Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 13
O Doutor bateu em retirada


Notas iniciais do capítulo

Oláááá!
Ops! Desculpem o atraso! kkkk Tava fazendo umas revisões finais no capítulo de hoje -que é um pouco maior que os últimos -mas nós temos uma ótima explicação para isso: é o final da aventura em Pisa! Precisamos de um GRANDE desfecho! E, de uma forma ou de outra, vocês vão ter um pouquinho mais de Luisa, Melissa e Doutor hoje, então aproveitem!

"Luisa e o Doutor estão na superfície, enquanto Agustina, Melissa e Malohkeh trabalham juntos para desenvolver o plano no subterrâneo. Eles tem um grande desafio pela frente: Salvar os bebês Reptilianos de um final terrivelmente trágico, e ainda assim, permanecerem vivos para contar a história".



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—Próxima parada, Piazza Arcivescovado! –gritou o Doutor, enquanto tentava se segurar na cabine que balançava mais que máquina de lavar roupa em processo de centrifugação.

—Você não se cansa disso? –perguntou Luisa quase escorregando.

—Disso o quê?

—De ficar falando italiano.

—Ah! Disso eu nunca me canso! –disse ele, sorridente, puxando uma alavanca para dar mais potencia para a nave. –Perdemos muito tempo nos perdendo da Torre e achando a TARDIS... Por isso proponho uma mudança de planos: Vamos esquecer a parte sobre “consertar o passado” e nos concentrar em voltar agora mesmo para o subterrâneo... Sabe-se lá como Melissa e Agustina estão se saindo. Alguma pergunta?

—Por que acha que eu tenho uma pergunta?

—Porque seus olhos me condenam –disse ele sem cerimônia. –Diga-me: qual o problema?

—Nenhum. Eu só estava pensando... O que pretendia fazer se tivéssemos tempo?

—Você quer dizer sobre o plano? Bem, não seria nada muito grandioso... Eu só iria tentar mudar a planta da Torre de Pisa antes que fosse determinado o local de sua construção. Talvez pudéssemos cuidar para que fosse construída em um lugar que não comprometesse ninguém...

Luisa pôs as mãos na cintura; “Nada muito grandioso”, ele dissera.  

—Mas isso não parece te agradar... -percebeu ele. -E nem vai precisar, eu presumo. Não teremos tempo nem para engatar a marcha ré! –falou ele por fim. A menina pareceu ficar um tanto pensativa, então ele acrescentou:

—Você tem alguma sugestão?

—Na verdade eu tenho. –sorriu Luisa, deixando-o cheio de expectativas. –Não precisamos voltar no tempo, nem alterar plantas... Tudo o que vamos precisar está aqui –ela retirou da bolsa um embrulho amassado. Ao vê-lo, o Doutor compreendeu perfeitamente o que ela queria dizer: o lápis bege que escrevia no nada finalmente teria uma utilidade.  –Pensei muito nisso e achei... Apropriado.

—Sem dúvida ele será! –sorriu o Senhor do Tempo, colocando distraidamente a língua no céu da boca. –Vamos lá então: Subterrâneo, aí vamos nós!

De volta ao subterrâneo, eles logo estacionaram a TARDIS em um local seguro e fácil de se lembrar: bem ao lado de uma planta com flores azuis que cheirava igual à lasanha. Em seguida, correram rumo ao que achavam ser o caminho certo para o Salão de Audiências Reptiliano (pelo menos o GPS apontava-lhes isso), onde estaria ocorrendo um suposto acordo entre raças. Ou era o que eles estavam pensando.

*    *    *

Em quanto isso, na câmara mais importante do mundo subterrâneo, Agustina e Melissa davam seu jeito para convencer a atual líder da raça réptil, Condessa Smeltra. Ela era uma Réptiliana com feições femininas, mas um tanto autoritárias; Batucava com as pontas dos dedos, o braço do trono, e parecia incrivelmente entediada. Naquele instante, as duas moças esforçavam-se em argumentar sobre a atual situação que os Reptilianos vinham passando e como os humanos poderiam colaborar para ajudá-los. Elas destacaram ainda que queriam que sua raça fosse vista como amiga e não inimiga, mas a líder Reptiliana pareceu não se interessar muito pelas propostas. Na verdade, diversas vezes tentou pular direto para o veredicto.

—Então, as humanas negam terem invadido nossas terras com consciência de estarem fazendo-o?

—Olha, “invadir” é uma palavra muito feia –prosseguiu Melissa. –Eu prefiro o termo “entrar de penetra”.

—Não brinque comigo, humana! –reagiu a mulher-réptil.

—Não, minha senhora, não está compreendendo: Elas estão querendo nos ajudar. Não querem começar uma guerra, estão nos oferecendo ajuda... –acrescentou Malohkeh.

—Me parece, Malohkeh, que você está tentando defender a raça rival ao seu povo! –rugiu Condessa Smeltra. –Estou certa?

—Não! Jamais! Minha senhora... Só estou tentando dizer que...

—Você é um tagarela Malohkeh! Não quero que diga mais uma só palavra –disse a Condessa rispidamente. –Sua função aqui, entre nós, é de cientista. Você devia estar estudando os humanos e não se amigando com eles... –condenou, estreitando os olhos. -Por que trouxe as fêmeas para cá, quando podia estar dissecando-as?

Que comentariosinho mais desnecessário, hein? Nós estamos aqui! Estamos ouvindo tudo o que estão dizendo! –revoltou-se Melissa.

—Malohkeh não teve a oportunidade de nos dissecar! Nós fomos teimosas e fugimos de seu laboratório... –inventou Agustina, aliviando a pele do amigo réptil. Ele ergueu as sobrancelhas para ela, apreensivo, pois agora, mesmo que estivesse acobertado, ainda havia a probabilidade de que a culpa caísse sobre elas.

—Então admitem que foram rebeldes em cooperar conosco? E ainda tem a audácia de virem apresentar-se em missão de paz?—abordou-as a líder Reptiliana, com hostilidade.

—Não! Não foi nada disso! Nós só queríamos chegar até vos para comunicar que entendemos seu problema, e que estamos dispostos a ajudá-los... –intensificou Agustina.

—Não precisamos de sua ajuda, criança!—disse crispando o nariz, como se demonstra-se ser superior.

—Não fale assim com ela! Agustina pode parecer puritana, mas é muito justa! Ela não merece ter que ouvir críticas de você! –defendeu Melissa, à amiga.

—Basta! Chega dessa estupidez! Isso está me cansando... Por que não resolvemos da seguinte maneira: Eu esqueço toda essa baboseira de “paz entre as espécies” e vocês poderão ser escoltadas para o meu calabouço, onde serão tratadas como de fato merecem.

—Corta essa “senhorita verdinha”, nós não nascemos ontem! –retrucou Melissa.

—Cuidado com o que fala –sibilou a Reptiliana ameaçadoramente.

—Acho que a senhora poderia apenas nos dar um pouco mais de atenção e ser um pouco mais agradecida, afinal viemos da superfície oferecer-lhes ajuda... –lembrou Agustina, pacifica.

—É verdade! É melhor abaixar esse tom de voz, Vossa Majestade!—Melissa ergueu um dedo acusatório. –Pois é, nós até estávamos pensando em desconsiderar as ameaças que fizeram ao nosso colega, o Doutor, que foi dopado, amarrado e quase torturado em um de seus laboratórios... Mas agora, com esse seu comportamento seco e debochado, estamos começando a ficar irritadas... –avisou Melissa, prestes a dar um de seus costumeiros chiliques.

—Cale-se! Criatura insolente!—indignou-se a Reptiliana, erguendo-se do trono. –Sorte sua que estou de bom humor, ou você já teria sido reduzida a pó há muito tempo!

—Bem, uma “criatura”, ela é mesmo, de fato... –sorriu o imprevisível Doutor, aparecendo de modo inusitado. Mais rápido do que os olhos eram capazes de assimilar, ele atravessou um arco invisível que oscilou apenas por um momento, ao ser cruzado por ele. Todos ficaram boquiabertos. Ninguém viu por onde ele entrara, nem suspeitavam da existência do lápis que ele segurava com cuidado em uma das mãos, muito menos do que o pequeno objeto era capaz. Diante de várias expressões perplexas, o Doutor acenou para todos, avançando como se fosse o dono do pedaço. –Olá garotas, perdi a festa?

—Não. Na verdade você chegou no clímax da noite. –sorriu Melissa, feliz por estarem tomando novamente o controle da situação.

—Beleza! Agora, para o meu próximo número... –ele agitou o lápis bege e desenhou uma porta no ar. O traço criou forma a partir do momento em que ele tocou a superfície do “nada” e imaginou uma porta ali. O rapaz chamou por Luisa, escrevendo seu nome na porta; Quase que de imediato a maçaneta girou, revelando a garota, que se admirava por seu plano ter realmente funcionado. –Bem vinda senhorita Parkinson! –saldou ele.

—O quê? Como fizeram isso? –perguntou Agustina, surpresa.

—Eu tenho uma pergunta melhor: Por que não entraram pela porta da frente como todo mundo faz? –disse Melissa, de braços cruzados.

—É que estava trancada –esclareceu o Doutor. –E aí Luisa teve essa magnífica idéia... –ele sorriu para a amiga, empolgado. –Conseguimos! Você é brilhante garota!

—Obrigada, mas guarde os agradecimentos para depois... Olha! –Luisa apontou para a Condessa Reptiliana que parecia explodir de raiva.

—COMO ASSIM OS HUMANOS ENTRAM E SAEM DO MEU REINO A HORA QUE QUEREM? GUARDAS! GUARDAS! GUARDAS!

—O quê? –gemeu o Doutor indignado. –Ah, essa não! Acabaram com a minha entrada triunfal... Tudo bem. Próximo passo: Correr por suas vidas. O.k. Instrução assimilada pelas minhas pernas... Vocês todos, corram! Corram! CORRAM! –gritou ele para as meninas e Malohkeh. Eles correram para fora do grande Salão de Audiências, então ele completou: –Estou vendo que o acordo de vocês não deu muito certo, não?

—Nós estivemos falando com a senhorita “escamas esquentadas” há quase uma hora e ela ameaçou nos transformar em pudim uma pancada de vezes! Tente fazer melhor, “dr. Dolittle!”. –retrucou Melissa.

—É verdade, meu amor –confirmou Agustina, simplista. –Nós tentamos mesmo convencê-la, mas pareceu-me que seu orgulho era mais forte que a razão.

—Puxa vida, que embaraçoso...  Tudo bem, eu admito: foi um péssimo plano em todos os sentidos!—disse o Doutor, esfregando o rosto. –Vamos manter o ritmo... Não queremos que os guardas nos alcancem!

—E o que faremos agora? Vocês conseguiram ao menos consertar o passado como disseram que iam fazer? A Torre de Pisa está mudada? –quis saber Malohkeh. O Doutor olhou-o com inquietude. Aquela não era a melhor hora para dar explicações. Além disso, ele queria que conservassem a esperança que tinham, então preferiu apenas tocá-lo no ombro, sorrir e dizer:

—Nós vamos conseguir. Agora devemos correr, meu bom amigo...

