O Ladrão de Almas escrita por Ariane Munhoz


Capítulo 4
Intervenções


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Sem muita demora dessa vez! Como foi o final de ano? Espero que bem! O meu foi maravilhoso! Nos vemos nas notas finais!



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1

Passo o dia apreciando todos os locais que aquela parte da cidade tem a me oferecer, desfrutando de suas especiarias culinárias e visitando lugares para me sentir mais familiarizado. Compro roupas novas para me adaptar ao inverno paulistano, decido caminhar por aí, observando as casas locais, cuja arquitetura antiga e nada modesta me traz fascínio em alguns bairros que preservam o classicismo.

Mal vejo as horas passarem, mas sei me situar através do relógio de bolso que carrego comigo desde muito tempo e do qual nunca abri mão, mesmo que a tecnologia seja mais moderna nos dias atuais. Eu gosto de tê-lo comigo, considero-o quase um presente de uma pessoa que, infelizmente, já não está mais entre os vivos, sequer entre os mortos. Ossos do ofício.

Às vezes esse trabalho me traz fardos como esse, embora não possa dizer que sinto muito pelo antecessor desse item que carrego. Apenas aprecio sua companhia, como acontece quando os humanos encontram um cachorro e dispõem de algum tempo seu para ganhar atenção e alento.

Paro diante de uma casa, cujos portões são feitos de ferro. Embora pela aparência ela pareça maltratada e abandonada, eu estou certo de que cuidados farão com que retorne ao seu estado natural.

Por algum motivo que eu desconheço, algo nela me chama a atenção. Toco nas grades de ferro, notando que mesmo o passar dos anos não havia corroído o metal, ao menos não tanto quanto deveria. Meus olhos esquadrinham o que antes deveria ser um jardim, mas a grama está tão alta que mal se discerne o que é caminho e o que é matagal.

A casa parece um mausoléu abandonado, mas eu consigo enxergá-la como havia sido um dia: uma grande e lustrosa mansão, remontando séculos passados, completamente perdida nos tempos modernos, com uma intensa história por trás dela, cujas paredes de tijolo sussurravam, languidas por dizerem tudo o que havia ocorrido ali. Por algum motivo, eu anseio por saber.

− Essa casa aí é mal assombrada. – A voz que me aborda parece pastosa e enferrujada, ligeiramente rouca, como se há muito tempo não se exercitasse. Viro-me em sua direção, sem soltar as barras, para me deparar com uma senhora de aparência senil, as várias rugas demarcando a passagem dos anos, assim como as manchas na pele. É de estatura baixa, de modo que preciso me curvar para olhá-la nos olhos, e está ligeiramente acima do peso. Os cabelos são tingidos de ruivo, lisos, curtos, e os olhos de um tom castanho claro, embora os óculos de grau dificultassem um pouco o discernimento das cores.

Tem no rosto aquela expressão gentil apesar de todas as coisas que já devia ter presenciado em vida. Veste-se bem, como se estivesse pronta para sair, com uma camisa de botões cor de creme e uma saia de tom mais escuro. Deve ter por volta de seus setenta anos, e está parada no jardim da casa ao lado, provavelmente sua moradia.

− Mal assombrada? – pergunto, meus olhos se encontrando com os dela naquele momento. Percebo um ligeiro incômodo de sua parte e noto o terço de madeira enrolado em seu pulso direito. No esquerdo, carrega um relógio de ouro, bem trabalhado, com os números grafados em algarismos romanos.

− Sim. – ela riu por nenhum motivo em especial, e há algo no som de sua risada que me faz querer rir também. Nunca antes havia sentido esse desejo, embora soubesse alguma coisa sobre encenar aquele tipo de emoção. – É quase uma lenda local, mas um jovem como você não teria tempo para uma velha como eu.

Novamente, aquele riso, que preenche todo o ambiente. Me sinto tentado a me afastar, sabendo que aquela pessoa pode me farejar de alguma forma, embora eu desconheça o motivo que me leva a crer nisso. Nenhum humano jamais havia visto através do meu disfarce, mas algo nela me faz acreditar que tem essa capacidade.

Oras, eu devo estar ficando louco. Sorrio de volta para ela, solicito.

− Não fale assim, eu adoraria apreciar o tempo ao lado de uma senhora como você...

− Catherine. Winsor. Mas pode me chamar de Katie.  E você, meu jovem?

Noto as rugas ao redor de seus olhos quando sorri para mim, ainda mais evidentes naquele momento, como se ela sorrisse o tempo todo, e me pergunto que tipo de vida ela deveria ter vivido para ser assim tão feliz. Olhando através das linhas que guiavam sua vida, reparo que não tem muito tempo, mas nada quis comentar a este respeito. Não cabe a mim esse tipo de serviço, mas à Morte. E ela nunca avisa quando vai chegar.

