Superstition 2 escrita por PW, Jamie PineTree, MV


Capítulo 14
Capítulo 12: The Black Moth


Notas iniciais do capítulo

Escrito por MV



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/746906/chapter/14

Cerca de dois anos antes.

San Diego, Califórnia, EUA.

Em uma rua afastada da região central, um automóvel estava estacionado, com vários carros de polícia ao redor. As luzes vermelhas piscavam incessantemente, enquanto Sun caminhava na direção do carro, parado. Já era a terceira vítima de um estranho caso, uma verdadeira onda de assassinatos.

Com a cidade em pânico, uma das detetives indicadas para ajudar no caso era Sun que agora assumia o caso de um outro detetive policial, por conta de um escândalo que o afastara do mesmo. Famosa pelo nome “General Sun”, já tinha uma reputação bem construída por casos que tinham sido resolvidos quando não parecia haver o menor sinal de solução, apesar de ainda enfrentar o machismo dentro da corporação.

Ela ultrapassou a área cercada com faixas, e se aproximou do veículo em que o assassinato ocorrera.

— Qual é o nome do vítima?

— Cindy Renner, senhora. 40 anos, secretária de um escritório de contabilidade. — O policial respondeu.

Ao lançar a lanterna no carro ela pode perceber um estranho envelope sobre o banco do carona.

— Vocês notaram isso? — Ela apontou com a lanterna para o mesmo.

— Sim. — O policial respondeu. — Mas nós deixamos isso para a senhora verificar.

Sun colocou suas luvas e logo abriu o pacote, despejando o conteúdo no banco. E foi aí que teve uma surpresa.

— O que exatamente significa isso?

— Isso foi encontrado nas outras duas cenas de morte também, senhora. Mas nos dois casos, estava viva ainda.

— Curioso. Se é assim que posso dizer. Deve haver um significado por trás, com toda a certeza.

O que estava dentro do envelope era uma mariposa preta.

XXX

Atual.

Hadiah, Indonésia.

A dor consumia Skylar por conta do choque do nariz contra o corrimão, o que provavelmente resultou em um nariz quebrado. Mas ter o seu cabelo comprido cortado pela lâmina do Ancião foi algo que doeu ainda mais em seu íntimo.

Se existia um tipo de marca registrada do jovem, era exatamente esse longo cabelo que sempre insistiu em deixar do modo como estava. Mas agora, todos os fios estavam caídos sobre o chão.

Instintivamente Skylar desceu para tentar tocar nos fios, enquanto ainda sentia o sangue descer pelo seu rosto. Precisava procurar ajuda imediatamente.

Mas foi aí que outro golpe do ancião fez o jovem chocar sua cabeça contra o chão repentinamente, fazendo o mesmo perder os sentidos.

— Eu o avisei, jovem, não se pode brincar com o Deus Sem Face. Na hora certa ele se encarregará de levá-lo para casa.

Dito isso, o senhor deixou o jovem caído sobre o chão, enquanto sangue preenchia a região próxima ao seu nariz. O Ancião ainda o olhou uma última vez, antes de sumir nas sombras.

XXX

— Que estranho… O Skylar já deveria ter voltado. — Andreas falou.

Já tinham se passado cerca de quinze minutos desde a saída do adolescente para a procura de Georgia e Sun, mas nada tinha acontecido. O trio continuava na área externa, em frente ao estacionamento onde os corpos estavam sendo colocados. O dia anteriormente ensolarado agora dava lugar a um estranho clima nublado, com algumas nuvens cobrindo a região tropical.

— Eu acho melhor nós procuramos ele. — Jon comentou, mostrando preocupação com o sobrinho.

— Mas o hospital não é tão grande assim, não… — Andreas foi interrompido pelo som do walkie-talkie que Dawn utilizava. A moça pegou o objeto rapidamente e o ligou.

— Dawn, aqui.

— Precisamos de sua ajuda, enfermeira. Ocorreu um acidente no almoxarifado. Uma das sobreviventes que voltaram de Hadiah faleceu.

Dawn sentiu o baque imediatamente, assim como Andreas e Jon, que permanecem calados, enquanto a mente deles trabalhava incessantemente. Mais uma morte… O momento de alegria que os havia contagiado mais cedo acabara de ser completamente destruído.

A morte fez sua jogada e pegou mais um deles.

— Procurem Skylar, Vânia e a outra sobrevivente. — Ela disse para os dois. — Nos vemos em breve.

Dawn saiu correndo para o interior do hospital enquanto os dois homens se entreolharam.

— Ela ainda não acabou. — Jon comentou.

— Ela não vai acabar até chegar ao último sobrevivente. — Andreas falou. — Porém agora é o último… Isso está próximo de acabar.

Repentinamente os dois viram uma bela mariposa, completamente negra, passar por eles e pousar justamente sobre a entrada do hospital, esticando suas asas.

— Jon, vá procurar seu sobrinho. Eu vou atrás de Vânia, ela deve nos ajudar.

XXX

Cerca de dez minutos depois.

Vânia temia que o pior tivesse acontecido.

Após o seu surto, havia sido colocada na cama pelos enfermeiros, embora sua vontade era de ir atrás de Georgia. Não podia deixar a jovem, de quem tanto se aproximou nos últimos tempos morrer. Mas impossibilitada de deixar a cama de hospital, por conta de sua recuperação, sentia-se praticamente impotente por não poder fazer nada.

Ela ainda tentou alertar os enfermeiros, pedindo para que chamassem Georgia e que ela corria perigo, mas foi praticamente ignorada por todos, que estavam totalmente atarefados.

A queda repentina de Vânia da cama deixou a mulher com leves machucados em seus braços e pernas porém nada mais do que isso, e agora a mulher recebia um pouco de soro na veia. Mas desde que tinha sido colocada na cama hospitalar de volta, sentia algo errado na mesma, parecia extremamente solta…

Mas afastou esses pensamentos logo que ouviu uma voz conhecida adentrar o quarto da enfermaria onde ela estava.

— Vânia?

— Andreas, é você?

— Sim. — O terapeuta falou, abrindo um sorriso. — Como você está? Melhor?

— Sim, na medida do possível. — Ela falou. — Andreas, você sabe da Georgia? Sabe onde ela está?

— Não… A última vez que a vi ela estava vindo para cá. — Andreas falou, intrigado, porém em sua mente as peças já começavam a se encaixar.