Eles deram no pé. O Doutor sempre à frente, como de costume, correndo como se fosse disputar uma maratona. As garotas e Malohkeh vinham em seu encalço, incansavelmente... Rumo à liberdade ou ao confinamento, ninguém sabia ao certo. O fato é que no meio do caminho o Doutor parou. Ele franziu o cenho e arregalou os olhos. Parou tão de supetão que Luisa, que vinha correndo logo atrás dele, deu-lhe um encontrão, o que o fez cair novamente em si. Os outros passaram rapidamente por ele, deixando-o para trás, mas como se por preocupação, voltaram-se para ele de uma distancia já muito grande: Por que ele empacara lá?

—Vão! Vão! Saião daqui! Nós já vamos alcançá-los... –avisou Luisa, sem tirar os olhos do rapaz. Agustina pareceu resistir ao pedido, mas quando Melissa puxou-a consigo, ela cedeu. Quando todos se foram, Luisa franziu a testa, seguindo o olhar do amigo e tentando enxergar o que ele tanto contemplava com precisão e intensidade. –Você está bem?

Não. –admitiu ele. Luisa até espantou-se com a tonalidade de sua voz: estava abafada, como quando alguém tenta segurar o choro. –Aquilo não devia estar ali... Não devia mais acontecer...!

Luisa procurou com o olhar, algo de diferente na parede oposta. Só viu pedras verdes com algumas plantas sob elas... E uma rachadura estranha quase do formato de um raio deitado. A rachadura da parede brilhou com mais intensidade quando o rapaz andou em sua direção, com cuidado. Luisa olhou novamente para ele: agora seu rosto parecia mais sério e cansado do que nunca. Ela não entendia o motivo de todo aquele alarde por causa de uma rachadura brilhante, mas sendo o que fosse, ela parecia ser de grande importância para o Senhor do Tempo.

—Isso não pode estar atrás de mim de novo... Já não acha que foi insistente demais, o que quer comigo agora?—gritou ele para a rachadura, que cintilou mais forte em sua direção, como que desafiando-o. Luisa sentiu os pelos se eriçarem ao ouvir o amigo gritar com raiva. Ele ficava muito sombrio quando ficava com raiva. Esse era um lado seu que Luisa pouco conhecia, mas que de vez em quando, acabava vindo à tona.

O Doutor teve um breve flashback na qual relembrou o encontro de uma cabeleira ruiva atingindo seu rosto, seguido por um abraço forte e muitas risadas. Reviveu momentos intensos naquele mesmo lugar, no subterrâneo, só que agora no futuro. Relembrou uma situação parecida em que uma broca gigante, que cavava rumo ao centro do planeta, enfurecera os Reptilianos e punha-os novamente contra os humanos. Ele, juntos de mais um grupo de pessoas, foram até o subterrâneo para dialogar com os homens-répteis. Uma mulher, junto de uma garota ruiva –uma velha amiga sua –tentaram convencer as duas raças a viverem em paz... Mas no fim das contas, tudo foi em vão. Assim como atualmente, eles também haviam fracassado, mas em compensação, daquela vez no futuro, o Doutor havia construído um legado perante ao mundo subterrâneo e, conseqüentemente, arranjou aliados: A guerreira Reptiliana Madame Vastra, que se tornaria sua fiel conselheira e amiga, séculos mais tarde, era um exemplo disso. Também fizeram amizade com outros: um líder Reptiliano muito sábio e... Seria possível? Um cientista muito bonzinho, que ajudava os humanos e guardava seus verdadeiros sentimentos por eles em segredo, pois tinha receio de ser tachado como traidor da raça homo-reptília...

Não. Não podia ser Malohkeh. Talvez fosse um sucessor –ele mesmo disse que o trabalho passava de pai para filho—mas quais eram as chances dos dois serem exatamente iguais até no jeito de pensar? Muito poucas. Enfim, talvez fosse coincidência... Ou poderia ser o mesmo Malohkeh alguns séculos mais novo? –refletiu o Doutor, perdido em pensamentos. 

—Doutor? –Luisa o chacoalhou. Ele olhou-a instantaneamente; Estava com a cabeça fora de área... Por um momento, tinha se esquecido de que a menina estava presente ali com ele. –Você está bem?

—É isso! Eu sabia que o conhecia de algum lugar! –sorriu ele, inesperadamente. -Eu nunca me esqueço de um rosto... Agora sei porque me soou familiar!

—Do que você está falando? –perguntou Luisa, espantada.

—Lembrei-me de Malohkeh. Ele foi um bom amigo que me ajudou uma vez, no futuro. Ele ainda não sabe, é obvio, porque isso ainda irá acontecer para ele, mas para mim, trata-se do meu passado. –terminou de explicar, então tornou a ficar sério. -Só não entendo o que essa rachadura está fazendo aqui.

—Vocês dois se conhecem? –brincou Luisa, indicando um e outro com o dedo.

—Sim. Isso só se parece com uma rachadura, mas na verdade é muito mais que isso...

—É uma outra dimensão ou coisa do tipo?

—É a minha ruína. –disse o Doutor secamente. Aquela frase pesou tanto saída de seus lábios que o silêncio logo se pronunciou entre eles. Luisa arregalou os grandes olhos castanhos para ele, como se temesse olhar novamente para a rachadura.

—E o que ela faz aqui? –indagou a menina, insegura.

—Não sei. Mas não se preocupe, só fique... Longe dela, o.k? –aconselhou ele, acariciando o rosto da amiga, que ainda conservava uma expressão tensa. –Acalme-se, eu estou aqui. Não precisa ter medo...

Ele abraçou-a, encaixando o queixo sob a cabeça dela. Ergueu os olhos para a rachadura, sem piedade, e apontou-lhe a chave sônica. Na mesma hora, a rachadura em formato de um raio deitado se fechou, sumindo da vista dos dois. A chave sônica nem precisou ser usada; Ele encarou a parede, intacta agora, depois ergueu o rosto da garota e deu-lhe um beijo na testa, dizendo por fim:

 -Vamos embora daqui.

Durante algum tempo só fizeram correr, então pararam e ouviram passos próximos. O Doutor ia tentar “surpreender o inimigo”, mas quando saltou para assustá-los, viu que o outro fizera o mesmo. Ambos gritaram, mas ele ficou aliviado de saber tratar-se somente de Melissa.

—Me assuste assim de novo, que da próxima vez eu te faço parar de respirar! –rugiu Melissa, dando-lhe um tapa na cabeça.

—Idem. Essa ameaça é de mão dupla –respondeu ele, sem fôlego.  

—O que houve?–indagou Agustina, chegando logo depois, assustada com todos aqueles gritos histéricos de Melissa. –Doutor! Por que demoraram tanto?

—Tivemos que despistar os guardas. –mentiu o Doutor. Luisa nem ameaçou descordar. Estava tão perplexa que era até capaz de concordar que seus olhos eram cor de rosa, se alguém o dissesse. –O que perdemos?

—Não muito... Mas você precisa vir comigo! –disse-lhe Melissa. Ela parecia ansiosa.

Ele concordou e ambos seguiram até uma caverna escondida onde se abrigaram e Melissa mostrou-lhe o que acharam ali.

—Bem vindo a Bat-Caverna!—brincou ela. –Quando eu encontrei isso, achei que fosse apropriado te mostrar antes de qualquer coisa.

 Ele colocou os óculos de armação quadrada e debruçou-se diante de um estranho televisor, com suas laterais cravadas na pedra.

—Isso é um comunicador –explicou o Doutor, analisando a peça com cuidado. –Mas parece ser um tipo diferente... Ao invés de você falar nele, a sua imagem é que é transmitida pelo aparelho, para um outro lugar. É realmente incrível essa tecnologia daqui...

—Pare de babar pela genialidade deles! –interferiu Melissa, impaciente. –O que você tem que fazer é o que importa!

—Do que você está falando? –disse ele, guardando os óculos no bolso interno do casaco.

—Você me mandou um Holograma. Acho que usou um desses aparelhos para poder fazê-lo daqui de baixo...

—Como? Eu não fiz nada disso.

—Não fez ainda. –interpôs ela. -Pelo que sei, você curte essas confusões de: “passado pra mim, futuro pra você”, não é? Bem, algum tempo atrás, eu estava na torre, enquanto Luisa e Agustina tinham descido para vir trazer-lhe o capacete...

—Este capacete? –ele colocou o objeto novamente na cabeça.

—Este mesmo. –sorriu Melissa, então continuou: –Eu não ia descer, mas você apareceu pra mim em forma de holograma. Sei que parece estranho, mas foi você que me alertou sobre toda essa confusão aqui embaixo. Sem o seu aviso, eu jamais teria descido e, de acordo com Malohkeh, eu não teria vindo me juntar a Luisa e Agustina e ninguém teria te salvado daquele laboratório. Ou seja, preciso que você me dê esse toque.

—Entendi. –afirmou ele. –Só uma pergunta: Você constatou isso tudo sozinha?

—Tirando a parte que Malohkeh confirmou... Sim.

—Olha... Foi mesmo muito bom. Parabéns! –sorriu ele, orgulhoso, e muito admirado com a capacidade de entendimento da garota.

—Ah, valeu. –ela disfarçou um pequeno constrangimento. –Bom, é melhor você ir, “garoto Alien”. Ah! E seja insistente! Saiba que eu não vou te dar razão se você não for.

—Eu sei disso. -ele sorriu e posicionou-se para ligar o aparelho. Colocou a mensagem para funcionar no momento exato em que, do outro lado, Melissa ainda estaria andando de um lado para o outro na Torre de Pisa, preocupada com os amigos.

Após passar a mensagem duas vezes (o Doutor não havia entendido o motivo de Melissa ter se espantado ao ver o capacete em sua cabeça), eles seguiram com a ajuda do GPS, pelos corredores que não estavam sendo revistados pelos guardas –que ainda os caçavam incansavelmente. Nesse meio período, Melissa explicou-lhe o motivo de ter dado tanta importância ao tal capacete (a história da Senha, que Malohkeh propôs para conseguir identificá-las ao descerem no subterrâneo). 

Algum tempo depois, eles chegaram, com muita dificuldade, novamente ao berçário (os guardas pareceram se apoderar de quase todos os corredores que eles poderiam utilizar para chegar lá), e encontraram a TARDIS. A cabine estava coberta de grama azul –parecia ter se auto-camuflado. Aquilo foi até engraçado de se ver, mas eles ainda tinham muito que fazer por ali, antes de poder contemplá-la como uma carona para casa. Eles sabiam que se partissem, a Torre continuaria causando danos aos Reptilianos... Não poderiam simplesmente ir embora! Tinham que fazer alguma coisa para ajudá-los.

—Certo. Temos que tirar esses bebês debaixo da Torre! A sombra excessiva e a falta de nutrientes da terra, acabarão com suas vidas... Alguma idéia?  –lembrou Luisa, aberta a opiniões.

—Como vamos mover a Torre de lugar? –perguntou o Doutor pensando alto.

—Só vejo uma saída para isto. –manifestou-se Agustina. Todos voltaram-se para ela, esperançosos. -Se não pudemos mudar a Torre de Pisa de lugar, mudaremos então, os ovos!

—Boa idéia! –alegrou-se Luisa. –Mas como exatamente faremos isso?

—É, bem, os ovos são pesados, e ainda há o perigo de se quebrarem... –afirmou Malohkeh.

—Tem que haver um jeito bom e seguro de fazê-lo! –insistiu Melissa, elétrica.

