Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 39
O Túnel da Verdade


Notas iniciais do capítulo

Oi! :D

O capítulo de hoje não tem quase ação, mas é porque eles tem que acertar uma coisinha que ficou pendente.

Bem, mas ainda sim haverá muitas emoções pela frente!

"O Doutor respirou fundo. Enfim chegou o momento de dizer a verdade à ela.
As vezes é difícil perdoar mesmo quem a gente ama"



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Luisa apenas conseguia respirar fora do ritmo natural, sua voz não saiu quando ela tentou gritar novamente, a água morna da banheira já alcançava seus pés. Estava tudo quieto, porém, ainda havia a tal sombra que saíra do box, e agora deslocava-se rapidamente para onde ela estava.

—Luisa! Você está bem? –a voz do Doutor irrompeu em seus ouvidos, contraditoriamente.

—Eu acho que sim... –ela tossiu, ao ser ajudada e posta novamente de pé. Algumas partes de seu corpo doíam um pouco, mas ela não reclamou, apenas massageou o braço e alguns lugares atrás. O amigo olhava-a alarmado. A preocupação gritando em seus olhos e feições.

—Me desculpe... Eu não pretendia derrubar você... Eu só... Hã... –ele se embaraçou todo.

—Não foi culpa sua –ela assegurou. –Fica calmo...

Foi então, depois que o viu e correu para abraçá-lo, que sentiu seus ombros molhados, e tudo veio à tona:

Você está ensopado! Estava tomando banho no banheiro feminino?—ela guinchou, afastando-se dele de um salto, para contemplá-lo com urgência. –Como assim? Quer dizer, você tomou mesmo banho no banheiro errado e nem se deu conta disso! Como é que você faz uma coisa dessas?

—Esqueça isso! Não é importante... –ele ignorou-a e correu para a parede do espelho, scanneando-a de imediato, então parou de súbito e lançou à menina sua maior cara de indignação. Luisa hesitou.

—O quê que foi? É ruim? Achou a coisa que me atacou? Era um alienígena, não era?  -ela correu até ele, segurou seus pulsos e bombardeou-o com perguntas.

Está de toalha... –ele fitou-a e ela enrubesceu um bocado.

—Você também –ela acrescentou, desviando os olhos rapidamente de sua cintura. O Doutor olhou para baixo, na direção de suas pernas onde o pano estava estendido, depois ergue-se novamente sorrindo.

—É, estou! Ao menos desta vez não esqueci a toalha...

—Ainda bem –ela concordou, ainda um pouco constrangida, então abriu um sorriso, sem exatamente fitá-lo nos olhos. –Mas ainda está no banheiro feminino...

—Você precisa mesmo ficar me lembrando disso? –ele jogou os cabelos molhados para trás com as mãos. Gotas de água espirraram de leve no rosto da garota. –Grande coisa! Eu só errei de porta...

—As portas tinham fotografias para diferenciar os sexos –Luisa interveio.

—Não estavam tão grandes assim, ou então eu teria visto. –ele defendeu-se.

Ocupavam mais da metade da porta... –Luisa cantarolou mexendo no cabelo, disfarçando.

—Estava escuro lá fora quando eu entrei –ele lembrou.

—O indiano tinha um turbante enorme na cabeça... –Luisa continuava.

—Está certo! Talvez eu tenha me confundido um pouquinho...

Talvez? O indiano tinha um bigode!—interpôs Luisa, indignada. –Acho que você está precisando usar óculos...

—Não necessariamente –interveio ele. –Minha falta de atenção é compensada nos momentos geniais em que tenho que salvar o mundo... –Luisa o olhou feio, ele parou de chofre. –Tudo bem... Eu admito: Tenho um ponto fraco.

—Certo, mas eu não o recriminaria. Na real, você me salvou. Sabe-se lá o que aquela coisa teria feito comigo se você não tivesse aparecido. –ela olhou-o preocupada.

—No máximo teria te capturado –disse ele dando de ombros como se aquilo não fosse nada, mas seu olhar estava fixo acima das costas dela, no espelho. Um brilho estranho formou-se em seus olhos. –Conheço esse tipo de ataque... Meio desengonçado. Um tanto rústico...

—Doutor –Luisa olhou para trás, tentando procurar o mesmo alvo que seus olhos tanto miravam. Porém, não se demorou em fitar seus reflexos no espelho, voltou-se para ele e terminou: -Eu vi! Ele tinha uma arma na mão!

—Uma arma?

—É! –ela concordou. –Mas, pensando bem agora, acho que ele não me queria... Se eu fosse seu alvo, aposto minha bolsinha rosa que ele teria atirado. –ela deu uma rápida conferida em volta de si. –...Que á propósito não está comigo agora.

—Você tem razão! –o Doutor empolgou-se. –Ele estava atrás de outra coisa...

A luva!—Luisa abordou-o, fazendo-o se sobressaltar. –Havia uma luva no chão, grande e cinzenta...

—Uma luva? Com apenas espaço para três... –instigou ele.

—... dedos.—completou ela, pasma. –Então você já viu isso antes?

—Já. Várias vezes. –ele sorriu, piscando para ela. –Senhorita Parkinson, acho que já descobri quem é o nosso amigo fugitivo... –ele estendeu-lhe o braço. –Deseja procurá-lo comigo?

—Claro! –ela aceitou seu braço e os dois caminharam em direção á parede, mas no meio do trajeto ela hesitou: -Mas vestidos assim? Ou melhor, não vestidos?

—Não temos tempo –o rapaz assegurou. –Ele já deve estar longe... Precisamos agir agora!

—Certo. Então vamos! –ela sorriu animada.

O Doutor apreciou sua excitação e gargalhou eufórico: 

—Nós com certeza formamos uma boa equipe...

—Melhor, impossível! –ela riu de volta.

