Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 40
Em Roma Pechinche como os Romanos


Notas iniciais do capítulo

Hellooooooo! :3

"Agora que o Doutor e Luisa se acertaram, o caminho está livre para prosseguir com a investigação. Recentemente descobriram que alienígenas chamados Sontarans estão envolvidos.... O que será que eles pretendem?"



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Mesmo com o atraso causado por todo aquele contratempo, o Senhor do Tempo e sua companheira conseguiram seguir o rastro do alien, através da chave sônica, resultando em mais caminhos sinuosos, sem fim. Quando os pés de Luisa já gritavam por causa dos calos, eis que eles finalmente chegaram onde desejavam: no muro divisor.

—Por que estamos aqui?

—Não é óbvio? –o Doutor fitou-a cheio de energia, tateando o muro. –Ah, desculpe. Esqueci que ainda não havia me explicado... Bem, durante a última meia hora, estivemos procurando o sinal daquele Sontaran. Ele nos trouxe até esse lugar que, por coincidência, é justamente o tal muro divisor que o Marajá mencionara, onde as terras ainda não estão sendo utilizadas e, onde todos mais alegaram terem presenciado transmissões noturnas que atrapalham seu sono. Isso, sem dúvida, esclarece muita coisa...

—Está certo. Então estamos bem encaminhados... Com sorte descobriremos toda essa trama até amanhã e seremos libertados de uma vez por todas pelo Marajá! –Luisa lembrou, animada. –Mas ainda há uma coisa que você não explicou: O que é um Sontaran?

—Os Sontarans são guerreiros clonados, perfeitamente copiados, idênticos em muitas coisas, por assim dizer, especialmente em grande parte da aparência e na obcecação em seguir regras... Especialmente se elas envolverem uma guerra interplanetária com expectativa de morte no fim da batalha.

—Quer dizer o quê com “expectativa de morte”?

—Exatamente o que você ouviu: Eles esperam ansiosos pela oportunidade de lutarem e morrerem em batalha. –o Doutor deu de ombros. Luisa fitou-o incrédula, ele estaria mesmo falando sério? O rapaz prosseguiu indiferente: -É o ciclo de vida deles, ora essa! Assim como o seu é comer, dormir, trabalhar e... Bem, ver TV. Eles esperam tanto “pela glória eterna da batalha, preservada em seu último suspiro” quanto você espera para ter uma folguinha no fim do dia para descansar um pouco...

—Tá legal... Isso sim é estranho!

—Não reclame. Como acha que os alienígenas vêem você? Uma mísera poeira no cosmos. Não deve ser melhor do que isso...

Ei!—protestou ela. –Você quer manter uma amizade ou ganhar uma rival?—retorquiu, ofendida.

Ele sorriu por cima do ombro.

—Creio que não preciso responder. Preciso?

—Boa escolha. –ela pôs as mãos na cintura, atentada.

—Como é que se atravessa esse muro? –ele falava consigo mesmo, já distraído de novo em tatear o muro.

—Acho que devemos dar a volta... –a garota sugeriu, aproximando-se dele, ficado também cara á cara com o extenso muro. Porém, no meio do trajeto Luisa pisou em falso bem em cima de uma pedra de concreto mal fixada no solo e, de repente, tudo tremeu. O muro se abriu em uma passagem circular, bem na frente de seus olhos, revelando as extensões ainda não habitadas do planeta indiano, (ao som de *Bangra Jaya).

Pelas sete Luas de Nakan!—o Doutor exclamou fascinado. –Olha só o que temos aqui...

—Uau! –Luisa fitou a expansão do terreno infinito que continuava até o horizonte, cheio de criaturas como as que ela vira no banheiro e a do beco, espalhadas por todos os lados, na grande maioria das vezes, escoltando indianos por toda a localidade.

Abaixa!—o Doutor lhe puxou tão rápido que a garota nem teve tempo de manter o equilíbrio. –Eles podem nos ver...

—Doutor, o que é isso? –ela fitou o acampamento Sontaran, horrorizada. –Por que esses indianos estão cooperando? Estarão todos do mesmo lado?

—Acredito que sejam prisioneiros. Provavelmente foram capturados enquanto caminhavam pela ruas, na madrugada...

—Doutor, aquele Sontaran que vimos no beco disse que o menino era um Dalit... Seriam eles todos Dalits?

—Acredito que sim. -o amigo contraiu o rosto em uma careta. –Estão usando-os para alguma coisa... Os Sontaran podem ser muitas coisas, mas não são burros. Eles sabem o que querem e farão tudo o que for preciso para alcançarem seu objetivo...

—Hã! Como todo bom e velho vilão... –Luisa tirou sarro.

—Mas tem algo por trás de tudo isso... –afirmou, pensativo. –Eles não capturariam essas pessoas por qualquer motivo. Tem que ter um propósito...

—São todos Dalits, você disse –lembrou Luisa. –O Marajá disse que os Dalits não têm casta. Que não eram importantes... Chanty disse que foram eles que armaram o incêndio contra o Taj Mahal. Pense um pouco Doutor: Haveria alguma possibilidade desses homens rejeitados pelo seu próprio povo terem se voltado contra os indianos, juntado-se ao inimigo?

 O Doutor arregalou os olhos para ela, então deu um tapa na própria testa.

Ah, garota! Por que não pensei nisso antes? –ele se agitou todo ao lado dela, de um jeito bom. –É obvio que eles querem algo com esse planeta... E a melhor forma de invadir um povo e destruí-lo, é encontrar uma fraqueza evidente nele. Os Dalits são rejeitados desde muito tempo pelo povo indiano... No máximo os Sontarans devem ter prometido alguma coisa aos pobres coitados... Algo como melhor oportunidade de vida, ou de vingança. Sim! Qualquer pessoa que se preste teria idéias distorcidas sobre os que a evitam... Os Dalits não fariam diferente! Os Sontarans usaram isso para move-los... Não me admiraria se alguém dissesse que a grande maioria se voluntariou para o trabalho... –o amigo falava sério, fazendo uma longa pausa após sua última fala. Luisa fitou-o depois de um longo tempo: agora o Doutor cerrava os dentes, sem tirar os olhos das terras dominadas pelo inimigo, nem por um instante. Sem pestanejar, ele continuou: -Mas, mesmo com a grande massa cooperando, é claro que alguns não iriam querer participar do motim... Isso também explica porque Nyha foi trazido para cá, aparentemente á força.

—Quem é Nyha?

—É um amigo meu... –o Doutor esclareceu, ainda com os olhos cravados em um ponto fixo. –Nos conhecemos na festa do Taj Mahal, enquanto você se trocava e Melissa “Vivia Lá Vida Loca”... –ele passou a língua na bochecha, fazendo volume na boca. –Ele também é um Dalit.

—Por acaso não era aquele garotinho que vimos mais cedo, sendo escoltado pelo Sontaran no beco escuro, era?

Ele inclinou-se para ela.

—Acertou em cheio.

—Deduzi pelo seu olhar. Parecia ter ficado meio mortificado ao mesmo tempo que reclamava por justiça... –ela esclareceu. –Era um brilho bastante interessante...

—Brilhante dedução... –ele desviou os olhos, então fitou-a com um meio sorriso. –Uh! Você é boa! A Índia fez mesmo muito bem à você...

—Obrigada –ela sorriu, em agradecimento. Então voltaram a se concentrar na causa principal: -Então é isso mesmo: Todos os Dalits, queiram ou não, estão sendo recrutados para se voltar contra seu próprio povo?

—É o que parece... –o Doutor depositou a língua no céu da boca, pensativo. –Engraçado os Ood não estarem metidos nisso... Geralmente eles são os primeiros em quem o “santo baixa”...

—Os quem? Que nome mais estranho...

É, essa é mais ou menos a idéia. –contou o rapaz. -Os Oods são humanóides com cabeça de polvo, dois grandes olhos engraçados, tentáculos no lugar da boca, e uma bolinha brilhante interativa, nas mãos. Você deve tê-los visto durante a festa...