— Vocês precisam achá-la. É a próxima! A lista ainda não terminou!

Um silêncio pesado se fez no ar quando Andreas finalmente uniu todas as peças. Era ela. Georgia era a sobrevivente de qual os enfermeiros falaram. Automaticamente sua mente foi direto para a jovem negra, tão vivaz, mas que enfrentou péssimas experiências no alto daquela montanha. Dos sobreviventes, Georgia fora uma das que Andreas tivera menos contato, mas mesmo assim sentiu a dor em seu íntimo. Ela não merecia ter morrido.

Assim como os outros três. Ninguém merecia ter morrido por conta daquela lista maldita!

— Andreas? — Vânia o chamou, tirando o homem de seus devaneios. — Você sabe…?

— Sinto muito, Vânia. — O homem falou, abaixando a cabeça.

Vânia permaneceu em silêncio, digerindo a resposta do homem. Não podia acreditar… Depois do salvamento de Skylar e de Andreas, Vânia tinha, no fundo, criado um pensamento de que todos poderiam ser salvos, que poderia existir um modo de conseguir uma terceira chance, mas agora estava sem chão.

E o pior de tudo é que tinha ocorrido com Georgia, que virara sua companheira e confidente nos tempos que estivera no vilarejo de Hadiah. Embora ela sentiu a morte de Victoria, Milan e Nicholas, ela ainda não tinha criado um vínculo tão forte quanto o que criara com Georgia, as conversas sobre a lista, sobre o que deixaram para trás, noites em claro… Vânia viu em Georgia quase como um porto seguro, uma amiga fiel em que podia contar.

Mas agora, a negra estava morta.

Vânia sentiu então algumas lágrimas descerem pelo seu rosto e Andreas segurando sua mão, como se amparasse a mulher.

— A Georgia… Isso não acabou, não vai acabar…

— Agora falta só mais uma pessoa para tudo isso ter um fim, Vânia. — Andreas falou.

— Sun. — Vânia falou, já temendo pela vida de detetive.

XXX

Sun encontrava-se sentada em uma maca improvisada, bebendo mais um copo de água e comendo uma maçã, após ser amparada por Kevan até uma sala que fazia parte da enfermaria. Parecia pouco mas já ajudava a mulher imensamente. Kevan também deixou um pouco de suco para ela, enquanto prometeu trazer um sopa do hospital em breve.

Ela realmente não se lembrava qual foi a última vez que tinha se alimentado. No alto da montanha, estava preocupada com tantas coisas que simplesmente não pensara em comer, quase como um reflexo do seus distúrbios alimentares, um terrível resquício de um trauma que a acompanhou por toda a sua adolescência.

Sun aprendeu a amar seu corpo com o passar dos anos, mas durante os temíveis anos de adolescência, com os hormônios em ebulição, Sun olhava para seu reflexo e chorava. Chorava por não poder ser igual às outras meninas, tão esbeltas e dentro de um padrão de beleza inquestionável. O problema era que Sun se enxergava de forma diferente de como ela realmente era.

A bulimia que a apavorou durante anos só conseguiu ser superada com muito tratamento psicológico, e a mulher se orgulhava de ter superado esse passado. Mas nem tudo tinha ficado para trás.

Seus distúrbios alimentares raramente apareciam, contudo algumas vezes eram verdadeiras pedras no sapato, que incomodavam a mulher ao extremo. Lembrou-se da pior recaída que tivera, pouco depois da segunda gravidez. O reflexo de tal crise foi tão forte que ela recuperou o seu peso antes da gestação em pouco tempo.

Sun bebeu mais um pouco da água, tentando afastar esses pensamentos da mente.

XXX

Andreas caminhava a passos rápidos pelo hospital, a procura da detetive. Onde ela estaria?

Lembrou que logo que chegaram, ela se separou do grupo, indo a procura de seu marido, Hwang. Porém Dawn teria dito posteriormente que ele havia falecido no acidente… Buscou unir os fatos, e decidiu que deveria ir perguntar para alguém que cuidava do reconhecimento dos sobreviventes.

O problema era: perguntar para quem?

Tentou se comunicar com o primeiro enfermeiro que viu no corredor, mas sem sucesso. A barreira linguística era poderosa demais, tanto que ele só conseguiu se comunicar com alguém na quarta vez, quando parou um jovem enfermeiro.

— Perdão te interromper, mas estou procurando a ala de reconhecimento dos mortos no acidente do tsunami.

— Eu estava voltando de lá agora mesmo. Teve sorte. — O jovem sorriu, e Andreas pode notar a semelhança com Nicholas no rosto do rapaz. — O senhor me parece familiar… Não é o marido da enfermeira Dawn?

— Você conhece a minha esposa?

— É que sua esposa é quase como se fosse minha chefe aqui. — Kevan falou. — E minha amiga também. Ah, prazer, Kevan Jaramillo.

O filho do Nicholas! A mente de Andreas fez um estalo com a revelação do nome.

— Acho que o senhor conheceu meu pai…

— Conheci sim, Nicholas Jaramillo… Era um bom homem, uma pena o que aconteceu. Meus pêsames, garoto. — Andreas disse, abraçando Kevan, que se sentiu acolhido pelo gesto do homem.

Quando o abraço foi desfeito, Andreas percebeu que Kevan possuía algumas lágrimas nos olhos.

— Sim, ele era… Um homem um pouco complicado de se lidar, mas um grande homem. E um grande pai. — Suspirou, sendo surpreendido pelo som do walkie-talkie.

— Olá? Dawn?

— Kevan, preciso que me ajude a levar a primeira leva de sobreviventes, o resgate para eles acabou de chegar. Você pode? Estou terminando de resolver uma questão aqui.

— Sem problema, enfermeira. Mesmo com a chuva?

— O diretor do hospital disse que será possível retirar os sobreviventes antes da chuva, Kevan. Não que eu concorde com isso, mas…

— Ordens superiores. Entendo.

— Sendo me encontre na tenda externa daqui a quinze minutos, por favor. Obrigada Kevan.

Assim que desligou o walkie-talkie, o jovem falou:

— Bom, eu preciso ir. Foi uma prazer te conhecer, senhor. E para chegar na sala de reconhecimento é só caminhar reto por esse corredor e virar no próximo corredor à direita. Última porta antes da que vai dar para a saída externa.

— O prazer foi meu, Kevan. E muito obrigado. — Andreas falou, cordialmente, apertando a mão do jovem.