—Temos que ter muito cuidado... Dentro de um desses ovos, estará provavelmente uma Reptiliana genial que eu odiaria que morresse logo agora... –acrescentou o Doutor, fazendo nova referencia à sua amiga Madame Vastra.

—E tem mais: Eles são colados ao solo. Em caso de terremotos e coisa do tipo –continuou Malohkeh preocupado.

—Vocês têm terremotos aqui embaixo? –espantou-se Melissa.

—Os efeitos das Placas Tectônicas estão em todos os lugares... –contou Melohkeh.

—Eu posso fazer isso... –murmurou o Doutor quase inaudível. 

Um terremoto? —disse Luisa apreensiva.

—Não! Estou falando do transporte dos ovos. Eu posso fazer com que a TARDIS se materialize bem em cima do agrupamento de ovos, para assim, transportá-los para uma melhor localização subterrânea, usando o GPS de Malohkeh.

—Com “TARDIS”, tu refere-se à caixa azul? –perguntou Agustina. -Como fará isso com aquela caixinha tão pequena?

—Bem, modesta à parte, eu tenho meus talentos... -exibiu-se o Doutor, segurando nas abas de seu casaco.

Ela é maior por dentro—dedurou Melissa para Agustina, que pôs as mãos sob os lábios, de tanto espanto. O Doutor fez uma cara feia para Melissa, pela revelação precoce que fizera, mas seu cérebro continuou bolando o plano em silêncio.

—Certo, e como desgrudar os ovos do chão? –investiu Luisa, na pergunta.

—Eu tenho a composição que solta os ovos do solo. Fui eu mesmo quem criou a mistura que os mantêm parados no lugar, seria muito desleixo não ter criado um antídoto para a fórmula. –anunciou Malohkeh animado.

—Ótimo! Então, vamos ao trabalho! –sorriu o Doutor, esfregando as mãos, rumando para a TARDIS. Queria deixar tudo pronto... Dar espaço para os ovos e coisa e tal. Agustina foi seguindo-o de fininho até pararem ambos na porta da cabine.

—E onde você pensa que vai? –perguntou ele, que fingira todo o tempo não tê-la visto segui-lo.

—Eu só pensei em...

—Ver o interior da minha cabine para comprovar com os próprios olhos se o que dissemos é mesmo verdade? –completou ele. Ela enrubesceu. –Ah, minha doce Agustina... Essa é você: Uma simples garota humana da Terra, cheia de dúvidas, curiosidades e força de vontade –ele segurou uma das maçanetas da TARDIS, sorrindo para Agustina. –Isso sim tem valor!

E assim, escancarou a porta, fazendo sinal para que ela entrasse. Enquanto Agustina, boquiaberta, admirava o lugar, ele rapidamente afastou coisas como sofás, poltronas, cabideiros e mesinhas de centro, apenas ao pressionar um botão roxo no painel de controles. Todos os móveis começaram a andar e dar rodopios rumo às paredes, esquivando-se do centro, para que coubessem os grupos de ovos todos empilhados no imenso interior da cabine azul.

—Isso é magnífico! –brandiu Agustina, maravilhada. O Doutor sorriu em silêncio ao reparar que ela dissera o mesmo quando vira a Torre de Pisa de pertinho.

Logo, já estava tudo preparado e o plano já poderia entrar em ação. Quando a TARDIS começou o serviço, Malohkeh espantou-se ao ver como ela era rápida e eficiente. Ele e Melissa ficaram fiscalizando o trabalho do lado de fora da cabine, enquanto lá dentro, o Doutor, Luisa e Agustina controlavam a mudança de local dos ovos com extremo cuidado e precisão. Tiveram grande sucesso. Com o trabalho quase concluído, o Doutor inclinou-se próximo de Luisa e disse a ela:

—Lembra-se de que a Torre de Pisa nos postais apresenta uma inclinação muito maior do que em 1700?

  -Mais é claro!

  -Bem... É culpa nossa.

  -Wou! Fala sério? Quer dizer que essa mudança toda aqui embaixo vai abalar ainda mais a estrutura?

  -Pois é. Agora sabemos porque ela fica tão torta. Só não conte para a Agustina. Ela definitivamente não gostará de saber que estaremos comprometendo ainda mais a estrutura da Torre...

 

—Tem razão. Será segredo nosso então. –sorriu ela.

—Esse ovo é muito pesado! –avisou Malohkeh, do lado de fora da cabine. –Vão mais devagar, por favor...

—Essa aqui é a Madame Vastra, “aquela cabeça dura!” –brincou o Doutor, esforçando-se para não quebrar um provável concorrente.

Por fim, tiveram que reforçar aquele lado abaixo da Torre de Pisa, para que ela não desmoronasse, ao invés de apenas continuar tombando para o lado, com o avançar dos séculos. Fizeram a mudança de local e encheram uma outra ala (uma sala subterrânea) com os tais ovos. Ao fim, eles comemoraram o belo trabalho em equipe, concluído, e despediram-se de Malohkeh.

—Ótimo trabalho vocês fizeram! –aplaudiu Malohkeh.

—Ora, Não foi nada. –disse o Doutor, simplista.

—Fizeram e muito! –sorriu o Reptiliano, apertando a mão do Doutor. –Serei eternamente grato, em nome da raça Reptiliana...

—Sei que sim. –sorriu o Doutor, abraçando-o fortemente. –Foi uma honra trabalhar ao seu lado meu caro Malohkeh. Me deixe orgulhoso com suas descoberta futuras...

—Pode ter certeza que eu vou! –afirmou Malohkeh, comovido com tantos elogios. Depois, despediu-se de Luisa e Agustina; Então foi a vez de Melissa:

—Continue sendo esse cientista incrível que você é. Sabe, esse que não disseca pessoas... –brincou ela.

—Eu farei. E nunca me esquecerei da senhorita... De nenhum de vocês. –garantiu Malohkeh emocionado.

—É melhor mesmo! -sorriu Melissa dando-lhe um beijo na bochecha verde e escamosa. –Até um dia!

Eles entraram na TARDIS e acenaram para fora. A porta se fechou e a cabine decolou. Partiu, deixando para traz todo o mundo subterrâneo, mas agora Malohkeh sabia que tinha uma turma da superfície que confiava nele e que contava precisamente com suas descobertas. Agora sabia estar no caminho certo...

Logo, meio que por impulso, um grupo inteiro de uns trinta guardas apareceu cercando a sala onde Malohkeh estava. Pareceu-lhe que finalmente haviam rastreado a localização atual dos humanos, mas felizmente, eles já haviam ido embora. Os guardas perguntavam todos agitados sobre os prisioneiros que fugiram. Malohkeh apenas virou-se para contemplá-los e disse:

—Não há nenhum humano aqui, mas há um novo berçário. Por que estão perdendo tempo correndo atrás de humanos enxeridos se podem contemplar o nascimento futuro e saudável de todas essas crianças? –disfarçou ele; enquanto dizia isso, sorria por dentro ao pensar nos humanos como “enxeridos”. Ele sabia que nunca poderia falar o que realmente pensava dos humanos para mais ninguém, então murmurou para si mesmo: -“Muito bem... Que a farsa continue!”.

*    *    *

O dia passou depressa depois que regressaram à superfície. O Doutor se entretinha limpando o exterior de sua TARDIS, retirando todo o chumaço de grama azul que restava. Foi aí que Melissa finalmente perguntou:

—O que é essa grama azul afinal?

—É um tipo de alerta –disse. –Na linguagem Repitilana, significa: “Mantenha distancia”. –esclareceu ele.

E você só me conta isso agora!?—esbravejou ela, indignada. –Eu encontrei uma tonelada disso em todo o meu trajeto... Só acho que teria ajudado um bocado se eu soubesse o que essa porcaria significava! –gritou ela, dando-lhe um tapa no braço e saindo de perto dele, pisando firme. O Doutor revirou os olhos e sorriu pelo canto dos lábios. Novamente sozinho, começou a lembrar de algumas passagens da última aventura e ficou pensativo: O que o retorno daquela rachadura na parede subterrânea significava? Problemas? Talvez. O importante é que saíram ilesos de toda aquela situação. Desta vez, pelo menos.

O fim do dia já começava a se manifestar, e o Senhor do Tempo continuava ali, sentado na escada que dava acesso à pousada em que Agustina trabalhava. A balconista estava tentando convencer seu chefe, o sr. Pedro, de que sua ausência no trabalho daquela tarde fora ocasionada por uma seqüência de problemas na Piazza Arcivescovado. Isso de fato era verdade: ela ficara mesmo envolvida com o problema dos Reptilianos, mas é claro que não contaria essa parte da história ao chefe. Ele a julgaria louca, então achou melhor optar por dizer que o senhor Vicenzo (o dono local das charretes alugáveis, muito conhecido por todos) teve um grande prejuízo por alguns cavalos seus terem desaparecido no meio da reinauguração da Torre de Pisa; Agustina saiu com a desculpa de ter ficado para ajudá-lo a encontrar os animais.

O chefe de Agustina era um homem muito bom, também justo e compreensivo. Ele entendeu perfeitamente, mas pediu que a moça não voltasse a se atrasar, afinal, era ela quem recebia os hóspedes e ficaria muito ruim para todos eles se as pessoas que chegassem no lugar se deparassem com uma bancada vazia, abandonada. Agustina concordou com ele. Ela não gostava de mentir, mas convenhamos que assim fora melhor. E não haveria jeito de ser desmentida, pois realmente dois cavalos do sr. Vicenzo seriam dados como desaparecidos em pouco tempo, por ele próprio. Claro que ela sabia o verdadeiro motivo disso ter acontecido: O Doutor os “pegara emprestado” quando eles precisaram de uma carona para chegar rapidamente à Torre de Pisa. O rapaz se certificara de que os cavalos não se perderiam ou coisa do tipo, dizendo a eles para “ficar ali”, mas é obvio que os animais não o obedeceriam e se perderiam com o passar do tempo. De um jeito ou de outro, fora uma ótima desculpa para o problema de Agustina.

Enquanto ela não voltava, Luisa aproximou-se do rapaz na escadaria.

—Oi!

—Olá!

—Posso me juntar a você?

—É lógico!

Ela sentou-se ao lado do amigo e deitou a cabeça sobre seu ombro esquerdo.

—Você está bem? –perguntou ela.

—Estou ótimo.

—Parece preocupado.

—Eu estou bem.

—Seus olhos estão distantes. Sua língua está no céu da boca. Sua testa está franzida e você não para de batucar os dedos irritantemente contra sua perna... Se isso não for você preocupado, então eu não te conheço mesmo.

—Puxa vida! –sorriu ele, parando de refletir para prestar atenção em si mesmo. –Você é muito observadora, nem eu percebi que estava fazendo tudo isso...

—Modesta à parte, mas sim: Sou mesmo muito observadora—sorriu ela, entrelaçando seu braço com o dele. Ficou brincando inconscientemente com o botão da manga do casaco do amigo, olhando para a paisagem daquela rua circular banhada pelo por do sol.

—Você foi incrível lá embaixo. –disse ela para ele.

—Todos nós fomos. –ele segurou a mão dela, entrelaçando-a com a sua própria. Luisa sorriu pelo canto dos lábios. Estava feliz em tê-lo ao seu lado, mesmo sabendo que algo o perturbava. Entrementes, Luisa prosseguiu:

—Sabe, Malohkeh falou sobre os Senhores do Tempo. Disse que a Guerra do Tempo causou muita devastação para todo o universo... O que ele quis dizer com isso?

