Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 9
Início de missão


Notas iniciais do capítulo

“Os soldados rebeldes correram para os postos de vigia quando as sereias de alarme lançaram o seu gemido através dos túneis de gelo.”
In O Império Contra-Ataca, GLUT, Donald F., Publicações Europa-América



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O hangar principal do Templo de Massassi agitava-se num frenesim típico de prenúncio de mais uma batalha aguerrida que oporia a Aliança ao Império. Androides girando de lá para cá, entre caças e o cargueiro ligeiro de Corellia, carros pequenos a transportar cargas diversas, desde munições e armas a mantimentos e agasalhos, pessoal da manutenção a conferir listas de verificação, outro pessoal a proceder ao necessário abastecimento de combustível, luzes intermitentes, vozes pelos altifalantes a coordenar as operações técnicas.

Luke Skywalker analisava a prancheta eletrónica, relendo o documento mais uma vez, pousando os olhos cuidadosamente em cada entrada daquele relatório conciso sobre meios humanos e materiais disponibilizados para a missão identificada por um código alfanumérico anónimo, classificada como secreta, essencial e crucial para os objetivos da Aliança. Aprovou o conteúdo da lista exaustiva colocando a sua assinatura eletrónica, seguida de duas impressões digitais. Já a sabia de cor, praticamente, depois de a ter compilado e de a ter validado nos dias anteriores. Se no início lhe parecia uma simples listagem com nomes e material, agora sentia-a como algo concreto, palpável, com o mesmo peso da sua arma ou do punho do sabre de luz que carregava no seu cinto. Não se constituía simplesmente por letras e números, traduzia por palavras exatas gente e coisas que o iriam acompanhar.

Respirou fundo, cruzando os braços. Não se lhe podia apontar que estava inquieto, mas uma ligeira preocupação nascia-lhe no espírito. Ele era o líder da missão e, portanto, era responsável. Não duvidava que iriam ter sucesso, mas havia as habituais probabilidades de falhas, de erros ou de outros imponderáveis que entravam para o cálculo matemático de qualquer androide programado para esse tipo de análise mais factual e direta, resultado devolvido em forma de probabilidade estatística. Quando Luke olhava em seu redor, não via a lista que tinha acabado de reler e de conferir. Via rostos e vidas, pessoas que confiavam nele, algumas eram seus amigos e ele importava-se. Via também material indispensável à Rebelião, caro e fundamental que não podia, nem devia, ser desperdiçado em aventuras.

Estava a deixar-se influenciar pelos números de Threepio, refletiu forçando um sorriso ligeiro. Continuava a não apreciar os esquemas burocráticos que tivera de seguir para chegar até àquele dia de ação, mas compreendia como foram necessários para conseguir converter a sua ideia inicial em algo prático, mensurável e concretizável. Tivera a ajuda de Threepio, o androide protocolar estava mais do que habituado a movimentar-se em toda a confusão administrativa que existia por detrás de qualquer iniciativa rebelde e ajudara-o bastante, o que resultou no tal relatório conciso sobre meios humanos e materiais e um agradecimento impressionado do general Dodonna, que o felicitou por ter conseguido cumprir a tarefa que lhe tinha sido atribuída e dentro do prazo estipulado.

O que queria dizer que poderiam partir para Dantooine.

Fora ainda Threepio que lhe dissera que as hipóteses de sucesso da missão que ele liderava eram de sessenta e três porcento, após um dos seus fundamentais cálculos. Pela primeira vez apeteceu-lhe mandar calar o autómato dourado e de sentenciar a ordem de silêncio com o que Han costumava pedir, agastado – que nunca lhe falassem de números.

