HAZEL

O bananão sacudia de um lado para o outro cada vez mais forte conforme nos aproximávamos da batalha. Eu tentava respirar fundo tentando lutar contra o enjoo que as ondas altas criavam na minha barriga. O enjoo já estava meio ruim, embora suportável, por boa parte do caminho. Agora, no entanto, estava ficando muito pior. Era difícil dizer se todas aquelas ondas, cada vez mais altas, eram culpa dos monstros que enchiam a água ou de Percy que controlava os mares com facilidade para lutar contra eles. Alguns dos monstros pareciam sereias, outros peixes normais, outros estavam mais para cobras, outros eu nem sabia como descrever, muito menos nomear.

Ver Percy lutando costumava ser um pouco assustador às vezes. Era difícil lembrar que ele era humano como nós. Ele controlava as águas empurrando um animal grande e longo, como um dragão aquático. Era claro que o foco de sua luta era o dragão, mas ele não conseguia se concentrar nele, pois ele, Annabeth e Tyson estavam na água com outros monstros empenhados em atacar o trio. Nisso, a atenção de Percy estava praticamente mais focada em não deixar ninguém se afogar. Felizmente, os Annabeth e Tyson estavam sobre hipocampos, animais metade cavalo, metade peixe. O de Tyson o maior deles já que, provavelmente, os menores não aguentavam o ciclope. O Hipocampo de Tyson também era um amigo de longa data dele, chamado Arco-Íris. O nome era bem colocado uma vez que o animal, metade cavalo metade peixe, tinha realmente as cores do arco-íris.

Não demorou muito para eles nos notarem ali. Percebi isso quando a mão do Tyson se ergueu no ar chamando nossa atenção para eles.

— Vamos até eles! Temos que trazê-los até aqui! - exclamou Reyna tentando fazer sua voz ser ouvida entre os barulhos altos gerados pela batalha e pelo mar.

— Com tantos monstros no caminho? Não vai ser fácil. - disse Mestiço.

— Vamos sem demora! - exclamou Jacques - Minha linda contra-corrente precisa de ajuda!

— Não acho que ela tenha concordado com essa parte de ser “sua”.... - disse Magnus.

— Eu vou - respondi enquanto fitava Percy, Annabeth e Tyson com o olhar.

    - Vai até lá? - ouvi Frank perguntar - Pelas sombras?

    - É mais rápido. - respondi.

Frank rapidamente se aproximou de mim e, com um leve sorriso que escondia uma preocupação normal de qualquer amigo e namorado, ele me olhou calmamente. Sabiamos que não podiamos perder muito tempo nesse tipo de momentos e em situações como essa, então sabia que ele ia ser rápido nas palavras que claramente queria dizer. E, por um lado, eu estava doida para sair daquele navio. Embora claramente eu preferisse sair dele para terra firme e segura, não para uma batalha.

— Tome cuidado, ok? - ele disse ficando vermelho.

— Pode deixar. - respondi também vermelha e passando uma mecha de meu cabelo para atrás da orelha.

— Quando tudo ficar calmo, vamos sair pra algum lugar. - disse Frank.

— Tipo um encontro? - perguntei.

— É. - ele disse coçando a nuca com a mão livre desviando o olhar de mim com um sorriso bobo e fofo no rosto visivelmente sem graça.

— Seria ótimo - eu respondi segundos antes de abraçar ele rapidamente dando um beijo em sua bochecha.

Era nessas horas que eu pensava como seria legal ter uma vida normal onde eu tinha encontros normais com meu namorado. Uma vida onde eu poderia conversar com ele sem ter que me preocupar com a segurança de meus amigos que estavam agora no meio do mar lutando contra monstros estranhos. Contudo, eu logo soltei Frank. Afinal, eu tinha amigos para salvar.

Com minha espada na mão, viajando nas sombras, rapidamente eu saí do bananão e fui parar onde Percy, Annabeth e Tyson estavam. Eu não precisava ser filha de Atena para saber que o meu maior foco deveria ser a filha de Atena. Percy e Tyson eram filhos de Poseidon, podiam se virar na água muito bem.