Desta vez, investiram novos passos confiantes rumo a parede com espelho. Luisa quis frear os passos quando os corpos dos dois já estavam quase emparelhados com os lavatórios, mas o amigo insistiu, continuando a puxá-la pelo braço, animando-a á continuar. Certa de que iriam colidir contra a parede, o espelho e os lavatórios talvez, Luisa fechou os olhos quando já estavam bastante perto, com medo do impacto. Contudo, como seus passos não cessavam, ela decidiu abrir os olhos novamente, admirando-se ao notar que agora caminhavam em linha reta por um estranho túnel negro com uma leve iluminação púrpura; o que com certeza significava que eles haviam mesmo conseguido atravessado o espelho como se ele, de fato, não existisse.

—Meu Deus! –seus olhos se arregalaram e um sorriso brotou em seus lábios quando as luzes púrpuras desceram de nível, mostrado não serem uma coisa só, mas sim uma porção de lusinhas menores que criavam uma boa iluminação no espaço. Então uma delas deslocou-se até encostar na pontinha de seu nariz: -São vaga-lumes!

—Vaga-lumes púrpuras... –exclamou o Doutor, encantado, assim como Luisa. –Ah... Isso é legal!

—Eu nunca havia visto vaga-lumes como esses antes... –sorriu Luisa, ao som de *Vaga-lumes -Pollo, tocando de leve no que estava em seu nariz, sem fazê-lo levantar vôo.

—Devem ser típicos dessa realidade –explicou o Doutor, os olhos sonhadores brilhando ao acompanhar alguns daqueles interessantes bichinhos voarem dando piruetas e rodopios no ar, ao seu redor. –Algumas coisas se mantém enquanto outras criam diferenças extremamente... –ele parou no meio da fala ao contemplar ao seu lado a imagem formidável da melhor amiga brilhar, cheia dos bichinhos enganchados no cabelo. Isso o fez sorrir como nunca e acrescentar, entusiasmado, um final para sua frase: -Incríveis.

—Acho que isso resume tudo... –ela concordou, sorrindo para ele ao mesmo tempo que os bichinhos também o rodiavam como fariam a uma lamparina, se houvesse uma ali. –Por que eles estão aqui embaixo?

—Acredito que com todo o desmatamento e as construções que os humanos fazem, esses pequeninos acabam ficando sem casa... –ele concluiu e Luisa fitou-os triste.

Até aqui o desmatamento tinha que ocorrer?

—Minha cara Luisa, onde houver seres humanos é certo que haverá alguma coisa do tipo, e é claro que com a expansão populacional, alguém sempre vai acabar saindo prejudicado... Neste caso, o meio ambiente é quem paga o pato—ele disse calmamente. –Infelizmente, essa é uma daquelas coisas que nunca mudam, independente do lugar ou circunstancias em que se vive, assim como ocorre ao preconceito e a sede de poder...   

—Sei disso –confirmou. –Mas espere! Como eles conseguiram chegar até aqui e... –ela deu uma boa olhada ao redor. -Onde exatamente nós estamos?

—Dentro do espelho, eu acho. –disse ele, sem muita certeza. –Ao menos, é o que parece.

—Então nós entramos mesmo dentro do espelho? –ela estava algo entre espantada e empolgada. –Meu Deus! Como pudemos entrar...? Nem senti a colisão com a parede! Seria mesmo possível que ela não existisse de verdade? O espelho é sólido... Não poderíamos tê-lo atravessado na maior facilidade, não é?

—Poderia até ser, exceto pelo principal fator que acaba de vez com essas possibilidades, arrematando todas de uma só vez: Aquilo não era um espelho.—ele disse sério, deixando suas sobrancelhas em V.

—Há alguma possibilidade de estarmos sonhando? –ela sugeriu, ainda encantada. –Quero dizer, poderíamos ter batido a cabeça na colisão com o espelho... E se estivermos vendo tudo isso por alucinação?

—Acho difícil. Se estivermos sonhando, então como os dois estão tendo o mesmo sonho?

—Mas e se você não for real? Ou então eu não for real... –o Doutor ergueu uma sobrancelha, intrigado. Luisa tentou se expressar melhor: -Quero dizer, e se um de nós estiver pensando no outro enquanto dorme? Talvez um de nós esteja sonhando com o outro afinal...

Os dois de entreolharam intensamente.

—Náá! –o Doutor negou. –Podemos constatar que não é um sonho já por essa sua suposição...

—Algum problema com a minha suposição?

—Claro! É complexa demais para alguém poder pensar durante o sono! Quero dizer, se um de nós está sonhando neste instante, então acabou de sonhar que você disse isso tudo, e ninguém seria capaz de conseguir desenvolver uma fala como essa ainda dormindo! Bom, alguns médiuns talvez, mas isso não vem ao caso... Quando se está dormindo, não se raciocina como se faria ao estar acordado...

Tá bem! Ta bem! Você já me convenceu... –ela pediu que parasse, com ar de riso, pois sua cabeça acabara de dar um nó. –Não se trata de um sonho. Está certo! Mas se não é um sonho, o que é afinal?

—Muito boa pergunta essa –aplaudiu ele. –Bem, aparentemente, nós dois atravessamos um holograma...

—Do tipo que vimos no Egito, quando resgatamos Luke? –relembrou Luisa.

—É, só que menor. Muito menor... Do tamanho de um espelho, na melhor das hipóteses –ele explicou. Sua mão elevou-se até o queixo automaticamente, demonstrando que seu lado “detetive intelectual” entrara em ação. -E, se quer saber, aquele era só um disfarce para esconder tudo isso aqui...

—Como um portal escondido! –ela completou.

—Exatamente. E sabe por que sua idéia foi tão precisa?

—Por quê...? –ela instigou.

Porque, definitivamente, é um portal escondido.

—Estamos em outro lugar, você quer dizer?

—É.

—Será que ao menos ainda estamos na Índia?

—Vamos descobrir –ele apontou para o deslocamento do túnel, indicando-o casualmente. –O caminho das respostas é por ali...

