Superstition 2 escrita por PW, Jamie PineTree, MV


Capítulo 3
Capítulo 02: Dancing In The Fire


Notas iniciais do capítulo

Escrito por JamiePineTree



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Novembro de 2017

Do alto do prédio, Skylar podia ver a brilhante London Eye, girando em meio às luzes noturnas que faziam Londres ferver. Mas aquelas luzes artificiais não importavam para o garoto e sim, aquelas que brilhavam acima dele.

Skylar redirecionou a luneta de latão para o céu, tentando achar o ângulo certo estrelas e os desenhos que elas formavam no vazio escuro. Sem muita dificuldade, ele reconheceu as oito estrelas que formavam a Ursa Maior e logo acima, a Ursa Menor repousava de cabeça para baixo, ofuscada pelo brilho da maior. Contrapondo-se às duas, cinco estrelas ligavam-se uma às outras num grande W, formando Cassiopéia.

Observar as estrelas se tornou uma tarefa frequente, quase todas as noites, Skylar subia ao teto do prédio, para ficar sozinho. Ou para chorar sem ser visto.

— Bonita luneta. - O cheiro da loção pós-barba de Jon, chegou a Skylar mais rápido que sua voz.

Trajando um suéter com o símbolo de Oxford tricotado, Jonathan se aproximou apertando os braços grossos e o embrulho contra o corpo, que tremiam perante o frio da cidade. Porém, Skylar não parecia sentir absolutamente nada.

O Dr. Marvin quem me deu. - O garoto disse quando o tio se aproximou. - Não toque nela.

— Eu te procurei pelo prédio inteiro. - Havia um tom de preocupação em sua voz. - O seu pai me contou o que aconteceu, mas eu queria ouvir isso de você.

— Sabia que existem 88 constelações oficiais, cada uma delas pertencendo…

— Isso é sério, Sky. - Jon interrompeu com uma voz mais.grossa. - Não mude de assunto.

Desde que o tio chegara ao telhado do prédio, Skylar ficara o tempo todo de costas e sua voz estava mais distante que o habitual. Quando Jon aproximou-se mais pouco, Skylar se virou para ele, com o olhar escondido pelo cabelo.

— O Dr. Marvin me disse que isso ia acontecer, que eu iria fazer isso. - Falou na direção das longínquas luzes da cidade. - Por isso eu fico aqui. Aqui eu não posso machucar ninguém.

— Sky, olha para mim, por favor. Me deixa ver o seu rosto.

Jon aproximou sua mão grande, em direção ao rosto macio do garoto, escondido pelo cabelo comprido. Skylar fez menção de não deixar, porém seu tio foi mais incisivo, revelando a mancha escura ao redor do olho direito.

— Foi um acidente. - Skylar cobriu o olho de novo com o cabelo. - Eu senti medo. Senti ansiedade. Eu não pensei no que estava fazendo, mas a dor me ajudou.

— Outra crise. - Jonathan inclinou a cabeça e respirou fundo, lançando o cabelo repicado para trás.

— Eu me vi perdido naquele barulho, no meio daquelas pessoas. - Falava de forma apática e sem emoção - Eu só lembro de ter balançado os braços, contra eles. Contra mim mesmo. Só depois eu vi o que tinha feito.

Mais cedo naquele dia, Skylar estava no auditório da escola, assistindo as apresentações da semana de música. Parecia estar indo tudo bem, mas quando as luzes do auditório começaram a brilhar com mais intensidade e a música atingiu decibéis que irritavam sua audição, Skylar sentiu seu coração acelerar e tentou ir embora. Porém, no meio daquele mar de adolescentes histéricos, ele se sentiu preso, sufocado de uma forma que seu corpo fora obrigado a reagir extremamente.

O colapso durou vários minutos, atraindo risos e gritos dos estudantes. Com o cérebro sobrecarregado pela exposição, Skylar começara a bater os braços, tanto nas pessoas que impediam o seu caminho, quanto em si próprio, contra o próprio rosto. Quando acabou, ele não se lembrara de ter sentido dor alguma quando fizera isso, mas quando olhou no espelho, viu o resultado da crise.

Jon escutou aquilo sentindo-se impotente. Ele não convivia diariamente com Skylar para saber como se daria as crises de ansiedade, mas sabia dos riscos. Sabia que em momentos de alto estresse, Skylar poderia se machucar e para ele, a dor seria uma coisa boa.

— Nada disso é culpa sua. - Jon respondeu por fim, evidenciando as rugas da testa. - Mas você não pode se isolar do mundo aqui em cima. Isso não vai te ajudar.

— Aqui em cima não faz barulho, as luzes estão longe demais para me incomodar. Tirando aqueles pombos chatos.

— Mas você não pode ficar sozinho. - Jon tocou o ombro, falando de uma forma que Skylar entendesse. - Primeiro que você ainda tem 16 anos, segundo, essas crises vão acontecer várias outras vezes, campeão. Você vai precisar aprender a evitá-las, sem ficar se batendo. As meninas gostam de caras com cicatrizes, mas nem tanto.

Skylar esboçou o que parecia ser um sorriso, ou algo que também poderia significar um início de dor de barriga, mas Jon entendeu.

— Eu te trouxe uma coisa. - Jon estendeu-lhe o embrulho. Skylar o pegou, descobrindo um par de headfones azuis. - Quando eu não estiver por perto, ou quando você sentir que pode ter outra crise, use-os. Vai ajudar.