—Acho que sim... –Luisa tentou se lembrar. –Eram os garçons, não eram?

—Eles mesmos! –ele concordou. –Conheço os Ood já de outro tempo... Mas, apesar de sua lealdade aos humanos, nunca foi possível se esperar muito deles...

—E isso é importante? Quero dizer, esses Oods tem algo a ver com isso tudo?

—Não. Foi só um comentário retórico, que você pode ignorar se quiser.

—Tá legal. –Luisa foi direto ao ponto. –Então, com tudo isso que descobrimos, vamos ficar aqui sem fazer nada? Vamos surpreendê-los com um ataque surpresa ou vamos voltar ao palácio do Marajá? –a garota fez um gesto amplo com as mãos. -Tenho certeza que ele ficaria satisfeito conosco se disséssemos o que descobrimos sobre suas terras não habitadas... E como elas já estão sendo muito bem habitadas á suas custas...

—Não. Isso só pioraria as coisas –retorquiu o Doutor. –Do jeito que ele é exibicionista, tomaria providencias antecipadas, começando uma guerra contra os Sontarans e os Dalits...

—Uma guerra?

—É o que eles querem. Talvez tudo isso nem seja exatamente por conta das terras... Os Sontarans são loucos por uma batalha... Talvez queiram estipular um conflito interplanetário só para matar o tempo... A gente nunca sabe.

—“Matar o tempo...” –Luisa riu. –Acho que nunca irei me acostumar de verdade com o jeito de pensar destes Sontarans...

—Não é só isso: Chanty disse algo sobre os Gregipciomanos estarem ameaçando seu planeta, afirmando que algo não os deixa dormir á noite... –ele encarou-a propositalmente. –O que isso poderia significar?

Peguei vocês, escória humana!—guinchou uma voz atrás deles. Ambos se viraram ainda á tempo de ver a carranca em um rosto marrom e completamente sem pelos, como uma batata lisa, provida totalmente do capacete. O resto do corpo estava coberto pela já conhecida armadura azul. Luisa engoliu em seco. A criatura apontou-lhes a arma de três bocas em sua direção –Coloquem as mãos na cabeça, vamos! Agora serão nossos prisioneiros...

Tudo bem, agora estamos em apuros...—ela confidenciou ao amigo, em meros murmúrios.

—Está bem, mas primeiro seja um bom anfitrião e nos esclareça uma dúvida, vai: Por que a existência daquelas torres imensas apontadas para o céu?

São nossos transmissores. Orgulho da raça Sontaran! Faremos história com ele...

—E o que vocês pretendem?

No momento, fazer vocês fecharem a boca!—ralhou o Sontaran, alvoroçado, avançando contra os dois.

Não, não! Espera aí! Espera só um pouquinho... Eu vou ser bem rápido, tá legal?—apreçou-se o Doutor. –Como seus prisioneiros, nós temos direitos a um telefonema... Mas, já que não temos nenhum telefone aqui com a gente, então vamos partir para o interrogatório direto –ele posicionou-se. –O que vocês, Sontarans, pretendem fazer enviando um sinal á noite para o planeta vizinho? Arranjar aliados eu acho difícil: os povos gregos, romanos e egípcios não são muito do tipo que ajuda alguém... Eles estão mais para o tipo que coloca a cara pra bater, entrando de cabeça na briga... Não quero parecer enxerido, mas se continuarem assim acabarão ganhando mais um rival na briga... O que dificultará ainda mais a sua conquista sobre este planeta, eu suponho?

Você supõe errado, escória! Todos os humanos são burros como você?

—Ah! Eu não sou humano, então vê se dá um desconto... –ele inclinou a cabeça, semicerrando os olhos distraidamente.

Não é humano? E que diabo você é?

—Eu só digo se você responder a minha pergunta primeiro... –jogou o Doutor, estratégicamente.

Não faço negócios com outras espécies!—respondeu o outro de imediato.

—Tudo bem então... Você irá me matar de qualquer jeito não é? Que problema terá em revelar seus planos à um homem morto? Menino levado, tem medo que eu volte de noite para puxar seu pé?—atentou o rapaz, sorrindo imponente. O Sontaran enrijeceu. –Vamos lá... Eu já estou muito velho e particularmente acabado. Você irá me matar a qualquer custo mesmo, então para que recusar me dar informações?

O Sontaran demorou-se, mas no fim das contas, baixou a arma. Luisa fitou o amigo com orgulho: “Garoto esperto!”.

É uma nova tática de batalha criada pelo comandante Sontar Frins da terceira frota oficial...—ele tagarelou. O Doutor revirou os olhos, fazendo movimentos ágeis com as mãos.

—Tá legal... Podemos pular essa parte? Vamos tentar terminar isso antes que eu morra de tédio...

O general Sontar criou essa torre de transmissão. O objetivo é atrair a atenção dos humanos vizinhos, criando uma rixa entre os dois planetas.

—Acho que já entendi a estratégia... –o Doutor comentou. –Mas o que pretendem com isso? Irritar os vizinhos não me parece uma tática muito boa...

É nossa melhor abordagem! Se ambos se enfrentarem, alguém sairá perdendo... Tomaremos o planeta perdedor todo para nós e então começaremos uma leva de clones Sontarans, para depois tomarmos toda a galáxia...

—Ah! Sim... O velho truque do “provocar um contra o outro e depois assistir tudo de camarote”. Espertinhos vocês, não? Mas isso é intrigante... Não é o tipo de abordagem que eu chamaria de “estratagema Sontaran”.  –ele fitou Luisa, incrédulo. -Francamente! Eu esperava mais dessas batatas velhas desidratadas...

A garota riu sem querer e o guerreiro se ofendeu, apontando-lhe novamente a arma.

Vocês devem pagar por sua insolência perante a mim!

—Tá bem, mas antes me diga uma última coisa: E quanto aos Dalits? Os indianos que vocês transformaram em seu “segundo exército particular”. O que pretende fazer com eles depois que tudo acabar?

O que sempre fazemos com os humanos desprezíveis: Nós os descartaremos! Eles serão rebaixados à escravos até que julguemos ser suficiente, então nós os mataremos.

—Nossa, que profundo. Coisa bonita de se dizer... Que poético!—disse o Doutor irônico, coçando um dos olhos. –Gostaria de ter um gravador aqui para poder guardar essa pequena frase de lembrança... Quem sabe até voltar no tempo e mostrar aos pobres dos Dalits a verdadeira intenção de seus mestres Sontarans... Mas eu não poderia querer tanto. –então voltou-se para Luisa, subitamente. –Por que, por acaso, nós não teríamos um gravador aqui com a gente, teríamos senhorita Parkinson?

—Minha bolsinha ficou lá no palácio... Hoje estou dura em elementos surpresas. Desculpe.

—Tudo bem, não custava tentar –ele fungou, indiferente. –Então, supondo que vocês “conseguissem executar esse seu brilhante plano”, qual seria o objetivo final? Por qual causa maior vocês estariam se desdobrando tanto por um simples planetinha...? Há bilhões como este por todo o espaço. Bilhões. Ainda por cima desabitados... Por que resolver escolher logo esse? Porque, fala sério, é muita especulação para pouco conteúdo...

Esse é o único planeta que tem o que precisamos. Nenhum outro é compatível...

—Compatível? –Luisa interveio. –O que isso significa?

Esse planeta está acabado. Sua civilização está quebrada. É o mais fácil de ser dominado... Eles não tem mísseis. Não tem armamento. Não haverá repressão sob a nossa custódia. Eles se unirão á nós e nos ajudarão na conquista de seu próprio povo, com a falsa promessa de serem libertos no final. São todos muito atrasados... Ignorantes! Nossa vitória será fácil, apesar de não apreciarmos isso... Mas será estimulante, afinal, depois teremos tempo para nos concentrarmos no nosso triunfo principal: Nossa Conquista Universal!