—Bem –ele analisou a mão da menina por um momento, então finalmente voltou a contemplá-la: -Essa é uma longa história...

—Não vai me contar, não é? –deduziu ela, ao ouvir o tom que ele usara para pronunciar “longa história”.

—Eu preferia não comentar. –admitiu ele.

—Eu entendo. –a menina assentiu, compreensiva. O amigo continuava com o olhar distante, e o pensamento ainda mais. –É uma daquelas histórias que é melhor ficar no passado, esquecida.

Ele fez um breve aceno de cabeça, sem olhá-la nos olhos. Estava sempre procurando evitá-los nessas horas. Ele sabia que aqueles grandes e curiosos olhos castanhos sabiam mais coisas do que a inocência de Luisa aparentava-lhe. Era melhor tomar cuidado com o que dizia e também, com o que pensava.

—E que tal um sorvete? Acho que merecemos um depois de tudo o que passamos... –sugeriu o Doutor, mudando de assunto.

—Mas aqui nem tem sorveteria! –interveio ela, sorridente. –E eu nem trouxe dinheiro...

—Pois é. Nem eu.

Os dois riram abertamente. Luisa sabia que o amigo fazia um imenso esforço para tentar não transparecer seus sentimentos sobre o assunto que tanto o machucava. Ela sabia que aquilo era só uma fuga e que ele queria fazê-la esquecer o assunto de vez. Não seria fácil, ela tinha tantas perguntas, tantas dúvidas e curiosidades, mas pelo amigo, ela faria esse esforço. Por fim, comentou:

—Não precisa fazer isso.

—Isso o quê? –perguntou ele.

—Tentar me fazer rir. –falou ela. –Eu sei que alguma coisa nisso tudo te machuca... Não precisa parecer forte e sorrir por minha causa, se não quiser.

—Mas eu quero. –surpreendeu-a ele. –Eu tenho que ser forte.

—Não tem não. –ela acariciou-lhe o rosto. –Você é meu Doutor corajoso, eu sei que é. -ela ergueu-se. As mãos ainda entrelaçadas, então a garota se debruçou próxima ao ouvido dele e murmurou: -Mas não precisa ser corajoso o tempo todo...

E assim, ela se afastou, deixando-o sozinho, agora com seus pensamentos. Ele ficou vendo-a distanciar-se, imaginando como tivera tanta sorte de encontrar Luisa e Melissa assim, de repente. Talvez a TARDIS tivesse algo a ver com isso... Quem sabe?

Ao mesmo tempo que a menina se afastava, Agustina vinha vindo. Parou no topo da escada, contemplando-o por um momento, sem que ele percebesse. Ela queria conversar com ele e, vendo que o Doutor estava sozinho, resolveu se aproximar.

—E então, conseguistes mesmo um lápis que escreve no nada...—disse, anunciando sua chegada.

—Agustina! –sorriu ele, vendo-a sentar-se ao seu lado. –Como foi a conversa com seu chefe?

—O Sr. Pedro é muito bom. Ó Deus meu! Perdoaste-me por mentir... Mas não haveria jeito! Quem acreditaria que criaturas verdes construíram um berçário embaixo da Torre de Pisa? Me chamariam de louca!

—Infelizmente você tem razão. A raça humana ainda não está preparada para o contato com outra vida inteligente... Na verdade, vai demorar bastante para estar. Mas vocês chegam lá... Algum dia.

—E Tu? Como andas? –mudou ela de assuntou. –Estiveras conversando com Luisa? Parecias preocupado.

—Não. Eu estou bem. Ela também está. Estão todos bem! Eu salvei todo mundo, não foi? –indagou ele rudemente, mais para si próprio que para Agustina, mas ao ver o que havia feito, desculpou-se. –Eu não sei o que há comigo...

—Eu sei.

—Sabe?

—Estás confuso. E eu também estou. No início, achavas que tu eras um homem comum, agora sei que na verdade és diferente... E isso perturba. Assusta até. Deve ser difícil ser diferente, mas não o culpo. Adorei tê-lo conhecido... Mesmo que no fim, não seja como planejamos...

—O quê quer dizer? –perguntou, contemplando-a. -Por que isso soa como um adeus?

—Porque... –ela fez uma pausa e uma lágrima escorreu-lhe enquanto falava. -... talvez seja mesmo um adeus.

—Como assim? –espantou-se ele, fitando-a descorçoado.

—É tudo muito rápido para mim: Num dado momento tu eras um, agora olho e não sei mais achar-te. Não encontro mais o homem que conheci. Sei que és tu, mas naquela aventura ouvi tantas coisas a seu respeito... Coisas dignas de se arrepiar e outras de se amar. Estou dividida! Na verdade, olho para trás e nem consigo decifrar o que houve entre nós... Não quero magoá-lo, eu também estou sentindo-me sem ar ao dizer-te isto: Mas acho que nossos mundos são muito diferentes.

Ele ouviu tudo, cada palavra, calado. Não ousava nem ao menos respirar. Aquilo pareceu atingi-lo de um jeito estranho. Ele gostava dela, mas de certo modo, sempre soube que aquele momento chegaria.

—Diga alguma coisa! –reagiu ela, ao ver que ele nem pareceu se indignar com o que ela dissera.

—O que eu posso dizer? Não posso simplesmente sorrir e afirmar que “pra mim está bom”. Não posso! Não todo o tempo... –ele lembrou-se de Luisa, ao dizer essas palavras. Então passou-lhe pela cabeça que tudo o que a menina lhe dissera podia mesmo ter feito alguma diferença. –Eu estou triste. É claro que estou. Não esperava ouvir isso, não tão cedo... Mas não estou decepcionado. Porque a minha doce Agustina, uma simples balconista de pousada, salvou o mundo hoje, impediu uma guerra entre espécies de acontecer e fez mais: Salvou todo um batalhão de bebês Reptilianos, com o grande coração que tem! Você se encontrou. Mostrou para todo mundo quem você realmente é e do que pe capaz! Não deixou-se ser manipulada, nem nada! Você reagiu a tudo isso... Eu estou orgulhoso de você.

—Mas e nós? –insistiu ela.                                              

—Nós? Bem, talvez você esteja certa. Talvez não exista recentemente um “nós”... Mas um dia existiu. Ah! Pode ter certeza que sim! Peço-lhe desculpas por não ser o tipo de cara certo para você... Isso me deixa arrasado. Você é esperta, divertida, é educada, doce, compreensiva... Uma mulher e tanto! Ah meu Deus, como eu adoraria poder ser esse cara!—brandiu o Doutor, indignado consigo mesmo. Ao fim, os dois riram dos próprios dizeres, como se aquilo tudo fosse uma piada.

—Melissa tem razão. Eu sou um verdadeiro idiota. –admitiu ele, ainda dando risada.

—Não, não é. –disse ela acalmando-se, passando o braço ao redor de seu pescoço. -É sério. Tu foras muito importante para mim. Se tu e aquelas meninas não houvessem aparecido... Acho que nunca teria me descoberto. Eu gostaria de retribuir de algum jeito... –falou Agustina, sincera. –Quero agradecer-te. Muito. Gostaria que pudesse ficar, mas sei que não costuma parar num lugar por muito tempo...

—Não precisa agradecer. Seus defeitos foram consertados por você mesma, nós só demos um empurrãozinho à toa... –sorriu ele. –É, mas você tem razão: Eu sou mesmo irredutível! Não conseguiria ficar, mesmo que quisesse.

—É sim. Mas ainda assim é brilhante e inteligente! Isso com certeza. –sorriu ela em retorno.

—Obrigado. –então ele ergueu-se em um pulo e estendeu a mão para ajudá-la a fazer o mesmo. Por fim apertou-lhe a mão. –Amigos?

—Amigos. –sorriu Agustina, feliz por tudo ter se resolvido bem. Eles não poderiam ficar juntos. Ele não cederia em ficar e ela também não aceitaria ir embora. Cada um amava a vida que levava e eles respeitavam isso. Mas ser apenas bons amigos não seria de tudo ruim. Eles teriam sempre boas recordações um do outro e se lembrariam com saudades daquele tempo. Seria melhor assim. Ao terminarem a conversa, ambos dirigiram-se ao encontro das outras duas meninas e da TARDIS que estava esperando-os para a partida.

—Então, seria um insulto se mesmo assim eu teimasse em convidá-la à vir conosco? –arriscou o Doutor, mesmo já sabendo a resposta.

—Nem tente! Não saio daqui por nada –sorriu ela decidida, dando-lhe um último abraço.

—Bom, não posso dizer que isso me surpreende. Bem lá no fundo, eu sempre soube que perderia para a Torre de Pisa. –brincou ele. –Mesmo assim, a oferta continuará de pé –afirmou ele. –Para sempre.

Agustina sorriu, então Melissa veio despedir-se dela:

—Ainda bem que você reencontrou o bom senso e largou desse cara! –sorriu Melissa abraçando-a. –Ele não bate muito bem da cabeça. Mas não se preocupe: Conheço um bom hospício que vai adorar recebê-lo...

—Melissa! –indignou-se o Doutor, tamborilando os dedos impacientemente na porta da TARDIS.

—O.k! O.k! Eu exagerei—admitiu Melissa, para o espanto de todos os presentes. –Melhor aproveitar, “garoto alienado”, só vai me ouvir dizer isso uma vez.

O Doutor revirou os olhos, a despedida prosseguiu.

—Soube que vocês terminaram... –disse Luisa, com medo de magoá-la. –Está tudo bem?

—Está sim. –sorriu Agustina sinceramente. –Nós decidimos optar pela amizade, mas tudo bem, eu sempre irei amá-lo. Você sabe.

—Eu sei. –concordou Luisa, abraçando-a bem forte. –Adorei conhecê-la, Agustina! E amei conhecer sua cidade...

—Ah! Eu não disse que a Torre de Pisa era Magnífica? –sorriu a outra, satisfeita pelos elogios. –E vós por pouco não aceitastes ir vê-la comigo, não é?

—Pois é. Tudo por causa da teimosia do Doutor... –disse Luisa revirando os olhos, divertindo-se em lembrar como haviam se conhecido.

—Então era esta a tal “embarcação” de que me falares no início? –indagou Agustina, apontando para a TARDIS, ás costas de Luisa, lembrando-se da história do navio que a garota contara quando se conheceram. –Uma caixa azul que voa?

Foi mal. Mas você não teria acreditado na gente, logo a princípio, se nós tivesse dito a verdade... –explicou Luisa. –Mas sim. Essa era a nossa embarcação.

—Sei. –sorriu Agustina, encantada. –Esse mundo do Doutor pode ser maravilhoso, mas é também muito estranho... Claro que adorei conhecer tudo! Devo agradecê-los por essa excelente aventura...

—Então quer dizer que não quer vir conosco? –insistiu Luisa.

—Não poderia sair daqui. Minha família está aqui. Minhas raízes. A Torre, e tudo o mais!

—Esse “tudo o mais”, envolve um tal padeiro?—supôs Luisa, esperançosa.

—Talvez. –concordou Agustina, considerando a idéia. –Quem é que sabe o que o destino nos reserva?

—Mas tome cuidado, dizem que um raio nunca cai no mesmo lugar duas vezes... –lembrou Luisa, já indo de encontro com as portas azuis.