XXXXX

Janeiro de 2018 - Uma hora antes.

Nicholas se serviu de mais um gole de água, enquanto esperava por Kevan na frente do templo de Hadiah. Seu filho vinha dos alojamentos médicos que foram montados na cidade próxima, para prestar serviços voluntários àqueles que precisassem. Quando Kevan ainda era um adolescente, comunicou ao pai que assim como ele, queria ajudar o máximo de pessoas que podia e para Nicholas, fora o momento de maior orgulho que sentira do filho.

Contudo, o fisioterapeuta não sabia dizer o que sentia agora. Seus sentimentos divergiam quanto a nova vida do filho único, sentimentos esses que lhe gritavam para deixar o garoto e suas escolhas de lado, mas outros, imploravam que o homem esquecesse da chateação e desfizesse o alto muro criado entre ele e Kevan.

Vestido socialmente e com óculos escuros cobrindo lhe a visão, os cabelos semi grisalhos e a barba por fazer, conferiam a Nicholas uma imagem séria, mas impaciente e abatida a cada minuto que passava.

Depois de um telefonema intermediado por Madeleine, Nicholas e Kevan combinaram de se encontrarem no templo, após pouco mais de uma semana sem se falarem.

Com o tempo mudando e o guia avisando que o ônibus partiria em breve, Nicholas começava a perder a esperança. Mas quando desviara o olhar da vista da cidade abaixo, pode ver Kevan chegar finalmente. Estava na hora dele resolver aquilo, de consertar sua família.

— Pai… Eu… Eu estou muito feliz que tenha vindo. - Kevan gaguejou tanto por emoção, quanto por medo. Kevan Jaramillo vestia-se bem assim como o pai, tendo puxado também grande parte da aparência do homem.

— É uma surpresa para mim também. - Limitou a responder, ainda com coração e mente brigando por uma resposta.

Mas para o desgosto de Nicholas, ele estava acompanhado por alguém que o homem não estimava. O olhar de Nicholas mudou para o outro garoto ao lado, que parecia ser o mais nervoso dos três.

— Pai, lembra do Vinny? O nosso vizinho. - Perguntou Kevan, com as mãos dadas ao garoto magro e com piercing no nariz, que carregava uma câmera portátil pendurada no pescoço.

— Como eu poderia esquecer? - Nicholas emendou um sorriso sem vida e após alguns segundos, apertou a mão frágil que o garoto lhe estendera. - Como vai, Vinny? Já arranjou um emprego?

— Eu tenho um emprego. - Disse de forma tão tímida, que Nicholas mal pode ouvir. - Eu faço vídeos para o YouTube.

— Quis dizer um emprego de verdade.

As feições já tímidas do garoto de cabelo platinado, ficaram ainda mais vermelhas com o comentário. Alguns anos mais novo que Kevan, o youtuber já sabia que não fora uma boa ideia ter ido àquele reencontro, porém Kevan insistira que Vinny comparecesse.

— Se não se importa, eu gostaria de falar com o meu filho em particular. - Nicholas falou de forma cortês, tentando não soar ainda mais indelicado do que já fora.

— É claro. - O garoto se inclinara para beijar o namorado, mas mudou de ideia e apenas o abraçou rapidamente. Nicholas foi obrigado a desviar o olhar.- Eu vou fazer uns vídeos por aí. Foi um prazer vê-lo de novo, Sr. Jaramillo.

— Digo o mesmo.

Kevan olhou constrangido para o pai e em seguida, para o recém namorado, que se afastava em direção ao templo. Nicholas já não gostava do menino quando ele era só o garoto da casa ao lado, e isso só piorara quando Kevan contou-lhe a verdade do que fazia e de quem gostava.

O homem de meia-idade convivera com algumas pessoas homossexuais hora ou outra, e isso nunca o afetou ou o incomodou fortemente, até Kevan se assumir uma semana antes. Seus pensamentos quanto aos outros tipos de relacionamento era antigo, ensinado e reforçado por pessoas que o criaram desde pequeno, dizendo o que era certo e o que era errado.

Numa época diferente, com costumes diferentes.

— Pai, antes de tudo, eu gostaria que me desculpasse por…

— Você não tem que se desculpar mais. - Nicholas o interrompeu. - Acho que agora sou eu, quem lhe deve pedir desculpas. Desculpas pelo o que disse em casa, pelo o que eu joguei na sua cara e por ter passado dos limites. Você já é um adulto agora.

Ignorando os barulhos externos, Kevan escutou com atenção. Havia remorso nas palavras de Nicholas, algo que fazia com que elas soassem mais doloridas, do que pareciam.

— Eu não quero que as coisas mudem entre nós, pai. - Kevan se aproximou, levando as mãos em direção ao coração e pousando-as lá. - Eu ainda sou o mesmo de antes, ainda sou o filho que o ama, apenas gostando de pessoas do mesmo sexo. Só isso.

Um breve silêncio

— Você gosta mesmo desse menino? - Nicholas perguntou de supetão.

— Com todo o meu coração.

Nicholas tirou as mãos do bolsos, enxugando o suor que se concentravam na calça. Havia um bolo entalado em sua garganta, um que ele havia acumulando desde a semana anterior. Por fim, tirou os óculos e seus olhos se encontraram com os de Kevan, que esperavam avidamente que ele dissesse algo.

— Você é meu filho e eu o amo, nada que faça ou diga pode apagar esse sentimento, mas toda vez que penso nesse assunto… Em ver você com esse garoto, eu não consigo.