O Doutor estalou a língua, mordendo metade dos lábios, em uma pose descrente.

—Não conte tanto com isso. Lembre-se que na vida sempre á empecilhos...

Ah é? E que tipo de empecilhos os Sontarans teriam?—o outro riu de prazer, do comentário do Doutor.

—Alguma coisa tipo Eu, por exemplo –o Doutor sorriu amigavelmente, então começou a tagarelar. -Sabe o que é o mais interessante sobre vocês? –instigou o Doutor, chamando toda a atenção novamente para si. –É que os Sontarans tem uma fraqueza muito precisa, bem em um orifício atrás de sua cabeça... É um lugar extremamente sensível e fatal para um guerreiro Sontar, se for atingido nele...

Você deve estar blefando... Como sabe tanto sobre nós?

O Doutor segurava a chave sônica na mão, ás costas. Lançou um olhar rápido à Luisa e retirou seu elástico de cabelo de seu pulso (a única coisa que trouxera com ela além da toalha amarrada junto do corpo), sem que o inimigo percebesse, distraindo-o com sua tagarelice. Ele se abaixou de relance, fingindo estar mexendo no pé, enquanto apanhava uma pedrinha pequena do chão. Sempre falando para mantê-lo ocupado:

—Sou um Senhor do Tempo. Não sei exatamente onde estamos, mas se há Sontarans aqui, então vocês já devem ter ouvido falar neste nome... –ele esticou o elástico contra a chave sônica e colocou a pedra neste, formando um estilingue. -Eu sou o Doutor, e sou seu pior pesadelo!

A pedra voou, passando direto pela criatura, desviando do alvo, depois ricocheteou em uma árvore á suas costas e atingiu precisamente o orifício mencionado causando uma paralisia imediata no ser, fazendo-o cair no chão de bruços.

Maldição!—reclamou o soldado Sontaran, pego desprevenido. –Rendido pela escória! Esse mundo está cada vez mais perdido...

—Quieto! –o Doutor cutucou-o com a arma, sem fincar os dedos no gatilho. –Diga-nos, para quê precisam mudar de estratégia? Desde que os conheço, os Sontarans costumam encarar uma guerra de cara limpa... Por que então, desta vez, preferem ficar assistindo tudo de camarote, sem quase interferir?

Porque... Estamos em poucos. A batalha é decisiva para a criação de novos clones e a preservação de nossa raça. Se nos arriscarmos agora, então ficaremos sem progenitores...

—Ah! Então quer dizer que vocês estão em um número pequeno... Bom! Isso é muito satisfatório comandante... Então, de quantos Sontarans exatamente estamos falando?

Dois milhões...—o outro gemeu, arfando contra a arma em sua cabeça.

—Dois milhões? Eu esperava um número mais animador, como cinqüenta guerreiros, ou quem sabe nove. É, nove é um número bom...

—Dois milhões? –guinchou Luisa alarmada. –Nove guerreiros poderia até ser o ideal para você, mas com o trabalho que estamos tendo com esse um, acho que a probabilidade de não existirem “nenhum guerreiro”, me parece ainda mais tentadora... -ela olhou para trás, certificando-se de que ainda continuavam sozinhos. –Não podemos perder mais tempo... Temos que voltar para o palácio agora, Doutor! O Marajá precisa saber o que lhe espera...

—Não precisamos dele, Luisa! Temos o apoio dos maiores especialistas no assunto: Nós mesmos. Eu sugiro que voltemos apenas para chamar Melissa e Nik. Estaremos em maior vantagem se contarmos com a ajuda deles...

—Quatro contra dois milhões ainda me parece uma baita desvantagem... –interveio Luisa, descrente. –As estatísticas dizem que nossa situação não é nada boa... Não estou gostando nada disso.

—LUISA!!! –o amigo pulou sobre ela, jogando-a no chão ao perceber um novo guerreiro Sontaran resurgir sobre suas costas.

Mas algo aconteceu nesse ínterim de tempo, pois ele também veio ao chão, na seqüência seguinte. Apenas quando os dois amigos olharam para cima, que viram Nyha á observá-los com uma tábua nas mãos.

—Nyha! Bom garoto... –parabenizou-o o Doutor.

Chukriá. Obrigado Doutor... –disse o menino sem jeito, atirando a tábua no chão e desatando á ajudá-los a se levantar. –Baguan Kelie! O quê houve com suas roupas...?

—É uma longa história Nyha... –o Doutor desalinhou os cabelos do menino, fazendo-lhe um cafuné. –Oh! É mesmo... Esta é Luisa, minha companheira. Acho que vocês ainda não foram devidamente apresentados...

—Oi! –Luisa estendeu-lhe a mão. Ele hesitou em apertá-la. –Qual o problema? Minhas mãos estão limpinhas, pode conferir! –ela brincou.

—Não é isso, senhorita. –ele fitou-a com cuidado. –Também não tem medo de ficar poluída como todos os outros?

Luisa agachou-se perto dele e sorriu.

—Eu não sou como os outros. Nem sou qualquer pessoa. Eu e o Doutor somos... Excepcionais!—sendo assim, o garoto apertou sua mão com o maior prazer, ao mesmo tempo que ela fitou o Doutor, descontraída, ainda procurando os efeitos da diversão em seu rosto...

—Pode crer! –o Doutor concordou sorrindo de canto de lábios, fazendo um “paz e amor” com as mãos. –Agora que vocês já trocaram telefones, precisamos sair daqui o mais rápido possível... Não sei quanto á vocês dois, mas o cheiro de guerra presente no ar já está começando a revirar o meu estômago...

 

*   *   *

Refizeram o caminho todo, até novamente encontrarem o túnel com vaga-lumes púrpuras. Atravessaram-no e chegaram novamente ao banheiro do palácio, desta vez acompanhados por Nyha. Na mesma hora em que o fizeram, desataram a sair do espaço, rumo aos corredores cheios da luz do dia, com a promessa de não retornarem ao aposento tão cedo. Já haviam vivido emoções por um dia inteiro, no interior daquele banheiro...

—Precisamos encontrar a Méli! Ela e Nik poderiam... –mas antes que Luisa acabasse de falar, e totalmente por acaso, os dois amigos mencionados vieram direto ao seu encontro na esquina do corredor. –Méli!!!

—Qual é a boa? –a amiga sorriu abraçando-a forte. –Que história foi essa de você desaparecer? Nik e eu já estávamos pensando que tivessem se mandado naquela caixa maluca e nos deixado para trás...

—Ah! Isso nunca me passou pela cabeça... –o Doutor provocou, fazendo-se de inocente.

—Se você tivesse partido, eu não me importaria... –ela acrescentou enfática, para ele, enquanto abraçava a amiga. –Aproveitando que você tocou no assunto: Por que ainda estamos aqui? Não podíamos ter dado uma de manés e termos dado no pé durante a noite?  Não é por nada não, mas esses caras farão picadinho de nós hoje... Como esperam que nós, sozinhos, descubramos que peripécias acontecem nas terras desabitadas deles? Eles acham que somos o quê: O gênio da lâmpada mágica?

—Gênio da lâmpada...? –Nyha surgiu de trás do Doutor. –O que é um gênio da lâmpada...?

—Quem é esse guri? –indagou Melissa, fitando Nyha.

—Esse é o Nyha, um amigo nosso... Ele está com a gente agora. –disse o Doutor. –Nyha, conheça Melissa. Hã... A nossa... Encrenqueira particular. –ele passou a mão na nuca, refletindo sobre qual seria o melhor termo. –A melhor amiga da Luisa...

Atchá! Namaste senhorita –ele se curvou com as mãos unidas. –Muito prazer em conhecê-la...