− Adrian Nolan. – eu respondo para ela, tomando uma de suas mãos e me curvando para dar-lhe um beijo cortês. Seu cheiro é parecido com o cheiro de pêssego, doce e suave.

− É um rapaz muito bonito e cavalheiro, Adrian. Coisa que não vemos nos dias de hoje. – Sua voz soa alegre, como se há muito tempo não tivesse alguém com quem conversar. – Mas seu nome não é muito comum para a região, é?

− São seus olhos, Sra. Catherine. – respondo com charme e gracejo, sorrindo para ela. – Britânico por parte de mãe. Migramos para o Brasil quando eu ainda era muito novo, não lembro de quase nada da minha terra natal. Mas não quero atrapalhar, acredito que estivesse de saída já que está tão elegante assim.

− Isso? Ah não! – Sorri novamente, passando os dedos suavemente pelo colar de pérolas que retém no pescoço. – É apenas uma formalidade, não quero deixar minhas roupas novas para ninguém usar sem que estejam usadas quando eu me for! Inglaterra então? Meu amado Johan também era de lá, apesar do nome alemão de origem materna, o pai era britânico.

O modo como ela fala isso, tão isenta de medo... eu realmente acredito em suas palavras. São verdadeiras e não ditas da boca pra fora para demonstrar coragem. Quando fala de seu amado, arqueio as sobrancelhas, mas nada digo.

− Venha, Adrian, eu assei biscoitos.

− Tudo bem, senhora. – Estranho o convite e ainda mais a minha atitude de aceitar tão rapidamente. Não sei por que disse isso, mas sem que notasse já a seguia para o interior da casa.

− Katie, eu já disse. – Ela toca o indicador na ponta do meu nariz. Noto que suas unhas são bem cuidadas, esmaltadas em vermelho, do mesmo tom do batom que tinge seus lábios. Ela é realmente uma senhora vaidosa, devo admitir.

− Katie. Mil perdões. Não estou acostumado com esse tipo de tratamento tão informal. – Não sei o motivo, mas aquilo me deixa um pouco sem graça. Ela ri de mim, pressionando minhas bochechas com as duas mãos.

− Você é mesmo uma graça, criança. Vamos, vamos. Biscoitos e chá enquanto eu te conto a história dessa casa.

Eu a acompanho, ciente de que se ela soubesse que convidava um Demônio para sua casa, jamais teria me permitido adentrar o recinto.

2

Para chegarmos até o jardim de inverno, nos fundos da casa, passamos pelo hall de entrada e pela sala, onde ela me deixa esperando algum tempo enquanto prepara o chá. É uma sala com móveis antigos, um sofá de três lugares e uma poltrona com estofados verdes, que combinam com as cortinas creme com babado esverdeado que se prendem ao teto e estão fechadas, impedindo que a luz do sol penetre por elas, bem como olhos curiosos. Observo as diversas fotos espalhadas pelo local – a maioria delas com crianças de diferentes idades, e uma mais antiga, que deve ter sido tirada por volta dos anos 40, onde ela se vestia com um conjunto social rosa claro – um terninho e uma saia – e uma camisa branca por baixo. Era mais magra e mais jovem, e um rapaz moreno, com cabelos e olhos escuros mantinha uma expressão fechada, de braços dados com ela.

O restante da sala é composto por um móvel de tom vinho escuro onde repousa uma daquelas antigas televisões de caixa de 29 polegadas, mais fotografias, um vaso de flores, um toca discos antigo e diversos pequenos enfeites, entre elefantes, cães e Anjos – embora nenhum Anjo pudesse ser tão rechonchudo e possuir asas tão pequenas. Mas eu acho engraçada a forma como os humanos gostam de retratá-los. Me pego imaginando o que o Porteiro acharia disso, mas afasto logo o pensamento, dando atenção à fotografia antiga.

− Era meu marido, Johan. – Catherine me surpreende, coisa rara de se acontecer, mas mal ouvi seus passos pequeninos se aproximando. – O chá já está servido, Adrian, pode me acompanhar?

Aceno positivamente com a cabeça, não deixando de notar o pronome no tempo passado que ela repete.

− Sinto muito pelo seu marido. – digo baixinho, tirando o chapéu da cabeça em sinal de respeito.

− Você é doce, Adrian, muito obrigada, mas eu sabia que ele não demoraria muito para ir. O coração falhava já tinha alguns anos e, bem, ele nunca foi do tipo que se cuidou demais, apesar de ter tido uma vida relativamente saudável. Os hábitos alimentares nunca ajudaram, nunca quis diminuir o sal. Disse que preferia estar morto antes de comer algo sem gosto.