 Eles seguiram pelo túnel iluminado por vaga-lumes, mas após alguns minutos, sem sinal de saída, a caminhada parecia já estar durando horas. Já que só estavam os dois ali e o caminho parecia não ter fim, Luisa viu-se na oportunidade de abordar o amigo sobre seus planos de voltar para casa. Não sabia porque mais o pensamento lhe voltou à cabeça como um fleche súbito. Não perderia mais tempo: essa era a hora de terem uma boa e profunda conversa. Ameaçou dizer algo, mas acabou detendo-se antes de começar. O amigo que agora andava mais a frente parou de súbito e agachou-se no chão (a toalha subiu alguns centímetros quando ele o fez), apanhou sua chave sônica de algum lugar (provavelmente por entre alguma dobra da toalha em sua cintura –não havia mais de onde ser, ele estava sem roupas, por tanto, não tinha bolsos) e scanneou avidamente a parede rochosa do túnel. Luisa fitou-o ansiosa, tinha uma unha pressionada contra os dentes, começou a andar de um lado para o outro, até que finalmente tomou coragem:

—Doutor –ela se abaixou um pouco. –Está ocupado?

Não. Imagina... –disse ele sarcástico, com o corpo colado na superfície do chão rochoso, fazendo o scanneamento completo da área. A mão que segurava a chave sônica não parava quieta um só instante. –É, sem dúvida, a hora perfeita para conversarmos...

—Que bom –Luisa estava tão ansiosa que nem foi capaz de distinguir o tom de sarcasmo que ele usava. -Eu preciso mesmo falar com você...

Ele ergueu a cabeça, para fitá-la, como se dissesse “Mas Agora? Não está vendo que eu estou trabalhando?”. Mil indagações pareceram passar pelo rosto do amigo, deixando-a ainda mais em êxito, então ela se viu na obrigação de adiantar:

É importante.

—Ah! Bom... Se é importante—ele encostou o corpo novamente no chão voltando a scannear o túnel, proferindo por fim, com bom humor: -O que é bastante engraçado de você dizer, já que até hoje nunca ouvi um argumento seu que não fosse de extrema importância...

Suas bochechas se acenderam no máximo, mas ela não se pegou com isso e seguiu em frente. Tinha que falar com ele de qualquer jeito... Já havia adiado muito esse momento!

—É sobre o que vou decidir fazer quando formos embora deste lugar...

Hum-Hum... –ele murmurou, completamente distraído. Os dentes estavam cerrados, os ouvidos apurados pressionados contra o solo, parecia atento a algo. Ele definitivamente estava ocupado, mas Luisa não deixaria aquela oportunidade escapar, isto é, sem mais nem menos desatou a falar como uma condenada:

—Eu não sei, quero dizer, eu não sei o que dizer ao certo, nem como dizer o que tenho pra dizer...

A-hã... –ele concordou por instinto.

—Eu só sei que estou com isso entalado dentro de minha garganta desde a passagem com a Teselecta e não consigo mais suportar esse sentimento avassalador...

Sei.

—É que eu simplesmente não consigo digerir a idéia de nunca mais poder voltar para casa! Quero poder ver minha família e meus amigos de novo, nem se for por uma última vez... Não posso simplesmente sumir da face da Terra sem antes dar algumas explicações á todos eles, você entende?

Claro.

—Não que eu esteja reclamando, sabe? Gosto muito disso aqui... Das viagens, quero dizer. Sinto como se fosse ficar incompleta sem elas... Sem tudo isso... Sem você.

Sério, é?—o Doutor partiu a superfície de uma estalagmite escurecida que acabara de tirar do chão e apalpou-a de leve com as mãos, a testa franzida, depois, sem mais nem menos soprou-a, afastando a camada de poeira bem fina que havia nela. Retirou os óculos de armação quadrada, sabe-se lá de onde, e colocou-os, observando-a com mais precisão.

—É! Ah... –Luisa agachou-se perto dele. -Eu sei que está acontecendo tudo muito rápido... E eu juro, também não queria que fosse assim, mas a verdade é essa: Não posso continuar vivendo desse jeito... Como se estivesse me sentindo dividida á toda hora...

Impressionante! –os olhos do rapaz brilharam por trás das lentes do óculos de armação quadrada, quando notou algo de diferente no pequeno fragmento de roxa em sua mão.

—É mesmo! Que bom que você entende... A verdade é que estou com o coração dividido. Não consigo escolher qual vida quero levar... Afinal, por que não posso ter as duas? Gosto demais de estar com você em novos mundos, mas também gosto lá de casa... Dos meus amigos, da minha família... Doutor, imagine só: Minha mãe nunca saberá o que aconteceu comigo... Nem a mãe de Melissa, eu suponho. Ela também está presa nesta vida de aventuras para sempre, não está?

Hum...

—Bom, ao menos não estou sozinha nisso tudo... –Luisa andava novamente de um lado para o outro. O Doutor continuava de costas para ela, respondendo a primeira coisa que lhe viesse à cabeça quando a garota parava de falar. Sua total concentração na estalagmite não lhe permitia ouvir conversas alheias, por mais que fossem importantes. Luisa continuou: -Ainda bem que posso desabafar isso com você...

Inacreditável.

—Você sabe como é, não é? Estar longe de casa... O engraçado é que sei que se falasse sobre isso com qualquer outra pessoa que fosse, ninguém seria capaz de entender o que estou passando tanto quanto você... –ela deu uma pausa, o amigo nem pareceu se importar. Luisa baixou os olhos para as mãos inquietas. –Enfim, eu só queria agradecer. Por tudo. Me perdoe pelo que irei te pedir: É que... Não posso mais continuar viajando...

Brilhante!

Luisa hesitou. Como aquilo podia ser brilhante?

—Como é?

Essa roxa é espetacular!—ele ergueu-se do chão de um salto, virando-se para ela empolgado. Os óculos de armadura quadrada continuavam em seu rosto.

—Onde você conseguiu esses óculos? Não estava com ele quando entramos aqui...