—O prazer é todo meu. –ela se inclinou, dando um beijo em cada bochecha sua, deixando-o corado. Quando ela se ergueu, fitou o espaço ao redor e logo notou que algo estava errado. Percebeu só agora, que o Doutor estava apenas de toalha, e que, surpreendentemente, a amiga também estava de toalha. Se cérebro fez conexões pretensiosas... Sem disfarçar nem nada, Melissa encarou-os acusatoriamente: -O que vocês andaram aprontando essa noite, quando eu não estava por perto...? –suas sobrancelhas se ergueram tanto que chegaram á se esconder atrás da franjinha dourada de Melissa.

—Não é nada que você possa imaginar... –disse o Doutor, sendo pouco claro.

Ah! Meu Deus! Vocês dois juntos... Argh!—ela contorceu o rosto, fazendo uma careta.

CLARO QUE NÃO!—gritaram o casal em uníssono, trocando olhares nervosos.

—Méli, pare de pensar bobagens! –Luisa puxou a amiga para perto de si. –Precisamos de você e de Nik, agora. Eu e o Doutor encontramos um holograma no banheiro feminino... Atravessamos o portal e re-surgimos em um túnel coalhado de vaga-lumes púrpuras... Nós discutimos, nos reconciliamos, bem... É isso. Saímos do túnel e encontramos o tal muro divisório que o Marajá mencionara... –ela parou, os olhos cheio de expectativas: –Já descobrimos o que está tirando o sono dos Gregipciomanos...

—A boa noticia é que descobrimos quem está fazendo isso –o Doutor ponderou. –A má notícia é que é alienígena.

—Vocês descobriram tudo isso em uma noite? –indagou Nik para o Doutor e Luisa, impressionado com suas descobertas, balançando o rabo de um lado para o outro, freneticamente. –Uau... Vocês são bons!

—Um Kutta! Are Baba... O cachorro fala!!!

—Ele é Escocês... –inventou o Doutor, em uma explicação tosca. Não poderia simplesmente dizer ao garoto que usara sua chave sônica no animal, encontrando a frequência exata e uma função nova que, ao ter a polaridade invertida e o dispositivo central travado, proporcionava ao cão a possibilidade de falar...

Melissa voltou-se para a Luisa, rindo sem parar.

—Amiga... Conta mais sobre essa história: Quer dizer que o “cabeça de vento” do Doutor estava no banheiro feminino?—a garota teve um ataque de riso instantâneo. Teve até que apoiar-se em Luisa para não perder o equilíbrio. O Doutor girou os olhos nas órbitas.

Mas será que vocês humanos só sabem dar atenção à fatos sem importância?—ele fitou Luisa, indignado. -Parece que sua amiga não ouviu uma palavra depois que você disse a junção do meu nome com as palavras “banheiro feminino”... Vá por mim! Faça um teste: pergunte à ela qualquer coisa relacionada a qualquer trecho posterior ao que você tenha mencionado... Duvido que ela se lembre de algo.

—Pelo menos eu não sou um maluco espacial cheio de si, como você! –ela retrucou.

—Então é verdade... Você não é mesmo como nós Doutor. –concluiu Nyha. –Quando você disse que era diferente dos demais... Baguan Kelie! Estava sendo literal...

—Eu não sou humano. –ele esclareceu. –Mas isso não me impede de querer ajudá-los...

—Vá se acostumando Nyha –instruiu Luisa, colocando a mão em seu ombro. –Se for fazer parte do nosso time, então você tem que saber que surpresas estão sempre em questão com a gente...

—Incrível! –Nyha fitou o Doutor ainda mais impressionado. Parecia ver nele um tipo de modelo heroico á ser seguido. –Quando eu crescer, espero ser tão corajoso quanto você!

—Que bom ouvir isso! –o rapaz ficou lisonjeado.

—Cuidado Nyha –avisou Melissa. –Ele está começando a ficar convencido de novo...

—Vamos lá equipe! –o Doutor agitou-os, ignorando o comentário de Melissa. –Vamos à luta! Precisamos traçar um plano aqui, e agora.

Chanty surgiu no corredor e o Doutor parou de falar.

Graças aos deuses eu encontrei vocês! Eles declararam Guerra contra nosso povo! Os Gregipciomanos todos, eles... –ela arfou, aproximando-se deles, mas seu rosto se tornou amedrontado ao fazê-lo e ela imediatamente pareceu esquecer o que dizia: -Baguan Kelie! Um Dalit!

—Antes de ter um surto, acalme-se e me escute –o Doutor segurou-a pelo braço, de leve. –Ele está com a gente. Vai nos ajudar a deter o inimigo. Chanty... Na situação em que estamos, ninguém pode mais se dar ao luxo de ficar evitando ninguém. Depois do que vimos essa manhã... Sabemos que seu planeta inteiro corre perigo. A Índia inteira está sendo ameaçada e ela é o lar de ambas as castas... –Chanty fitou o menino, que olhou-a de volta, encolhido. –Então pare de ficar resistindo á essa lei estúpida e faça o que é certo! Forme forças com esse garotinho. Mostrem de uma vez por todas que vocês são um povo unido! Vá por mim, o quanto antes fizerem isso, melhor será para o futuro de seu povo...

Chanty olhou para o menino, com receio. A vida inteira havia sido ensinada a desprezar os Dalits, mas agora estava sendo obrigada a reconhecê-los como um igual...

—Vamos garota... Ele é humano como você. Prove que uma regra idiota não significa nada... –continuou o rapaz, empenhado em fazê-la mudar de idéia. –Vamos... Chanty, eu sei que você é melhor que isso. Sei que é melhor que seu pai... Você nos trouxe aqui na tentativa de salvar seu povo... Você insistiu que ficássemos! Você acreditou em nós... Agora nós temos um plano e, mais do que nunca precisamos de sua participação nele –o Doutor fitava-a com ansiedade. –Agora, faça o que eu digo: De o primeiro passo. Você consegue fazer isso... Eu sei que consegue!

Desculpe...—a menina afastou-se deles, recuando vacilante, pelo caminho por onde viera. Uma lágrima escorreu por sua bochecha. –Eu... Não posso mesmo. Me desculpem.

E saiu correndo em disparada, sem olhar para trás. O Doutor esvaziou o ar dos pulmões, baixando a cabeça.

—Doutor –Luisa encaixou o braço no seu e colocou a outra mão em seu ombro. –O que faremos agora sem ela?

—Estamos sozinhos nesta... –ele disse, fitando o fim do corredor, depois suspirou e voltou-se para Luisa. –Bem, de volta ao plano inicial. Não precisamos dela.

Ele juntou-se com o restante do grupo e Luisa veio vindo mais atrás, devagar, fazendo hora. Continuava olhando a outra extremidade do corredor, por onde Chanty surgira e também partira, como se esperasse que ela resurgisse de repente, alegando ter pensado melhor no assunto, ou algo do tipo. Luisa conseguira ver a decepção estampada nos olhos do amigo e isso a incomodava muito, pois ele acreditava nos seres humanos. Acreditava demais... Mas agora, vendo Chanty dar-lhe as costas daquela maneira, Luisa chegava a crer que eles já não mais faziam por merecer.

 

*   *   *

Com tudo engatilhado para sua deixa principal e com todo mundo reunido (a não ser Chanty), o Doutor decidiu começar a mostrar algumas de suas idéias. Deixou tudo muito claro e extremamente objetivo: Teriam que, á principio, conseguir um maior número de pessoas para colocarem seu plano em prática. Era obvio que precisariam parar o exército inimigo, (que se mostrava muito mais equipado que eles naquele momento, já que contava com a ajuda de dois milhões de soldados Sontarans, além dos Dalits), e para isso ele contava com a ajuda dos únicos que não poderiam faltar nesta festa: os Gregipciomanos. Eles que estavam prestes a travar uma guerra interplanetária com o planeta indiano, ainda poderiam lutar ao seu lado, se as coisas fossem muito bem esclarecidas ainda há tempo e eles conseguissem provar que os indianos não tinham nada a ver com aquelas transmissões noturnas que os estavam deixando enlouquecidos.