Rodou a cabeça para a direita e notou o cargueiro ligeiro corelliano YT-3000 estacionado no hangar, Chewbacca a esbracejar atarefado num alçapão aberto de onde pingava óleo. Não era um bom prenúncio, mas não se podia deixar levar pelas aparências quando se tratava da Millenium Falcon. Continuava a achar a nave uma verdadeira sucata, fora essa aliás a classificação que lhe dera quando se deparara pela primeira vez com o cargueiro no espaçoporto de Mos Eisley em Tatooine, mas desde essa ocasião que não podia negar que lhe tinha salvado a vida diversas vezes, a última e mais importante das quais durante a Batalha de Yavin. Podia ter fugas de óleo, sacolejar doidamente durante o voo, emitir alarmes estranhos e irritantes, cheirar pessimamente a circuitos queimados, mas era uma nave fiável e, arriscava mesmo, imprescindível em qualquer empresa arriscada. De qualquer modo, confiava em Han Solo e de que o amigo se tinha esforçado para apresentar a Millenium Falcon nas melhores condições.

Usara a ideia do contrabandista para definir a linha de ação geral da missão a Dantooine. Não deveriam fazer uma aproximação direta e frontal ao destacamento imperial. Não tinham conseguido obter em tempo útil um relatório exato sobre a composição desse destacamento, quantos oficiais, stormtroopers, armas, equipamento de apoio defensivo, veículos terrestres e aéreos, nem tinham qualquer aliado nas proximidades que lhes pudesse transmitir essa informação com a discrição obrigatória que mantivesse aquela operação rebelde em segredo. O tempo corria contra eles, também. Por isso iriam tentar penetrar no sistema de forma anónima, como negociantes a bordo do cargueiro ligeiro corelliano que fugiam de supostos inimigos – deles e do Império – com uma avaria na nave. O grupo seria constituído por ele, por Han e por Chewie, pelos dois androides Threepio e Artoo e pela Jenna Shmura. Na retaguarda, a apoiar a operação que no fundo seria tipicamente militar, estaria uma pequena flotilha de transportadores rebeldes TC9, igualmente velhas sucatas do início da guerra mas com melhor aspeto do que a Falcon e uma manutenção zelosa proporcionada pelos técnicos rebeldes ao serviço no hangar, com três equipas de assalto de seis soldados cada e a guardar nos seus porões o armamento e os explosivos, e de cinco caças X-Wing liderados por Wedge Antilles.

A contabilidade dos meios disponibilizados para aquela missão não era muito tranquilizadora, mas Luke compreendia que era tudo o que a Aliança podia dispensar, naquele momento. Vinte e seis operacionais, entre humanos e alienígenas, soldados de assalto, pilotos e até uma descodificadora exímia, mais um wookie empenhado e fiel. Cinco androides, entre eles o par de autómatos que o acompanhavam desde que saíra do seu planeta desértico e cuja experiência se tinha revelado fundamental em qualquer ocasião. Armas e naves em razoável estado funcional, um cargueiro corelliano quase lendário, ou assim queria fazer crer Han Solo para que não se desconfiasse tanto da real condição da sua carcaça remendada. Não se queixava, não se podia queixar.

Era a primeira missão que liderava e acreditava que iria ser um sucesso.

De qualquer maneira, não poderia ser diferente. Se não conseguissem neutralizar a base inimiga de Dantooine e impedir as comunicações que buscavam desesperadamente a assinatura eletrónica da Estrela da Morte, o Império iria finalmente descobrir a verdade e atacariam a Base Um rebelde em Yavin Quatro. A evacuação, que já estava a ser cuidadosamente planeada, iria acontecer num momento menos oportuno e seria realizada à pressa, poderiam perder-se vidas durante o ataque, o grupo que ele liderava teria de se esconder e procurar uma ocasião propícia para se juntar novamente à Aliança.

Mordeu ligeiramente o lábio inferior, baixando o olhar até ao piso cinzento e uniforme do vasto hangar. Por outro lado, se ele falhasse em Dantooine, por uma simples razão como inferioridade de meios – desconhecia se vinte e seis operacionais, um wookie e cinco androides seriam os suficientes – a cadeia de eventos que seria desencadeada e que levaria também ao assalto do Império ao sistema de Yavin teria o mesmo resultado que se procurava evitar. Uma evacuação realizada à pressa, perda de vidas. Leia tinha-lhe falado da possibilidade de fracasso, durante uma curta conversa, a única que tinham tido naquele tempo em que se preparara a missão. Ele tinha sorrido confiante e descartara essa hipótese com uma vaidade mais típica de Han. Estava à espera dela. Queria ler-lhe no rosto e nos olhos doces a confiança que ele começava a perder.