—Nem queira saber onde ele estava –o Doutor lhe lançou uma piscadela juvenil e deu aquele seu sorriso fenomenal que sempre a deixava sem ar. Então, inesperadamente, tudo veio á tona para ela:

Você não estava me ouvindo—constatou ela num tom magoado. –Tudo aquilo que eu disse... Eu abri meu coração nesse túnel escuro só pra você saber como eu estava me sentindo mal com tudo isso, e você fica aí, scanneando roxas estúpidas! —ela lhe deu um tapa no braço. -Posso apostar que você nem ouviu uma só palavra do que eu disse!

Ai! Por que você fez isso? Eu só estava... Ah, Droga. –ele percebeu a idiotice que fizera, mas já era tarde demais. Aquela era sua chance de se redimir com ela sobre a mentira que inventara no episódio da Teselecta, da qual ela nem fazia idéia, mas agora ele pusera tudo a perder. Ele deixou os ombros caírem, derrotado. Por fim, chegou a conclusão de que não haveria outro jeito, senão dizer toda a verdade, começando pelo mais evidente: -Ah... Certo. Eu não estava ouvindo.

Ela cruzou os braços, irritadiça, como se dissesse “E o quê foi que eu disse!?”.

—Mas eu sei muito bem sobre o que você falava... –ele acrescentou. Ela pareceu pensar um pouco.

—Continue... –permitiu, ainda chateada. –Quero ver no que isso vai dar...

—Certo –ele respirou fundo, fechou os olhos e mandou ver: -Eu menti pra você.—depois se encolheu de leve, como se já pressentisse o tapa que iria levar.

Aquilo deixou-a ainda mais atônita: Ele mentira sobre o quê? Mil coisas lhe vieram a cabeça. Ele dissera tantas coisas à ela durante todo aquele tempo em que estiveram juntos... De repente, ela se pegou estremecendo com a idéia de tudo aquilo ter sido uma grande mentira.

—O que você quer dizer com isso? –ela recuou um passo.

—Que eu menti pra você... –ele enrijeceu o corpo, aproximando-se dela. –Você nunca esteve em perigo. Digo, não definitivamente...

—Como assim? –seu eu interior se preparava cada segundo mais para o suposto choque que pressentia receber ao ouvir o que o amigo tinha a lhe dizer.

—Tudo aquilo que eu te disse sobre “oferecer perigo a todos ao seu redor”, “não poder ver sua família nunca mais” e todas aquelas coisas sobre você atrair os alienígenas e problemas em geral... –ele hesitou, visivelmente sentido. Luisa arregalou os olhos, cheia de expectativas: –Nada disso é verdade. Eu inventei tudo –ele ergueu a cabeça, encarando-a, como devia ser feito, como um verdadeiro homem arrependido devia agir: -Eu tramei isso. Foi um erro, eu sei, mas foi preciso. Eu precisava mantê-la do meu lado para podermos derrotar a Teselecta, mas você ficava dizendo que a culpa de tudo aquilo era sua e eu não sabia mais como convencê-la do contrário... Tive medo que estivesse assustada demais e quisesse ir embora...  

—Eu... Não entendo... -ela interrompeu mais pasma que nunca. Um peso enorme pareceu ter saído de suas costas... Quer dizer, em parte. Então ela poderia mesmo voltar pra casa? Não precisaria se afastar de todos só para não colocá-los em perigo... Estava livre! Mas então... Tudo aquilo fora invenção do amigo? Mas por quê? Ela sabia que ele precisara dela para derrotar o inimigo robótico, mas não podia simplesmente ter dito a verdade ao invés de colocar minhocas em sua cabeça? Luisa sentiu-se decepcionada quanto a isso.

—Infelizmente, a pior parte eu ainda não disse –ele continuou, isso a fez hesitar por um momento. –Em meio ao meu desespero, acabei dizendo todas essas coisas, mas a pior parte é que eu jurei a você que estaria segura comigo na TARDIS. –ele cruzou os braços desnudos, baixando o olhar para os pés descalços. Luisa ergueu as sobrancelhas. -Dizendo isso eu criei a ilusão de que a minha nave poderia protegê-la, quando na verdade, é o lugar mais perigoso de todo o universo...

—Perigosa? –Luisa riu de nervoso. -Como a sua TARDIS pode ser perigosa?

—Olhe ao redor –ele indicou a escuridão que os engolia. –Estamos presos dentro de um espelho, em uma outra dimensão, presa em um sistema solar de uma realidade suspensa no tempo e espaço. –ele fez uma pausa. –Foi a minha TARDIS que nos atraiu para esse lugar. Foi por causa dela que estamos presos aqui. –ele riu de um jeito amargo. –Melissa tinha razão no fim das contas... Minha TARDIS não é confiável.

—Como assim? Por que está me dizendo uma coisa ridícula dessas? –ela se precipitou. Ele se contraiu.

—Porque... É verdade. –seus olhos fitaram-na de maneira pesarosa. –Viajar na TARDIS é perigoso. Se há um lugar em que você não estaria segura neste universo... Esse lugar é comigo.

Então era aquilo mesmo? Ele realmente mentira para ela sobre mais coisas do que o imaginado...

Espere só um instante: Então você me enganou para beneficiar a si mesmo? Como é que você pôde? Eu confiei em você!—ela gritou, dando-lhe um empurrão de leve no braço.

—E eu espero que continue confiando... –ele interveio aturdido, tentando segurá-la pelo braço, mas ela se desvencilhou, rápida como um raio. –Mesmo depois de eu ter bancado o idiota mentiroso para cima de você... Eu admito que o que fiz foi errado. Espero que isso não estrague nossa amizade...

—Um pedido difícil de se considerar, não acha? –retrucou ela. –Como você mesmo disse: Depois de tudo que você fez, como espera que eu me sinta?

—Mas eu disse que foi errado! –ele ponderou. Ela inclinou a cabeça, fitando-o.