Não entendo como ela é capaz de rir disso, mas começo a desconfiar que é sua forma de mascarar a dor que sente. Caminho com ela até o jardim de inverno, pontilhado de roseiras vermelhas e pequenas flores coloridas. De alguma forma, as flores me lembram a sua gargalhada.

− Você podia ter pedido minha ajuda, Sr...Katie. – Corrijo-me a tempo, quando ela lança um olhar sério na minha direção, mas logo se desfaz em ternura.

− Não se preocupe com isso, Adrian, eu fico feliz em ter alguém com quem conversar. – Ela sorri, sentando-se na minha frente e apanhando um dos bules de porcelana. A louça é linda e imagino que raramente é usada.

− Não fale assim. E todas aquelas pessoas nas fotos? Aposto que a senhora é muito amada. – Tento parecer gentil, mesmo que não me importe com o fato.

− Meus netos. Não moram perto daqui, a maioria está fazendo faculdade. – ela responde com doçura. O brilho em seus olhos indica o orgulho que possui de cada um deles, e mesmo que eu não os conheça, quero acreditar que são boas pessoas para ela.

− Entendo. Mas agora tem minha companhia, ao menos durante esse chá, enquanto me conta aquela história prometida. – Apanho um dos biscoitos e dou uma mordida pequena, surpreendendo-me com o sabor doce e ao mesmo tempo refrescante.

− E então? – Ela me olha com expectativa.

− São deliciosos! – Não posso deixar de apreciar sua culinária, chegando até mesmo a sorrir verdadeiramente. – Qual o segredo?

− Bem, se eu te contasse então não seria mais um, certo? – Ela ri, deliciando-se com minha expressão, mas apenas beberica o chá, sem tocar nos biscoitos.

− Muito bem então, Katie. – eu respondo, devorando os doces com satisfação.

− Certo, sobre a casa. – ela diz, notando o meu silêncio enquanto como. – Os boatos começaram há muito tempo, mesmo antes de eu e meu Johan virmos para cá. Ele veio da Alemanha, nos tempos de guerra, mas acabou ficando por aqui quando me conheceu e nos casamos, mas essa história fica para outro dia. Naquela época, conheci um casal que morava na casa, recém-casados também e tinham uma filha pequena. Pouco tempo depois de terem se mudado, aconteceu um acidente estranho. Ela simplesmente caiu da escada e quebrou o pescoço, mas o casal sempre jurou que jamais a deixavam no andar de cima. Se mudaram pouco tempo depois disso, vendendo a casa a um preço irrisório. Depois deles, foi um jovem engenheiro que se mudou para lá. Poucos meses depois, contraiu a peste. Morreu acamado. Desde então, todos os moradores dessa casa tiveram um triste fim.

Observo o topo de uma das torres que há naquela mansão, maravilhado com sua história. Não sou muito de acreditar nesse tipo de coisa, mas Catherine sim. Noto como aperta com mais força as contas do terço que tem enrolado em seu pulso.

− E faz quanto tempo desde o último morador? – pergunto, como que para quebrar o gelo. Ela adiciona mais leite ao meu chá mesmo que eu não tenha pedido, mas agradeço com um aceno.

− Trinta anos se não contar os locatários. Iam e vinham, mas nunca ficavam por tempo demais, sempre alegando ver coisas estranhas pela casa. – Ela encolheu os ombros como se um arrepio percorresse seu corpo.

− Bem, − Toco sua mão suavemente como que para acalmá-la. Se ela ao menos soubesse com o que estava lidando naquele momento... – não se preocupe com isso, Katie. Tive um interesse súbito pela casa, acho que falarei sobre a possibilidade de locá-la. E se eu ver algo estranho, então irei embora, o que acha disso? Desta forma também terá uma companhia constante para o chá.

Noto que a principio ela parece temerosa por mim, mas também vejo a alegria formar-se no canto de seus olhos com as pequenas rugas e com o sorriso. Ela aperta minha mão entre as suas, e percebo como são frias, sobretudo nas extremidades dos dedos. Inclino levemente o rosto naquela direção, curioso a respeito, mas decido não render muito assunto ou ela não me deixará sair antes do próximo chá.

− Muito bem, temos um acordo.

Quando ela fala sobre acordos, é a minha vez de sorrir. Ah, como eu gosto de acordos assim, tão fáceis para mim.

3

Já é noite quando eu retorno novamente para o hotel e, para a minha surpresa, Luiz ainda está lá. Pelos burburinhos, fico sabendo que William não está bem, o que é uma pena, mas é o que se acontece quando a mente é fraca demais. Gostaria de brincar um pouco mais com ele, mas Luiz é igualmente um fator de diversão para mim.