—Vamos descobrir, então. –Agustina sorriu, dando de ombros. –Adeus! –acenou para os três que fizeram o mesmo de dentro da cabine, antes das portas se fecharem. O Doutor insistiu para que ela não tirasse os olhos da caixinha azul, mesmo após eles terem entrado. Ele queria poder ver, pela câmera externa, o rostinho surpreso da moça, ao presenciar a cabine decolando, afinal, quando ela a vira decolar pela primeira vez, estava dentro desta, portanto não tivera a maravilhosa sensação de contemplá-la sumindo aos poucos, com aquele gemido rouco instável ecoando como um hino de esperança, a caixa ficando a cada segundo mais transparente, até por fim, desaparecer por completo.

Ao terminar a exibição, a moça sorriu e caminhou vagarosamente de encontro à pousada. No caminho, refletia sobre tudo o que fizera naquele dia... Quem sabe poderia passar para o papel toda aquela aventura? Ocorreu-lhe que talvez o amigo esquecera-se de fechar o tal buraco, que levava diretamente para a localidade Reptiliana, mas isso não a afligiu, pelo contrário, divertiu-lhe a idéia de Malohkeh ter que fechar rapidamente o túnel, antes que um novo grupo de humanos entrassem por engano em território Reptiliano, sem saber ao certo como vieram parar lá. Ela divertia-se lembrando das coisas que fizera e decisões que tomara. Agora era uma nova pessoa. Agora ela sabia do que era capaz, poderia dar-se seu devido valor. Estava em um êxtase imenso... Só deixou os pensamentos para trás quando entrou no estabelecimento e fechou as postas. Andou até o balcão, mas ao contemplá-lo, algo a intrigou: Havia uma carta em cima deste, endereçada a ela.

Agustina apanhou-a e leu-a, silenciosamente:

"Minha doce Agustina,

Sei que não foi muito cordial ter simplesmente partido, mas aqui estão minhas sinceras desculpas.

Declararei minhas intenções, agora que nada mais nos resta, a não ser, recordar.

Se está lendo essa carta, então provavelmente é porque não virá comigo, mas não se preocupe, eu sempre soube que não mudaria de idéia.

Pensei muito antes de escrever essa carta... Demorei a achar as palavras apropriadas, mas enfim as encontrei: Quando cheguei aqui, não esperava envolver-me tanto com esse lugar. Essa cidade com certeza é belíssima! A Torre de Pisa é de longe um dos melhores monumentos que já vi (e não estou dizendo isso só para agradá-la, ela é sem dúvida, Fantástica!). Mas não estou aqui apenas para falar da cidade, quero falar de você.

Minha doce Agustina, você mudou ao máximo toda as minhas perspectivas! Sinto-me lisonjeado de ter tido-a ao meu lado e ainda mais de tê-la conhecido!

Lamento se a decepcionei em algumas ocasiões, sei que poderia ter feito melhor, mas não fiz. Acho que não sou a pessoa que você imaginou que eu fosse, e nós dois sabemos que não sou nenhum senhor da verdade... Mas, dentre tudo isso, ainda há uma coisa que eu posso afirmar sem sombra de dúvida: Sei que as horas que passamos juntos foram as melhores, as mais incríveis e apaixonantes de todas... E que nada nesse mundo teria me feito desistir de tê-la conhecido melhor, como de fato fiz. (Não trocaria aqueles nossos momentos por nada no universo).

Você é simplesmente incrível e eu espero, do fundo do meu coração, que possamos nos rever algum dia, afinal, haverá muitas outras oportunidades disso acontecer (não é um ponto fixo no tempo), e agora mais do que nunca, começo a achar que esse mundo já não é mais tão grande assim, quem sabe a gente não se esbarra por aí?

Lembro-me de um momento, pouco depois de termos salvo os Reptilianos e aterrissarmos próximos à pousada, na qual você comentou algo sobre o céu: você disse que o céu estava cinzento, mais do que o comum, como se ameaçasse cair uma tempestade. As nuvens haviam tomado conta da vasta imensidão azul que é o céu, deixando-o com uma aparência deprimente, triste, sem cor e sem vida. Por mais que você negue, sei que estava falando mais de si mesma do que do céu. Sentia-se triste, carregada de indecisões. Tinha medo da partida e do momento da despedida. Não sabia como reagiríamos a tudo isso, mas na minha opinião, fomos o melhor que pudemos ser. Agimos com dignidade e honestidade, como deve-se fazer. Agora, o céu já se encontra limpo, o pôr-do-sol está mesmo lindo, mas ainda falta algo... As nuvens. Para onde foram? Parece que não se pode ter tudo. Ou se tem um céu nublado, ou límpido demais. Um céu sem nuvens é um céu incompleto. É assim que me sinto agora. Perdoe-me por deixá-la nesta situação, mas me vi na necessidade de dizer-lhe algo: Um céu com ou sem nuvens é sempre um céu.

Então não fique triste Agustina, alegre-se!  Pois atrás dessas nuvens há um universo cheio de estrelas, com que você sempre poderá contar. E mesmo que essas nuvens cubram até a ultima partícula do firmamento azul, não se preocupe, pois dias tempestuosos existem aos montes, mas dias melhores virão... E serão azuis como seus olhos e iluminados como seu sorriso.

                                                                                                                                                                                                         Com amor                                                                                             O Doutor"

Ao terminar a carta, Agustina apertou-a contra o peito. Uma lágrima escorria-lhe pelo canto do olho, mas ela estava feliz. E sabia que o rapaz teria tanto trabalho quanto ela para superar a separação, mas precisava ser feito. Tinha de ser assim. Então ela lembrou-se de Luisa dizendo: “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”. Foi nesse instante que alguém entrou na pousada, fazendo Agustina se sobressaltar. Era um rapaz alto, encorpado, loiro, de olhos verdes, e rosto delicado. Agustina prendeu a respiração: O rapaz usava um avental branco de padeiro, era ninguém menos que Marcello.

—Oi. –disse ele amigavelmente. –Foi tu que encomendastes os bolinhos?

—Ah... Oi! –gaguejou ela, admirada por encontrá-lo ali. –Não, não fui eu não.

—Pediram-me que deixasse uma cesta de pães e doces neste endereço. É a pousada de sr. Pedro?

—Sim, está correto. O endereço deve ser esse mesmo. –registrou Agustina, lembrando-se do fato de aquele ser um dia para se comemorar. –Quer que eu confirme com o sr. Pedro?

—Não precisa. –interveio Marcello. –Tu conheces o sr. Pedro?

—Sou a balconista daqui. Eu trabalho aqui.

—Trabalhas aqui? Que ótimo... –disse ele meio impressionado, olhando-a por inteiro, com simpatia. –Como se chama, formosa senhorita?

—Agustina. –sorriu ela, por causa do elogio.

—Bem, senhorita Agustina, prazer em conhecê-la! –disse Marcello, interessadíssimo na moça. Porém, tinha um horário a cumprir, e não poderia se demorar muito na pousada. –Desculpe, mas tenho que ir... Tenho uns últimos preparativos para fazer: A festa noturna da Reinauguração Pisana começará em torno de minutos... De qualquer modo: Feliz reinauguração...

É mesmo!—espantou-se Agustina, cobrindo os lábios com as mãos. –Ainda haverá a festa! Esqueci-me totalmente dela... Estou atrasada, preciso me arrumar! –disse, ajeitando o cabelo.

Nesta hora o sr. Pedro passou pelo saguão de recepção e cumprimentou Marcello. Também avisou Agustina que esta estaria dispensada aquela noite para poder ir à festa. Ele também iria, praticamente a cidade toda estaria lá. Não haveria hóspedes para com que se preocupar... Todos estariam naquela festa. Assim, Agustina, Marcello e o sr. Pedro foram dar uma ultima inspecionada nas acomodações para poder fechar o lugar. Por aquele dia, o trabalho terminara.

—Deixe isso comigo, menino –sorriu o engenhoso sr. Pedro, pegando-lhe a cesta das mãos e levando-a ele mesmo para a festa, deixando-os sozinhos. –Vejo os dois na festa. Não se atrasem muito, ou então não sobrará nenhum pão doce... Vós sabeis como eu adoro um sonho... Até mais!

—Está certo –garantiu Marcello, com um sorriso nos lábios de tal intensidade que, em outra ocasião, Agustina teria desmaiado ao contemplar. –Então, Agustina. Já que tu estás dispensada, e eu, não tenho mais trabalho a fazer, por que não vamos juntos à essa festa?

—Tu e eu? –exaltou-se Agustina, entusiasmada. –Para mim estará perfeito! Só deixe-me ir me arrumar...

—Não precisas disso –ele fez um movimento com delicadeza e desamarrou-lhe o avental, que cobria um lindo vestido de cor vinho que ela usava por baixo. Com toda aquela confusão de mais sedo, Agustina até se esquecera de que estava usando um vestido lindo daqueles. De repente, ela se deu conta de que ele a estava elogiando, corou de imediato, mas manteve-se sorrindo. –Está linda...

—Obrigada. –sorriu Agustina, animada. –Vamos então?

Ele estendeu-lhe o braço. Ela entrelaçou seu braço no dele e foram andando juntos, rumo a festa, na Piazza Arcivescovado. Disfarçadamente, Agustina ajeitou a carta que o Doutor lhe deixara, dentro de um bonito bolso que enfeitava seu vestido na altura do peito. Ela nunca esqueceria aquele dia, muito menos aquele homem.

*     *     *

O Vórtice Temporal parecia judiar deles. A TARDIS rodopiava muito. O Doutor e as meninas mal conseguiam manter-se em pé. Foi então que, a caixa azul parou e tudo ficou silencioso. No momento em que estabilizaram, o Doutor correu como um louco de encontro com a porta, deixando as duas garotas para trás. Queria certificar-se de que estava tudo bem do lado de fora. Foi aí que algo o surpreendeu. 

—Eu não acredito! –exclamou ele, saltitante.

—Quê que houve? –indagou Luisa preocupada, já esperando o pior. –Caímos em algum tipo de lugar desconhecido?

—Não! –exclamou ele eufórico. –Eu consegui! Finalmente consegui fazer a TARDIS pousar no lugar em que eu queria!

—Legal! –sorriu Melissa curiosa. –E onde exatamente estamos?

—Venha ver.

Elas correram em sua direção. O rapaz saiu da frente da porta para que elas pudessem passar.

—Estamos em... Casa?—decepcionou-se Melissa ao contemplar a rua Bannerman por inteiro. –Por que viemos para casa?

—Doutor... –chamou Luisa, enquanto o rapaz fechava as portas da TARDIS, parada ao meio fio. –Fizemos algo de errado?

—Não. Claro que não. Vocês foram ótimas... –disse ele encaminhando-se para a frente da casa de Luisa. Eles entraram em seu jardim e pararam por lá, paralelos ao corredor lateral.

—Então por que me trouxe de volta? –insistiu uma Luisa, confusa. –Essa é a minha casa... O que fizemos para que você...

—Shhhhhh! –ponderou o Doutor, atento a algo. –Ouçam.

—Ouvir o quê...? –interveio Melissa, fazendo uma careta de incompreensão.

—Shhhhh! –cortou-a ele. –Estou tentando ouvir...