Kevan sentiu o peso de cada uma daquelas palavras o nocauteando com força, o colocando para baixo e fazendo toda a esperança que outrora tinha naquela conversa, voar junto com um chapéu alheio que passara perto dele.

— Eu achei que depois de tudo, depois do que a Maddie falou que tinha te dito. De te ver aqui na minha frente, que pudéssemos deixar tudo isso para trás.

— Eu sei. Fiquei pensando a viagem inteira em como queria te abraçar e dizer “tudo bem, eu aceito”. - Sua voz falhou após ficar embargada e seus olhos claros marejaram de dor. - Mas vendo agora, eu não consigo, Kev.

— Por quê veio então? - Questionou num tom acima. - Preferiu vir até aqui e montar toda essa cena por nada? Só para me mostrar de novo, que não consegue entender quem eu amo?

— A Maddie.

— Quer saber? Aproveite a Indonésia, pai. - Kevan titubeou para trás, se afastando do homem. - E depois… Nunca mais volte aqui.

Nicholas pensou em seguir o filho quando ele deu as costas, mas Kevan lhe lançara um olhar tão frio e morto, que Nicholas se sentira a pior pessoa do mundo.

E para o filho, ele realmente era.

XXXXX

— Ei, abaixa! - Um homem que tirava uma selfie com outras três, gritara para Vânia.

A empresária olhou na direção, desviando por centímetros do animal que voava desesperado para longe, atraindo os olhares dos turistas e de uma moça oriental ao seu lado.

— O que deu naquele pássaro. - Perguntou ela, porém Vânia tinha a estranha sensação de que ela já tinha dito aquilo.

Junto com a fala da mulher, veio a música que tocava em seus fones de ouvido.

Don't be scared to dive in deep

And start a tsunami

Tsunami

Quando escutou aquele trecho, sentiu uma pontada de dor na cabeça, que se estendeu pela coluna até o resto  do corpo, seguido por uma sensação de mal agouro.

Não perca a cabeça agora, Vânia. - Pensou. - Você precisa fechar um negócio.

Tentou deixar aquele assunto de lado. Em pouco tempo ela precisava ter uma reunião com um grupo de asiáticos no resort, o que poderia dar uma dimensão ainda maior para seu império, se desse tudo certo.

Vânia colocou o pé no primeiro degrau do ônibus, mas parou quando estava prestes a fazê-lo. Algo em sua mente lhe dizia para virar para trás, ela reprimiu aquilo, mas foi forçada a fazer. Ela girou o pescoço para trás, no exato momento que um garoto de cabelos compridos e olhos frios se aproximava.

— Mulher amaldiçoada. - As palavras saíram da boca de Vânia, sem que ela ordenasse. - Você me chamou de mulher amaldiçoada.

— Eu não. O ancião do templo que falou. - Disse com a maior calma, ultrapassando Vânia na escadaria do ônibus e deixando-a boquiaberta.

Após isso, uma centena de lembranças vieram à sua mente de uma só vez. Ela se viu de volta no restaurante do resort, vendo um muro de água emergir do oceano e avançar contra ela. Uma súbita falta de ar fez a mulher se curvar, pendendo para fora dos degraus do ônibus. Vânia caiu de joelhos no chão, sujando um pouco do amarelo do seu vestido, sentindo sua traquéia fechar e uma dor intensa pulsar dentro de sua cabeça.

— Senhora, algum problema? - Perguntou o guia, correndo para fora e ajudando-a se levantar.

— O resort… As ondas… - Balbuciava as palavras completamente perdida.

— Sim, nós já vamos chegar lá. Queira voltar para o ônibus, sim?

— Não, não é isso! - Ela se desvencilhou dele, olhando nervosa para o horizonte. - Na minha mente... Eu vi… Eu vi ele ser destruído.

— O quê? - A loira oriental dos fones de ouvido, Sun, perguntou da janela do ônibus. - Do que está falando?

— Eu não sei como, mas eu vi de forma clara e nítida. Parecia que eu estava lá, no meio daquele maremoto, vendo todos morrerem ao meu redor

Vânia fincou os pés no chão, tentando montar uma explicação lógica e plausível, sem se embolar nas palavras. Porém, quanto mais ela falava, mas chamava a atenção das outras pessoas do veículo.

Quando vamos sair? - A voz de uma pessoa chegou aos seus ouvidos. - Eu tenho horário na manicure do resort.O que deu nela? - Perguntou um homem idoso, que balançava a cabeça negativamente. - Age como um louca.Aposto que ela tomou chá de cogumelos. - Brincou um rapaz, que lançava zombarias para Vânia. - Muito, muito chá de cogumelo.

Vânia voltou alguns passos de novo para o caminho do templo, lutando para processar as imagens desastrosas que surgiram de repente. Tudo parecia tão nítido, tão real, que Vânia podia sentir o gosto da água suja na boca. Aquilo a enjoava.

— Eu não vou entrar nesse ônibus! - Gritou da distância onde se encontrava. - E vocês também não deveriam. Vai acontecer alguma coisa.

Dentro do ônibus, as pessoas se perguntavam sobre o que estava acontecendo, outras mal se importavam e algumas olhavam para Vânia como uma atração divertida de ver. Uma delas porém pareceu reconhecê-la, a turista Georgia, que lembrou das poucas vezes que a vira nas revistas de negócios, e no celular da amiga indiana.