Aproximo-me da recepção com um sorriso divertido nos lábios, tendo a ciência de que ele treme levemente – não sei se pela abstinência ou pela minha presença ali. As íris parecem menos trêmulas do que antes, e noto que até ele parece um pouco mais relaxado. Talvez tenha dado uma escapulida do serviço, penso.

− Boa noite, Luiz. – Eu o cumprimento, tocando levemente a aba do chapéu e espero enquanto ele procura por minhas chaves.

− Boa noite, Sr. Adrian. – Sua voz soa um pouco vacilante, enquanto ele mexe nas chaves, derrubando uma série de molhos contra o chão, o barulho tilintante preenchendo o saguão vazio do hotel.

− Parece um pouco nervoso, precisa de ajuda? – pergunto, solicito, mas no fundo eu sei o quanto ele deseja que eu vá embora dali. Sim, ele deseja, e isso apenas torna a brincadeira entre nós mais divertida. Como brincar de gato e rato, espreitando lentamente por sua presa até encurralá-la tão completamente que tudo o que ela pode fazer é olhar nos olhos de seu captor, esperando pelo bote final.

− N-não. Eu já encontrei. – Ele me dedica um sorriso amarelo, embora seus dentes sejam brancos e perfeitamente alinhados. Ainda de gatinhas no chão, ele estende a chave para mim por cima do balcão. Eu a apanho, tocando suavemente seus dedos e sinto quando recolhe a mão como se tivesse levado um choque. Sorrio diante de sua reação exagerada.

− Tem certeza? Você não parece muito bem, está pálido. Talvez devesse se sentar. – O tom de minha voz soa como uma sugestão comum, mas emprego nele um pouco do meu charme. Incapaz de evitar o contato visual comigo naquele momento, Luiz concorda fracamente com a cabeça, deixando todas as chaves espalhadas pelo chão – não que alguém vá, de fato, notar isso.

− A-acho que você tem razão. – ele diz em tom baixo, dando a volta pelo balcão. Passo um dos braços por seus ombros, concordando com a cabeça sobre ter razão e o acompanho até um dos bancos do saguão para que se sente e me sento ao seu lado.

− Pode ser o frio. – comento levianamente, apanhando um cigarro e levo-o aos lábios. Seus olhos imediatamente se voltam para os meus lábios. Eu sei o que ele queria. – Você se importa?

Nega com a cabeça, ficando em silêncio por um momento enquanto eu acendo o cigarro. Eu sei que ele não se importa, mas não pularei nenhuma etapa. Trago lentamente o cigarro, meus olhos fitando o movimento quase nulo da porta de entrada.

Ele morde levemente o lábio inferior. Sei que quer me pedir uma tragada, um cigarro, qualquer coisa que eu pudesse lhe oferecer, mas ainda sofre uma batalha interna dentro de seu ser. Decido dar uma mão a ele como o bom Demônio que sou.

− Aceita? – Eu coloco a carteira de cigarros para fora do bolso, estendendo ao alcance dele. Meus olhos permanecem fixos nos seus. Parece que não há mais nada que Luiz deseje naquele momento do que olhar para mim.

− E-eu não devia.... – Tenta parecer relutante, mas eu sei de seus verdadeiros desejos, de todos os seus anseios, tão fáceis de ler através daqueles olhos desesperados.

− Tudo bem, Luiz. Somos apenas eu e você aqui. – Eu o encorajo e, por fim, incapaz de resistir, ele apanha um dos cigarros e estendo meu zippo para acendê-lo.

A expressão dele é de mais puro deleite naquele momento. Eu sei que não é exatamente o que ele procura, mas também sei que é o suficiente por enquanto, ao menos para que ele não saia enlouquecido atrás daquilo que realmente deseja.

− A-as coisas têm estado meio difíceis ultimamente. – ele diz, o tom de sua voz soando um pouco mais relaxado naquele momento, como se o cigarro o acalmasse. Não para mim. Para mim é só uma distração, não um relaxante.

− Estou te ouvindo, Luiz. Às vezes é muito mais fácil conversar com um estranho do que com alguém que conhecemos.

Ele concorda com a cabeça sobre isso, mas fica em silêncio por um momento. Eu acho engraçado o fato de que, todos os humanos, sem exceção, apesar de possuírem suas particularidades, suas nuances no meio de tantas emoções intrínsecas, têm esse fator em comum: todos eles, sem a menor sombra de dúvida, gostam de receber atenção para dividir seus problemas, mesmo aqueles que gostam de parecer fortes – sobretudo esses.

− O que eu ganho aqui não é suficiente, mal paga as contas. – Ele prossegue, expirando a fumaça para cima. Seus olhos haviam perdido o foco, até mesmo um pouco do brilho. Agora, de perto, eu vejo como suas olheiras são profundas, como se nunca dormisse direito, sempre com medo, sempre à espreita de algo que possa acontecer. – Às vezes, faço um bico aqui e ali. Seriam o suficiente pra me manter se eu fosse sozinho. Mas tenho uma irmã mais nova.

