas gasto em jogos da velha e rabiscos sem significado, Holmes finalmente tinha um suspeito que poderia lhe render alguma coisa.

—Próximo!

O Doutor caminhou até a cadeira vazia, recém liberada por Olívia, e sentou-se sem rodeios nem pudores.

—Oi... Como é que vai? –o Doutor sorriu.

—Eu vou bem, e você? –Sherlock respondeu distraidamente, vasculhando alguma coisa no bloquinho de anotações.

—Ah, o de sempre... –o Doutor deu de ombros. -Mas agradeço por se importar em perguntar.

—Aceita um cigarro?

—Não. Eu não fumo. –o Doutor fungou, apoiando os cotovelos na poltrona, seguindo o cachimbo de Holmes com os olhos. –E acho que você também não deveria...

—Bom... Isso é opcional. –Holmes acendeu seu cachimbo novamente e segurou-o na boca. Depois abriu o bloquinho de notas, e tornou a fitar o Doutor. –Certo. Vamos começar...

—Vai fundo! –o Doutor disse sorridente. Holmes o encarou por uma fração de segundos.

—É o que eu pretendo fazer mesmo... –então tirou o cachimbo da boca, encostou as costas na poltrona, depositou o bloquinho no braço desta, juntou as mãos e encarou o oponente, com profundo interesse. –Pelo que entendi da sua conversa com o garoto Marty, você se considerava um viajante autônomo, descompromissado... De um modo geral, o que isso significa?

—Significa que não tenho emprego fixo, viajo por vontade própria, e não tenho compromisso de retornar à uma determinada moradia. 

—Um andarilho?

—Pode se considerar que sim. –o Doutor deu de ombros. –Apesar de eu preferir me considerar um aventureiro.

—Fascinante... –Sherlock fez uma pequena anotação em seu bloquinho de notas. –Então é um aventureiro. E o que fazia á bordo do expresso?

—Procurava por algum entretenimento. Você sabe como é... Todo mundo fala bem dos expressos, e eu quis dar uma olhada...

—Então é um caçador de emoções.

—O que é um caçador de emoções?

—Pessoas que procuram situações motivadoras para sentir a adrenalina subir... –Holmes riu. –Alguns chamam isso de delírio... A maioria se contenta em experimentar Ópio. Pelo que andei avaliando, a sensação parece chegar muito perto do que o senhor procura...

—Não, não. Eu já disse que não fumo, nem uso drogas.

—É claro. No entanto, o senhor tem um brilho alucinado nos olhos... Pode explicar isso?

—Eu sou assim por natureza. –o Doutor afirmou. –Com oito anos, tive que contemplar o vórtice temporal para determinar quem me tornaria; me deixaram brincar com radiação na escola... O que eu podia fazer? Tinha que me tornar um alucinado mesmo...

—Interessante sua escolha de palavras... Radiação, você disse? –Holmes debruçou-se para frente da poltrona. –Onde foi que estudou?

—Em uma Academia.

—E posso perguntar em quê era especializada?

—Em nada específico. Você sabe, um pouco de tudo... –o Doutor explicou. -Mas não adianta perguntar onde fica... Ela fechou há muito tempo.

—Sei... –Holmes mordiscou a caneta de leve. –E você está sozinho, como posso notar a partir da falta de uma marquinha pálida e circular em seu dedo anelar, o que demonstra que você não tem um compromisso sério há muito tempo...

O Doutor contemplou a mão esquerda, onde costuma-se portar a aliança, deparando-se com a falta do anel de tal forma, quase como se não tivesse se dado conta disso até aquele instante...  