XXX

San Francisco, 1995.

A cidade tinha um brilho especial pela manhã e o céu estava azul como nunca esteve. Andreas observava o pequeno jardim embaixo da janela do consultório do Dr. Markle, quando a porta se abriu.

Ele não entendia bem o motivo de estar ali, mas sua mãe fizera questão, e ele nunca fora capaz de questioná-la. Mesmo estando no auge dos seus quinze anos, o rapaz de corpo esguio e pálido não se atrevia a burlar sua autoridade. Ele desconhecia as metodologias de uma sessão com psicólogo, mas entendia que aqueles tipos de conversas se davam entre especialistas e pacientes. E pacientes enfrentavam problemas. Andreas nunca tivera nenhum problema a nível psicológico, até onde lembrava. Então, por que fora levado àquele lugar?

O amigo de sua mãe, um homem de roupas sociais que entrara, apesar de estar com todo seu cabelo escuro penteado para trás, visivelmente já havia passado da meia-idade. Cheirava a creme de barbear. O doutor estendeu a mão para que o garoto pudesse apertá-la e assim o fez, e os dois sentaram em seguida. O jovem Andreas ficou calado por alguns instantes, até o psicólogo quebrar o silêncio:

— Agora que sua mãe está lá fora e estamos sozinhos, pode me contar o que houve.

— Eu não sei o que ela te falou, mas não aconteceu nada. Não sei nem por que estou aqui, pra falar a verdade. — Andreas respondeu, dando de ombros. Ele tinha seus palpites da motivação de sua mãe, mas não queria discuti-lo.

— Entendo… Então por que acha que está aqui?

— É simples, porque minha mãe pediu.

— Se você acredita que não há nada a fazer, nada pra contar, por que aceitou vir? — O homem inclinou-se na cadeira, intrigado.

— Eu não sei… — Suspirou. — Apenas concordei.

Dr. Markle encarou o garoto por alguns segundos, refletindo qual seria seu próximo passo para entender o caso.

— Ok, você afirmou que não tem nada a dizer, mas aceitou que sua mãe lhe trouxesse em um psicólogo. Você sabe que lugar é esse, não sabe, meu jovem?

Andreas meneou a cabeça positivamente.

— Todas as pessoas que passam por aqui, todo sagrado dia, querem dividir algo de suas vidas comigo. Elas me têm como um amigo, alguém com quem possam conversar para entender o que se passa com elas, decifrar o que sentem… E você é uma dessas pessoas, Andreas. — O doutor explicou, ganhando a total atenção do rapaz. — Assim como elas, você também tem algo pra me falar. Acertei? Só preciso que confie em mim.

Andreas ficou resoluto por uns instantes, olhando em volta. Perguntou:

— Minha mãe vai ouvir?

— É claro que não, meu jovem. Somos só eu e você. É sua primeira vez aqui, posso esperar o tempo que for necessário para que se sinta à vontade em falar.

— Não precisa. — Ele interrompeu. — Tem uma coisa que está me deixando angustiado.

O psicólogo esperou que ele continuasse.

— Minha mãe desconfia que sumi com um de seus vestidos. Ela suspeitava das minhas irmãs, mas todas negaram terem pego o vestido. Então ela começou a me fazer uma série de perguntas estranhas, sobre a escola e meus amigos. — Andreas encolheu-se na cadeira ao lembrar.

— Que tipo de perguntas?

— Se eu costumava brincar com garotas ou o que achava da aparência dos meus amigos. Eu sei o que ela estava tentando fazer, já ouvi falar nisso.

— O quê exatamente?

— Gays.

— A sua mãe te disse isso?

— Não! — Andreas cortou-o imediatamente, parecendo ofendido. — Mas as perguntas que ela fazia sempre levavam ao maldito vestido! E eu realmente estou com ele guardado… Mas não tem nada a ver com gostar de garotos.

— O que você sente em relação a este assunto? — Dr. Markle endireitou-se na cadeira outra vez. O cheiro de creme de barbear aumentou.

— Por mais que ela insista, eu não quero falar que estou com ele. Mas não porque ela vai achar que gosto de garotos ou coisa parecida. — Andreas começou a ficar vermelho.

— Você sente vergonha?

— Um pouco. Mas nada tem a ver com gays, e sim, com ela.

O psicólogo franziu o cenho, pego de surpresa pela informação. Pigarreou:

— O que sua mãe tem a ver com isso? Pode ser mais claro?

— Não sei explicar muito bem. Eu a amo mais do que tudo, gosto de sentir seu cheiro adocicado, ver o movimento dos seus cabelos, ouvir sua voz. A maneira como ela gosta das minhas irmãs. Ela fica deslumbrante em todas as roupas que usa, eu só queria sentir um pouco disso em mim, sabe?

Dr. Markle estreitou os olhos. Seria um caso de Complexo de Édipo? Filhos costumavam idealizar todo o amor por suas mães em um relacionamento carnal. Algumas características eram perceptíveis, mas havia algo que não encaixava.

— E como é esse amor que você sente quando está próximo dela? O que tem vontade de fazer?

— Pegar todos os seus vestidos, usar todos os seus perfumes. Assim, talvez eu alcançaria sua beleza… Mas eu tenho medo. — Os olhos de Andreas ficaram marejados.

— Medo de que isso se torne confuso pra ela?

— Medo de que ela não me ame mais. Ela não pode parar de me amar, eu não me perdoaria. Só quero que essa sensação acabe, você pode fazer ela acabar? — O garoto comprimiu os lábios, prendendo o choro.

— Diga a sua mãe que você virá mais vezes.

XXX

Atual.

Quinze minutos depois.

Na tenda externa um grupo de sobreviventes se amontoava, prontos para a viagem de volta para casa. Nesta primeira leva, um grupo de estrangeiros das mais diversas nacionalidades, mas com predominância americana, seriam levados até o aeroporto de Hadiah sem segurança sendo que Dawn e Kevan, entre outros enfermeiros e médicos deveriam ajudar no transporte. Vários ônibus e vans já estavam parados e prontos para a viagem.

Kevan chegou até a tenda externa, onde pode contar cerca de 100 sobreviventes para serem levados. Mais tarde, uma outra quantia considerável seria levada ao aeroporto. A prioridade tinham sido exatamente as famílias que possuíam crianças e as mesmas, além de idosos que não necessitavam de maior tratamento e deficientes.