Não, e abanou a cabeça com firmeza. Não, não iria falhar.

A base de Dantooine seria destruída, sem baixas rebeldes, regressariam todos a Yavin Quatro. Sem tempo para comemorar mais essa pequena vitória, integrariam ordeiramente os comboios que abandonariam o sistema rumo à nova base, entretanto negociada com algum aliado secreto, e instalariam outro quartel-general onde imaginariam novos planos para continuar a minar os alicerces do Império Galáctico.

Ou seja, trocando por palavras os números de Threepio, não acreditava nos tais sessenta e três porcento.

A primeira mulher que ele viu no hangar, todavia, não foi a princesa de Alderaan, mas a mais velha das três irmãs Shmura. Um pressentimento fê-lo circunvagar o olhar pelo recinto, apreensivo, à procura da amiga das irmãs. Não a queria ver depois da conversa estranha que trocaram, embora estivesse plenamente consciente de que evitá-la seria inútil, ela iria aparecer para se despedir dele, com aqueles olhos aguados e a esperança de o voltar a ver para continuarem o diálogo que não terminara de uma forma muito agradável algumas noites antes. Aliás, Luke tinha a impressão de que o aparecimento de Artoo, em vez de o salvar, corrompera a sua posição e que teria de esclarecer todas as questões pendentes e dúbias com Nyra. Descruzou os braços e enfiou as mãos nos bolsos das calças. Não queria que a mulher ficasse com ideias descabidas, nem desejava ir para além do que considerava indispensável naquele relacionamento, que era simplesmente de cordialidade e respeito entre colegas.

A Jenna Shmura não era muito bonita, nem especialmente bem proporcionada nas suas formas um pouco deselegantes, ancas largas, pernas musculadas e braços compridos, a sua atitude independente criava até uma aura de perigo de aproximação sob pena de uma queimadura feia provocada pela eletricidade que emanava. Mas o conjunto era apelativo, como se cada peça deslocada fizesse sentido apenas em conjugação com as demais. O cabelo apanhado a preceito, a maneira como gingava a caminhar, o uniforme impecável com os botões e os bolsos fechados, a pistola laser a mover-se com o trejeito da coxa onde o coldre estava preso e as cabeças voltaram-se para vê-la passar.

Não fazia ideia que feitio teria a colaboradora do Del Goren que era especialista em códigos imperiais secretos, mas desconfiava de que não seria paciente, compreensiva, indiferente ou simpática. Não a queria antagonizar logo na primeira interação com ela, necessitava dos seus atributos e dos seus conhecimentos técnicos, precisava que ela colaborasse sempre de livre vontade, que se sentisse integrada na equipa e que tivesse a motivação necessária para tomar decisões, na sua área da especialidade, que trouxessem vantagens operacionais à missão. Olhou ansioso para a Millenium Falcon e comprovou mais aliviado que Chewbacca já tinha encerrado o alçapão e guardava as ferramentas com uma calma que mascarava a sua aflição anterior. A única prova de problemas era a mancha de óleo no chão, mesmo por debaixo do alçapão. Talvez a Jenna não percebesse que o cargueiro tinha problemas até entrar a bordo, pois adivinhava que o seu feitio iria, de algum modo, chocar com o de Han, crendo que ela não perdoaria uma observação mais sarcástica sobre a nave do contrabandista que não cairia bem e que faria azedar desde o início as relações entre eles. O grupo principal de ataque teria de ser coeso e confiante.

A um bom líder era exigido que tivesse a sensibilidade para detetar esses momentos sensíveis e corrigir as faíscas antes de estas incendiarem o cenário. Luke estava preparado. Oxigenou os pulmões e o odor peculiar do combustível das naves que experimentavam os seus motores deu-lhe um prazer imenso.

A voz grave de Han fê-lo despertar de todas as suas cogitações.

— Tudo pronto, miúdo.

Sentiu as botas solidamente pregadas no mesmo chão cinzento onde repousava a Millenium Falcon, os cinco caças X-Wing que iriam levantar voo atrás do cargueiro corelliano e que iriam escoltar os três transportadores TC9 que descolariam a seguir. Sentiu-se estranhamente consciente, alerta, ligado fisicamente ao que estava a acontecer em seu redor.