—E espera que eu o perdoe?

—Honestamente...? -disse, injuriado. –Não sei. Se você ainda achar que sou digno de ser perdoado...

—O que te levou a fazer uma coisa horrível dessas? Eu só queria entender...

Eu tive medo de que você me deixasse —ele admitiu, pegando-a de surpresa. -Eu gosto demais de você para poder ao menos imaginar perdê-la um dia. Seja por pura espontânea vontade, seja por ordem do destino... –ele fez uma pausa, a garota fitava-o sem reação. –Me desculpe.—ele suspirou por fim.

Luisa tentava ao máximo manter a postura firme e indignada, mas alguma coisa em si batia o pé afirmando que tudo que o amigo dizia era pura verdade, inclusive sobre seu arrependimento. Seus poderes de Visualizadora gritavam mais alto que qualquer sentimento de rancor ou dúvida e, é claro que ela daria sempre mais ouvidos para o que seus sentidos internos diziam ser o certo. Foi só então que percebeu não estar exatamente zangada com ele. Não havia nenhum sentimento de mágoa em seu coração, talvez um pouco de incompreensão, mas quem é que não sentiria isso perante á tudo o que ela ouviu e presenciou, vindo do amigo? De repente, o que ela mais queria era poder se reconciliar com ele e esquecer tudo aquilo que passou. Quer dizer, ele não fizera por mal, certo? Ele inventara toda aquela desculpa porque tivera medo de que ela resolvesse deixá-lo... Claro que á principio, Luisa desconfiou que aquilo fosse só conversa fiada, mas seus olhos e o tempo de convivência com o amigo provavam o contrário... E Luisa mesma não fizera melhor: ela quase fora capaz de colocar seus planos secretos de voltar para casa em ação. Chegou a pensar seriamente em deixar o amigo para trás para conseguir o que queria... Isso faria dela uma companheira infiel? Um sentimento enorme de culpa tomou-a por completo. Ela quase estragara tudo... Mas, por sorte ou por alguma ordem do destino, eles ainda estava ali, juntos, lançando olhares de culpa um para o outro, como dois condenados.

“Ele é seu melhor amigo, e os amigos podem errar... Não podem?”—disse uma vozinha em sua cabeça.—“E eu também errei, ao tomar conclusões precipitadas, certo? Pra começo de conversa, nada disso teria acontecido se eu não tivesse ficado me culpando sobre o ataque da Teselecta no shopping... Fui muito ingênua em não perceber o tom de ironia em sua voz, quando o Doutor me disse aquilo tudo... Onde é que eu estava com a cabeça para ter levado aquela bobagem a sério?” —argumentou consigo mesma.

As cartas certas já estavam dispostas na mesa de modo claro e objetivo, só caberia a ela escolher perdoá-lo ou não... E como faria isso? Ela também tinha errado feio... Ou quase isso. Será que ele a perdoaria também? E como fariam para se redimir? Luisa voltou a fitá-lo, aflita, sustentando seu olhar sobre ele, querendo ganhar tempo. Queria que estivesse tudo bem entre os dois á uma hora dessas... Queria que nada disso tivesse acontecido! Ela definitivamente não sabia como restaurar sua amizade com ele. Tinha medo de que mais alguma coisa saísse fora de seu controle durante o processo e, do jeito que as coisas iam, qualquer passo em falso que levassem a dar, poderia se tornar crucial para que isso ocorresse.

Sem saber o que dizer, nem como dizer, deixou que seu corpo falasse por si: Luisa deu um passo na direção do Doutor, segurando e apertando sua mão de leve. O rapaz ergueu a cabeça, tirando os óculos.

—Eu só queria que você pudesse acreditar em mim... Me entender... –ele continuou, apertando a mão dela, em retorno. –Mas, não posso querer tanto...

—Você fez isso por medo de... Me perder?—sua voz soou fraca e um tanto mais descrente do que pretendia. O amigo se ofendeu.

—Você é minha companheira! —ele insistiu. –Minha amiga de todas as horas... Está sempre ao meu lado! Você é tão incrível, tão Fantástica... O que acha que eu faria se decidisse ir embora de uma hora para a outra: Dar uma festa?

Luisa riu de sua tremenda cara de indignação. O amigo, porém, não mudava de expressão, o que a fez redobrar o cuidado: estava começando a soar gozadora. Ela não queria isso de modo algum, mas sentiu não ter mais o controle da própria língua.

—Você sabe que o que fez foi uma grande estupidez, não sabe? Bem lá no fundo... Você sabia que eu não seria capaz de ir embora... –ela interveio, sua voz mais sentida do que brava, agora acariciando a lateral do rosto do Doutor. –E mesmo assim você seguiu com essa mentira até agora... Posso pelo menos perguntar por quê?

Ele ergueu os olhos, fitando-a demoradamente.

—Eu não tive escolha –ele intensificou. –Passei noites em claro pensando em como dizer a verdade á você sem magoá-la. Não cheguei a uma conclusão. Acabou saindo fora do meu controle...

—Pensei que você soubesse dos dizeres terrestres –falou Luisa e ele ficou intrigado. –Uma mentira nunca passa despercebida por muito tempo... De um jeito ou de outro, ela será descoberta. Se conseguir fazer com que ela passe despercebida, então provavelmente contará com a ajuda de outras mentiras mais, formando uma verdadeira bola de neve... -uma lágrima traidora escorreu dos olhos da garota. -No fim das contas, ela acaba consumindo você... Até o fim.

O Doutor parou, refletindo sobre o que ela disse.

—Mas eu não menti de propósito –ele esfregou a testa, fechando os olhos como se sentisse dor. –Droga Luisa! Minha primeira regra: O Doutor mente. Pensei que se lembrasse dela...

—Sei que faz parte do seu manual pessoal de regras, mas eu nunca poderia imaginar que a usaria com tanto fervor sob mim...

—E não a usei –ele suspirou. –Eu só quis acertar as coisas...