É claro que isso envolveria um pouco de trapaça temporal: Ele precisaria retornar ao passado com a TARDIS para tentar reverter essa suposta rixa entre os planetas, quando as acusações não passavam de um mero murmúrio, dentre a população Gregipciomana.

Ele encarregou Luisa e Melissa de entrarem pelo túnel holograma outra vez, através do espelho, e chegarem ao muro divisório. Nik e Nyha também ajudariam, podendo ambos escoltarem-nas pelos becos até o lugar certo (tendo Nik o melhor faro e Nyha a melhor memória). Lá eles ficariam observando a movimentação e deixando o amigo por dentro de tudo, através de walk-dolquies e celulares (que funcionavam graças a expansão de sinal que a chave de fenda sônica lhes proporcionava). Assim, eles poderiam estar se comunicando com ele na TARDIS, a hora que fosse, na distância que fosse, sempre informando-o das novas mudanças que sua alteração no passado causara. 

Não havia muito mais que se planejar... Agora era só deixar acontecer.

—Tudo bem pessoal... Todos prontos? –o Doutor puxou o coro de grito de guerra da equipe, estendendo a mão no centro da rodinha formada por seus corpos, esperando que todos fizessem o mesmo. Rapidamente, todos o imitaram com agilidade e excitação. –Certo... Vamos fazer história! De novo.—ele sorriu, meio atrapalhado, caminhando na direção contraria á de todo o restante do grupo.

Luisa percebeu, ainda em cima da hora, uma grande diferença de distribuição de forças da equipe pender para apenas um lado, de modo que o amigo ficara sozinho...

—Doutor, espera! –ela alcançou-o, em várias passadas. Ele coçou a orelha e a olhou, intrigado.

—Eu esqueci alguma coisa?

—Esqueceu –ela fez uma pausa não pensada. –De mim. Quero dizer, você vai sozinho na TARDIS...

—Pensei que tivéssemos combinado que você iria com os outros...

—Eu também pensei. Mais isso foi antes de eu me dar conta que você iria fazer tudo sozinho...

—Não se preocupe. Só vou retornar alguns meses antes de tudo isso começar a acontecer... Vai ser fácil.

—Eu pensei que a TARDIS estivesse inativa dentro desta realidade...

—E está. Tratando-se da realidade afora desta. A de onde viemos. –ele explicou agilmente. -Não há como manter nenhuma viagem pela nossa antiga linha do tempo porque esse universo não é o nosso. Também não seria possível travar um vínculo entre o vórtice desta realidade para abrir caminho para a nossa realidade. São dois extremos totalmente opostos. Isso com certeza causaria um desequilíbrio quântico entre as realidades, o que não queremos ver acontecer... –ele argumentou, sabiamente. -Este universo é novo e a TARDIS ainda não está totalmente habituada á ele. Um pulinho até a lua alternativa deve bastar para estabilizá-la aqui... Esta realidade está novinha em folha. A superfície nunca foi aranhada por uma TARDIS... O caminho deve estar livre para possíveis investidas...

Luisa o abraçou forte, antes que ele concluísse o pensamento, pegando-o de surpresa.

—Boa sorte então –ela desejou, lançando-lhe um sorrisinho desapontado. Então, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela deu-lhe as costas e voltou-se para o outro extremo do corredor, para ficar junto de Melissa, a única ainda parada á porta do banheiro, esperando-a pacientemente. Afinal, o jogo só começaria quando o Doutor começasse a fazer as mudanças. 

—Até mais –ele balbuciou, de maneira quase inaudível. Então também virou as costas e correu feito louco, á caminho de sua TARDIS.

A viagem foi conturbada. Assim que entrou na cabine, (que espantosamente estava no mesmo lugar que antes, na fachada do palácio do Marajá), o Doutor se trocou, vestindo uma de suas roupas favoritas: camisa social, gravata-borboleta, suspensórios, casaco marrom, calça preta e tênis azuis. Depois disso, as coisas meio que saíram do controle. Quando o Doutor deu por si, estava correndo em volta do painel de controles feito uma barata tonta, tentando a todo custo manter o curso e a estabilidade da nave. Puxou todas as alavancas ao mesmo tempo, torceu uma manivela, digitou as coordenadas desejadas no teclado da máquina de escrever enquanto pressionava os botões verdes usando o cotovelo, desentarraxou uma válvula condutora com a boca, ativou uma penca de interruptores com o queixo, acionou o freio de mão com os pés, girou os discos receptores como um J.D. enlouquecido faria, atingiu um relógio despertador, bem na base do painel de controles, com um martelo de ponta dupla, estabilizando o vôo, fitando ainda o ponteiro do mostrador que tremia descontroladamente, seguido por um Pim idêntico ao apito de um microondas, que finalizou o processo. Em pouco tempo a cabine aterrissaria, mesmo que fosse de modo desajeitado.  Um baque gigante e inesperado o fez cambalear e ser obrigado a se segurar nos corrimões circulares da base alta do painel de controles. Ele acabou desequilibrando-se. Quando abriu os olhos já estava no chão, mirando o teto roxo-azulado do console, tão lindo quanto o próprio universo, coalhado de luzinhas pequenas que imitavam estrelas, e também, de cabos auxiliares e colunas desproporcionais, que afetavam toda a esplêndida imagem do infinito contida nele, transformando a vista toda num pequeno caos, que apesar de tudo, não deixava de ser harmônico. Ergueu o corpo até conseguir sentar-se, recebendo de imediato toda a claridade alaranjada que a cabine emanava, banhando seu rosto e deixando-o da mesma cor. O rapaz praguejou por sua queda, erguendo o corpo de um salto do chão e estalando os suspensórios agilmente, de modo a passar correndo como o vento por entre a extensão do espaço, até finalmente alcançar a porta.

—Volto já querida –ele sorriu de canto de lábios para a cabine, que continuou quietinha, sem emanar um só ruído. Ele cruzou a porta e fechou-a, todo cuidadoso, então virou-se para contemplar a vista ás suas costas e assustou-se.

—Como você fez isso? –indagou uma voz próxima dele, do nada.

Ai! Deus do céu!—ele gritou por causa do susto. Só depois de um pequeno intervalo de tempo é que foi capaz de reconhecer a pequena figura de Nyha, parado á sua frente, observando-o. –Nyha! Nunca mais me assuste desse jeito... Meus corações quase tiveram um AVC!

—Desculpe. –ele pediu, visivelmente abalado. –Mas, como o senhor sabe meu nome?

—Que é isso, Nyha? E isso é lá hora para brincadeira? –ele encarou-o com as mãos nos quadris. -Como foi que me seguiu até aqui? Eu fui bem claro quando disse que você devia ficar com Nik e as garotas...

—Nik? Que garotas...? –o outro franziu o cenho, confuso.

NOSSANik e as Garotas”. Parece até nome de banda de rock aposentada dos anos setenta...—grunhiu o Doutor para seus botões.

Uma ruga se cravou na testa jovem de Nyha, confrontando sua pouca idade.

—Banda de rock? Desculpe, mas não sei do quê o senhor está falando... Nós nos conhecemos? Talvez tenha me confundido com outro...

—Eu sei exatamente quem você é Nyha! Pare de palhaçada... –e tocou-o no ombro. O menino se esquivou no mesmo instante. O Doutor estranhou sua atitude.

—Senhor... Eu sou um Dalit. Não deve se aproximar de mim desta forma! –ele olhou assustado de um lado para o outro. –Se alguém me pegar falando com um homem de casta...

—Eu não tenho casta! Sou totalmente independente –ele chacoalhou a cabeça. -Do que está falando Nyha? –ele deixou formar-se um V em sua testa. -Não tente me enrolar, que eu sei muito bem que nós dois já tivemos essa conversa antes... Ou será que foi um déjà vu? Minha cabeça está confusa... Pensei ter viajado pelo tempo, mas também posso ter optado por comer uma flor de Lótus... 

—Perdoe-me senhor, mas eu nunca o vi antes.