—Contudo, a calma e a bondade em sua voz demonstram que tem muita paciência. Paciência esta que só um homem em plena paternidade seria capaz de alcançar. ­–o Doutor imediatamente ergueu a cabeça para encará-lo. –A partir disso, posso averiguar que você já foi pai em algum momento da vida, apesar de isso não ficar absolutamente claro á primeira vista. No entanto, ao analisar sua expressão de surpresa, com que se portou agora, ao me ouvir chegar á tal conclusão com tão poucas variáveis, posso ser um pouco ousado em afirmar que já teve uma família, mas que isso ficou para trás há muito, muito tempo... –deduziu o detetive, ao que o Doutor piscou, pasmo. –Ao chegarmos á essa conclusão, não se torna difícil supor que o senhor é mais velho do que aparenta. Apesar de estar na flor da juventude, seus olhos velhos carregam um ar cabisbaixo e meticuloso. –Holmes fez uma pequena pausa. -Você já viveu muito, não é mesmo, Doutor? Já viu muita coisa acontecer... Presenciou tantas coisas ficarem para trás... E você, sempre seguindo em frente, mas com um peso extra nas costas, como se carregasse uma culpa... –o Doutor ficou passado com a perspicácia do detetive. Não esperava que ele chegasse tão fundo em sua história, só de observá-lo. Sem notar seu desconforto, o outro prosseguiu: -O jeito como contempla e medita sobre as coisas prova que você é sábio e vivido. Mas onde cabe tanta sabedoria em um rapaz tão moço? Seu corpo é jovem, você tem uma mente ilustre, fervilhando de idéias novas e pura adrenalina, mas ao mesmo tempo, parece haver uma batalha interna entre sua aparência e os anos que carregam sua alma...

O Doutor franziu o cenho.

—Como é que é?

—Seu humor contagia e mascara seu semblante triste e cansado. –revelou Holmes. –Como consegue ser tão dissimulado?

—Não sou dissimulado... –o Doutor negou, fitando o detetive absurdamente. –Nem estou triste ou cansado.

—Ah, mas você está... Não de aparência, é obvio. Você simula muito bem... Mas o cansaço está presente em seus olhos, como seu constante companheiro, assim como a solidão. –Sherlock fez uma pausa intuitiva. Não conseguia parar de desvendá-lo. O Doutor ficou rígido, recuando alguns centímetros mais á cada segundo, empurrando as costas contra o estofado da poltrona. Holmes continuou: –E ainda há seu sorriso. Se ele fosse mesmo tão sincero, então qual seria o sentido de carregar tantas mágoas e tristezas no semblante? –Holmes fitou-o com significância, tirando uma lupa do bolso e aproximando-se dele ainda mais. O Doutor estava encurralado; Suas costas prensadas á poltrona, já podiam sentir a madeira dura desta se rebelar por debaixo do revestimento estofado.

—Pare com isso! –protestou o Doutor, afastando a lupa de perto do rosto.

O detetive afastou-se um pouco, mas ignorou seu pedido de deixar o raciocínio para trás.

—Tirando do caminho todas as possibilidades improváveis, sobra apenas uma resposta viável: Sua alegria eminente apenas serve para ocultar a dor de supostas perdas que carrega seu coração apertado...

—Eu já pedi pra parar! –alertou o Doutor, com os dois corações acelerados.

—Intrigante... Quanto mais o desvendo, mais se mostra enigmático. E excepcional! Não sei se existem palavras o bastante em nosso idioma para conseguirem descrevê-lo e defini-lo... –Holmes filosofou. -Curioso...Você é ainda mais distinto do que eu imaginava. É sonhador, improvável, destemido e inacreditavelmente determinado! Suas qualidades são dignas de um herói mitológico... Material para lendas!—Holmes endireitou-se na cadeira, e seus olhos brilharam quando voltaram á encarar o Doutor. –E homens como você são cheios de segredos...

—Tá legal, Sherlock... Pode parar por aí!—o Doutor articulou, inquieto. –Já chega! Não estamos em um consultório psiquiátrico... Não preciso de um analista para discutir meus motivos, segredos e medos! Conheço minhas fraquezas e meus pontos fortes! Não preciso de você analisando meu semblante! Não preciso de você refletindo sobre o modo como observo as coisas, nem de como enxergo a vida! Isso é meu. É unicamente meu! E eu não quero você bisbilhotando os fatos que compõe minha trajetória!

—Opa... Estou vendo que cutuquei uma ferida. –Holmes sorriu, pretensioso, encostando-se na poltrona e voltando a unir os dedos, pensativo. –Seria seu principal ponto fraco, eu presumo...?

Você não sabe nada sobre mim!—retrucou o Doutor, cruzando os braços e fazendo bico, mau-humorado.