—Como? Mentindo? Bagunçando a minha cabeça ainda mais? Fazendo eu acreditar que nunca mais poderia ir pra casa? Não me parece um dos seus melhores planos...

—Eu não estava em um dos meus melhores dias! –ele olhou-a profundamente, então se deu conta de algo: ela definitivamente não conseguia assimilar aquilo da forma que ele esperava. Passou a mão sobre os cabelos, inquieto: -Poxa vida! Será que eu tenho que saber tudo?

—Você é o gênio aqui –reclamou Luisa. –Podia ter evitado tudo isso!

—Eu sei Luisa... Mas eu não pude evitar!—inesperadamente, ele segurou-a pelos ombros e a chacoalhou de leve, colocando-a contra a parede do túnel. –Me escuta. Eu preciso que você me escute...

—Tá legal... –ela deu uma boa olhada em sua proximidade com ele e respirou fundo. –Não estou muito á vontade com isso, mas vá em frente...

—Eu fui um idiota.

—É, foi. O maior de todos!

—Eu estou muito mal por isso. Na certa eu a magoei... Posso sentir em seu toque. –ele fitou as mãos rígidas da garota, agora em seus ombros.

—Pode ter certeza disso. –ela disse, sem sentimento algum. Estava dividida. Era muita coisa para ela assimilar ao mesmo tempo e estava á cada segundo se tornando mais complicado conseguir perdoá-lo, já que quando ela pretendia executar uma abordagem mais direta, amenizando toda a indiferença que estavam sentindo, o Doutor vinha com outra conversa, desviando o assunto, e francamente, aquilo estava começando a tirá-la do sério...

—Eu sei. E você tem razão: em um primeiro momento, eu posso realmente ter apenas pensado no meu lado, mas depois, eu juro que tudo o que fiz foi tentar protegê-la...

Luisa prestou mais atenção nele.

—Eu juro. Dizendo a você que estar comigo era o melhor à se fazer, acabei redobrando o cuidado para que as viagens ficassem ainda mais seguras. Eu programei tudo. Cada detalhe para que não falhasse... Tudo para que não tivéssemos que ter essa conversa... Mas, parece que você conseguiu passar a minha frente. –ele sorriu de leve, ainda sentido. Aquilo amoleceu o coração da garota.

—Eu... –ela tentou falar, mas o amigo levou delicadamente o dedo indicador em seus lábios, impedindo-a gentilmente de prosseguir. Ela arregalou os olhos, fitando-o ainda mais intensamente. Ele ainda tinha algo a dizer:

—Eu prometo que a levarei para casa assim que conseguirmos ir embora daqui... –ele fez uma pausa. –E, eu queria que você soubesse, que lamento muito por toda essa confusão... –ele riu amargamente. -Eu juro que quis dizer isso desde o principio, mas...

—Você não conseguiu –ela completou, compreensiva. Ele franziu o cenho com a mudança de atitude dela. –Tá bem... Eu sei que pode parecer estranho, mas eu entendo você. Sério. Entendo mesmo...

—Você... Entende? —ele ergueu as duas sobrancelhas.

Luisa respirou fundo: ela queria mais do que tudo poder acabar com aquela desavença. Era fato que os dois haviam errado um com o outro, mas alguém tinha que dar o primeiro passo... O Doutor parecia se afogar em seu sentimento de culpa... Pois bem, que fosse Luisa então.

—É claro. –ela sorriu. Uma onda de paz percorreu seu corpo ao sentir que as coisas começavam a caminhar bem, do jeito que devia ser. –A culpa disso tudo não foi sua. Na verdade, quem começou isso tudo fui eu... Fui eu quem ficou se culpando desde o principio, o que afinal de contas, provocou toda essa confusão... Se eu não tivesse me culpado tanto sobre o ataque naquele shopping você nunca teria tido que inventar essa desculpa, e agora eu sei disso, mas... Não sei –ela deu de ombros. -Já me parece tarde para tentar consertar isso... Em suma, tudo poderia ter sido diferente se eu não tivesse me culpado...

O Doutor soltou sua risada mais divertida.

—Eu disse alguma coisa engraçada? –ela indagou confusa.

Está se culpando de novo... –ele avisou pelo canto dos lábios, erguendo as sobrancelhas.

Ah! Fala sério! Não começa com isso outra vez...—ela se contraiu, emburrada. Ele reforçou o olhar divertido sob ela e Luisa não conseguiu evitá-lo, acabando libertando um sorriso bem largo também.

Os dois riram abertamente.

—Tem razão. –ela admitiu timidamente. –Desculpe por isso. Às vezes eu não consigo evitar...

—Eu sei. –ele crispou os lábios. Ela sentiu sua respiração disparar. Ainda estavam extremamente próximos um do outro. O rapaz circundou sua cintura com as mãos, juntando seu corpo com o dela. As mãos da garota correram em seus braços, até alcançar seu rosto, novamente. Ele se inclinou para ela e os dois se beijaram.

O sentimento foi intenso, cheio de saudades e uma ampla alegria. Os dois ficaram juntos, pareciam não conseguir mais se separar. As carícias, os afetos, o calor aumentando a cada segundo. Luisa sentiu-se satisfeita por seus atos, como se essa fosse a forma certa de se redimirem ambos, um com o outro. O Doutor sentia o mesmo. Queria que tudo acabasse bem entre eles, mas quase perdera o controle no fim das contas. Estava feliz por terem finalmente se acertado. Seus corpos se intercalaram em um abraço intenso, enquanto o beijo ainda se mantinha firme e forte. Sentindo-se ambos nas nuvens, nada poderia atrapalhá-los agora...

 -Ah! Dalit maldito! Escória humana! Onde pensa que vai!?

O casal ergueu a cabeça de imediato, mirando ambos a extensão do túnel arroxeado, por onde ainda não haviam caminhado, depois se entreolharam os dois, pegos de surpresa.