—Não faça “shhhhh”, pra mim! –ralhou Melissa. -Você está tentando ouvir o quê, afinal?

—Estou tentando nos ouvir. –esclareceu ele, de modo pouco explicativo.

—Você quer dizer: “Ouvir o eco que nossas vozes produzem no silencio da noite?”—propôs Luisa.

—Muito poético, mas não. Não é isso. –falou ele, enigmático.

—Corte o papo furado! –retrucou Melissa. –Até quando não falamos nada, você cisma em ouvir...

—É porque quero ouvir o que estão falando.

—Quem?

—Eles.

—Eles quem?

—Nós! –esbravejou ele. -Lá atrás! Nos fundos da casa de Luisa. Não nós agora, mas os antigos nós. Dá pra entender?

Luisa e Melissa entreolharam-se.

—Acho que você pirou de vez... –disse Melissa.

—Não. Eu estou ótimo! –ele ergueu as sobrancelhas. -São vocês que estão...

—Está bem!  –interrompeu-o Luisa. –Explique-nos o que é então.

Ele fez sinal para que elas se abaixassem. Sentaram-se todos os três próximos à parede ao lado da porta da casa de Luisa. O Doutor pediu silêncio, então explicou tudo em plenos sussurros.

—Nós estamos aqui, agora. Mas no passado, quando nos conhecemos, estivemos ali –disse ele apontando para o corredor estreito na lateral da casa que levava direto para o quintal de trás. –Nós viajamos e voltamos. Porém, evidencias me sugerem que acabamos voltando com alguns minutos de antecipação... Antes mesmo de termos ido embora.

—Quer dizer... –esforçou-se Luisa, buscando entender. –Que enquanto estamos aqui, na frente da casa, conversando, nós também estamos lá atrás, nos fundos da minha casa, prestes a irmos viajar pela primeira vez?

—Exatamente! –sorriu ele. –Que bom que alguém aqui me entende... –disse, mandando uma baita indireta para Melissa, que mostrou-lhe a língua em resposta.

—E o que faremos agora?

—Vamos esperar até que eles partam, assim poderemos evitar um paradoxo. –explicou ele com agilidade. –Acredite, seria terrível se esbarrássemos em nossas versões do passado... Isso causaria um desequilíbrio em todo o tempo e espaço, ocasionando alguns possíveis efeitos colaterais na história e em nossas próprias linhas de tempo, o que não é nada aconselhável.—destacou. -Bem, depois disso, acho que nem preciso enfatizar que estaríamos com grandes problemas...

—Acho que não. –concordou Luisa, surpresa com a nova situação que os envolvia. –Então vamos esperar.

E foi o que fizeram. Durante um tempo indeterminado, eles só fizeram esperar. Tudo parecia bem calmo em todos os cantos da casa, calmo até demais, mas isso durou de fato, pouco tempo. O silêncio teve seu fim definido quando o Doutor (que ficara todo o tempo espionando atrás de um arbusto na entrada da casa), decidiu recuar de súbito, surpreendendo assim uma Luisa que soltou um gritinho abafado ao ser quase definitivamente atropelada pelo amigo.

—Ei! Olha o meu pé! –reclamou ela dando um pulinho para o lado.

—Foi mal. –desculpou-se ele, sussurrando.

—Qual o problema? –perguntou Melissa. –Por que “eles” estão demorando tanto?

—Alguma coisa está errada... –disse o Doutor, então teve um fleche repentino. -Que droga! Esqueci-me das bolsas...

—Que bolsas? –indagou Luisa.

A suas bolsas!—explicou ele, lançando olhares sugestivos para a Bolsa Que Tudo Tem. –Não acredito que fui tão idiota a ponto de esquecer desse detalhe! Ele é sem dúvida o mais importante de todos...

—Mas o que a bolsa da Luisa tem a ver com tudo isso? –quis saber Melissa.

—O que ela tem a ver? Ela é basicamente o centro de tudo! –sorriu ele. –Se Luisa não estivesse com a bolsinha, provavelmente não teríamos sobrevivido a essa ultima aventura...

—Sério? –estranhou Luisa, olhado admirada para a bolsa em seu colo. Sabia que ela era útil, mas também nem tanto!

—Bem, não é precisamente isso... Mas ela tem, sem dúvida, um papel muito importante –esclareceu ele, então continuou: -Você precisa da bolsa... Por acaso está com o lápis criador aí?

Foi assim que o Doutor começou a referir-se ao tal lápis que desenhava no nada. Chamava-o de “lápis criador”. Luisa apanhou o lápis que os salvara e entregou-o ao Doutor, que guardou-o no bolso.

—Por que precisa dele?

—Eu não preciso. Mas é bom guardá-lo fora da bolsa. Temos umas contas a acertar com ela...

—Contas a acertar? Com a minha bolsa? –retrucou Luisa, confusa. –Será que pode explicar melhor o que você tem em mente?

—Claro! Bem, você pode estar com sua bolsa agora. É obvio que sim! Mas lembro-me de uma passagem... Pelo que sei, você se atrasou para embarcar na TARDIS porque teve que buscar a bolsa, pois não partiria sem ela, estou certo?

—É. –afirmou a garota. –Eu a tinha deixado na barraca. Não poderia partir sem tê-la comigo. Poderíamos precisar de mantimentos, seria loucura deixá-la para trás!

—Exatamente. –conferiu ele. –Mas, se me lembro bem, a TARDIS partira antes mesmo que conseguisse apanhá-la, por isso você ficou pendurada à deriva do Vórtice Temporal...

—Nem me lembre disso... –suspirou ela, ainda lembrando da estranha sensação de estar caindo no nada. –Mas está correto.

—Então diga-me: Como você pode estar com ela aqui, em mãos, sabendo que não foi à barraca para buscá-la? Como ela chegou até você, antes mesmo de pensar em ir buscá-la?

 Luisa procurou se recordar.

—Vai parecer estranho, mas lembro-me de um pequeno e rápido acontecimento: Pareceu-me que, quando ameacei correr, na ação de ir buscá-la, ela veio até mim. O mesmo aconteceu com a mochila roxa de Melissa. Ambas apareceram do nada. A minha bolsa bateu contra meu calcanhar e ficou lá, imóvel. Foi como se tivesse vindo até mim por vontade própria... Como se soubesse que, se eu demorasse mais um segundo, perderia a viagem.

—Interessante. –murmurou o rapaz. –Sabe onde está a mochila de Melissa?

—Está dentro da minha bolsa –Luisa puxou-a para fora da bolsinha cor-de-rosa. –Eu sabia que Melissa provavelmente iria perdê-la, então tomei a liberdade de guardá-la comigo.

 -Ih! Olha lá... É a minha mochila? –surpreendeu-se Melissa, ao rever sua mochila.  

 Luisa voltou-se para o Doutor, fazendo uma careta sarcástica.

 -Não falei? Ela nem lembrava que a mochila tinha ido junto...

—Fantástico! –disse, analisando as diferentes possibilidades; Um sorrisinho entusiasmado no rosto. –Será que podem me emprestar suas bolsas por um só instante?

—Claro.

—Obrigado. –ele tomou-as nas mãos e voltou-se para os fundos da casa. As meninas ás suas costas fizeram o mesmo, tentando ver o que estava acontecendo. Avistaram ao longe, uma outra Luisa. A Luisa de antes da viagem. O Doutor esperou o momento certo, então, sem dar satisfação a ninguém, atirou primeiro a mochila roxa de Melissa. Alguns segundos mais tarde, foi a vez da bolsinha rosa, mirando com agilidade e precisão na direção do calcanhar da Luisa do passado. No mesmo instante que o fez, a Luisa do presente protestou indignada. Como assim ele desfizera-se de sua bolsa? Ela ia começar a reclamar, mas ele puxou-a, junto de Melissa, para esconderem-se atrás do chafariz da família Jackson. Não queria que fossem vistos pela Luisa do passado: paradoxos ainda eram possíveis de sucederem-se no decorrer de suas ações, por isso ele insistiu que as duas ficassem quietas e cooperassem com seu plano.

—O que você fez com a minha bolsa? –sussurrou Luisa brava, enquanto o rapaz tapava-lhe a boca com as mãos, sempre olhando para frente, preocupado com os eventos temporais.

—Shhhhhhh! Não fale agora. –devagar, ele voltou-se para ela e soltou-lhe os lábios. Esperava tenso, que Luisa fosse rebelar-se contra ele, gritar ou coisa do tipo, mas ela apenas ficou olhando-o, como se não esperasse nunca do amigo, uma atitude como aquela. Por uma coisa ou outra, Melissa também ficou muito quieta ao se lado; a respiração muito lenta e silenciosa. Ambos ficaram encolhidos, atrás do chafariz, esperando que a outra Luisa não descobrisse-os, antes de partir.

Como que por sorte, destino, ou por resultado de suas preces, a Luisa do passado partira. Apenas ouviram o som da TARIDS decolando, então tudo ficou muito quieto. Já era novamente possível ouvir o som das cigarras e dos grilos quando resolveram que era seguro sair do esconderijo.

—Desculpe garota. –disse o Doutor dando-lhe um beijo na testa. Luisa não queria olhá-lo nos olhos. Evitava dar-lhe um retorno positivo de tudo aquilo. Ela sabia que ele acabaria convencendo-a de que tinha que fazê-lo, que aquele era o único jeito e coisa tal, mas ela não queria ser convencida e tinha certeza que no exato instante que cruzassem os olhares, ela o faria sem dúvida alguma. Já conhecia aqueles olhos castanho-esverdeado muito bem. Sabia o poder que eles tinham e do que eram capazes... A verdade é que ela sentia-se traída. Aquela bolsa fora um presente de sua mãe. A coisa mais importante de todas... O que garantira sua salvação, o amigo mesmo dissera!

—Eu não entendo... –disse ela, a voz embargada. –Por que você fez isso?

—Por que eu fiz isso? Ora, para nos salvar, é claro! Não vê? É tão simples... –disse ele, motivado a fazê-la entender. –A bolsa precisava estar com você para que pudéssemos usá-la depois. Se não tivéssemos feito isso, você teria perdido a decolagem da minha TARDIS e não estaria nessa aventura conosco, ou seja, nós teríamos padecido na cidade de Pisa sem a sua ajuda e a da Bolsa Que Tudo Tem. Eu precisei fazer isso para garantir nossa segurança “futura”, entende? Por esse ato é que nós estamos aqui!

—Mas... Onde ela está? Eu a levei comigo... Nós a usamos na viagem! Ela deveria estar aqui agora, não deveria? –perguntou a garota, ainda muito sentimental. –O que pode ter dado errado?

—Acho que nada deu errado. –interveio ele. –Se meus cálculos estiverem corretos, a Bolsa Que Tudo Tem e a mochila roxa de Melissa, estarão na sua barraca, onde sempre estiveram.

—Quer dizer...? –começou ela, mas foi interrompida por uma visão confortante. Sem que percebessem, Melissa havia pulado o muro divisório, e voltado à barraca para checar as coisas por lá. Agora ela estava de volta, acenando com uma das mãos, e com a outra, mostrava uma mochila roxa e algo pequeno e rosa, que tinha uma alça que cintilava ao intenso brilho do luar.

—Estão procurando por isso? –disse Melissa, sentindo-se a salvadora da pátria. –Estavam jogadas, lá na barraca.