— Ai meu Deus, aquela é a Vânia Vandelli! - Sem pensar no que fazia, a garota levantou e com curiosidade, saiu do ônibus em direção à empresária atordoada. - Hey, o que houve?

— O resort! O resort! - Repetia ela, soando mais descrença a cada palavra. - Eu vi o mar avançando sobre ele! Não sei como, mas vi!

Georgia olhou confusa, o tempo estava ficando mais nublado sim, mas até onde conseguia ver, o mar estava tão calmo, que poucas ondas se quebraram contra a praia.

— O ônibus não pode mais esperar. - O guia alertou de forma polida para Vânia e Georgia, que mal lhe deram atenção.

— Com licença. - Um senhor de meia idade bem vestido, Nicholas, chamou a atenção do guia. - Não vê que essa mulher não está em condições de ir à lugar algum? Deixe ela ficar.

— É melhor esperar e deixar ela se acalmar. - Disse um outro homem que se levantara. - Dawn, Andreas, vocês podem ver o que ela tem?

Duas pessoas no fundo do veículo atenderam ao seu chamado, olhando pela janela empoeirada para fora, em direção da mulher.

— Um ataque de pânico, talvez? - Questionou o rapaz com barba espessa, Andreas, para a loira ao lado.

— É melhor nós darmos uma olhada, amor. - A mulher, Dawn, falou e o homem concordou, saindo os dois do ônibus. Sendo seguidos pelo amigo que os chamara, Milan e Nicholas.

Kamesh, marido de Milan, fez menção de acompanhá-lo, mas não o completou, preferindo assistir a cena de onde estava sentado.

Os quatro se aproximaram da mulher, que era aparada sem jeito por Georgia. Depois das tantas fofocas feitas por Chandra sobre a personalidade de Vânia, um semblante de dúvidas transparecia no rosto maquiado de Georgia. Naquele estado, ela não conseguia ver a mulher de ferro que a amiga tanta falara, Vânia estava com o rosto vermelho, um olhar assustado e um dos brincos tinha pulado para fora de sua orelha. A perfeita definição de uma mulher quebrada pelo medo.

— Ela não pode esperar aqui? Só até se acalmar. - Milan repetiu a pergunta ao guia. Algo nas palavras de Vânia mexeu com ele, deixando seguir-se pelo pensamento de ajudá-la. - Nós ficamos com ela se necessário.

— Por favor, me entendam. É contra a política de segurança do resort, deixar hóspedes sem supervisão e sozinhos pelos tours. Vocês precisam voltar.

— Ela está aterrorizada. - Sun comentou quando saiu do ônibus, abraçando os próprios braços por causa da estranha corrente de ar que passara por ela.

— Confesso que até eu estou. - A atriz hollywoodiana, Victoria Martin, sem qualquer motivo específico além da pura curiosidade, saiu também. - Mas ela daria uma ótima Cassandra nos cinemas.

— Se vocês não querem voltar conosco, eu posso mandar o ônibus voltar mais tarde. - Disse o guia derrotado, vendo as oito pessoas que não o escutavam. - Mas se algo acontecer enquanto isso, o Pantai Mamba não se responsabilizará por qualquer dano ocorrido. Seja ele qual for.

Ninguém respondeu, mas pela expressão que cada uma continha, pareciam ter aceitado. O guia voltou ao ônibus, permitindo que Sun e Victoria passassem a mensagem sobre a volta do ônibus aos demais.

Minutos após o breve colapso nervoso, Vânia voltou ao que era antes, após ver os olhares que se voltavam sobre ela. Alguns com uma clara pena, porém haviam outros que pareciam realmente terem acreditado em seu aviso. Vânia se recompôs da melhor forma que pode, o que não era difícil com a graça e a postura que tinha. Ela sabia que não era louca, mas era exatamente isso o que estava demonstrando para aquelas pessoas.

— Eu estou tão assustada quanto vocês, mas eu nunca diria algo assim se não fosse verdade. Nunca! - Vânia conviveu muito tempo com os lobos do mundos do negócios, para saber impor a sua palavra, perante as circunstâncias.

Porém quando menos esperava, Vânia ouviu o barulho do motor e o rastro de poeira levantada no ar, enquanto o ônibus ganhava velocidade pela estrada sinuosa. Deixando eles e o templo de Hadiah para trás, na direção ao resort.

Na direção da morte.

XXXXX

— Coitada daquela moça. - Jon comentou, sentado no fundo do ônibus e respondendo as mensagens que seus amigos de Oxford lhe mandaram. Ele estava tão entretido, que nem prestara atenção em todo o surto. - Não é mesmo, campeão?

O seu campeão, Skylar, não respondeu. Jonathan levantou o olhar, supreendendo-se ao ver que o banco ao seu lado estava vazio.

— Sky? - Ele levantou abrupto, olhando para todas as cabeças alheias ao longo do ônibus. - Skylar!

—  Fala do menino cabeludo? O que anda parecendo um pinguim? - Uma mulher com pouco mais dos quarenta, vestida em camadas de panos asiáticos comprados anteriormente, chamou a atenção do britânico. - Eu vi quando ele levantou e saiu do ônibus.

— Ele saiu do ônibus?!

— Sim, e pode parar de fazer mais escândalo? - Disse apertando a bolsa ao colo. - Eu preciso fazer minhas unhas.

Dane-se você e suas unhas!— Pensou em gritar, mas seus bons modos não lhe permitiram. - Ele é autista. Ele não pode ficar sem um acompanhante por perto.