—Ao contrário, meu caro colega... Acho que sou capaz de entendê-lo mais do que imagina, e ainda mais do que muitos jamais sonharam conseguir...

—O que você quer dizer com isso? –perguntou o Doutor, amargamente. –Onde está querendo chegar? Pare agora mesmo com isso!

—Quero entender o que faria um homem feito você, procurar a solidão com tanto afinco e preferir preservar sua verdadeira identidade em segredos ocultos, ao invés de mostrar sua verdadeira face...

—Do que está falando? Eu não sou solitário! Digo, não o tempo todo... E não escondo quem realmente sou! Sou exatamente o que pode ver... Tenho sim, sentimentos ocultos, mas os que demonstro aqui e agora, não são fingimento! Quanto aos segredos... É claro que tenho segredos! Que pessoa é totalmente livre para se expor por completo nesse universo? Ninguém é... E eu, com certeza, também não sou! 

Holmes observou-o atentamente, então riu de leve.

—Você está sendo imaturo, Doutor...

—E você está sendo enxerido!

—Não me venha com esta... –Holmes balançou a cabeça. –Eu estou no comando deste caso, Doutor. É comum que eu queira desvendar alguma coisa por aqui... Afinal, sou um detetive! –então apontou para a porta que levava ao vagão do restante dos sobreviventes. –Eles contam comigo para resolver esse caso. Sou o único que pode ajudá-los agora...

O Doutor soltou uma risada zombeteira.

—Até parece!

—Posso saber o que é tão engraçado?

—Você se dizendo o “dono do caso”. Como se ninguém aqui fosse inteligente o bastante para ultrapassar seus conhecimentos pessoais...  

—É ótimo que pense assim, mas então você pode simplificar tudo e olhar em volta... –o detetive abriu os braços, indicando o espaço ao redor. –Está vendo alguma outra pessoa que possa resolver esse caso?

O Doutor tornou a sorrir.

—Não precisa procurar muito longe, Sherlock: Você está olhando pra ele.—e ergueu as duas sobrancelhas, em um movimento sincronizado. Depois cruzou os braços e re-encostou-se na poltrona, colocando os pés em cima do braço da poltrona do oponente. –Pois é, meu caro Holmes, a concorrência acabou de chegar! É melhor ir se acostumando...

Os olhos de Holmes se estreitaram, de repente.

—Como assim concorrência? Eu sou o especialista, aqui!

—Não é mais. –o Doutor negou, bem humorado. –Digo, ainda é, mas agora somos dois especialistas.

—O quê? –Holmes indignou-se. –Pro inferno com a sua concorrência! Eu trabalho sozinho! Apenas Watson me acompanha... Não quero um lunático por perto, bisbilhotando as coisas e mexendo onde não deve!

—Pois é. Você está sentindo exatamente o que “este lunático aqui” veio sentindo nos últimos minutos... Toda a pressão e o incômodo de sentir a vida inteira sendo invadida por um estranho... –o Doutor se vangloriou. –O tabuleiro está virando, Holmes...

Sherlock Holmes pareceu aborrecido, mas ao invés de continuar com seu joguinho verbal, deixou que a coisa mais banal no ambiente começasse a incomodá-lo:

—Quer, por favor, tirar esses sapatos horríveis de cima da minha poltrona!? –pediu, já com um quê de exigência na voz.

O Doutor sorriu ainda mais.

Náá! Eu estou bastante confortável assim... E eles não são horríveis! São os xodós do papai! E, devido á sua falta de educação ao se referir aos meus inigualáveis All Stars, meus pés continuarão onde estão.

Se aquilo fosse um quadrinho de desenho animado, Holmes já estaria ficando vermelho, verde, roxo... Um verdadeiro arco-íres por causa da raiva e do aborrecimento.

Doutor! Isso está me dando nos nervos... Tire esses MALDITOS sapatos daí!

—Você quer tirá-los? Então tire você mesmo! –ameaçou o Doutor, com ar destemido e um sorrisinho torno no canto dos lábios, sinônimos de sua teimosia natural. –Experimente tentar...

Por um momento, seus olhos travaram uma batalha visual, fuzilando-se de tal modo que era quase possível ver faíscas saltarem de suas íris.