Enquanto caminhava junto dos outros sobreviventes, sentiu um puxão em sua calça.

— Tio? Pra onde vamos? — Um pequeno garoto loiro perguntava. Ele estava acompanhado de uma senhora, que aparentava ter algum tipo de parentesco. Deve ser sua avó. — Pensou.

— Oi pequeno. — Kevan falou, se agachando até alcançar a altura do menino. — Qual é seu nome?

— Jeremy Martyn, tio.

O filho da atriz. Meu Deus.

— Bem Jeremy, estamos levando você de volta para casa. Está vendo todas essas pessoas? Vão voltar, cada um delas, para casa.

— E meu pai? Minha mãe? O que aconteceu, a onda levou eles? Ainda não acharam?

— Jeremy! — A senhora o advertiu. — Desculpa moço por isso…

— Que isso, senhora. Está tudo bem.Então, você ainda deve estar muito novo pra isso, pra entender. Mas eles estão bem, Jeremy. Você também tem que ficar bem, e ser forte. Um dia irá vai descobrir ainda o que aconteceu, e vai ter certeza do que eu falei, que eles estão num lugar muito melhor.

Junto com o meu pai. No céu. — Kevan pensou instintivamente.

— No… Céu? — O garotinho perguntou.

— Eles estão te vendo, um dia você também verá eles. Estão e ficarão orgulhosos de você, pequeno Jeremy, tenho certeza. Mas por enquanto, eu e a tia Dawn vamos te ajudar a voltar pra casa. — Ele falou, sorrindo.

— Obrigado tio.

— Que isso, pequeno. — Ele passou a mão nos cabelos loiros de Jeremy. — Fica bem tá?

Kevan continuava a andar, até sentir alguém o segurando para trás. Era Dawn, que estava visivelmente preocupada e emocionada.

— Kevan, mudança de planos. Precisamos colocar esse pessoal pra dentro do hospital, antes que essa tempestade comece. Não podemos correr mais riscos.

XXX

Enquanto Andreas tinha ido atrás de Vânia, Jon continuava em sua procura por Skylar, porém não conseguia obter resultado.

O rapaz estava ficando muito preocupado com o sobrinho, principalmente pelo fato de agora ser a única família de Sky, que era como um filho para o mesmo. Mas onde ele estaria?

Enquanto caminhava até o fim do corredor onde estava, percebeu que existia um outro corredor que se cruzava com o mesmo, bem no fim. Aquela ala do hospital não era tão movimentada quanto as outras e Jon resolveu ir exatamente para aqueles lados, já que conseguiu a informação de que a escada de emergência se localizava por ali, e conhecendo bem seu sobrinho, ele preferiria acessar o hospital por algum caminho sem tantas pessoas.

Foi aí que o coração de Jon gelou ao ver  a figura que atravessou o último corredor.

Parecia ser um velho de barba longa e vestido com um manto negro, que passava no corredor a sua frente. Subitamente Jon se arrepiou ainda mais quando percebeu o velho o olhando fixamente, enquanto atravessava o corredor e sumindo pouco depois de seu campo de visão, sendo seguido por um estranha mariposa preta.

Ele já tinha visto esse homem antes?

Correu até o corredor e logo se assustou. Não havia qualquer sinal de velho ali, ele simplesmente havia desaparecido.

Então foi quando viu uma figura no final do corredor caminhando lentamente, em sua direção. Jon pensou em perguntar quem era, mas preferiu não arriscar, e permaneceu observando atentamente.

XXX

Tema da cena: https://youtu.be/XeM0lzQhigg

Enquanto terminava de mordiscar sua maçã, Sun olhava para as paredes brancas do cômodo onde estava. Ela permanecia sentada na maca, enquanto na sua frente existia uma grande estante de metal, com diversos frascos e produtos hospitalares, que estava presa na parede por vários parafusos, levemente soltos. Em um canto ao lado da porta, uma mesa com um computador ligado, quase como uma mesa de escritório. No canto oposto, um outro armário e um cesto de lixo hospitalar branco. A branquidão da sala chegava a doer nos olhos de Sun, tamanha era a limpeza da sala.

Broke down, thought that I would drown
Hope that I’ve been found, ‘fore I hit the ground
Some days out the corner of my eye
Saw you weeping, saw you creeping
Saw you sneaking in the shadows long
The fear so strong
Saw you out the corner of my eye

Kevan dissera a ela que voltaria em breve com sua sopa, tendo que resolver alguns problemas externos que Sun julgou ser relacionado aos sobreviventes da tragédia do Pantai Mamba, que ainda se recuperavam no hospital.

Sobreviventes. Uma palavra que significava tanto para Sun, e que também a machucava imensamente nos últimos tempos.

No alto da montanha, conservou a esperança de encontrar Hwang vivo e juntos, poderem sair deste pesadelo que o destino encarregou de atingi-los. Embora nos últimos tempos, pensou em como reagiria perante a descoberta de sua morte, preferia não pensar nisso e manter a esperança viva já que era a única coisa que ainda restava a Sun. E esta foi totalmente estilhaçada quando viu o corpo de Hwang.

Don’t come for me today, Reaper
I’m feeling good, let me savor it
Don’t come for me today, Reaper
I’m feeling good, I remember when
(Reaper)

Sun não conseguia digerir direito esse fato até o momento, parecia que estava presa em um pesadelo da qual não conseguia escapar. E de fato, estou.

Subitamente, o pensamento de estar marcada pela morte voltou a sua cabeça no mesmo momento que um trovão ressoou pelo céu. Pelo jeito, uma tempestade das grandes estava vindo…

Suspirou enquanto se lembrava do tortuoso caminho que os oito sobreviventes trilharam na aldeia de Hadiah, e no fim que três deles encontrou ainda naquela montanha. Porém eles tiveram êxito em salvar três sobreviventes, e isso dava um fôlego a mais para Sun. Ela não podia desistir.

Não agora.


You came to take me away
So close I was to Heaven’s gates
But no baby, not baby, not today
Ohh, you tried to track me down
You followed me like the darkest cloud
But no baby, not baby, not today (Reaper)

A detetive lembrou-se que faltavam apenas duas pessoas para serem perseguidas pela morte: ela e Georgia. Porém com a ordem da lista ainda no escuro para as duas, não sabia quem era a próxima.