Chegando onde eles estavam, sem qualquer ponto de apoio onde ficar de pé, eu rapidamente caí na água. Debaixo d’água não dava para exatamente lutar com uma espada, então me apressei para subir para superfície, especialmente quando vi um monstro pequeno, alaranjado, barrigudo, de mãos finas, dentes afiados e tentáculos no lugar das pernas nadar em minha direção. Mal cheguei na superfície e Annabeth foi logo me puxando de qualquer jeito para cima do hipocampo dela enquanto eu chutava o monstro bem na cara várias vezes. O monstro então decidiu mudar a abordagem ao evitar minhas pernas e pular da água em nossa direção, mas Tyson deu um soco no monstro alaranjado quando ele pulou da água para nos atacar. O soco fez o monstro cair na água alguns metros à frente.

— Vejo que estão até bem, levando em conta a situação em que estão - eu disse tentando recuperar o meu fôlego depois de ter engolido um pouco de água.

— Embora pudéssemos estar melhor - disse Annabeth apressadamente em tom de urgência enquanto enfiava sua adaga no rosto de um monstro que, assim como os outros ali eu não sabia nomear - Os monstros estão muito concentrados aqui!

— E odeio falar isso, mas com vocês aqui realmente fica complicado não afogar ninguém! - disse Percy em voz alta tentando fazer sua voz ser ouvida por meio do barulho das ondas que usava para atacar tudo ao seu redor sem acertar eu, Annabeth ou Tyson - Hazel, tem como você levar a Annabeth e o hipocampo para o bananão?

— Temos um plano - disse Tyson como se isso explicasse o suficiente.

As ondas altas, provavelmente produzidas por Percy, faziam tudo balançar bastante e deixavam tudo três vezes mais molhado que o normal. Sabendo que provavelmente ele poderia mandar uma tsunami pro monstro se não tivesse que se preocupar com ninguém, eu afirmei com a cabeça e imediatamente Annabeth se segurou firmemente em mim. Eu, do mesmo modo, me segurei no hipocampo e então me concentrei para viajar pelas sombras novamente. Duas vezes em pouco espaço de tempo, e levando em e mais dois… não seria fácil. Mas quando foi que essa história toda de ser semideus foi fácil? E provavelmente o hipocampo não estava nada contente de ter que levar duas pessoas também.

Com um pouco mais de dificuldade do que antes, eu transportei eu, Annabeth e o hipocampo para perto do bananão. Sentia minha cabeça pesar um pouco enquanto ouvia nossos novos amigos já lutando no bananão. Eles estavam bem menos lotados de inimigos do que Percy e Tyson, mas já se esticavam na amurada do navio para acertar alguma coisa com suas armas ao som dos gritos de incentivo de Mestiço.

— ALI! HAZEL E ANNABETH! - gritou Reyna apontando para mim e Annabeth com sua lança.

Rapidamente os nossos amigos começaram a matar os monstros que alcançavam e que estavam em nosso caminho até o barco. Eu e Annabeth fizemos o mesmo. Ao alcançar o barco, deixando o hipocampo na água, eu e Annabeth subimos a bordo dele. Determinada para seguir com seu plano, ela foi direto falar com Magnus enquanto eu notava que nem todos estavam mais no barco. O calor da batalha era a única coisa que conseguia me fazer ignorar ao menos um pouco a temperatura fria da água. Imediatamente, eu já estava ansiosa para me jogar na minha cama e me enrolar entre os lençóis.

— Cadê o Frank? - perguntei abraçando a mim mesma sentindo o frio chegar até mim.

— Ele e a Alex pularam na água como tubarões para lutar também - disse Mallory.

Por alguns segundos me senti um pouco mal por não ter notado a falta de Alex também, mas no minuto seguinte eu já estava olhando para o mar atrás de sinais de Frank. Acho que consegui ver um tubarão lutando contra um monstro parecido com o que Tyson havia dado um soco generoso anteriormente.

— Então… parece que vocês têm um plano? - perguntei.

— Era para o Tyson ter ficado pra trás mesmo? - perguntou Reyna.

— Sim. - disse Annabeth - E, bem, temos só parte de um plano. A parte de Percy e Tyson contra aquele monstro enorme. Não se preocupem com o monstro gigante ali, eles vão cuidar dele.

— Parece um pouco o Gyarados - disse Magnus olhando para o monstro.

— Gyarados? - eu perguntei completamente perdida, era tanta mitologia no meio - De que mitologia é isso?