—Minha bolsa! –sorriu Luisa correndo para apanhá-la, alegremente. –Como foi que você fez isso, Doutor? Como soube que elas estariam lá?

—Pura dedução –disse ele simplista. –Acho que ter lido aqueles livros do Sherlock Holmes realmente me fez muito bem.

—Nem me fale! –disse Melissa, revirando os olhos com ar de riso. –Mais que confusão, hein!?

—Obrigada gente! –Luisa abraçou a amiga e o rapaz. Sentia-se agora mais feliz do que nunca.

A noite continuou no rumo estipulado. Os três ficaram lá: não importava o quanto à madrugada avançasse, eles não se sentiam cansados, pelo contrário, haviam tido uma noite de sono tão boa na pousada de Agustina, no passado, que nem ligavam para o horário atual.

Quase chegando quatro da manhã, sentaram-se à beira da calçada, de frente para as casas das meninas, e ficaram conversando baixinho, olhando o céu límpido em pausas regulares da conversa.

—Então a vida com você é sempre assim? –quis saber Luisa. –Sempre tão complicada?

—Na maior parte das vezes. –respondeu ele, com um sorrisinho. –Mas eu costumo tentar dar uma “aliviada” para vocês...

—Engraçado... Você fala como se fosse costume seu estar sempre dando carona a várias pessoas, expondo os segredos do universo por todos os lugares e coisa e tal... –observou ela.

—Talvez eu tenha mesmo feito isso. –suspirou ele. –Já conheci muita gente... Alguns eram fáceis de se lidar, mas outros, posso dizer que testaram os limites de minha paciência!

—Isso não parece aconselhável. –argumentou ela, um sorrisinho divertido no rosto. –Lembre-me de nunca testar seus limites, está bem?

—Não espero esse tipo de coisa de você, Luisa. Já dessa sua amiga irritante, talvez... –cutucou ele, uma Melissa, inesperadamente.

Que é que você disse?—abordou ela, criando caso. –Vai jogar na cara, é? É melhor ter cuidado com o que diz! Eu sei muito bem me defender de gente como você, seu convencido espacial!

—Não se preocupe: meu convencimento não ultrapassa os limites das estrelas, mas até onde você acha que chega o seu super-ego?

Ah! Vá perturbar a sua cabine!—praguejou ela, levantando-se e seguindo para dentro do quintal.

—Que foi que eu fiz? –perguntou ele inocentemente. –Eu só estava te provocando... Foi uma brincadeira! Não queria que se zangasse.

—Não estou me doendo, se é o que você pensa! Nem saí da calçada por sua causa... É que tenho motivos maiores que “conflitos infantis” para me preocupar... –ela fez uma jogadinha de cabelo charmosa, depois lançou uma piscadela à eles, sentindo-se irresistível. Só então, foi embora, como se fosse a dona do mundo. 

O Doutor fez uma cara inconformada de “conflitos infantis? Essa doeu bem lá no fundo...”. Luisa riu de toda aquela situação. Achou engraçado o jeito dos dois. Não entendia porque os amigos não se davam bem, mas gostava muito de estar na companhia deles. Foi então que percebeu: Com a desculpa de Melissa ter se retirado por algum motivo que só ela sabia, Luisa ficaria sozinha com o rapaz –coisa que não fazia desde a noite naquele quarto da pousada, na cidade de Pisa. Sentiu-se um pouco inquieta, mas manteve bem o controle emocional. Não aparentou estar nervosa, mas a verdade era apenas uma: ela gostava do Doutor. Ele tinha uma mente incrível e um intelecto de causar inveja. Ficou por alguns instantes hipnotizada por suas feições. Aqueles olhos, olhos tão antigos... Olhos de quem já passou por tanta coisa! Olhos tão sábios e antigos... Mas como seria possível se ter tanta idade e, ao mesmo tempo, tão pouca consciência disto? Ele simplesmente não aparentava ser tão velho como de fato era. Luisa acreditava que ninguém poderia carregar consigo o conhecimento do universo inteiro nas costas, mas ao conhecer o Doutor, percebeu que recebera dele um retorno totalmente inesperado sobre o assunto. Algo que alterava totalmente seu entendimento das leis universais; O amigo era muito sábio, disso ela não tinha dúvida, mas não podia deixar de vê-lo como um garoto só um pouco mais velho que ela. Fitou distraidamente seu nariz, um pouco avantajado (assim como as orelhas), observou os lábios finos, que não demonstravam qualquer emoção, naquele instante. Viu suas sobrancelhas, cheias de personalidade, e suas marcas de riso, que tanto o definiam. Aquelas marcas tinham histórias... Eram resultados de séculos e mais séculos de alegria. Ah, aquele sorriso... Ela adorava vê-lo sorrir! Seu coração acelerava toda vez que ele o fazia. E os abraços? Esses eram sempre a melhor parte! Tudo nele era incrível... Só havia um defeito que Luisa sentia em sua presença: aquela estranha persistência em dizer que deveria estar só... Bem, agora não mais. Foi então que ela percebeu: Ele parara de falar. Agora estava contemplando-a como ela própria o fazia, então, sentindo o rosto esquentar, ela rapidamente dissimulou:

—A noite está ótima... Já viu as estrelas hoje?

—Você está bem? –perguntou ele. –Parou de falar tão de repente...

—Não é nada. –disfarçou ela, colocando o cabelo atrás da orelha. –Você dizia...?

—Estava falando de Melissa: Ela é de fato excelente. Sabe? Irritadiça, doida, psicótica, mas um tanto excelente.

—Ela é mesmo. –concordou Luisa. –Uma figura!

—E então, o que achou da viagem? –mudou ele de assunto.

—Como assim? Não sei... Quer uma resposta completa ou só um prólogo?—sugeriu Luisa, sorrindo abertamente.

—Já sei: Te deu branco –concluiu ele, olhando para o outro lado da rua.

—Não! É que foi incrível demais... Achei eletrizante, fantástico, improvável, surpreendente... Não sei como definir nossa viagem exatamente em uma palavra.

—Por que não tenta pensar na Torre de Pisa? Diga a primeira coisa que vier à sua mente quando pensar nela! –sugeriu ele.

Luisa fechou os olhos por um instante e visualizou a torre em sua mente... Só então voltou-se para ele e percebeu que o amigo pensava no mesmo:

Magnífica!—brandiram os dois em uníssono, rindo abertamente, lembrando-se de Agustina e de como ela costumava se referir sobre Torre.

—E agora? O que você vai fazer? –perguntou Luisa, após ambos terem silenciado.

—Como assim? Hoje? Acho que nada. Não se pode viajar vinte e quatro horas por dia...

Não se pode?—duvidou ela. Os dois caíram na risada; Luisa sabia que a ultima coisa que o amigo faria seria querer parar para descansar. Com certeza partiria dentro de poucas horas para uma nova aventura, bem longe dali para variar, além dos limites do tempo e espaço.

—Tudo bem, você me pegou! Mas por que você quer saber? –emendou ele, a pergunta.

—Eu sei lá! Eu só perguntei porque... Quero dizer, bem, eu havia pensado... –travou ela, fitando as próprias mãos, embaraçada.

—Você quer vir comigo –constatou ele, sério. –Não é isso?

—Sim. Eu adoraria! –sorriu ela alegremente ao seu lado. O convite proporcionou-lhe tanta felicidade que ela nem ao menos percebeu que algo incomodava profundamente o rapaz. –Seria maravilhoso, não acha?

—Eu não sei. –disse, observando-a pensativo. -Me diga uma coisa: Do que você está fugindo?

—Como é? –perguntou Luisa achando a pergunta engraçada.

—Todo mundo que quer alcançar um lugar melhor para si, foge de alguma coisa. Se você quer vir comigo, quer dizer que não se importa de deixar tudo para trás. Ou seja, algo a desagrada profundamente nesse mundo ou na sua realidade atual.

—Eu não vejo por esse lado. –interveio Luisa. –Na verdade, eu só queria mesmo curtir um pouco. Sabe? Espairecer... Sair dessa vida cotidiana. Mas não estou pensando em deixar a Terra para trás. É claro que eu voltaria para casa depois...

—Coisa que não posso fazer. –sorriu ele, escondendo a dor que sentia ao lembrar-se de sua casa, que não mais existia. –Não acho que seja bom apreçar as coisas. Viajamos hoje, e correu tudo bem, mas nem sempre é assim. Pode ser perigoso...

—Eu enfrento o perigo! –disse Luisa, de prontidão.

—Mas e se você acabar perdida em outro planeta? Pense bem: Na primeira viagem que fizemos juntos, você quase caiu no Vórtice do Tempo! Você sobreviveu desta vez, mas pode ter sido tudo um golpe de sorte... O universo é bem severo com suas leis. Talvez isso seja algum tipo de alerta... Algo como: “desta vez eu deixo passar, mas na próxima, não haverá retorno!  Sabe, da próxima vez, poderemos não ter a mesma sorte... Entende? Eu não... Quero que se machuque. –terminou, angustiado.

—Ah, Doutor... Fico lisonjeada por estar se preocupando tanto comigo, mas eu afirmo que não estou fugindo de nada. Gosto da minha vida na Terra. Mas realmente gostaria de sair um pouco daqui, de vez em quando. Só por um tempinho, como nessa noite. Afinal, que mal faria? Poderíamos sair agora e ainda voltar muito antes do café da manhã...

—Não. Não funciona assim. A TARDIS nem sempre consegue pousar no tempo certo em que queremos. Isso tem algo a ver com a linha do tempo. Ela não consegue se materializar duas vezes no mesmo lugar sem atrasar ou adiantar um pouco sua chegada. Veja como exemplo essa noite: Voltamos para sua casa em segurança, mas por pouco não demos de cara com nossas versões do passado. Como eu disse, a TARDIS não consegue chegar muito perto do momento exato em que partiu. Pense nos números: hoje retornamos com apenas alguns minutos de adiantamento, na próxima podemos chegar com semanas, meses e até anos de atraso!

—Sério? Meses é? –ela pareceu pensar no assunto, então constatou: -Então quer dizer que preciso avisar meus pais sobre minha partida, para que não fiquem muito preocupados quando não me encontrarem na cama de manhã. Talvez eu deixe um bilhete...