Em vez disso, Jon foi até o guia, que revirou solenemente os olhos quando viu o atlético britânico chegar.

— Tem que voltar o ônibus, por favor. - Implorou ao guia, que tentava parecer o mais solícito e sorridente possível, mas que já transparecia estar sobrecarregado com o assunto. - Ou então o pare e eu volto andando o resto do caminho.

— Senhor Lancaster, essa é uma estrada pedregosa. Eu lhe asseguro, de que assim que esses hóspedes chegarem à Pantai Mamba e seguirem com seus compromissos, nós voltaremos para buscar os hóspedes que ficaram. E o seu sobrinho. Não vai demorar.

Discutir com o guia não iria adiantar, o  funcionário estava absolutamente certo. O templo ficava no alto de uma montanha, com uma estrada sinuosa e não asfaltada esculpida em sua encosta. Naquela altura do trajeto, virá-lo era inviável.

Jon viu de mãos atadas, preso pelo pensamento de ter abandonado o sobrinho, num lugar que ele conhecia apenas pelo Google Maps. Por mais que dissesse a si mesmo, que não poderia proteger Skylar para sempre, ele sentia que era o que devia fazer até onde pudesse.

Caminhando de volta ao seu assento, Jon via o templo ficar cada vez menor através da janela traseira do veículo, onde seu olhar verde permaneceu, até sentir um sopro gelado, que o encheu com um medo desconhecido.

XXXXX

Após uma revoada barulhenta de vários pássaros passando por cima de suas cabeças, foi como se o mundo inteiro estivesse em silêncio. A outrora vista paradisíaca do alto da montanha, transformava-se aos poucos em um prelúdio para o desastre.

— Isso é impossível. - Uma voz para o britânico se fizera presente, arrancando um susto do coração já assustado de Vânia. - Eu assisti a previsão do tempo antes de sair, não havia previsão para tempestade hoje.

— De onde raios você saiu? - Ela perguntou e todos os outros se voltaram na direção do adolescente.

— Ah, eu estava no ônibus quando vi você surtando. Estava tendo uma crise como eu também, então eu pensei em te emprestar isso. - Skylar tirou os headfones azuis do pescoço e entregou para Vânia. - Eu sempre os uso quando estou tendo uma crise, talvez te ajude também. Mas por que o ônibus foi embora?

Vânia se surpreendeu o gesto, sem saber o que dizer para o garoto, que tentava olhar em direção da cidade.

There's a storm on the streets
But you still don't run
Watching and waiting
For the rain to come

De onde estava aguardando, o ônibus não poderia ser visto, mas Vânia sentia que ele já tinha chegado ao resort. Pensou na assistente, Chandra, esperando-a com os braços repletos de pastas e documentos na entrada do resort e seu coração apertou, por uma culpa que ela não sabia como explicar.

And these words wouldn't keep you dry
Or wipe tears from an open sky
But I know but I know
But I know Im right

I won't let you drown
When the water's pulling you in
I'll keep fighting, I'll keep fighting

Nuvens escuras cobriram o céus aos poucos e os ventos, antes suaves e quentes, rugiam. Trazendo com ele, a frígida sensação de morte ao seu corpo. Estava de fato acontecendo, ninguém podia fugir disso.

The rain's going to follow you wherever you go
The clouds go black and the thunder rolls
And I see lightning, I see lightning

Espalhados ao lado dela, as outras sete pessoas acompanhavam o movimento das ondas, que avançaram sem pena contra a praia, a mesma praia que fora o palco do casamento entre Dawn e Andreas. O casal se apertou um contra o corpo do outro, com Dawn escondendo o rosto triste abaixo da barba do marido, enquanto Andreas olhava para Milan, vendo a face de pânico velado no amigo. Andreas não reparara antes, mas agora vira que Kamesh não tinha saído do ônibus.

When the world surrounds you
I'll make it go away
Paint the sky with silver lining
I will try to save you
Cover up the grey
With silver lining

Milan amaldiçoou-se por não perceber a falta do marido. Ele achara que Kamesh tinha sim saído do ônibus com ele, mas absorvendo as palavras que Vânia despejara em sua mente, ele não prestara atenção no indiano.

— Por Deus… Não! Jeremy! - Gritou a atriz, Victoria, compreendendo o que não queria acreditar antes. - O meu filho ainda está lá! Jeremy!

Victoria era a mais cética do grupo, saindo do ônibus não pelas palavras da empresária, mas por uma vontade de não ver tão cedo o rosto do marido. E agora, não veria ele e nem o filho de seis anos, Jeremy. A loira sentiu o chão desaparecer sob seus pés. De repente, ela não tinha mais forças para sustentar o próprio corpo sozinha. Nicholas sustentou-a num dos braços, impedindo que ela caísse.

From the things you've done
I know it's too late
To stop the setting sun

You see the shadows in the distant light
And it's never gonna be alright

Enquanto ao lado, o rosto de Sun permanecia congelado, inerte numa expressão de desolação. Hwang machucara as costas durante a massagem, reclamando de dor e deixando que Sun fosse sozinha ao templo. Em sua mente, ela só conseguiu enxergar Kim e Eun Bi, esperando por Hwang com o braços abertos na porta de casa.

Tão rápido quanto veio, ela afastou o pensamento.