Não é fácil encarar a morte de frente, uma das inevitabilidades deste mundo, que rege completamente até onde iremos chegar antes de sermos tragados por ela. Mas nesta ocasião, Sun encararia, pensando em seu futuro, já traçando planos e objetivos.

So come back when I’m good and old
I got drinks to drink, and men to hold
I got good things to do with my life!
Ohh, I wanna dance in open breeze
Feel the wind in my hair
Hear the ocean sing
I got good things to feel in my life!

Embora as mortes no vilarejo tivessem a afetado muito, e a de Hwang tivesse revelado todas as suas fraquezas, ela lutaria. Sun ainda tinha muitas coisas a fazer e obviamente seu pensamento foi direcionado para Kim Jo e Eun Bi, suas maiores preciosidades neste mundo. O medo de não poder ver as meninas novamente a enchia de temor, e é por elas que buscaria a sua sobrevivência acima de tudo.

Don’t come for me today, Reaper
I’m feeling good, let me savor it
Don’t come for me today, Reaper
I’m feeling good, I remember when
(Reaper)

Além das meninas, por muito tempo tivera medo de retomar o tratamento para seus distúrbios alimentares, mas a lição que tirara foi de aproveitar o seu tempo ao máximo. O temor de ser afastada do trabalho a consumia, mas era primeiro necessário que estivesse bem consigo mesmo.

E ela correria atrás disso. Enquanto isso, a chuva caía do lado de fora.

You came to take me away
So close I was to Heaven’s gates
But no baby, not baby, not today
Ohh, you tried to track me down
You followed me like the darkest cloud
But no baby, not baby, not today (Reaper)

XXX

— T-Tio?

— SKYLAR! — Jon gritou com toda a força dos seus pulmões, correndo na direção do mesmo. Ao chegar no sobrinho, percebeu instantaneamente que algo está errado.

— Quem… Cortou seu cabelo?

— Foi ele. Ele que quer nos levar para casa….

— Que casa, Skylar? Do que você está falando?

— Ele jurou que ia me fazer sofrer... — Skylar disse já chorando. Jon também percebeu que seus braços estavam levemente cortados. — Ainda não acabou, tio.

— Venha, seu nariz e seus braços estão sangrando. — Ele disse, amparando Skylar. — Vou pedir para fazerem um curativo para você na enfermaria. Depois você me conta tudo, ok?

Dentro da mente de Skylar, tudo parecia se colidir ao mesmo tempo. A fala do Ancião permanecia vívida em sua mente, embora Sky não tivesse a entendido completamente, as peças pareciam começar a se juntar.

Mas de uma forma ou de outra, não importa os desvios que tentem fazer, criança rebelde, o caminho a seguir em frente será sempre o mesmo.

O caminho sempre continuaria igual, sempre o mesmo… Não importa o desvio que fizesse. O primeiro desvio tinha sido justamente a premonição de Vânia, que os tirou do caminho da Morte. O segundo teria sido Skylar renegar suas origens ligadas a Hawley Lachlan. Mas não importa os desvios, o caminho era sempre o mesmo?

Será que? Não, isso não é possível. Estamos salvos. — Ele pensou, embora agora não tinha total certeza disso.

Será que a lista vai recomeçar para fechar todas as pontas… Soltas?

— Precisamos ir atrás da Vânia, tio Jon. — Skylar falou, depois de um tempo em silêncio.

XXX

As gotas de água desciam calmamente, vindas do alto e atingindo o chão de forma rápida.

Dentro da sala onde Sun estava.

As gotas entravam através de uma infiltração no teto da sala, e despencavam pela parede branca do local, caindo atrás da estante de metal. Sun porém estava alheia a tudo, já que o barulho feito por isso era mínimo, mas a poça formada estava começando a surgir da parte de trás da estante.

Repentinamente, levou um susto com uma batida na porta.

— Sun? Você está aí?

— Andreas! — Ela falou, se levantando. Porém ainda estava meio fraca, e acabou se apoiando bruscamente na mesa do computador, fazendo a mesma tremer. Sun conseguiu ouvir um estranho som pela sala, como se fosse de algum objeto caindo, antes de Andreas abrir a porta.

— Meu Deus, Sun! Você está bem!

— O que aconteceu Andreas? — Ela perguntou, visivelmente preocupada.

— Eu te procurei pelo hospital inteiro… Quem diria que estaria tão perto do quarto da Vânia… — Andreas deixou seus devaneios, e então disse: — Mas enfim. Nós precisamos conversar sobre a regressão, Sun. Tem algo de errado e encoberto ainda sobre essa lista da morte.

— Mas… O que?

— Vânia. O que está encoberto é a Vânia. Será que ela não está na lista como nós?

— Que ideia é essa, Andreas? Como assim, você está ficando maluco?

— O Skylar mesmo disse isso, Vânia. Segundo ele, a Sawar tentou apressar a morte dela, mesmo sabendo que ela morreria por último…

— Mas Andreas, a Vânia ainda não tinha saído da regressão como nós dois, lembra? Ela foi a primeira a quase morrer na visão normal, mas ainda não tinha deixado a regressão. Ao contrário de mim, Georgia e Skylar.

— Que morreram depois… — Andreas falou pensativo.

— Andreas, o que está acontecendo?

Se Georgia acabara de falecer e a próxima era a Sun… Se eu inverter… A Sun acordou primeiro da regressão, depois Georgia, depois Skylar. Na ordem inversa, foi a da lista atual… Será que? Não, não pode ser. — Andreas raciocinava.

— Sun, precisamos encontrar os outros. Parece que algo finalmente está fazendo sentido sobre essa lista sobrenatural. E precisamos te proteger especialmente, por isso vim atrás de você.

E precisamos te proteger.

— Proteger? — Sun digeriu a palavra com calma. — Andreas, eu sou a próxima?

— Bem…

— Andreas, só me responda. Eu sou a próxima? Sim ou não.

O terapeuta suspirou profundamente mas não conseguiu responder a detetive antes de tudo acontecer.

XXX

Vânia olhava a chuva cair sem parar do lado de fora do hospital, pela janela do seu quarto. Uma cena deveras melancólica, se não fosse pra preocupação latente dela.

Ela temia pela vida de Sun mas tinha um medo ainda maior: o que viria após a vez dela na lista. Queria acreditar que estava livre, mas algo no fundo dizia o completo oposto. Tudo ainda estava apenas começando.

E se a lista corresse do meio como tinha sido, isso significava que Vânia que viria após Sun.