Como já fora dito, nada poderia atrapalhá-los... Nada. A não ser um grito estridente e ameaçador ecoando em um túnel escuro e profundo como aquele.

O Doutor prendeu a respiração, contrariado e saiu correndo, deixando-a para trás.  

Ah! O que é agora...? —Luisa revirou os olhos, impaciente, tomando fôlego para poder acompanhá-lo.

Correram até onde puderam, conseguindo se guiar por entre o breu graças á luminosidade dos vaga-lumes.

—Para onde... Ai!—Luisa tropeçou no amigo agachado no chão logo no fim do túnel, escondido, pegando-a de surpresa.

—Opa! –ele apreçou-se para apanhá-la, antes que viesse a cair, mas acabou se desequilibrando e aterrissando sobre ela. –Foi mal...

—Tudo bem... –ela fitou-o, meio sem graça, seu rosto tomou um tom avermelhado quando seus olhos pousaram de soslaio um pouco abaixo de sua cintura. –Ah... A sua toalha... Ela...

O amigo olhou para baixo.

—Ah é! –ele apreçou-se em dar um nó mais forte no pano, então voltou a olhá-la. A menina fitava seu peito desnudo, um pouco acima dela. O rapaz apreçou-se em tampar os mamilos com uma das mãos. –Porque fica me olhando? Deus do céu! Até parece que eu sou um...

—Alienígena? –ela riu, pegando-o no pulo. Ele umedeceu os lábios, mordido.

—Engraçadinha.

—Será que pode se levantar de cima de mim?

—Eu faria com maior prazer, se você também fizesse a gentileza de parar de flertar comigo...

—Não estou flertando... –sua fala foi interrompida pela brusca visão de alguém surgindo na ponta do beco em que estavam, fazendo muito escarcéu. Ambos puseram-se de pé de imediato. A situação já não era das melhores, imagine só o que aconteceria se ambos fossem pegos no flagra por um estranho? Trataram de se esconderem nas sombras, ainda em tempo de vislumbrarem as formas dos causadores da barulheira:

Luisa arregalou os olhos ao ver a criatura que a atacara no banheiro, agora escoltando um garotinho indiano para longe com certa repulsa. O amigo também ficou em choque, descobrindo que a criança escoltada pelo estranho ser, se tratava de Nyha, o garotinho Dalit.

—É ele! –ela sussurrou para o amigo, apontando insistentemente para a criatura de capacete azul e armadura, também da mesma cor, em tons alternados, as vezes mais claros, as vezes mais escuros. –Foi ele que me atacou...

O Doutor cerrou os dentes, trincando o maxilar ferozmente. Conhecia muito bem aquela figura...

Sontaran! —respondeu-lhe o rapaz, antes de sair do esconderijo e começar a seguir os dois, pelas sombras da cidade adormecida.

—Não, Doutor! Espere por mim... –ela caminhou colada nele, para que não fossem vistos. De vez em quando, o amigo a surpreendia com um empurrão ou um abraço contrário, recepcionado por suas costas, atirando-a junto dele contra as sombras nas paredes, fundindo-se á elas, para não chamar atenção da criatura. Luisa levou muitos sustos no percurso para sei lá onde... 

Até que pararam.

—Ai! –Luisa reclamou. –Você bateu seu cotovelo nos meus...

—Shhhhhh!!! –ele interveio rapidamente, pedindo por silencio. Luisa engoliu em seco. A criatura deu alguns paços para trás, na direção deles, evidentemente cismada.

Saia de seu miserável esconderijo, escória!

Luisa mordeu o lábio, o amigo aproximou-a dela, sem fazer movimentos bruscos. Ela enterrou o rosto em seu peito, fechando os olhos e intensificando o abraço, enquanto o perigo não passava. O Doutor apoiou o queixo em sua cabeça, muito atento á qualquer movimentação estranha.

A criatura seguia caminhando lentamente, um passo de cada vez, a arma de três canos na mão, mirando sempre na direção por onde os dois amigos vieram.

Não sabem com quem está lidando, humano desprezível! Sua vida não será poupada por sua falta de malícia...—A criatura riu de deleite, passando a língua por entre os dentes da frente, levemente separados. –Não deveriam ter enfrentado a honra de um soldado Sontaran... Oh, não... Isso foi seu pior erro... Agora irão pagar pelo que fizeram!

—Deus... –Luisa falou baixinho. –É agora que a gente morre...

O Doutor não tinha como discordar. No mesmo instante os dois intensificaram ainda mais o abraço, fechando pra valer os olhos, cheios de medo. É claro que o Doutor tinha um plano, mas executá-lo com sua amiga por perto, colocando sua vida em risco, não estava muito em questão. Ao menos que... Sem pensar duas vezes, o rapaz apanhou sua chave sônica, aumentou sua polaridade no nível máximo e apontou-a para o céu, na direção da lua, esperando um retorno. No segundo seguinte, uma luz vermelha cruzou o céu, indo parar do outro lado da cidade. O clarão chamou atenção do alienígena, que fitou-a perpetuamente. Os dois amigos soltaram o ar que mantinham presos dentro dos pulmões, deixando as mãos fraquejarem um pouco contra seus corpos, em meio ao alívio.

—O que você fez? –Luisa indagou, a voz quase inaudível.

—Mandei um sinal sônico para os retro-refletores daquela Lua. –ele suspirou. –Eles enviaram um sinal inverso para o planeta, como que em uma resposta. Ainda bem que funcionou! Graças ao bom Deus, ela também já foi conquistada, assim como a Lua da Terra no nosso conhecido sistema solar...

—E o que esse “sinal inverso” está fazendo?

—Nada. Tudo. Salvando nossas vidas, eu presumo. –ele proferiu, espionando por cima dos próprios ombros. –Deve estar servindo de distração para o guerreiro Sontaran...

Sont o quê? –ela ergueu a cabeça, confusa.

—Shhh! É uma longa história. –ele a fez abaixar de novo, de modo a voltar a encarar seu peito.