And I won't get left behind
When the walls come tumbling in
I'll keep climbing, I'll keep climbing

The rain's going to follow you wherever you go
The clouds go black and the thunder rolls
And I see lightning, I see lightning

A gigantesca onda fez os pequenos quiosques invadirem a fachada principal do Pantai Mamba, fazendo o local perder grande parte de sua beleza exótica. Em alguns lugares onde a sua vista alcançava, Georgia via construções inteiras desabarem, via troncos de árvores partidos ao meio, via a correnteza marrom salpicada de vermelho.

When the world surrounds you
I'll make it go away
Paint the sky with silver lining
I will try to save you
Cover up the grey
With silver lining

— Não pode ser verdade. - Georgia comentou para si mesma.

Tão minúsculas quanto formigas, pessoas eram engolidas sem pena pela água torrencial, ao lado de carros e barcos emborcados, sendo levadas sem destino pelas ondas.

XXXXX

As notícias sobre o maremoto e a destruição do resort já deveriam ter chegado ao ocidente. Tudo o que Vânia mais queria naquele momento, era poder ligar para os seus filhos e avisar que estava tudo bem com ela, mas a tela de seu celular quebrara quando caiu entre as pedras, momentos antes de perder o chapéu. Por hora, ela estava incomunicável.

Dawn, uma mulher loira e jovem, foi quem liderou o grupo até uma pequena aldeia que ficava atrás do templo, um lugar para acalmar os ânimos.

— Eu consegui falar com o meu supervisor do grupo de ajuda. - Dawn dissera. - O resgate já tem a nossa localização, mas irão concentrar seus esforços na área do resort, por enquanto. Mas aqui, ficaremos bem.

Se não fosse o clima tenso que se instalara, a natureza que se abrira diante de seus olhos seria um deleite. Casebres de diferentes tamanhos e cores terrosas, ocupavam centenas de acres no meio da mata. Dispostos em lugares estratégicos, outros prédios com arquitetura semelhante ao templo, faziam-se serem notados.

Apesar da beleza, era um lugar parado no tempo, sem sinal de modernidade e tecnologia aparente. Milan tentara várias vezes se comunicar com Kamesh, querendo acalmar os gritos agonizantes em seu coração, com uma resposta do homem que amava. Mas ali, era inútil continuar tentando.

Entre Milan e Andreas, o adolescente britânico seguia escoltado, com os braços vermelhos e com algumas finas linhas de sangue a mostra.

Quando Skylar vira o resort ser destruído, a inocência do garoto se transformara numa fúria incontrolável contra os próprios braços. Com a força de suas unhas, Skylar abrira diversas ranhuras na pele de seus braços, fazendo Vânia se lembrar do garoto machucado do mesmo modo em cima do carro, gritando novamente com toda a força de seus pulmões. A lembrança fez Vânia passar mal. Se não fosse por Andreas que percebera de imediato o que se passava e parou para ajudá-lo, Skylar continuaria mutilando a si próprio.

Enquanto caminhavam, Sun oferecia palavras de conforto para Victoria, ainda abalada pela possível morte da família. Sun dizia que ainda havia esperança, que o resgate poderia achar sobreviventes e em breve, todos estariam juntos de novo.

— Eu deveria tê-lo trazido comigo… - Victoria lamentava com toda a sinceridade.

Aos poucos, os habitantes paravam o que faziam para acompanhar o grupo de turistas. Vânia sentia os olhares dele sobre ela, apesar de não saber se eram bons ou ruins. O ancião do templo dissera que ela estava amaldiçoada, e se tratando de um povo religioso, talvez os habitantes pensassem o mesmo. A Indonésia era mista quanto a religião, mas ali em Hadiah, muitos pareciam ser hinduístas.

Por trás das altas árvores, o sol escondia-se, pintando de laranja tudo ao seu redor. Alguns moradores falavam inglês e foram recepcionar o turistas, querendo ajudá-los o máximo que sua simplicidade lhes permitiam.

Os sobreviventes estavam cansados e famintos, por isso foram levados para uma grande tenda feita de madeira seca e forrada com folhas. Um lugar que pedia por conforto e um mata-insetos decente, mas para aqueles corpos exaustos, era mais que o suficiente.

— O que vamos fazer agora? - Georgia perguntou para ninguém em específico do grupo.

— Esperar. - Respondeu Sun, que recusara-se a comer, mas agradeceu a sopa de peixe que fora-lhe servida. - Esta é uma área de difícil acesso para carros ou caminhões e nesse escuro, não podemos contar com ajuda vinda por terra.

Os outros pareciam cansados demais para pensar. Conforme as horas tensas passavam, os sobreviventes iam adormecendo perto o bastante um dos outros. Aquela situação os unira. Porém Vânia continuava desperta. Todas as vezes que fechava os olhos, ela via imagens em que não poderia distinguir o que era real, ou mais uma visão em sua mente esgotada.

Quando amanhecesse, o resgate chegaria e logo, ela poderia falar com seus meninos. A saudade e a preocupação sobre David, Steve e John ainda estava ali, mas Vânia precisava ser forte. Forte por eles.

Seus pensamentos foram interrompidos por uma presença dentro da tenda, uma mulher de pele cor de oliva, que Vânia vira de relance quando chegara na vila.

— Halo hi!— Cumprimento-a em indonésio.

— Halo hi para você também. - A mulher respondeu com um leve riso. - Eu falo a sua língua, minha querida. Eu só vim ver se alguém ainda estava acordado, eu acabei de fazer um chá. Aceita?