Ele retira do bolso de trás uma carteira de couro surrada e velha, provavelmente reaproveitada de alguém porque não teria condição financeira para comprar algo tão requintado. De dentro dela, tira uma foto um pouco amassada de uma garota que deve ter por volta de seus 13 anos, os cabelos de um tom castanho mais claro, cacheados e emoldurando o rosto salpicado por sardas, mas tem os mesmos olhos amendoados do irmão.

− Seu nome é Marisa. – Um sorriso protetor brinca em seus lábios e ele acaricia suavemente a foto como se acariciasse os cabelos de sua irmã. – Está na escola. Diferente de mim, tem algum futuro.

− Não fale assim, você não sabe o que o futuro lhe reserva, Luiz. – Eu tento animá-lo, embora eu sim saiba o que futuro lhe reservava, principalmente se continuássemos com essa conversa. – Mas me diga... – O tom da minha voz muda novamente, ficando sugestivo. - ... o que você seria capaz de fazer por ela, Luiz?

− Qualquer coisa – Sua resposta é imediata. –. Eu amo minha irmã, ela é tudo pra mim, Adrian.

Eu sorrio, solicito. Qualquer coisa são as palavras mágicas para mim.

− Entendo. – eu respondo para ele, tocando de leve a fotografia. Naquele momento, já o envolvi com meu charme, mas jamais poderei fazer as escolhas por ele. Não. Isso é contra os nossos princípios, por mais irônico que isso possa parecer. Os fins não justificam os meios, mas não significa que não existam leis para os Demônios também. E o livre arbítrio é uma delas. – E se eu dissesse... que posso tirar ela... e você dessa vida?

Seus olhos se voltam para mim naquele momento, até mesmo ignorando o cigarro que pende em seus lábios.

− Não brinque comigo, Adrian. – Ele ainda resiste ao meu encanto, mas sinto que está tentado a ceder.

− Eu não brinco, meu caro. – respondo sem desviar os olhos para que o encanto não se perca. – O que seria capaz de fazer por isso? Para garantir que sua irmã teria o futuro promissor que sempre desejou a ela? Uma vida melhor?

− Eu já te disse... – Ele cerra com força os punhos sobre o colo. É meu segundo encontro com ele, mas nunca pareceu a mim tão sóbrio como quando falava de sua irmã. – Faria qualquer coisa por ela. Qualquer coisa.

Concordo com a cabeça, e abro um sorriso para ele me levantando, estendendo para ele um cartão de visitas.

− Continue com esse pensamento, Luiz, e certamente as coisas melhorarão. Esse é o meu número pessoal. Caso você precise de alguma coisa, qualquer coisa, não hesite em me ligar se eu não estiver por perto.  – Aperto seu ombro levemente e começo a caminhar na direção das escadarias que levam até meu quarto, apagando o cigarro no lixeiro que faz vezes de cinzeiro ao lado do banco. – Grandes esperanças, Luiz. Grandes esperanças. – repito, apenas para dar ênfase. Li essa frase certa vez em um romance e acho que o impacto dela cabe bem à situação, embora saiba, no fundo que aquela alma já é minha e sorrio para mim mesmo, satisfeito com meu trabalho.

4

Me sinto imerso no cansaço e mergulho num sono inquieto e isento de sonhos dirante a noite. Quando desperto, a penumbra ainda toma conta de todo o aposento e suspiro pesadamente ao ver como chove pesadamente lá fora. Será que a chuva nunca abranda nesse lugar?

Constato surpreso que apesar da escuridão, já é de manhã, mas as nuvens cinzentas e as brumas daquela cidade deixam o horário confuso. Decido me levantar, sabendo que preciso começar a pesquisar a respeito da alma que meu senhor tanto deseja. Ainda que não exista em mim uma espécie de radar ou nenhuma informação coerente a seu respeito, eu sei que de alguma forma a encontrarei. É como se uma linha invisível nos interligasse, ainda que nunca a tivesse visto. O cheiro de uma alma pura... Aiacos estava certo. Não há como não reconhecer.

Elas são raras no mundo moderno, quase inexistentes. Eu não costumo trabalhar com elas, mas tenho motivos de sobra para crer que nenhum Demônio costuma fazê-lo pelas poucas informações que meu senhor havia provido. Já tinha muito tempo desde que essa sensação fora sentida por algum de nós e quando meu senhor me incumbiu dessa tarefa tão importante, não pude sentir nada além de um ligeiro orgulho por saber que fazia tão bem o meu trabalho. Eu tenho ciência de que qualquer Demônio é capaz de coletar almas, mas não com a mesma perfeição que eu faço. Afinal, esse é o meu dom maldito. Diferente de todos os outros, que possuem poderes além da compreensão, essa é a única coisa que eu sei fazer. Claro, eu sou mais forte do que um humano normal, mas facilmente seria destruído por qualquer Demônio que quisesse o meu fim.