—“Doutor”. É tão fácil de se pronunciar? Repita comigo: Dou-tor! Doutor. Será que é tão difícil de se lembrar...???

—O senhor é um mágico?

—Não –ele revirou os olhos. –Sério que quer dar uma de “esquecido” justo agora que mais preciso me concentrar na abordagem... Ah! Aaaaaah!—só então ele compreendeu o que estava acontecendo: aquele não era o Nyha que ele conhecera no dia da festa do Taj Mahal, era o Nyha de meses antes ao dia em que se conheceram verdadeiramente. Agora ele entendera a referência que o menino fizera na primeira vez que se viram, quando perguntou se ele não era “aquele mágico”. Era óbvio que estava se referindo á sua aparição inesperada com a cabine azul naquela devida noite onde, agora supostamente, teriam se visto pela primeira vez. Sua cabeça rapidamente começou a raciocinar: Tudo tinha a ver com aquela coisa de “mudar o curso da história” de novo... Algo sobre eventos que se completam fora de ordem. Algo sobre “pontos fixos no tempo”, também lhe passou pela cabeça, mas esse não era o caso. As duas primeiras opções ainda prevaleciam. O Doutor demorou tanto para fazer as conexões necessárias que chegou a pensar que batera a cabeça forte demais no chão do console da TARDIS, quando caíra ainda á pouco.

—Você surgiu do nada nessa caixa... Engraçado, parece madeira...—o menino deu pequenas batidinhas na lateral do objeto e o Doutor o repreendeu pelo ato.

—Ei! Cuidado com a “lataria! Não queremos aranhar a pintura... –ele disse com a voz cheia de emergência. –Além do mais, ela não gosta de ser tocada por estranhos... E você é um estranho para ela. Não se esqueça que ainda não foram devidamente apresentados...

Lataria?—o menino riu casualmente. –O senhor é engraçado... Como disse que se chamava mesmo? 

O Doutor se agachou ao seu lado, para poder ficar do seu tamanho.

—Esqueça isso. Temos assuntos mais importantes para tratar –ao longe ouviu-se um estrondo, como se uma bomba houvesse estourado. O Doutor se encolheu. –Que droga foi essa?

—São os outros Dalits... –o menino gaguejou aflito. –Eles andam descontrolados! Estão todos com idéias estranhas... Planos revolucionários. Acham que queimando ou explodindo acervos e templos indianos conseguirão subir na vida, não sei de onde é que tiraram isso! De repente todos querem mostrar que um Dalit tem voz, mas o fazem da forma mais bárbara possível... –ele baixou o olhar.

—Há quanto tempo isso vem acontecendo?

—Desde que o irmão Shvan chegou. Ele é um Dalit também, mas julga saber mais que os outros... Ele diz que tem visões futuras que envolvem um povo indiano mudado, com os Dalits tendo direitos iguais... –ele riu de nervoso. –Mas isso nunca será possível...

Olha! Pessimismo não, camarada... –o Doutor acentuou. –A esperança não pode falhar nunca. Enquanto ela ainda estiver viva destro de você, sempre haverá uma chance das coisas se reverterem... Hum-hum! Desculpe. Estou filosofando muito hoje... –ele deu um peteleco no topete espetado. –Onde eu estava mesmo? Ah, sim! Falava sobre esses eventos revolucionários... E esse tal de Shvan. Você disse que é ele quem está organizando todos os Dalits? Agitando esse sentimento neles... “É, parece que sempre há um primeiro que agita, mas depois, na hora de levar a culpa, ele nunca está por perto...”. –ele constatou, pensativo. –Shvan... Parece até nome de papagaio: “Shvan”. Eu chamaria meu papagaio de Shvan. Isso se eu tivesse um papagaio... Enfim, esse tal de Shvan: Você já o viu de perto?

Nahin. Não senhor. A verdade é que tentaram me arrastar para ouvir suas pregações, mas eu resisti. Fugi de perto deles. Tive medo que os homens de casta se voltassem contra minha família...

—Entendi. Família sempre em primeiro lugar. Pelo menos sua moral está intacta... –o Doutor mordeu o lábio. Já tinha uma boa intuição de quem poderia ser aquele tal Dalit revolucionário. Os Sontarans eram muito bons em fazer clones, mas não somente sabiam clonar espécimes iguais á si, também sabiam fazê-lo com outras espécies... Provavelmente, aquele homem não passaria de um “fantoche” que os Sontarans usavam para poder manipular os outros. Vamos combinar que era bem mais fácil de ganhar confiança de alguém através de um rostinho bonito, que todos simpatizassem, ao invés de um completo estranho, João ninguém. É claro que se um Sontaran propriamente viesse fazer o trabalho, todos fugiriam desesperados... Então eles estavam jogando com as cartas certas! Espertinhos aqueles Sontarans...! Só havia um porém: o Doutor não tinha certeza de nada disso. Tudo o que tinha eram suposições, e não conseguiria impedir os dois planetas de se enfrentarem sem argumentos devidamente válidos. Os cantos dos lábios do Doutor se curvaram para cima, em um sorriso inesperado. Imediatamente ele voltou-se para a cabine e fez menção de entrar nela. –Muito obrigado Nyha... De verdade! A gente se vê por aí, então...

—Espere! –o menino intrometeu-se em seu caminho, mas mesmo assim ficou longe do rapaz, sem cruzar sua sombra ou tocá-lo. Tinha receio de poluí-lo com a maldição que acreditava carregar nas costas. –Obrigado pelo quê? O que foi que eu fiz?

O Doutor voltou-se para ele mais animado que nunca. O menino não entendia o motivo do homem estar tão radiante.

—Eu tenho um plano. Entendi como tudo começou, agora preciso parar tudo isso antes que chegue á situação deplorável que virou depois... Preciso conversar com os Gregipciomanos, mas antes preciso de provas concretas e da ajuda de alguém para parar o trabalho desses Dalits por aqui... Posso contar com você, amiguinho?

—Eu? –o menino pareceu chocado. –O que quer que eu faça?

—Quero que diga à eles a verdade. Toda a verdade. Quero dizer: Tudo o que você vê de errado nesse tal de Shvan e o que acontecerá de verdade a todos vocês, futuramente, se continuarem aderindo a esse protesto estúpido...

—O que vai nos acontecer?

O Doutor fitou-o e um brilho diferente eriçou-se em seus olhos. Então ele contou-lhe tudo o que viria a acontecer... Quem ele supunha ser Shvan de verdade; para quem ele trabalhava; qual o verdadeiro plano e intenções destes seres; como eles queriam conquistar o mundo através de uma guerra interplanetária; e qual seria o futuro dos Dalits, depois dessa reviravolta. Enfatizou principalmente à parte de como as coisas piorariam e como eles seriam ainda mais escravizados... E terminou ao dizer que ele deveria começar a passar todas aquelas informações para frente, alertando-os desde cedo, pois o equilíbrio do universo inteiro dentro daquela realidade em que viviam estaria por um fio, se eles não fizessem alguma coisa para impedir toda aquele estratagema. Ele pediu a Nyha que juntasse um grande número de contra-revolucionários Dalits, o maior que conseguisse (é claro que existiriam pessoas contra aquela maluquice toda de “revolução”), e pedisse a elas que se infiltrassem no aglomerado de Dalits, apenas fingindo ser á favor da revolta, pois ele precisaria de informantes sobre toda e qualquer estratégia que estivesse ocorrendo dentro do agrupamento Sontaran, nas terras do muro divisório.

O menino assentiu animado com o encargo que recebera.

—Farei o possível para recrutar bons informantes!

—É assim que se fala! –o Doutor sorriu e entrou em sua cabine. Nyha ficou parado, vendo aquele estranho homem adentrar por uma fina fresta na porta, em sua pequena caixa (cuja ele não conseguira ver o conteúdo interno, até então) e fazê-la sumir pelos ares, do mesmo modo que aparecera ali. Assim que a caixa desapareceu, Nyha, ainda pasmo, correu rumo á cidadela, procurando por seus amigos Dalits mais chegados, adultos, jovens e crianças, em busca dos mais confiáveis para uma possível infiltração.