Porém Vânia foi tirada de seus devaneios quando a luz de todo o hospital piscou algumas vezes, e ela sentiu uma brisa suave mas gelada a perpassar. No mesmo instante, notou uma pontada muito forte na sola do pé, como se algo tivesse entrado na carne, e sentiu essa dor elétrica subindo por todo o corpo, atingindo as pernas de uma vez. Mas a pior parte foi quando sentiu essa mesma dor na parte de trás de sua cabeça. Uma dor tão excruciante que Vânia tentou gritar em sua agonia, mas não conseguia. Nenhum som saía da mesma.

Ela sabia que estava alucinando novamente, mas jurou ter visto uma mariposa negra sair de dentro de sua boca.

XXX

Tudo aconteceu muito rápido. Andreas e Sun sentiram uma brisa gelada passarem pelos seus corpos, e a detetive sentiu o seu corpo se arrepiar.

No mesmo momento repentinamente, um alto som veio do computador que estava ligado, e fazendo Sun se assustar e pular para trás. Apenas para sentir os seus pés escorregando na poça que havia se formado atrás de onde estavam.

O instinto natural de Sun foi o de segurar na estante de metal, e por um momento achou que tudo correria bem até os parafusos se soltarem completamente e a mesma despencar sobre ela, com vários frascos e produtos hospitalares.

— SUN! — Andreas gritou.

No momento da queda, Sun ainda conseguiu impedir que seu corpo fosse comprimido pela estante pesada, e no instante de choque contra o chão e os barulhos de vidro se estilhaçando para todos os lados, Andreas percebeu o que tinha acontecido.

— Andreas… Me ajuda… — A detetive falou, com a voz falhando.

Sun tinha caído sobre a poça d'água e vários cacos de vidro, que produziram leves escoriações em seu corpo, mas havia evitado que a estante caísse sobre seu peito, o que poderia ter causado a quebra de costelas ou até mesmo da caixa torácica pelo impacto. Porém a mesma serviu de armadilha e prendeu suas pernas contra o chão molhado.

Andreas correu na direção da mulher, e começou a tentar levantar a estante para Sun sair, mas a mesma era muito pesada. Enquanto ela tentava tirar a estante de cima, percebeu uma movimentação bizarra. O líquido da poça, que havia se espalhado por boa parte da sala não chegava perto de Andreas, e como se a água estivesse sendo controlada de forma sobrenatural, percebeu que ela corria na direção de um objeto.

Foi isso que caiu naquele momento que eu apoiei a mão na mesa.

Um filtro de linha. Com vários cabos e fios, que Sun julgou ser do computador e outros eletrônicos relacionados a ele, conectados em alguma das tomadas. E ela percebeu que os fios estavam desencapados em alguns pontos.

Era isso.

— Andreas, me tira daqui! — Sun começou a gritar desesperada enquanto via a água se aproximar.

— Calma, estou tentando! — O terapeuta já tinha visto o que estava acontecendo e agora se esforçava mais para tirar a mulher da armadilha.

Sun começou a tentar forçar suas pernas para cima, e algum progresso começou a ser feito. A estante começou a levantar lentamente, com a força de Andreas e a de Sun, que também usava seus braços.

— Falta pouco! Quando eu disser saia você se arrasta para fora, tudo bem?

Sun apenas concordou com a cabeça, suando frio, enquanto via a água se aproximar centímetro a centímetro.

— Um! Dois! Três! SAIA!

Ao sentir suas pernas finalmente livres, Sun se impulsionou para frente e rolou para o lado, até bater na parede oposta. Apesar das pernas machucadas, ela tentou se levantar até sentir o som do metal se chocando e Andreas a amparando.

Subitamente, os dois foram quase jogados pra fora da sala com uma grande explosão no momento que a água atingiu o filtro de linha, produzindo um enorme curto-circuito em todos os equipamentos eletrônicos onde estavam conectados. Naquele mesmo instante porém, a energia do hospital inteiro acabou e deixou todos no escuro. Os dois, ainda caídos no chão, podiam ouvir vários gritos por todo o hospital.

Repentinamente o gerador começou a funcionar, e Andreas ouviu alguns estalos vindos de trás deles, mas ao falar com Sun viu que algo havia chamado a atenção da detetive. Na parede defronte os dois.

— Uma… mariposa preta. — Ela falou, quase que assustada.

— Eu acho que vi ela… — Andreas falou, mas foi cortado por Sun.

— Sabe o que uma mariposa preta significa? Eu descobri isso em um caso policial.

— O que?

— A mariposa preta significa morte, má sorte, desgraça. Ela é quase como um arauto da morte. Anuncia quando alguém está para… Morrer.

— Mas a lista… A lista terminou. — Andreas respondeu.

Subitamente um vento gelado entrou novamente pelo corredor da enfermaria, e a mariposa negra saiu voando pelo fluxo de vento, enquanto as luzes do gerador piscavam.

— Temos que ir atrás da Vânia. — Andreas concluiu. — Ela sabe o que irá acontecer agora.

— Talvez…

— Talvez o que? — Ele perguntou.

— Ela seja a próxima, Andreas.

XXX

Jon e Skylar caminhavam de forma rápida pelo hospital, buscando chegar na enfermaria o quanto antes, em busca de um curativo para o machucado do garoto e a procura de Vânia, que estava naquele local.

Jon percebia que Skylar continuava imerso em seus próprios pensamentos, provavelmente traumatizado com o que havia acontecido anteriormente. Mas além do trauma, Sky também estava focado em tentar fechar as pontas soltas da lista, mas que agora não pareciam fazer qualquer sentido.

Todavia quando chegaram no saguão do hospital, encontraram quase um cenário de caos. Vários sobreviventes designados para o resgate retornavam para o interior do mesmo, ocupando a sala de espera. Mas a correria era tanta por causa da tempestade que se erguia sobre o hospital, que Skylar sentiu sua mente quase estourar diante dele. As vozes, choros e gritos se juntavam em uníssono, e elas entravam e mexiam completamente com a mente do garoto, que começou a ficar perturbado.

Então, em um ato de desespero começou a correr na direção da enfermaria, do outro lado do saguão, mas bateu em uma pessoa no meio do caminho, fazendo Skylar desabar no chão.

— D-Desculpa senhor…

A figura se virou para Skylar, e ele percebeu que era o Ancião, e que ninguém mais além de Sky percebia a presença dele ali. Então o Ancião sorriu macabramente para o garoto e falou:

— O ciclo deve recomeçar.