XXXXX

Naquela situação, Vânia preferia uma garrafa de vinho, mas disse sim para a mulher de aparência comum e roupas mais comuns ainda, sem grandes atrativos que lhe saltassem a vista. Seus olhos pretos estavam afundados no rosto pequeno e ela tinha um corpo avantajado, mas possuía o sorriso calmante e mais gentil que Vânia já vira.

— Não é chá de cogumelo, é?

Não queria soar chata, mas ela sabia sobre os poderes alucinógenos que um chá de cogumelos podia fazer. E sobretudo, de como eles eram usados para desnortear e roubar turistas. Vânia tinha feito a lição de casa sobre a Indonésia.

Em suas pesquisas, ela sempre via o mesmo: turistas em busca de uma aventura, que tomavam doses além do recomendado e acordavam perdidas, confusas, completamente sem nada. Outras nem acordavam.

— Encontrará esse tipo de coisa com os bandidos de Bali. - A mulher respondeu calmante, tirando um bule amassado de perto duma pequena fogueira. - Está entre amigos aqui.

Dentro da pequena vila, Vânia sentia-se tão acolhida, que se penalizou por provavelmente ofender a índole da nativa. Tirando os três filhos, boa parte de sua vida fora composta pelas decepções, que a transformara na empresária fria e desconfiada que o mundo conhecia.

Acompanhada pela mulher, Vânia sentou-se pequenos bancos de pedra, ao redor da pequena fogueira improvisada.

— É bom ter alguém para conversar. - Disse a mulher, com um semblante triste e um olhar longe. - A vida aqui não é fácil, principalmente em tempos de desastres. O que aconteceu com o seu resort, já aconteceu antes, mais de dez anos atrás. E quando acontece, só podemos rezar.

— Eu lamento. - Vânia soprou para longe o vapor da caneca fumegante em suas mãos.

— Mas os deuses foram bons com você. - Com delicadeza, ela esticou o braço, apontando para o brinco restante. - Tem uma verdadeira estrela caída do céu na orelha.

— Ah, sim. - Vania tocou a pedra sem jeito. - Na verdade, eu trabalho com isso. Tenho um império de joias na América.

A mulher ficou em silêncio, observando e escutando o crepitar das chamas. A vila inteira parecia dormir, sobrando apenas ela e a empresária. Vânia sentiu-se desconfortável, tomando um gole do chá para acalmar o nervosismo.

O gosto da canela e outras especiarias lhe fizeram bem, meio segundo depois, Vânia sorveu outro gole.

— Essa vila sobrevive do turismo que o templo nos traz. Muitos de nós trabalhamos para turistas como você. - A mulher quebrou o silêncio, balançando a xícara de metal velho nas mãos. - Mas nem todo mundo tem sorte e agora com esse maremoto, será ainda mais difícil.

— Eu entendo. - Vânia lhe mostrou um olhar complacente, compartilhando o pensamento da mulher.

— Não, não entende, mulher amaldiçoada. - A nativa cuspiu em direção ao fogo. - Você é a culpada por tudo isso. Você nos amaldiçoou! Você trouxe a desgraça para Hadiah!

— O que… - No mesmo instante em que se levantou, Vânia sentiu uma tontura repentina lhe abater. Olhou para a mulher, mas só conseguia enxergar vultos iluminados pela fogueira. - Eu não… Entendo…

— E não vai precisar. - Com um golpe rápido, a mulher arrancou o brinco de diamante de Vânia, levando junto a corrente folheada a ouro também.

Enquanto era saqueada, Vânia olhava o fogo dançar a sua frente, sentindo uma vontade ainda maior de dançar com ele. Com o alucinógeno comandando seu corpo e mente, Vânia ergueu os braços e deu pequenos passos em direção ao fogo, sentindo as chamas lamberem sua pele, cantarolando uma música animada.

A fogueira deveria lhe assustar, como sempre fizera. Porém, o calor do fogo não lhe trazia qualquer temor, pelo contrário, Vânia sentia-se feliz. Seu corpo girava ao redor das chamas, tão suave, mas ao mesmo tempo, sentia estar próxima da morte enquanto dançava.

E num piscar de olhos, Vânia não estava mais na Indonésia.

XXXXX

Seu corpo respondia aos acordes, enquanto sua alma mergulhava ao êxtase. Seu outrora cabelo curto, desta vez chegava ao final de suas costas e voavam junto à seda. Vânia trajava vestes de tecidos leves, que flutuavam a cada movimento que ela fazia. E em seus braços, pulseiras e anéis de ouro cintilavam à luz da fogo.

Tão alta quanto a fortaleza-farol da família Hightower, a fogueira rudimentar dos ciganos ardia no centro do acampamento improvisado, montado num lugar diferente a cada noite naquelas terras frias.

Enquanto dançava, Vânia brilhava por todos os lados, parecendo irradiar luz por conta própria, um brilho tão dourado e quente, que maravilhava aqueles que assistiam.

— Dalia! Dalia! Viva! - Ouvia pessoas gritarem em sua direção.

O nome lhe causou estranheza, mas seu rosto exibiu um agradável sorriso de volta. Outros ciganos comiam e bebiam, riam e se abraçavam. Logo, Vânia não estava sozinha na dança, outras moças igualmente vestidas e ornamentadas se juntavam à ela, dançando ao redor do fogo.

Sem qualquer preocupação, a cigana entregava-se à diversão, até uma voz familiar lhe chamar a atenção. Um jovem pouco mais novo que ela, Johann, gritou para ela:

— Dalia, eles no acharam!