— Ahm… não é de mitologia alguma… - disse Magnus claramente surpreso ante minha pergunta - É um Pokémon.

— Vamos voltar para as coisas importantes, por favor - disse Mallory.

Em questão de alguns minutos conseguimos organizar um jeito de passar por aquela batalha inteiros até o final. Alex e Frank puderam continuar lutando como tubarões, mas Mestiço pegou o hipocampo que pertencia à Annabeth e foi ajudar o tubarão mais próximo, era difícil dizer qual era Alex e qual era Frank, sacudindo seu machado pra todo lado. A lança de Reyna fazia com que fosse fácil para ela interceptar junto com Magnus e sua espada falante os monstros que tentavam subir à bordo do navio.

Os monstros que podiam lutar tanto em água como em terra tentavam pular para dentro do bananão, e alguns conseguiam, o que fez com que logo uma batalha começasse no convés. Acho que posso dizer que eu, Mallory, Magnus, Reyna e Annabeth formávamos uma ótima equipe.

— Vamos Magnus! Faça bonito! - falava Jacques, a espada de Magnus - Temos que chamar a atenção da Contra-Corrente!

— Acho que ela está ocupada com outra coisa! - eu gritei enquanto derrotava mais um monstro.

De fato, Percy parecia ter usado uma onda como catapulta lançando a si mesmo no ar até fincar a Contra-Corrente na cabeça do enorme monstro marinho parecido com o tal Pokémon.

— Oh Contra-Corrente! We are strong! No one can tell us we’re wrong! Searching our hearts for so long! Both of us knowing. Love is a battlefield! - clamou Jacques.

— Impressão minha ou você está gritando uma música totalmente fora do ritmo na esperança que a Contra Corrente escute de lá?! - gritou Mallory ocupada com sua batalha.

— É UMA SERENATA DE AMOR EM MEIO À UMA BATALHA! - respondeu Jacques.

Não que eu tivesse interesse de descobrir o nome da música, Jacques cantava tão horrivelmente que com certeza eu não iria gostar da original mesmo se ela fosse um bom Jazz. Mas eu preferia ouvir mais da cantoria de Jacques do que ser lançada para o mar quando uma forte onda quase virou o barco de lado. Até tentei me agarrar em algo, mas não consegui. No minuto seguinte eu estava na água.

Por pouco consegui fechar minha boca evitando que engolisse água. Quando abri os olhos e olhei ao redor, vi um monstro cheio de tentáculos vindo em minha direção. Não consegui olhar muito bem para ele além de registrar que ele parecia uma lula ou um polvo, mas deu pra notar que ele era um pouco maior do que eu mesma. Meu cabelo atrapalhava a visão embaixo d’água ficando na frente do meu rosto e, para piorar tudo, a água não deixava que eu atacasse direito com a minha espada. Não foi muito surpreendente ele acabar me agarrando quase me fazendo engolir meio litro de água no processo.

Não adiantava eu tentar me soltar, o monstro continuava me puxando. A cada segundo ficava mais difícil manter a boca fechada, mas, felizmente, fui salva da preocupação de ficar sem ar quando um tubarão se aproximou mordendo raivosamente o tentáculo que me aprisionava. Livre, me segurei no tubarão, provavelmente Frank, e ele foi logo me puxando para a superfície. Eu me agarrava à barbatana com uma mão como se fosse uma bóia salva vidas. Minha outra mão segurava a minha espada.

Já na superfície, tomei uma lufada de ar enquanto o tubarão embaixo de mim virava uma grande baleia.

— Obrigada… - respondi ao me levantar lentamente sobre a baleia.

Eu me levantei lentamente, espada na mão. Ter a pele de uma baleia como superfície não era das coisas mais práticas, era muito escorregadio, mas foi bom o suficiente para me dar algum apoio para usar minha espada para cortar um dos tentáculos do monstro quando ele chegou perto o suficiente. Com o meu coração acelerado e preocupado, eu notei que o monstro estava ferindo Frank.

— Não se preocupe comigo! Vire um peixe mais lutador! - exclamei.

Eu corri, ou fiz o mais perto possível de correr naquela pele escorregadia, em direção ao monstro. Eu precisava ter o tempo perfeito, pois a água não iria deixar eu balançar minha espada muito bem. Tentei calcular os passos e o tempo e então pulei com a intenção de fincar a espada no corpo do monstro polvo.