No entanto, por algum motivo que eu mesmo desconheço, meu senhor mantém os olhos sobre mim e todas as vezes que algo assim se aproximou de acontecer, ele interviu, lembrando a eles o quanto o meu trabalho de carrear almas era importante, ainda que muitos me considerassem apenas a escoria dentre a escoria. Eu não me importo. Estou preso a ele por grilhões invisíveis por toda a eternidade mesmo que nós não tivéssemos um contrato. Ele é o meu senhor, o meu lord. E o que mais eu posso fazer a não ser obedecê-lo cegamente?

Por algum motivo, isso me remete às palavras repetidas do Porteiro Haziel, e me pego pensando na razão pela qual ele faz isso. Ele, melhor do que ninguém, deveria compreender. Todos nós, cada um de nós, temos o nosso lugar, a nossa sina e o nosso destino. A minha é essa de carrear almas e o titulo de ladrão por toda a eternidade. É esse o motivo da minha criação e é isso o que eu farei até o resto dos meus dias, quando finalmente um dos meus irmãos traidores, quiçá um Anjo me pegue desprevenido e finde a minha existência de uma vez por todas.

Pode parecer até conformismo da minha parte, mas a seleção natural existe até mesmo entre nós—principalmente entre nós. O mais forte sobrevive, o mais fraco morre. Em geral, as coisas funcionam bem dessa maneira, com os Demônios mais fortes sobrepujando os mais fracos. E é por isso que o nosso General era tão poderoso, embora no momento não estivesse mais entre nós.

Depois da ultima Guerra Santa, ele havia simplesmente desaparecido, mas ninguém sabia a razão. Desconfio, talvez, que apenas o meu senhor, os juízes, e Lord Samael saibam. Mas ninguém comenta nada, ninguém diz nada. E as poucas vezes que ouvi burburinhos a respeito, nunca mais vi aquele que havia começado com a notícia. Alguns diziam que ele havia sido banido, morto por um Anjo. Outros que simplesmente havia desaparecido, consumido pelas próprias chamas e pelo caos. Ele era... simplesmente o Demônio mais poderoso que já pisou sobre esse e qualquer outro mundo, embora eu particularmente não me lembre. Como se não existisse antes dele, embora tenha a certeza de que sim.

Posso chegar a desconfiar que, se um dia meu senhor foi capaz de se importar com alguém, esse alguém havia sido ele. Mas não me lembro de seu nome, de sua casta, de nada. Tudo a seu respeito é um intenso borrão cinzento sem cor ou significado. Como se ele nunca tivesse existido de fato. Mas ainda assim... aquela sensação permanecia.

Livre de meus devaneios, eu desço as escadarias até a recepção, mas a encontro vazia. Estranho a principio, mas decido que agora não é o momento para brincar com minhas novas marionetes. Eu coletarei suas almas no momento certo. A única coisa que faço é apanhar o meu guarda-chuva amarelo, ciente de que naquele clima, eu me tornarei um Demônio ensopado sem ele.

5

Aspiro fortemente o cheiro da chuva enquanto caminho pelas ruas de São Paulo. Não tento memorizar o nome dos lugares, apenas passeio pela região. Em breve eu deixarei aquele hotel para trás, pois já havia marcado uma reunião com a imobiliária, na qual visitaríamos a casa e acertaríamos os detalhes no fim daquela semana, muito embora o proprietário quisesse, por ele mesmo, agendar nosso encontro para hoje. Mas eu não. Ainda preciso de tempo para ter a alma de Luiz para mim. Eu preciso de mais poder para me manter aqui, pois não sei quanto tempo precisarei ficar neste mundo sem poder retornar ao meu lar.

Há um aspecto diferente nessa chuva, um algo que me incomoda. Eu não sei se é o fato de ser tão incessante, o fato de nunca ter cedido sequer um único minuto desde que eu estou aqui, mas mesmo os noticiários diziam que aquilo era até incomum, mesmo que São Paulo fosse conhecida como a cidade da garoa pelo clima sempre cinzento. As chuvas costumavam ser mais intermitentes do que isso, ainda que às vezes se abrandassem para uma suave garoa. Parece até mesmo uma brincadeira de mau gosto.

Além disso, há aquela estranha sensação. A sensação de que algo perfura a minha nuca, de que alguém observa cada passo meu. Decido que colocarei isso à prova também neste dia, enquanto permaneço atento à minha pesquisa, porque de alguma forma sinto que a alma pura que eu busco está por perto, certamente nessa cidade e não tão distante de mim quanto eu imagino.