Inesperadamente, todas as luzes do hospital se apagaram e um grande estouro foi ouvido.

Instantes depois, quando o gerador fez as luzes voltarem a funcionar, Skylar olhou ao redor. Mas não havia mais nenhum ancião, nenhum manto negro ou sorriso macabro. Mas a fala ainda tinha ficado no ar.

O ciclo deve recomeçar.

Deve recomeçar.

Recomeço, ciclo, a lista… Quem foi a primeira?

— Vânia. — Ele disse, como um insight de sua mente.

XXX

Vânia ainda sentia a dor elétrica a consumir de cima para baixo, e num ato de desespero tentou sentar sobre a cama. Contudo antes de qualquer ato, achou que tudo acabaria, pois a dor se dissipou em questão de segundos.

Foi aí que a energia do hospital acabou completamente e um grande estouro foi ouvido perto de onde ela estava. Gritos eram ouvidos em todas as direções, mas ao mesmo tempo parecia que um silêncio sepulcral havia se instalado na enfermaria.

O seu leito estava separado dos demais por uma cortina branca que se mexia lentamente enquanto Vânia olhava para a mesma, balançada por uma leve brisa.

— O que?

Vânia tentou se sentar, mas sentiu o mundo desabando diante dela. Um barulho ensurdecedor e a cama do hospital simplesmente se inclinou para a esquerda, tendo esse lado desabando sobre o chão, por conta dos parafusos frouxos. Com a inclinação e a cama inteira ficar solta, o colchão de Vânia desceu até o chão e ela sentiu se puxada para baixo, atingindo o piso com um baque.

A agulha que passava o soro para a veia de Vânia também foi arrancada bruscamente fazendo um filete de sangue descer pelo braço da empresária, enquanto a haste de suporte para o soro rodou para o lado direito da sala quando a cama se moveu. O conteúdo do soro caiu inteiro sobre a cama, deixando a haste vazia com seus vários ganchos a mostra.

Então as luzes voltaram.

Cerca de um minuto depois, após se recuperar do baque, Vânia empurrou o colchão para o lado e saiu rastejando pelo quarto, logo apoiando-se na parede para tentar levantar. Pelo seu corpo, haviam alguns arranhões leves, mas nada que a preocupasse.

Ela conseguiu se erguer, e sentiu seus pés entrarem em choque com o chão frio do hospital, antes de tentar começar a andar para fora do quarto, tentando estancar o sangue da veia com a mão.

Mas existia um parafuso solto no meio do caminho com a ponta para cima. Vânia pisou em cheio no mesmo e sentiu o parafuso entrando na sola do seu pé, soltando um grito de dor como resposta.

Instintivamente ela perdeu o equilíbrio e se segurou na primeira coisa que viu pela frente, a cortina branca, mas esta não conseguia conter o seu peso. Vânia acabou puxando e fazendo a cortina se soltar do trilho, a empurrando para trás e fazendo ela pisar em outro parafuso solto.

Quando Vânia caiu novamente, sua cabeça foi na direção do aço frio da estrutura da cama, mas conseguiu se segurar na mesma antes da batida que poderia ser fatal.

Com a queda, a estrutura da cama que se movimentava através de rodinhas, chocou-se contra a parede e o suporte de soro, fazendo o segundo se tombar na direção da parte de trás da cabeça da empresária.

Vânia se virou subitamente no mesmo momento, e só pode ver os ganchos e a haste indo na direção de sua cabeça, prontos para empalá-la. Ela não teve nem tempo de fechar os olhos.

Antes do choque que nunca veio.

Quando Vânia se virou para trás, Andreas segurava o suporte de metal aterrorizado.

XXX

Quando Skylar chegou na enfermaria, se deparou com Andreas segurando o suporte de metal, e Vânia caída no chão. Sun vinha atrás, ainda andando lentamente pois parecia fraca. Alguns enfermeiros corriam para tentar ajudar a mulher.

— O que…?

Os quatro se entreolharam em profundo temor, até Andreas continuar:

— Se a Sun quase morreu agora pouco, e agora foi a Vânia…

— O ciclo. — Skylar se lembrou. — O ciclo deve recomeçar.

— Isso quer dizer que ainda estamos nessa lista maldita? — Andreas falou em desespero.

— Sim. — Vânia concluiu. — E ela vai continuar…

— Até todos nós estarem mortos. — Sun falou aflita.

Se muitos enigmas estavam encobertos ainda, um deles tinha acabado de ter sua revelação. Todos as misteriosas falas do Ancião sobre o ciclo agora pareciam se fechar, e era isso. Era isso que aconteceria.

Skylar engoliu em seco, mas já sabia o que fazer. Assim que viu Vânia caída no chão, pareceu ter um pressentimento, assim como o da regressão em que sua contraparte medieval, Hawley, tivera ao ver o ataque de Dalia.

Quando Hawley percebeu tal ataque, ele sabia que era o sinal que o Deus Sem Face tinha dado á ele, lembrando ele de seu sonho e de sua missão neste plano. Levar as pessoas para casa. Para a moradia de seu Deus.

Agora Skylar tinha um pressentimento diferente. Não era de levar ninguém para seu Deus, mas sim, de que não haveria método de escapar. Ele sabia qual era o seu destino, assim como Hawley sabia, há séculos atrás.

O destino dos dois seria o mesmo. Porém diferente de Hawley, Skylar sabia exatamente o que o Deus Sem Face pregava. Era o retorno, a volta para o lar… Sem violência. Sem assassinatos. Sem o que Hawley, Sawar ou o Ancião tentaram pregar ou fazê-lo acreditar.

Algo dentro do rapaz pulsava diferente naquele instante.

— Sky! — Jon gritou, chegando e abraçando o sobrinho. — Eu sei que você já é grande, mas não me faça mais essas coisas. Eu fiquei preocupado quando desapareceu no apagão.

— Tio, eu te amo. — Skylar falou, o abraçando emocionado. — Obrigado, muito obrigado por tudo mesmo. Nunca vou me esquecer de você... Mas agora está chegada a hora.

— Que hora? — Jon perguntou, se desvencilhando do abraço.

— A última hora. — Skylar respondeu, olhando nos olhos do rapaz por alguns segundos.

Quando Jon e os sobreviventes notaram, Skylar começou a correr de volta na direção de onde vieram.