O Plano estava á caminho.

 

*   *   *

Chanty correu por entre os corredores do palácio, completamente injuriada. Queria poder ajudar seus amigos de alguma forma... Mas será que precisaria ir contra as leis de seu povo para poder fazê-lo? A menina deslocava-se desenfreada por entre os diversos caminhos, como se fugisse de sua própria consciência. Não era covarde. Só se sentia mal por ter que tomar uma decisão tão importante sem poder pensar um pouco, primeiro. Também, pessoalmente, não tinha nada contra os Dalits, mas sabia que o Marajá tinha e, junto dele, o resto de seu povo. Além do mais, tinha a constante impressão de que trairia seu baldi, na tentativa de ajudar seus amigos. Estaria traindo-no, não estaria? Mas, afinal, já não o fizera anteriormente, quando concordou inicialmente em ajudá-los a solucionar o mistério? Por que o mundo tinha que ser tão injustamente insensível? Queria poder conciliar as duas coisas. Queria poder ajudar o Doutor e os outros, sem trair o Marajá. E agora? Qual a decisão certa a se tomar? O que ela deveria fazer?

—Chanty. –a voz doce e calorosa de sua professora particular chegou aos seus ouvidos e a encheu de esperanças. Clara sempre surgia nos momentos certos. –Onde você vai com tanta pressa? Já se esqueceu do que eu te ensinei na ultima aula? Você é uma princesa. Tem que se deslocar com a graça de uma garça e não com o desalinho de um búfalo mau-humorado.

—Clara! Namaste!—a menina correu para abraçá-la. Ao menos da tutora, recebia algum carinho.

Namaste, Chanty. Tenha calma. Está tudo bem... –a mulher, que tinha os traços de uma adolescente, acalmou-a. Clara era baixa, magra e branca (diferente de todos os demais indianos) de rosto redondo e feições meigas. E usava um lindo sare azul. –O que houve Chanty? Por que parece tão aflita?

Baguan Kelie, Clara! Preciso tomar uma decisão muito importante... Mas não sei como! –Chanty desabafou. –Preciso ajudar meus amigos, mas Nahin... Se o fizer, poderei por tudo a perder.

—Hum... Entendi. –Clara olhou para os dois lados do corredor antes de prosseguir. –Agora... Acho que tem que ser muito sincera consigo mesma e pensar bem antes de tomar uma decisão. –a professora segurou suas mãos junto das dela, como se lhe passasse força e sabedoria. Chanty prestava muita atenção no que ela dizia. –O que seu coração diz, Chanty? Você deve ouvi-lo acima de tudo...

Chanty parou por um segundo, para tentar interpretar o sentimento que gritava dentro de si.

Nahin... Não sei! –ela disse desmotivada, desviando o olhar. –Só sinto a indecisão! Não sei o que quero...

—Sim. Você sabe. É claro que sabe! –Clara motivou-a. –Não se esqueça: Seu coração sabe o que é melhor pra você. Ele sempre fará as escolhas certas... Mas primeiro, você tem que saber ouvi-lo. Só que, para isso, vai ter que se esforçar... Terá que tentar muito mesmo, está bem?

Tiki he. Está bem. Vou tentar. –Chanty fez um esforço.

—Isso! Feche os olhos e me diga o que sente... –instruiu Clara, cheia de expectativas.

—Eu preciso ajudá-los. –ela suspirou. -Atchá... Meu coração grita isso.

—Ótimo! Excelente... Viu? Eu não falei que saberia qual decisão tomar?

Dakho! Veja: Mas e quanto às conseqüências? –Chanty insistiu. –Como vou explicar meu comportamento para meu Baldi depois? Ele vai me expulsar do Palácio se souber que eu terei ajudado os Dalits!

Clara ouviu a ultima parte. Chanty imaginou que ela se chocaria quando descobrisse quem ela estava prestes a ajudar. Mas, surpreendentemente, a tutora apenas sorriu, paciente, e a abraçou.

—Ah... Chanty. Você escutou seu coração, mas ainda não entendeu direito o sentido da mensagem... –Clara interveio. –Seu Baldi não é tão mal. Afinal, ele não permitiu que uma “Firanghi estangeira”, feito eu, te desse aulas? –Clara argumentou. -Pense bem no que te impede de ajudá-los... E depois me diga: Valerá mesmo a pena correr o risco de perder seus amigos?

Naquele instante, os olhos de Chanty se acenderam, cheios de esperança. Era claro que ela haveria de ter uma chance de se entender com seu Baldi, depois. Mas, sinceramente, nunca se perdoaria por ter sido medrosa e ter deixado seus amigos combaterem o inimigo sozinhos. Naquele momento, eles precisariam de toda ajuda que pudessem arrumar, e ela com certeza, confirmaria sua presença no juízo final.

—Chukriá, Clara! Muito obrigada! Baguan Kelie! Não sei o que faria sem você... –e saiu correndo na direção pela qual viera, na tentativa de alcançar seus amigos ainda em tempo de ajudá-los com alguma coisa.

Clara fitou a menina desaparecer pela esquina do mesmo corredor e sorriu, inspirada.

Corra. Corra garota esperta. E não se esqueça.

 

*    *    *

O Doutor reapareceu prontamente com sua cabine no mesmo lugar em que a deixara estacionada anteriormente, (no palácio do Marajá), mas agora meses á frente, quando o plano Sontaran já estava em fase final e tudo aquilo já estava prestes a acontecer. Não se demorou a sair de sua caixa e, quando o fez, surpreendeu-se mais uma vez:

—Oh... Essa foi rápida! –ele fitou os vários Dalits que o encaravam, esperando pacientemente por seu retorno. –Olha só! Vejo que alguém andou fazendo seu trabalho...

De repente o aglomerado de corpos começou a abrir caminho e Nyha apareceu entre eles, sorrindo.

—Doutor! –ele saldou-o animado. –Esses são os informantes que me pediu... Espero que seja o bastante.

—Meu garoto! –o Doutor foi ao seu encontro. –Está perfeito. Vou me lembrar de deixá-lo encarregado das coisas importantes mais vezes... Você é ótimo em cumprir tarefas! É zeloso, escuta tudo que eu digo... Está difícil encontrar bons companheiros que façam o mesmo hoje em dia! Se continuar assim, vai garantir uma vaga por tempo ilimitado á bordo da minha TARDIS...

Mesmo sendo o Nyha do futuro, o menino não entendeu metade do que ele disse, mas assentiu animado, em resposta.

Atchá! Fico feliz em tê-lo ajudado!

—Tudo bem então pessoal, vamos trabalhar! –ele dirigiu-se á todos os outros homens atrás de Nyha. –O que vocês tem pra mim?

Os Dalits revelaram todas as peças faltantes para concretizar seu entendimento sobre o plano Sontaran. Disseram-lhe cada detalhe, destacando ainda, as partes de maior importância, como o fato de Shvan ser realmente um clone, assim como algumas figuras já há muito tempo misturadas á sociedade. O Doutor ficou decepcionado ao descobrir que o Marajá não era um “clone malvado”. Ainda tinha esperanças de que ele pudesse ter um lado bom... Após trocarem muitas informações e o Doutor estabilizar suas idéias, a audiência finalmente acabou. O Doutor simplesmente agradeceu-os e dispensou-os, mas não totalmente. Pediu que permanecessem por perto, pelas redondezas, caso a coisa ficasse preta.

—E agora Doutor? –instigou Nyha, observando-o movimentar-se muito depressa. –Agora que sabemos tudo que os Sontarans vão fazer, qual o próximo passo?