Nos fundos do vagão escuro, Luisa espichou-se na cadeira, fitando o amigo e o detetive de longe. Parecia um tanto apreensiva quanto á suas investidas. Já fazia algum tempo que o Doutor estava sendo interrogado, e a conversa parecia não estar indo muito bem. Na real, aquele estava sendo o interrogatório mais longo do dia. Antes mesmo de tudo aquilo começar, o Doutor aconselhou á todos eles que mais enrolassem que outra coisa na hora de darem seus depoimentos no interrogatório. Seria um verdadeiro desastre se o detetive ouvisse sua versão de “trens em linhas do tempo paralelas”. Tentaram ao máximo evitar sequer mencionar o fato de não estarem naquele específico expresso, antes do acidente... No entanto, o plano parecia estar indo pelo ralo, agora que Sherlock começara a desvendar o Doutor. Luisa já até podia ouvir à hora em que o detetive começaria a dizer que “lera nos olhos do Doutor algo sobre máquinas do tempo” e então tudo viria á tona e eles ficariam sem poder dar explicações. Inconscientemente, a garota começou a torcer a fivela de sua bolsinha entre os dedos, cada minuto mais ansiosa. Melissa notou o nervosismo da amiga, e sussurrou-lhe algo para descontrair:

—Meu nariz me engana ou o cheiro de testosterona nesta sala está com um aumento crescente á cada minuto? –Melissa brincou e a amiga sorriu de leve. –Escreva o que eu estou dizendo: daqui a pouco, esses dois vão soltar fumaça pelos ouvidos!

—É impressão minha ou eles estão levando isso pro lado pessoal? –Alicia contornou, perguntando ás outras.

Lado pessoal? Eles já estão á ponto de explodir!—retorquiu Olívia. Com essa nova afirmação, Luisa e Melissa entreolharam-se novamente, preocupadas.

Brincadeiras á parte, a coisa continuava feia no interrogatório:

—Devido á sua tremenda ousadia e falta de cuidado, averiguo que você tenha medo de ser julgado pelas pessoas! –prosseguiu Holmes irritadiço, desarmando o oponente, de modo que o Doutor não pôde evitar: acabou olhando de esguelha para os fundos da sala. –Tem medo que as pessoas não o aceitem como você é realmente, então se contenta em criar novas mascaras para poder cativar as pessoas de que gosta! –ele deduziu á todo vapor, rabiscou algo no bloquinho. -Aparentando ser uma outra pessoa, a tarefa é sempre mais fácil... Na real, você queria ser menos solitário, então se utiliza de seus artifícios naturais para aparentar ser uma pessoa melhor... Como um camaleão ambulante! Mas nunca é o bastante, pois depois você se rasteja rumo à solidão de novo e de novo, porque não consegue viver sem ela...

O Doutor, indignado, fitou-o com amargura. Estava desarmado e sem mais argumentos.

—Está certo em tudo, Holmes -o Doutor se apoiou nos braços da poltrona de Holmes e inclinou-se para encará-lo. –Menos em um conceito: Eu não procuro a solidão. É ela quem sempre me persegue!

—Interessante... –o detetive ergueu-se de pé. Estava tão mergulhado nas deduções próprias que nem percebeu o aborrecimento eminente na voz do Doutor. –Você é um mistério e tanto, Doutor, assim como seus atos! Não pense que não reparei no seu pequeno recolhimento de amostras do espécime que nos atacou mais cedo e nos disparos de bala cravados nas paredes do trem, hoje cedo, no vagão em que a porta emperrou... Parecia saber bem o que procurava.

O Doutor trincou o maxilar, também em pé.

Está supondo que eu fiz aquilo?

—Não estou supondo nada. –Sherlock retorquiu. -Até onde sei, todos aqui são suspeitos... Há vários sobreviventes á bordo. Poderia ter sido qualquer um...

—E mesmo assim, você implica em revirar meu passado e tentar desvendar os meus segredos, quando poderia ter sido qualquer um...

Holmes fez um gesto leviano com as mãos.

—O que está dizendo é absolutamente ridículo. Você não estava aqui no interrogatório dos demais passageiros... Como pode ter tanta certeza de que não passaram pelo mesmo procedimento?