—Depois você diz que eu estou “flertando” com você... –ela deixou a voz mais fina, imitando o jeito dele falar, com deboche. Ele a obrigou a erguer o rosto na altura do seu, impulsionando este para cima com seu dedo polegar e o indicador. Seus lhos se encontraram, vorazes, sonhadores, cheios de desejo e esperança...

—Tudo bem –ele fitou um olho dela de cada vez, diversas vezes. –Agora você está flertando comigo.

—Arr! Você... –ela pôs as mãos na cintura, querendo protestar, mas o movimento causou o desequilíbrio de um latão de lixo próximo dali, que rolou ruidosamente rua a baixo, chamando a tenção do inimigo, de novo.

O Doutor cobriu a boca com as mãos, automaticamente.

Entregue-se escória!—gritou o alien, encaminhando-se para a direção deles. Então, sem mais nem menos, comunicou-se com Nyha, ás suas costas. –Não se dê ao trabalho de tentar escapar de mim, pequena escória insignificante. Eu sou muito bom de mira! Portanto, nem tente correr.

O menino afundou a cabeça nos ombros. Perto dali, o Doutor fitou a amiga, indignado.

—Droga! –ela gemeu baixinho, em protesto. –Essa eu fico te devendo...

—Vou acrescentar mais um item á lista...

Ela revirou os olhos, instintivamente.

—Está se divertindo com isso? Vamos morrer á qualquer momento!—ela guinchou, ainda com a voz controlada. –Por que diabos está sorrindo?

—Por que quanto mais piora, mais eu gosto –ele admitiu, abrindo um sorriso ainda maior.

—Tá legal, ta legal! Você venceu... Não vamos mais nos entender!—ela brincou, cutucando seu peito. Ele riu em retorno, depois espiou mais uma vez, por cima dos ombros. –E agora? O que faremos?

—Vamos, meditar... –ele sugeriu.

Os passos do inimigo se aceleraram.

Meditar?—ela retrucou com urgência. –Tipo, fazer yoga?

—É! –ele sorriu empolgado. –Mas sem tapetes, sem um instrutor ou música de fundo e, principalmente, sem aqueles incensos emprestáveis que deixam a nossa via respiratória mais congestionada que um engarrafamento no sub solo da cidade de Nova Nova York.

As passadas do inimigo se tornaram mais precisas, já com poucos intervalos, mostrando estarem mais próximas.

—Eu vou fingir que entendi alguma coisa que você falou, tá? –ela interveio ansiosa, tentando enxergar alguma coisa por cima dos ombros largos do rapaz.

—Nova Nova York é um lugar adorável... Bem, “quando os gatos de toca não estão querendo dominar o mundo” –ele disse, em um tom humorístico, mas a garota não entendeu a referencia. –Sério! Posso pensar em te levar lá um dia...

—Por que não pensamos primeiro em como salvar nossa pele hoje?—ela resmungou, inquieta. –Se sobrevivermos a isso, topo até ir ao fim do universo com você...

—Parece um bom programa—ele sorriu torto e ela percebeu aquela costumeira cara de bobo se manifestar.

—Sabe aquele tapa que eu evitei te dar mais cedo...? –ela deixou os lábios em duas linhas finas, semi-cerrando também os olhos. –Acho que você bem que está merecendo agora...

—Desculpe, eu me distrai –ele sorriu, indiferente. –Um homem não pode se divertir um pouco?

—Não no horário de trabalho, garotão! –ela olhou-o feio. –E pare de flertar você, comigo! 

A respiração da criatura ecoava pelo beco, a menos de meio metro de distância e os dois seguraram a respiração, de novo. Foi então, quando acharam que estaria tudo perdido, que ouviram a criatura protestar:

Maldição! Maldito mamífero insignificante! Você deve morrer por ter feito eu perder meu valioso tempo... Sontar-rá!

Ouviu-se um tiro e em seguida um snif, snif esganiçado. O Doutor e Luisa estremeceram, então tudo silenciou de vez, inclusive as passadas que se afastaram.

Ao se deparar com o silencio perpétuo, o Doutor pulou para fora das sombras, ressurgindo no meio da rua, ainda em tempo de ver o alien e o menino sumirem no fim do estreito e comprido beco. Ele fitou-os com cautela, então sentiu alguma coisa abraçá-lo por trás: a amiga se juntara a si.

—Ele não atirou em nós... –Luisa o contornou, tomando sua frente, ainda meio aturdida. –Eu não entendo... Ele não estava atrás da gente?

—Ele estava. –assegurou o Doutor. –Mas alguma coisa tomou sua atenção por uma segunda vez consecutiva. Isso salvou nossas vidas...

—Algo como aquilo... –Luisa apontou para um camundongo que surgia de dentro do buraco das marcas de tiro da arma alienígena, no solo poeirento da rua.

O Doutor fitou o animal, espontaneamente.

—É senhorita Parkinson, parece que fomos salvos pelo gongo... Ou neste caso, pelo rato.


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Notas finais do capítulo

kkkkkk

Tá, eu admito: a Luisa pode ser difícil nessas horas. Especialmente porque ela é indecisa demais, e pensa demais e se preocupa demais com tudo. Mas sabe? Eu acho interessante mostrar esse lado da personagem, pois não são todas as companheiras que assimilam bem as coisas e são capazes de se reconciliar rápido. Luisa as vezes dá essas voltinhas entre "tô quase lá me reconciliando" e "Ai meu Deus! Estraguei tudo again" mas acho que é uma coisa dela, e isso a torna uma personagem distinta, sobretudo porque quando ela consegue atingir seu objetivo, as recompensas geralmente são bem... Apaixonantes.

Então é isso. Acho que esse foi o capitulo mais "parado" dessa aventura. Daqui pra frente temos mais ação e surpresas!

Espero que tenham gostado -especialmente de algumas tiradas cômicas, apaixonantes, e situações embaraçosas. A história continua semana que vem!

Beijos!



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