A espada pesava, eu estava cansada, mas continuei na superfície depois de derrotar o monstro. Olhei para trás e vi que Frank tinha voltado à forma de tubarão e rodava ao meu redor de forma protetora. No entanto, não tinha mais muitos monstros que sobraram para lutar, pois aqueles que sobraram estavam fugindo indo embora. Isso provavelmente tinha sido culpa de Percy majoritariamente, mas, ainda assim, foi bom me agarrar a barbatana de Frank e voltar para o bananão.

Chegando perto do bananão, Frank voltou para a sua forma normal. Tirando alguns pequenos arranhões no braço e no rosto, eu não pude ver nada demais.

— Você está bem? - ele perguntou.

— Sim. - respondi - Vamos logo sair dessa água e finalmente ir para terra firme.

— Uhum. Mal posso esperar.

Eu e Frank subimos no bananão e não demorou muito para que começássemos a bater o queixo com frio. Molhados, no inverno, o calor da batalha já cada vez mais longe, o frio foi chegando rapidamente.

— V-Vamos usar o Magnus d-de aquecedor! - disse Alex rapidamente se agarrando ao braço de Magnus que logo ficou vermelho.

— Ao Magnus? - perguntou Reyna um pouco perdida embora eu também compartilhasse do sentimento.

Ao chegar mais perto, entendi o que era. Era possível sentir um calor sendo irradiado de Magnus. Algo como um aquecedor humano. Os últimos a chegarem foram Percy e Tyson. Num piscar de olhos estávamos todos sentados ao redor de Magnus enquanto lentamente nos esquentávamos e nossas roupas encharcadas secavam. Quer dizer, todos menos Percy e Tyson que estavam completamente sequinhos desde do começo.

— O que exatamente estava acontecendo aqui? - perguntei.

— Bem… é uma história interessante… - disse Percy.

— Estávamos procurando por algo que nos ajudasse a entender o que estava acontecendo ou arrumar pistas novas. - explicou Annabeth - Até que Leucothea, a mãe de um dos generais de Poseidon, nos deu uma pista de que aconteciam reuniões periódicas no mar e essas reuniões provavelmente estavam ligadas.

— Leucothea mentiu… - disse Tyson cabisbaixo.

— Não, ela não mentiu. - disse Annabeth - A reunião foi a mais pura verdade, só que ela nos traiu, nos dedurou. Nem chegamos à conseguir chegar perto de entrar na reunião escondidos, eles sabiam que nós estávamos indo.

— Leucothea estava lá, acho que Naunet foi embora pouco depois de chegarmos. - disse Percy - Segundo algum fulano lá, ela não tinha tempo para perder com a gente.

— Se Leucothea nos traiu, porque ela falou que o plano deles é inundar tudo? - perguntou Percy.

— Inundar tudo?! - repetiu Mallory surpresa.

— Aparentemente… - disse Annabeth soltando um suspiro - Mas também, não sei até que ponto as palavras dela são confiáveis. Depois que nos encontramos com ela, eu pesquisei um pouco sobre ela. Bem, ao menos achei uma explicação para Leucothea ser tão… estranha. A vaca deixou ela doida!

— … Vaca…? - perguntou Alex perdida.

— Hera… - sussurrou Reyna como resposta.

— Leucothea não é má! - rebateu Tyson - Ela deve ter tido um motivo! Deve ter sido obrigada à isso!

— Olha, eu não sei, grandão. - disse Percy soltando um suspiro - Pode até ser mas...  nossa tentativa de infiltração foi claramente nenhuma surpresa.

— Bem, claramente temos muito à por em dia. Vamos indo até São Francisco e então faremos isso com calma - disse Reyna.

— E num lugar quente, de preferência - acrescentou Mestiço.

Todos concordaram e, enquanto eu pousava a cabeça no ombro de Frank, o bananão continuou seu caminho em direção à São Francisco com Arco-Íris nos seguindo. Frank logo me puxou para mais perto e ficamos lá grudadinhos tentando usar o calor de cada um para fazer o frio passar. O calor que irradiava de Magnus melhorava tudo ainda mais e ainda dava uma leve sensação de preguiça que fez com que eu acabasse fechando os olhos aproveitando o conforto daqueles breves minutos que faltavam até voltarmos para terra firme.