Sim, agora mais concentrado e centrado no que eu devo fazer eu sinto. Como se uma mão invisível me puxasse em sua direção, atraindo cada partícula do meu corpo até ela. Eu sei que não tenho tempo a perder, quanto mais rápido eu realizar o meu serviço, mais rápido eu retornarei à minha rotina normal. E tudo o que eu não quero é arrumar um motivo para trazer desapontamento ou ira para o meu senhor. Isso é algo que ninguém deseja. Nem mesmo o mais tolo entre nós.

Mal percebo que percorro os caminhos pelas ruas daquela cidade, ignorando a chuva que cai pesadamente sobre meus ombros, seguro apenas pelo manejar daquele guarda-chuva, até de fato estar no local que tanto buscava. Acho que meus olhos me traem quando paro diante de um prédio cuja fachada é bastante simplista. Deve ser um dos mais antigos da região, pois a pintura está desgastada, de um cinza quase fosco, e o letreiro da frente um pouco mal cuidado. Ainda assim, o aspecto do local traz um quê de familiaridade, uma quase paz.

− Uma escola de musica... – murmuro para mim mesmo, os olhos fixos no desenho de um saxofone acompanhado de suas notas musicais.

Acho aquilo decididamente irônico e teria rido se tivesse algum senso de humor voltado para a comédia, porque tudo o que remete à música me fazia lembrar dos Anjos, de suas vozes cantadas, como se todos eles fossem uma eterna sinfonia. Até mesmo meu senhor, muitos anos depois de ter deixado aquele local, ainda fala daquela forma. Fico pensando que de certa maneira, todos nós somos uma canção. Mas enquanto os Anjos entoam o canto da vida, nós somos o réquiem que leva até a morte, a desgraça e o sofrimento. Mas somos um mal necessário para o mundo.

São os letreiros da frente que me arrancam um sorriso, tamanha é a ironia do fato.

Escola de Música Estrela da Manhã.

Seria irônico se não fosse trágico.

Estou me encaminhando naquela direção quando o sinto. Agora a sua presença é forte e gritante e não consigo evitar o ímpeto de desviar o meu olhar para ele. Prostrado como uma gárgula sobre uma das casas próximas dali eu o enxergo, como um fantasma que ninguém além de mim é capaz de ver. Seus olhos de um azul cobalto tão intenso me encaram como se eu fosse a pior criatura do mundo. Os cabelos louros e lisos emolduravam o rosto de aspecto suave e angelical, belo. Todos os Anjos têm a sua beleza particular, única, vivaz. Eu consigo enxergar através da tez pálida, o nariz bem alinhado e fino. Todos os Anjos são belos, sem exceção, sempre bem vestidos e impecáveis, e embora Haziel sempre estivesse na frente de batalha, vestia uma túnica branca que farfalha ao vento quando ele faz menção de se aproximar de mim em um voo tão rasante que mal noto quando corta a distancia entre nós, parando diante de mim, enquanto me fulmina com o olhar. Nunca estivemos assim tão próximos.

− Porteiro. – cumprimento. Minha voz sai calma e segura de um jeito que me surpreende. Não desvio os olhos, ainda que ele me encare de cima e que a luz emanada de suas asas me cegue parcialmente. Não há ninguém nas ruas, mas desconfio que se tivesse, não seria capaz de nos ver naquele momento.

− Adrian. – ele é uma das poucas criaturas que me chama pelo nome, mas sinto que sua voz é tão carregada quanto às nuvens que nos cercam.

− Devo perguntar a que devo a honra de descer de seu céu apenas para dirigir a palavra a este reles Demônio? – Eu me curvo em uma reverência exagerada. Sei que estou brincando com fogo, mas simplesmente não posso evitar o teatro.

− Eu não vou permitir que leve mais uma única alma do nosso exército. Não permitirei que se aproxime dela.

Nossos olhares se cruzam novamente. Sinto como o ar pesa ao nosso redor e pela primeira vez em todos os anos que o conheço e que ele me persegue, noto como fala sério a esse respeito, o que me faz pensar sobre isso. Sobre como essa alma pura deve ser tão importante para eles quanto é para o meu senhor. Possivelmente, é um desbalanço, uma alma assim pode mudar até mesmo o curso do mundo ou da guerra que certamente está por vir.

− Você sabe que não pode intervir no livre arbítrio. – Ergo o dedo em riste, sem apontar para ele porém. – Se for o desejo dela me seguir, é exatamente o que acontecerá.

Mal noto quando as mãos dele afundam dolorosamente em meus ombros, quando me imprensa na parede e suspendeu meus pés do chão. Não sabia que tinha tamanha força até de fato estar indefeso. A chuva se torna tão intensa que a ventania carrega para longe o meu chapéu.