O Doutor pareceu desapontado, tinha em mente que a garota entenderia a gravidade do problema de sua partida e dos perigos que a envolveriam de agora em diante. Tentou ser o mais claro possível em sua explicação, mas pareceu-lhe que de nada valeu falar tanto. Na verdade, para seu desespero, a conversa pareceu motivá-la ainda mais. Ainda pensando no que escreveria no bilhete, ela ergueu-se do chão e caminhou até o portão, bolando silenciosamente a frase perfeita para explicar que estaria viajando com amigos, mas que estaria tudo bem. Mencionaria também o fato de Melissa ter ido com ela, para que dona Naya não tivesse um troço, chamando a polícia e tudo o mais; Francamente, a impulsiva decisão de partir junto do Doutor não parecia uma atitude muito sensata para os parâmetros de Luisa. Porém, ela aderira facilmente a isso, tudo porquê deixara de lado suas noções de certo ou errado; Tivera um mero gostinho de todo um magnífico esplendor lá fora e não conseguiria deixar escapar a oportunidade de agarrá-lo por completo. Seu desejo era inocente. Só queria viajar por aí, ajudar mais pessoas, assim como fizera com Agustina e Malohkeh, na antiga Pisa (em uma Itália ainda não formada). Contudo, faltava-lhe juízo. Ela ainda não possuía o entendimento completo para importar-se com as conseqüências que uma decisão mal tomada poderia vir a desencadear: era muito jovem para tomar suas próprias decisões. O único problema era que o Doutor vivia esquecendo-se desse detalhe. Ele falava com ela como se fosse uma adulta responsável que saberia resolver por si própria o que era melhor para si mesma. Foi só quando ele ergueu-se também e observou-a com mais atenção, que percebeu que Luisa, na verdade, não poderia compreendê-lo. Não por ser uma garota, nem por ser humana, mas por ser uma adolescente. Não passava de uma criança com jeito de moça... O que poderia entender sobre perigo ou solidão? Nada, de fato. Ele sentiu-se um tanto tolo por tentar fazê-la compreender coisas desse tipo. Entrementes, ela parecia decidida quanto à viagem, mas ele precisava fazê-la desistir e, se para isso fosse preciso convencê-la sem explicações técnicas e coisas do tipo, ele o faria. Aquela era Luisa. Sua Luisa. O Doutor jamais permitiria por a vida de sua amiga em risco. Ele a queria tanto e tão bem, que não seria capaz de deixá-la correr qualquer perigo que fosse, afinal, ela ainda era jovem, tinha uma vida inteira pela frente. Só havia um problema nisso: Como ele a convenceria?

Foi então, com muito custo, que o Doutor disse:

—Certo. Você quer viajar? Tudo bem então! Vá lá dentro escrever o bilhete para seus pais. Eu espero aqui fora. Nos encontramos em meia hora...

—Está falando sério? –brandiu ela entusiasmada, abraçando-o fortemente. –Ah! Obrigada, Doutor! Fique aqui. Não se mexa. Eu já volto...

E assim ela correu para longe dele, completamente despreocupada. Mas sabia que aquela seria sua despedida. O Doutor fitou-a já distante: a menina abriu a porta de casa rapidamente e sumindo no breu do interior desta. Sem ter mais o que fazer, o Senhor do Tempo pôs as mãos nos bolsos e caminhou rumo ao meio fio, onde a TARDIS estava estacionada. Parou ao lado de sua cabine e encostou-se nela, pensativo; ficaria por lá, até que lhe fosse conveniente.

*    *    *

Luisa não conseguia parar quieta em um só instante enquanto procurava um papel para escrever o tal bilhete para seus pais. Pensou em várias maneiras de escrevê-lo. Assim que conseguiu, releu as tais linhas umas três vezes para revisar se estava suficientemente bom. Quando finalmente deu-se por satisfeita, algo a emudeceu de imediato. Ouviu um som rouco um tanto familiar –soando alto de imediato –ir emudecendo aos poucos. Em completo desespero, atirou o bilhete sob a mesa e disparou para o jardim.

No bilhete lia-se:

Mãe e pai,

Estou indo viajar, mas não se preocupem,

eu voltarei a tempo de lavar a louça! Melissa está comigo,

por favor avisem a mãe dela sobre isso.

Voltaremos em breve, eu prometo.

Amo muito vocês.

                                           Luisa.

Ela correu até a calçada, onde a TARDIS estava estacionada. O que ela tanto temia se concretizou: A cabine azul não estava mais ali. E o pior, o Doutor também não estava. Por um simples instante ela ficou sem reação, depois gritou o nome do amigo o mais alto que pode, mas ninguém respondeu, nem nada aconteceu. A princípio, pensou que fosse algum tipo de brincadeira de sua autoria, mas nessa altura do campeonato ele já teria reaparecido, se estivesse pelas redondezas.

A verdade era que o Senhor do Tempo não estava mais lá. Ele tinha ido embora. Assimilar aquilo foi difícil para ela... De repente, o tempo pareceu congelar. Tudo pareceu parar ao seu redor... Ela olhou para o céu: uma brisa bateu em seu rosto, acariciando-o delicadamente, como se fossem as mãos do rapaz. Uma lágrima escorreu por sua bochecha e ela deixou-se cair de joelhos na calçada fria. Naquele mesmo instante, ouviu passos rápidos correndo em sua direção. Seu coração acelerou... Estaria o amigo apenas mudando a cabine de lugar? Quando voltou-se para a direção dos passos, deparou-se com Melissa que foi acolhê-la. Luisa não conseguia disfarçar. Seu coração estava partido e nada no mundo poderia esconder isso.

—O que houve? –indagou Melissa, preocupada, envolvendo a amiga em um abraço caloroso. –Só pode ser coisa daquele paspalho... Me conta: Que foi que aquele Alien malvado fez agora?

—Ele se foi... –soluçou ela, ainda sendo envolvida pelo abraço. –Ele foi embora, Méli. Largou a gente aqui!

—O quê? Quer dizer que finalmente nos livramos dele? Oh! Deus! Aconteceu um milagre!—comemorou a outra.

—Não Melissa! –cortou Luisa. -Você não vê a gravidade desse problema? Nós havíamos combinado: Iríamos viajar com ele novamente, mas ele foi embora sem nós...

—Tem certeza que ele foi embora? Quem sabe só foi encher o tanque daquela cabine-coisada. Você já verificou? –perguntou Melissa, ainda parecendo feliz pelo sumiço repentino do rapaz. Luisa não sabia como a partida do Doutor podia agradá-la tanto, então percebeu algo diferente em um das mãos da garota.

—O que é isso que você está segurando?

—Ah! É sorvete. Você quer? Tem uns dois potes lá em casa...

—Ah tá. Então esse é o motivo real de sua alegria...

—Noventa e cinco por cento. –falou Melissa. –Os outros cinco por cento ainda é pelo sumiço daquele Matusalém...—Melissa parou rapidamente de falar. Ao ver que não estava ajudando, completou: -Ah! Tudo bem... É só pelo sorvete. Mas só admito porque você está precisando muito de um consolo! Aproveite minha boa vontade e venha comigo acabar de atacar a geladeira!

Ah, “que ótimo”—ironizou Luisa, revirando os olhos. –Agora vou ficar deprimida e me entupir de doce!

—Ei! Não se aborreça. É um bom plano, só tem uma falha: o sorvete é Light. —lembrou Melissa. –Minha mãe e suas dietas bobas... Mas não ligue para isso, venha logo, ou vai derreter tudo!

Elas começaram a andar rumo à casa de Melissa, mas foi somente quando estavam prestes a pular o muro divisor, que Luisa conseguiu avistar algo que não havia notado antes.

—Espere! –ela correu de volta para o próprio quintal. Melissa seguiu-a de má vontade.

—Lu, lamento dizer, mas o cabeça de vento não vai voltar, então vamos logo...

—Não, olha! –ela apontou para um bilhete e um embrulho colocados com cuidado ao lado do chafariz. A garota rapidamente apanhou-os, ansiosa.

Luisa mal sabia, mas enquanto punha-se a ler o tal bilhete, meio em choque, muito longe dali, em algum lugar além das estrelas e a milhares de anos luz, uma cabine azul rodopiava mansamente pelo Vórtice e, dentro dela, o Doutor também estava em choque. Com a mão em uma só alavanca –provavelmente a que fora responsável por sua decolagem. (Tudo ao som de Um minuto para o fim do mundo- CPM 22). Ele ainda não se recompusera. Continuava congelado na mesma posição do início de sua partida. Várias lágrimas escorriam de seu rosto... Agora ele chorava sem freio, tentando muito mesmo mover sua mão daquela posição. Quando por fim conseguiu juntar forças, ativou de uma vez por todas o piloto automático. Abraçando o próprio corpo, caminhou vagarosamente pela formosa sala do painel de controles. Viu-se completamente sozinho. Seu trabalho fora concluído. Não havia mais nada para se fazer. No fundo, ele sabia que aquela foi à decisão certa a se tomar, mas mesmo assim, de todo coração, não queria tê-lo feito.

De volta ao quintal de Luisa... Ela, junto com Melissa –pendurada em seu pescoço –lia trêmula, o bilhete que o Doutor lhe deixara. Este dizia:

"Desculpe garota, eu não tive escolha.

Agora vê se levanta daí e segue a sua vida!

Você tem que acreditar em mim.

É o melhor que você pode fazer,

pelo menos por enquanto.

P.S: Sei que parece estranho, mas não

precisa querer me matar por ter ido embora...

Acredite, o tapa já doeu um bocado!

Um brinde pelo infinito dos nossos dias!

E um brinde a você: “Minha garota fantástica”!

                                       Com Votos de que um dia

                                         você possa me perdoar;

                                                                        O Doutor."

 Luisa e Melissa se entreolharam, confusas. O que ele quisera dizer com: “O tapa já doeu um bocado”? Tinham impressão de que alguma coisa ainda não estava bem explicada... Fazer o quê? Com ele as coisas eram assim: Sem sentido nenhum! Um dia elas acabariam entendendo.

Era engraçado... Por um momento, tudo pareceu tratar-se de um sonho. Um mero devaneio de sua cabeça... Meu Deus! Como Luisa poderia ter certeza de que a aventura em Pisa realmente acontecera? Tudo parecia tão distante agora... Mas espere: o Doutor deixaram mais uma coisa para ela! Luisa desamarrou o embrulho, com cuidado... E lá estava o lápis bege. Intacto e palpável. Surpresa, a menina segurou-o, como se ele fosse uma relíquia raríssima.

Sim, o Doutor era real. Tudo aquilo acontecera mesmo. No embrulho ainda estavam os dizeres: “Faça bom proveito”. Aquilo era mais do que uma prova de que tudo fora verdade. Ela não soube como, mas isso de certo modo acalmou seu coração partido, mantendo-o alegre e esperançoso, como sempre foi.

Por fim, Luisa e Melissa ergueram-se juntas e fitaram o esplendor com certa admiração. Podiam ser leigas em muitos critérios sobre o universo, mas de uma coisa tinham certeza: A maior aventura de suas vidas só estava começando.


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Notas finais do capítulo

*ACABOU!* :D

E aí gente? Ufa! kkkk -desculpa mesmo pelo capítulo ultra-mega-grande. Eu juro que pensei em cortá-lo no meio e criar dois capítulos separados, mas achei que o desfecho ia ficar meio sem nexo, se tivesse o intervalo inteiro de uma semana para a outra. De qualquer forma, a versão original é comprida mesmo e aí eu pensei: Deixa rolar, né? kkkk

Mas eu prometo que daqui por diante os capítulos não vão ficar tão longos assim (vão voltar ao padrão normal dos anteriores).

Tá bom! Tá bom! kkkkk Eu sei que CONTINUA grande, mas fazer o quê? Eu AMO escrever!

Bom, espero que tenham gostado dessa aventura! (semana que vem terá um "episódio" novo). Mas eu tô em dúvida... No começo, pensei em dividir os episódios em "Volumes", mas aí pensei que as aventuras podiam perder a conexão dos ganchos e referencias, que se entrelaçam no decorrer de toda a trama.
Tô averiguando continuar nessa página mesmo... Alguém aí sabe me dizer se existe um limite de capítulos por fanfic? A minha provavelmente vai ser longa kkkkk

De qualquer modo, irei postar uma continuação semana que vem, então fiquem ligados!

"Luisa Parkinson retorna em: A Política do Uniforme"

Até mais!!!

E por favor, deixem comentários! :)



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