—Você voltará ao banheiro feminino para ajudar as garotas na vigia do muro divisório, enquanto eu e minha linda caixa azul vamos dar uma voltinha... –incitou ele, mantendo contato visual com a TARDIS. -Preciso ir ao planeta vizinho. Os Gregipciomanos precisam ficar á par de toda essa trama também. Preciso provar-lhes que estão sendo aborrecidos com a intenção de causarem uma guerra interplanetária... –O Doutor subiu na cabine, escalando-a até o topo onde brilhava uma luzinha branca. Ele sacou a chave sônica do bolso e ativou-a contra a luz, amplificando seu brilho. -Eu preciso impedi-los antes que seja tarde... 

Nyha semi-cerrou os olhos, por conta da forte claridade.

—E como pretende fazer isso?

O rapaz saltou da cabine e ajeitou o casaco, confiante.

—Vou convencê-los á qualquer custo! De alguma forma... –ele sorriu de leve. –Essa é a minha marca registrada: uma promessa sem garantia... Ah! Isso é tão a minha cara...

Sem garantia? Mas você disse que será a qualquer custo!—protestou Nyha.

—E será. –ele entrou na cabine, deixando só parte do corpo para fora. -O engraçado, é que não faço a menor idéia de como farei isso.

O Doutor sorriu ainda mais confiante para Nyha, então adentrou em sua cabine que desapareceu imediatamente, deixando apenas um gemido ecoando no ar. Nyha voltou aos seus postos, o Doutor só precisava de uma boa dose de jogo de cintura (o que tinha para dar e vender), criatividade (ta legal, deu empate), e talvez... Um ou dois pedaços de torta holandesa. Isso sempre o deixava animado!

 

*    *    *

Reapareceu furtivamente no bendito planeta Júpiter, atual lar dos Gregipciomanos. Logo de imediato, o Doutor conferiu a televisão velha do painel de controles, (que mostrava tudo o que a câmera externa da nave via), antes de sair, porque sempre que ele se esquecia de fazê-lo, ao menos ultimamente, alguma coisa desastrosa ocorria quando ele desatava a abrir a porta. Em uma das ultimas vezes que o fizera, foram parar na casa de Luisa...

Depois de conferir todas as imagens das câmeras umas dez vezes, o Doutor alinhou a gravata-borboleta ao contorno do queixo e sorriu, tentando transparecer confiança e sabedoria. Precisaria mesmo de muita sorte para conseguir convencê-los...

Ele abriu a porta e, quase instantaneamente, inflou as bochechas, para depois soltar o ar indignado. Ao seu redor, cinco centuriões apontavam lanças para o seu pescoço. Devagar, o Doutor ergueu as mãos, em sinal de rendição.

Que negócio é esse?—reagiu, pouco á vontade. –Eu conferi todo o arsenal de câmeras externas antes de sair... Não tinha nenhum centurião aqui fora quando olhei nas imagens! Assim não vale! Vocês são parentes do The Flash, por acaso? Se não se importam, eu gostaria de falar com meu advogado antes de qualquer coisa...

—Feche a boca, indiano! –gritou um centurião, de modo turrão. –Vimos a sua nave vindo da direção do planeta indiano...

—Pela milésima vez: Eu não sou indiano, não pertenço á nenhuma casta... Nem sou parente do Franck Sinatra!

Franck Sinatra?

—Papai Noel é só um conhecido meu. Eu não tive nada a ver com aquela história de trenó voador. A não ser pela parte do “voador”. Longa história. Usei a chave sônica nele...

—Esse homem não fala coisa com coisa –argumentou um outro centurião, magricela. –Vamos levá-lo á rainha Nefertiti...

—Vocês resolvem tudo assim por aqui? Até parece que não tem voz ativa... Basta ocorrer qualquer emergência besta que alguém grita: “Mandem chamar a rainha Nefertiti” –o Doutor fez uma boa imitação da voz do centurião, mas ele não pareceu ficar muito feliz com isso. Mesmo assim continuou: -Vocês se acham espertos? Deviam me ver na noitada com Marilyn Monroe. Aquilo sim foi esperteza! Eu ajudei-a a escapar do tumulto dos fãs e ela me pagou um drink. Depois nós dançamos... Ah! Grande noite! Apenas a parte sobre o casamento não foi muito programada...

 Três centuriões se entreolharam, intrigados.

—Ei! Parem de me olhar como se eu fosse o “maior lunático”. Eu conheci um centurião uma vez. Ele era extremamente corajoso. Trabalhava para Cleópatra. Nunca precisou pedir ajuda dela para nada. Muito menos permissão, quando teve que salvar a vida de sua esposa! –o Doutor encheu o peito, a confiança e o orgulho tomando conta de si. –Rory Williams era o nome dele... Grande homem! Um pouco lento às vezes eu diria, mas sem dúvida o cara certo em incontáveis momentos! Amy fez uma boa escolha. Gostaria de ter dito isso a ela...

Pare de blefar!—gritou um dos homens, mais corpulento. –Sua cabeça está fora do lugar! Exijo que seja levado à uma audiência com a rainha...

—Não é blefe! –o Doutor protestou, se recuperando rápido da onda de lembranças. –É tudo verdade! Não sabem a metade das coisas que eu já vi em minha vida! Sua cabeça não comportaria o tanto de coisas, se me ouvisse dizer. Há tantas coisas nesse universo para se ver... Vocês só conhecem um por cento dele. –argumentou, estrategicamente. Os homens trocaram olhares confusos. –Esse mundo em que vivem... Esse mísero planetinha não é nada perto do tamanho de todo o universo. Esse sistema solar insignificante em que vocês vivem não é nada, comparado ao que tem lá fora... –ele gritou, irritado. –Por isso não me subestimem, muito menos se vangloriem pelo micro-império em que vivem!

—Do que está falando? –perguntou um centurião alto e magro, apontando o dedo na cara do Doutor. –Sabemos que existe um universo inteiro ao nosso redor... Acha que somos estúpidos? Nós lemos nos papiros sagrados sobre os deuses e o universo onde governam! –disse em defesa. O Doutor revirou os olhos:

—E vocês se consideram os “inteligentes do pedaço” por conta disso, não é? –o Doutor ergueu as duas sobrancelhas. –Pois não são! Escutem aqui uma coisa: Eu vim de muito longe para alertá-los sobre um suposto engano que espalhou-se entre a sua população, envolvendo o planeta indiano...

—Ah! Sim –debochou um centurião baixinho e gordinho. –A história do barulho noturno... Já enviamos uma porção de avisos para eles, para que fiquem cientes de que, se não pararem de fazer aquilo...

—Mas eles não estão fazendo nada! –o Doutor interveio e todos o observaram com atenção. –Estou aqui para explicar toda essa confusão. Fui enviado em uma missão de paz e não quero nada a não ser alguns minutos para tentar convencê-los de que os indianos são inocentes... Eu tenho provas que comprovam isso de várias maneiras... 

Os centuriões se entreolharam novamente, baixando um pouco as lanças. O Doutor fitou-os com ainda mais convicção, certo de que eles o ouviriam no final das contas... Pelo menos era o que esperava. Em outro caso, ele ainda podia correr para bem longe dali...

E você ainda defende aqueles insolentes? Depois de todos esses meses de noites mal dormidas... Está tentando comprar nosso perdão perante ao que os indianos nos fizeram?

Pechinchá-lo está mais para o caso. –disse o Doutor, um pouco ansioso. Seu plano não estava indo lá as mil maravilhas...

 O centurião mais corpulento foi encarado por todos os outros, como se esses esperassem por sua permissão, ou por um sinal equivalente. 

Você tem um quarto de hora!—abriu uma exceção, o centurião rabugento.

—Certo. –o Doutor suspirou aliviado, baixando as mãos, já mais à vontade. Então caminhou entre os centuriões, mas antes de começar a falar sobre o assunto solicitado, achou-se na necessidade de avisar: -Talvez vocês queiram se sentar, porque essa vai ser uma longa história...


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Notas finais do capítulo

YEAH!

HOJE TIVEMOS BASTANTE AVENTURA!

Uma dose extra de bom humor e confusões...

Decisões importantes também foram tomadas.

E aí? O que acharam?



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