− Escute, Demônio... – Os olhos dele me fulminam novamente, tempestuosos. Me perco no momento em que as íris azuladas perdem espaço para as pupilas negras, mergulhando elas em completo êxtase, mas eu reconheceria aquele sentimento em todo lugar. Eu não sabia se Anjos eram capaz de sentir ódio ou raiva, mas se não eram, ele está muito próximo da queda naquele momento. − ...eu não vou me importar com os meios que tenha que seguir para te impedir dessa vez. Eu não permitirei que tu leves esta alma, estás entendendo?! Nem que tenha que te matar para isso.

De alguma forma eu sei que ele fala sério e não consigo esconder o espanto em meu olhar. Mas sei que se não dominar a situação neste exato momento, as coisas ficarão realmente ruins para mim. E entre ter que encarar um Anjo furioso ou meu senhor, estava claro qual era a opção eu escolheria.

− Como eu disse, Haziel... – Minha voz soa calma, até mesmo provocante. Me atrevo a sorrir, ainda que saiba o que isso pode acarretar.  −... eu não farei nada que não seja o meu trabalho e sugiro que você também faça o seu. Se a alma escolher o caminho ao meu lado, é o caminho que ela trilhará. E você sabe, mesmo que me mate, nada poderá ser feito uma vez que o contrato for selado.

Ele bate minhas costas com força contra a parede de concreto. Sinto o ar faltar e o gosto de sangue subir pela garganta, mas me recuso a dar para ele qualquer indicio de fraqueza que seja. Meus olhos queimam de raiva e desejo naquele momento ter a força de Radamanthys para colocá-lo em seu devido lugar.

E de alguma forma, foi como se tivessem ouvido o que eu tinha acabado de pensar, uma voz interrompe o nosso momento particular.

− Você ouviu ele, Porteiro. – A voz que soa atrás de nós é zombeteira e divertida. Eu a reconheço, ainda que não tenha visto seu detentor. A reconheceria a milhares de quilômetros, em qualquer lugar. Através daquela chuva, seus olhos cinzentos brilham intensamente e os cabelos prateados dançam ao sabor do vento. Vestindo uma túnica negra com detalhes em dourado, Minos aproxima-se de nós dois e segura o braço de Haziel com uma força que eu sabia ser anormal. Os dois travam uma batalha visual, e ele o força a me soltar sem parecer ter dificuldades para isso. – Você não pode intervir no curso natural das coisas. É assim que elas são.

Ele rosna, me soltando e fico feliz por poder pisar em terra firme novamente.

− Que faz um juiz vir das profundezas do Inferno por causa de um Demoniozinho qualquer? – Eu teria me sentido ofendido se o que ele dissesse não fosse a mais pura verdade.

− Oras, Haziel, não levemos isso para o lado pessoal. – Minos sorri, como sempre debochado. Eu também não compreendo por que Minos pessoalmente estava ali. Não é como se os três juízes fossem grandes fãs meus.

− Vocês destroem vidas... levam embora as almas das pessoas de uma forma que jamais se recuperarão... e não quer que eu leve isso para o lado pessoal?— Sinto o desprezo carregado em cada uma de suas palavras cantadas. Relâmpagos cortam os céus em um jogo de luzes intenso. Eu estou admirado demais para desviar o olhar.

− Sugiro que você se acalme, ou não precisaremos nos esforçar para isso, não é? A sua fama se espalha para onde quer que vá, Porteiro. Aquele que carrega as tempestades consigo... todos sabem. – Minos sorri com o canto dos lábios e cruza os braços diante do peito. – O que tiver que ser será. Adrian está sob a minha supervisão pessoal a mando de milord Lúcifer. E eu o protegerei se preciso for da sua ira infundada. Isso é o que somos. Destruir vidas é o que fazemos. Cumpra o seu dever e cumpriremos o nosso.

Acho que vão lutar ali mesmo, agora. A chuva intensa que agora eu sei ser trazida por Haziel contra Minos e seus fios invisíveis. Eu sei do que o segundo é capaz, e ele não fugiria de uma boa briga. Disso eu tenho plena certeza. Mas e quanto a Haziel? Estava disposto a encarar essa batalha?

− Só posso dizer a vocês que estão longe de vencer essa guerra. – Ele ergue o tronco e voa com suas asas pesadas para longe dali, em um momento de plena lucidez.

E somente naquele momento me lembro de respirar outra vez.


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Notas finais do capítulo

Então, temos novos personagens na trama! O que vocês estão achando da interação de todos eles? Algum personagem favorito? Gosto muito de saber a opinião de vocês, interagir, enfim. Cada vez mais, Adrian vem se revelando. E o que acharam dessa tensãozinha no final do capítulo? Comentem o que estão achando! Até o próximo!



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