A música dos acordeões e dos tambores morreu com o som da cavalaria real. Homens de armaduras esmaltadas surgiram por todos os lados, com lanças e espadas prontos para um combate desigual.

A caravana foi pega de surpresa, sua família corria para diferentes lados, fugindo da lâmina dos homens que ostentavam o símbolo real em seus peitorais.

Homens altos agarraram seus braços, fazendo Vânia gritar em desespero. Seu corpo se debatia e os anéis dourados eram despojados de seus dedos.

— Não tente nenhuma graça, bruxa. - Um soldado rosnou, colocando uma navalha em seu pescoço - Ou corto a sua garganta aqui mesmo.

— Solte a minha irmã! - Gritou alguém em meio à fumaça. - Davill, me ajude!

O nome “Stefford” veio em sua cabeça quando o viu. Vânia (ou Dalia, como era chamada), sentiu medo por ele e também pelo outro rapaz fisicamente parecido com ela, que viera a seguir.

— Hoje não. - Ela disse. Seu corpo escapou por entre os braços de metal do homem, correndo descalça na direção dos três rapazes.

Tão rápidos quanto ela, os quatro irmãos correram juntos para longe daqueles homens. Não era a primeira vez que eram obrigados a fugirem e sabiam que aquela não seria a última.

Porém, a fuga veio com o preço que ela não estava disposta de pagar. Os homens de armadura atearam fogo em grande parte da caravana que queimava. Lançando um forte cheiro picante de especiarias no ar noturno, misturado ao cheiro da carne queimada de seus amigos, a carne de sua família.

Lágrimas brotaram do rosto da cigana, mas só lhe restava continuar correndo descalça, para onde quer que o destino quisesse levá-la.

XXXXX

Ainda bem que eu acordei e achei você. - Victoria disse. Mas não fora ela quem encontrou Vânia dançando no fogo, e sim, Sun.

Com a ajuda da detetive, Vânia escapou com apenas leves queimaduras nos pés e que em breve, estariam curados. Enojada e desorientada pelos efeitos do chá venenoso, ela fora roubada dos pés à cabeça, sobrando-lhe apenas a roupa do corpo.

Quando as duas loiras lhe contaram o que tinha visto, Vânia mal pode acreditar no que realmente tinha acontecido.

Seu estômago colocou para fora tudo o que podia, até não sobrar mais nada, até sentir o gosto ácido da bile quando terminou. Tentou dar alguns passos, mas faltava-lhe a coordenação motora necessária. Cuspiu um pouco mais de sangue, sentindo que seus órgãos internos ainda gritavam pela queimação.

Sun prometera encontrar a pessoa que fizera aquilo. Mas Vânia estava viva, e no final, era isso o que importava.

XXXXX

A falta da noção de perigo era algo comum para Skylar, algo que o Dr. Marvin disse que ele deveria praticar. Devido ao acúmulo de informações, ao acúmulo sensorial e a mudança de rotina, Skylar simplesmente esquecia como se comportar em situações que demandavam estar atento.

Um pouco distante da tenda onde fora deixado, Skylar olhava para estrelas do céu indonésio, borrifando para longe os mosquitos que o atrapalhavam. No alto da montanha e sem nenhum tipo de poluição luminosa, ver as constelações era uma tarefa fácil.

Seus braços já tinha parado de arder, quando a noite caiu. Enquanto era levado para a vila, Andreas o confortou de forma muito melhor que o Dr. Marvin e ele era grato por isso. Tanto, que Skylar parou para fazer o que sempre fazia após uma crise, só que dessa vez, sem Jon para ajudá-lo.

Sua mente dizia que era teoricamente impossível Jonathan sobrevier ao maremoto, mas ele ainda se permitia acreditar que havia uma pequena porcentagem, que ele pudesse estar vivo. Segurando os headfones azuis contra o corpo, Skylar isolou-se sensorialmente para contar as estrelas.

— Eu posso escutá-lo. - Disse para o nada além da mata.

— Anda memiliki kepekaan yang tidak biasa. - E o nada respondeu de volta.

Skylar prendeu o cabelo atrás das orelhas, para ver melhor quem se aproximava. Em passos leves, o ancião do templo se aproximou, vestindo os mesmos panos sem cor de mais cedo.

— Você me entendeu! - Houve um raro pico de alegria em sua voz ingênua. - Quer dizer que fala o meu idioma.

— Sim, eu falo o seu idioma, menino. Mas esse é um som que fere meus ouvidos, e que prefiro que não saia da minha boca.

— Você chamou a Vânia de amaldiçoada, mas o que ela fez não é uma maldição.

— Acredite, ela só prolongou um sofrimento que poderia ter sido finalizado ontem.

— Como ela fez isso? A parapsicologia não é capaz de prever o futuro. - Argumentou. - Não é capaz de fazer nada aliás, só em Stranger Things eles conseguem.

— Você, como muitos outros, enxergam o mundo com os olhos do corpo. Vendo aquilo que pode ser tocado, aquilo que pode ser explicado. Mas outros como aquela mulher, podem enxergar com a mente, podem enxergar além do véu que recobre tudo o que existe.

Skylar escutou com a atenção, antes poderia dizer que nada daquilo que ele falava tinha fundamentos científicos, mas ele viu o que Vânia fizera no templo. Ela o fizera acreditar.

E ciente que o garoto pudesse fazer mais perguntas, o homem desapareceu, deixando-o sozinho com suas estrelas.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Não esqueçam de comentar, as reviews são muito importantes para a continuidade do projeto.



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