— SKYLAR! — Jon gritou, em desespero. — O que aconteceu?

— A lista recomeçou. — Vânia concluiu.

Neste instante, percebeu que o machucado em seu braço jorrava sangue mais do que o normal e descia por toda a extensão do seu braço, como se ela tivesse se cortado. Logo entendeu o que isso significava.

— E o Skylar é… O próximo!

Enquanto isso, Skylar continuava a correr pelo hospital. Ele sabia onde chegar e o que fazer.

O Deus Sem Face iria o levar para casa.

XXX

Enquanto a chuva ainda caía sobre a laje do hospital, uma pequena figura abria uma porta que dava acesso a ela.

Depois de ter retornado para as escadas de emergência, o jovem britânico continuou a subir até alcançar o último dos quatro andares do prédio do hospital. Skylar percebeu que havia uma porta de metal, e empurrou a mesma, fazendo ele atingir a laje.

Ele começou a caminhar pela mesma, enquanto ouvia o barulho da porta se fechando atrás dele. Da laje do hospital Skylar podia ver o mar agitado chocar-se contra a praia, e as diversas palmeiras e outras árvores balançando sem parar.

Skylar fechou os olhos, lembrando-se de tudo o que tinha passado durante seus 16 anos de vida. Os desafios que enfrentou por conta de sua condição, mas que conseguia superar. Sua paixão pela ciência e pela astronomia em especial. Seus projetos e protótipos de robôs.

Lembrou-se das pessoas que conhecera na viagem para Hadiah, onde encontrou o seu destino final. Vânia, Sun, Andreas… E todos os outros, e as suas descobertas durante a regressão.

Do seu eu passado e das atrocidades que cometeu, mas agora estava renovado. E pronto.

A chuva despencava incessantemente, mas Skylar não se importava com mais nada. Ele havia aceitado em que tudo culminaria, e não haveria mais chance. O fim estava próximo.

E então, gritou mais alto do que nunca

A dor dos cortes logo preencheu o espírito de Skylar, enquanto o sangue vertia por sua mão e braços. Em situações de extremo estresse, Skylar machucava-se de propósito e por conta disso, seu braço estava repleto de cicatrizes. Mas ainda existiam alguns cortes recém abertos por conta do ataque do Ancião, e foi aí que Skylar começou a se cortar e se mutilar ainda mais.

O garoto estava sentado no meio da laje molhada, e logo as gotas de sangue começaram a se misturar com as gotas da água, produzindo um espetáculo sangrento onde o jovem estava.

As unhas já vermelhas e grandes de Skylar atingiram o seu pulso e passou por ele, abrindo cortes e despejando filetes de sangue, que ardiam em contato com a água que caía do céu. O suicídio de Skylar porém não iria em vão. Era o que ele pretendia.

Tema da cena: https://youtu.be/tRcPA7Fzebw

Goodbye love

Ele precisava chegar no Deus, mas não queria que ninguém sofresse junto dele, inclusive os três sobreviventes. Aceitou completamente o seu destino. Foi então que seu pensamento se focou no seu tio Jonathan.

Didn't know what time it was the lights were low
I leaned back on my radio
Some cat was layin down some rock n roll lotta soul, he said

Tio Jon sempre fora mais que um simples e qualquer parente para o garoto e sim, o seu maior apoio na vida. E sua maior inspiração também. Os laços construídos entre os dois superaram qualquer barreira que o autismo poderia ter construído e quando seus pais o abandonaram de certa forma, talvez por não saber lidar com tal doença, foi tio Jon que o adotou e virou sua verdadeira família.

Then the loud sound did seem to fade
Came back like a slow voice on a wave of phase
That weren't no DJ that was hazy cosmic jive

Infelizmente, Skylar sabia que Jon sofreria com sua morte, já que o criara como se fosse seu filho. Em seu íntimo, pediu que alguém cuidasse dele, e que o consolasse após sua perda. Além de fazer seu tio saber que lá no fundo, o seu sobrinho estaria em segurança em um lugar melhor.

There's a starman waiting in the sky
He'd like to come and meet us
But he thinks he'd blow our minds
There's a starman waiting in the sky
He's told us not to blow it
Cause he knows it's all worthwhile

Já fraco pelo sangue que descia do seus ferimentos, Skylar sentiu seu corpo ceder sobre o chão molhado, enquanto ainda sentia o ardor em seus braços, mas a dor em si sumia lentamente. Juntamente com seus sentidos. Tinha conseguido atingir artérias fundamentais, e agora o sangue continuava saindo em profusão.


He told me:
Let the children lose it
Let the children use it
Let all the children boogie

Parecia estar se passando muito tempo, mas Skylar não sentia. O líquido rubro descia enquanto ele olhava para o céu chuvoso, mas que já se dissipava. Então o que viu o chamou sua atenção. Parecia ser alucinação por conta da hora do dia, mas ele tinha certeza que não era.

I had to phone someone so I picked on you
Hey, that's far out so you heard him too!
Switch on the tv we may pick him up on channel two

No céu, as suas maiores companheiras durante toda a sua vida começavam a piscar, em especial uma que estava bem na reta do seu olho. Uma bela estrela que agora brilhava cada vez mais forte.


Look out your window I can see his light
If we can sparkle he may land tonight
Don't tell your poppa or hell get us locked up in fright

E enquanto, a visão de Skylar tornava-se turva, a estrela parecia se aproximar do garoto britânico, brilhando e piscando. Naquele momento, ainda sentiu algo pousando ao seu lado. Mas dessa vez, não era uma mariposa negra.

E sim, uma borboleta branca.

Foi aí que Skylar sentiu uma sensação boa que nunca tivera testemunhado em sua vida.


Starman waiting in the sky
He'd like to come and meet us
But he thinks he'd blow our minds
There's a starman waiting in the sky
He's told us not to blow it
Cause he knows it's all worthwhile

Skylar já não sentia mais dor nenhuma, apenas esse sentimento que não sabia explicar, mas que era muito bom para ser verdade. Um intenso calor e conforto tomava conta dele, e antes de finalmente fechar os olhos viu um grande brilho vindo do céu, como se aquela grande estrela viesse recepcionar o menino que sempre as amou e o levando para junto delas.

Se tornando mais uma estrela no céu.


He told me:
Let the children lose it
Let the children use it
Let all the children boogie


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Não se esqueçam de comentar, as reviews são muito importantes para a continuidade do projeto.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Superstition 2" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.