Porque seu semblante cansado afirma que não conseguiu tirar informações relevantes dos outros passageiros!—o Doutor rebateu, pegando o detetive com sua própria investida: fazer uma dedução através da expressão do oponente. Touché. Eles estavam empatados. Por um momento os dois se entreolharam, sem rastros de traços de incompreensão nos rostos. O Doutor chegou a erguer as sobrancelhas e sorrir abertamente, ao perceber o que fizera. Holmes mordeu o lábio, parecendo extremamente surpreso com a atitude do Doutor, e ao mesmo tempo, um tanto inspirado; Até que suas linhas de raciocínio eram parecidas...

O detetive assentiu por um momento, sorrindo de leve enquanto assimilava a nova situação, então recomeçou, desta vez com a voz calma e controlada:

—Suas roupas, seu modo de falar, suas manias, o modo como se porta... Tudo em você são evidências, Doutor. Não preciso de muito para notar que você é um homem inteligente, solitário, inquieto e, evidentemente, um homem de muitos segredos... Esses tipos, para mim, são sempre os primeiros suspeitos da lista. –Holmes relatou, sério. -Mas, apesar de tudo isso, o senhor também é muito perspicaz, tenho que admitir... –elogiou Sherlock.

—Ora, brigado! –o Doutor sorriu de leve. –Embora você seja o maior especialista...

Holmes acabou permitindo-se sorrir abertamente.

—Obrigado, Doutor.

O Doutor deu uma olhadela para trás e vislumbrou a tenção no rosto de seus amigos, á distancia, então, para acalmá-los, ele fez um sinal de positivo com o dedo e todos suspiraram, aliviados. Depois voltou-se para Holmes, tentando propor uma parceria:

—Então você entende, não é? Não há mais tempo para interrogatórios, Holmes... –o Doutor ponderou. –Você sabe que eu sou inocente. Bem lá no fundo... Você olha pra mim, e alguma coisa diz isso pra você. Mas, como não tem evidencias suficientes, você rejeita esse pressentimento ao máximo, até que obtenha um argumento realmente convincente para me declarar inocente... –disse ele, na maior cara lavada. -Mas, isso não irá acontecer, á menos que fiquemos aqui trocando palavras o resto do dia...

Holmes pareceu refletir sobre o que o Doutor disse, levando seus argumentos em consideração. O Senhor do Tempo ficou parado na mesma posição, esperando a resposta do outro.

—Está propondo uma parceria? –Holmes indagou.

—É elementar. –o Doutor assentiu. O outro pareceu repensar, encaixando o dedo indicador entre os lábios, assentindo de leve.

—Então está certo. –Holmes cedeu, apoiando-se na poltrona. –Tem razão. Não podemos mais adiar essa investigação! Esse interrogatório já durou tudo o que tinha que durar...

É assim que se fala, Sherlock!—o Doutor saltou, comemorando.

—Holmes! –Watson apareceu á porta do vagão de interrogatório. Ao ouvirem a porta do vagão se abrir e a voz de Watson repercutir pelo espaço, Luisa, Melissa, Alicia, Olívia e John levantaram-se, já prevendo o encerramento da cessão. –Eu consegui acalmar Austin... Como é que está indo aí?—sondou Watson, dando uma olhada geral no espaço.

Sherlock e o Doutor se entreolharam.

—Pegue sua bengala, Watson. Temos trabalho á fazer!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Prontinhooooo galera! Capitulo postadíssimo!!

Yep... eu me empolguei escrevendo e interpretando o Holmes, porque gosto muito do personagem; inclusive na época em que escrevi essa aventura, eu li um livro do Sheerlock, além de ter me baseado bastante nos Sherlock e Watson de Robert Downey Jr. e Jude Law, e também nos mesmos interpretados por Benedict Cumberbatch e Martin Freeman, na série da BBC, que eu não podia deixar de assistir. E a propósito, eu adoro ambos, então vocês podem ter a liberdade de imaginar a dupla de Sherlock e Watson que desejarem.

E aí? Será que o Senhor do Tempo e o detetive consultor vão conseguir trabalhar juntos de agora em diante? Vamos esperar pra ver se essa parceria rola ou não.

Semana que vem continua...

Beijos!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.