— Obrigado, Han – retorquiu libertando as mãos dos bolsos. – Estamos quase a partir. Estou apenas à espera da confirmação do Wedge que não deve tardar.

— Gostava de me despedir da princesa.

Luke experimentou um aperto na garganta que o impediu de engolir convenientemente a saliva que tinha na boca. Teve de forçar a glote e acrescentou num murmúrio involuntário:

— Eu também. A Leia virá, não te preocupes…

— Claro que ela virá – atirou Han presunçoso. – Primeiro, porque ela vai chefiar a missão a partir da Base Um. Quererá deixar-nos com algumas indicações dadas presencialmente, a sua posição é demasiado importante para se contentar com um mero contacto à distância através de intercomunicadores e hologramas impessoais. Segundo, não nos vai deixar partir sem despedir-se de nós e fazer os habituais desejos de boa sorte e essas tretas protocolares. Depois, não vai deixar passar a oportunidade de ter mais uns minutos com alguém tão maravilhosamente atraente como eu.

Chewie juntou-se a eles, rosnando baixinho. Luke revirou os olhos.

— Claro que sim, Han. A Leia não dispensa alguém… tão maravilhosamente atraente como tu.

— Provoquei-te ciúmes?

— Não.

— Ainda bem. Não quero pensar que sentes ciúmes de mim por causa da Leia.

Mas Luke sentia ciúmes e daqueles particularmente agressivos e torturantes. Apreciava a companhia da princesa, adorava quando acontecia os três ficarem juntos por algum motivo imprevisto, o que constituía um momento delicioso porque tinha sido inesperado, mas não suportava saber que ela se tinha encontrado com o contrabandista a sós, ficava desesperado para saber a razão que tinha motivado esse encontro, o que poderiam ter os dois para conversar que não o incluía. Eram ciúmes, sim, mas ele nunca haveria de confessar essa lamentável fraqueza.

O caminho da Jenna Shmura, que acabara de cruzar grande parte do hangar deixando um rasto invisível de feromonas que fizera todos olharem para ela, para admirá-la ou para verificarem o perfume invisível que os tinha incomodado, vinda dos lados da Millenium Falcon que tinha contornado para comprovar sabia-se lá o quê, terminou junto dele e de Han Solo. Luke cumprimentou-a com um pequeno aceno de cabeça.

— Bem-vinda à missão.

Ela pousou aos seus pés a mochila volumosa que carregava num dos ombros.

Fazia sentido ela estar ali. Integrava o grupo que ficaria completo com os dois androides que também haveriam de os acompanhar. Instintivamente, Luke esticou o pescoço à procura de Threepio e de Artoo, mas não os viu. Assim, faltava o relatório de Wedge, os dois androides, a despedida de Leia Organa e podiam partir.

— Então... Tu és uma das gémeas Shmura – disse Han mirando-a com uma expressão dúbia de apreço e de troça.

Jenna semicerrou os olhos. Luke não evitou sentir um ligeiro calafrio. Aquele era um aviso para perigo mortal. E adivinhava-se tempestade… Fechou o punho esquerdo, inquieto e aborrecido. Pensava que a primeira discussão entre ela e o contrabandista surgiria após algum comentário menos abonatório sobre a Millenium Falcon, já que Han era tão cioso da sua preciosa nave e dos seus atributos que alardeava sempre em alto e bom som, mas devia estar preparado para que o incêndio acontecesse com qualquer faísca, mesmo aquelas inesperadas e mínimas.

— Não somos gémeas, capitão Solo – esclareceu ela num tom demasiado calmo, que mascarava a sua irritação.

Han encolheu os ombros e respondeu com algum desprezo:

— Desculpa, querida.

Luke volveu imediatamente a sua atenção para o contrabandista. A atitude sugeria que ele pouco se importava se as suas palavras tinham sido indelicadas, inconvenientes ou provocadoras. Ele pouco se importava com qualquer coisa, aliás, que fosse além dos limites de si próprio e não se coibia em demonstrá-lo. Naquela ocasião, todavia, a sua personalidade era o rastilho para detonar o explosivo. Jenna não fez uma cena, o que abonou a seu favor. Inspirou profundamente, contraiu os lábios e declarou de um só fôlego:

— Vamos lá esclarecer algumas questões desde o início, capitão Solo. Sou uma profissional e não estou nesta missão para entrar em joguinhos ou brincadeiras. Nem para fazer amizades ou criar laços estreitos com qualquer um dos participantes, incluindo os pilotos dos caças e os desgraçados que seguirão nos transportadores. Vamos manter as distâncias, vamos manter a classe e, sobretudo, vamos manter os respetivos estatutos e que cada um não se esqueça do seu lugar. Eu sou a perita em códigos imperiais. Ponto final. Chama-me apenas quando serei essencial para resolver algum problema na minha área de experiência e nunca mais… Nunca mais, repito e sublinho, me chames de “querida”.

Han e Jenna sustentaram o olhar. Foram instantes de tensão tão palpável que os ruídos do hangar sumiram-se naquele vórtice aberto entre os dois. De seguida, ela agarrou na mochila com um gesto brusco, rodopiou sobre os calcanhares e afastou-se até se colocar junto da rampa aberta da Millenium Falcon onde se decidiu a esperar, de braços cruzados, mochila novamente aos seus pés, a olhar para o lado oposto onde eles estavam.

— E eu que pensava que a Leia era difícil... hum, miúdo?

Luke abriu o punho esquerdo. Tinha os dedos doridos por tê-los mantido tão cerrados e só agora se apercebia. Estaria a preparar um murro, ou a canalizar a apreensão para um único ponto no seu corpo de modo a poder controlá-la melhor? Não sabia dizer. A tempestade tinha-se esvaído, felizmente.

— Ela tem razão – disse, desiludido. – Não a devias ter tratado assim.

— Tratei-a mal? Acho que não…

— Não a devias ter chamado de “querida”.

— Oh… Porquê? As mulheres apreciam que sejamos atenciosos. Gostam desse tipo de simpatia… Embora essa Jenna esteja longe de ser uma querida. Que fera!...

Ele não tinha percebido. Totalmente cego e surdo às necessidades dos outros. Luke abanou a cabeça.

— Han posso pedir-te um favor? Como amigos…

— Dispara.

O contrabandista tinha as mãos apoiadas na cintura e olhava-o como se ele se preparasse para lhe falar num qualquer dialeto de difícil compreensão. Chewbacca rosnou brevemente, pois tinha conseguido perceber o que se tinha passado e adivinhava a agitação de Luke, que começou:

— Esta é a primeira missão que vou liderar e, apesar de estar plenamente consciente dos perigos que nos esperam, das dificuldades que irão surgir, acredito que vai ser um sucesso. Não compliques as coisas para mim inventando problemas com os membros da nossa equipa. Isso vale tanto para a Jenna, como para qualquer um dos outros. Incluindo eu. Compreendido?

Os ombros de Han Solo relaxaram e ele torceu os lábios num sorriso.

— Miúdo… agora quero eu dizer-te uma coisinha. Como amigos?... E essa palavra é importante, muito importante. Amigos! Não te esqueças, Luke, de quem são os teus verdadeiros amigos e não te deixes iludir com esse posto de líder de missão. Tem cuidado contigo. Mantém os olhos bem abertos.

Luke franziu uma sobrancelha.

— O que queres dizer?

— Eu estarei a olhar pela tua retaguarda. O Antilles também não irá sabotar as tuas ordens ou atraiçoar-te num qualquer momento decisivo. Agora a tua querida Jenna… não arrisco a minha reputação, que não é muito elevada, por ela. E nem tu deves preocupar-te em defendê-la. Apesar de querer fazer-se passar por uma profissional excelente e imaculada, tem grandes faltas, a começar pela alma de mercenária que procura esconder a todo o custo para não manchar a sua folha de serviço. Ela não me engana… Já conheci muitos como ela.

— Como ela?

— Mercenários. Agora são leais, mas basta o estímulo certo e mudam de lado em menos tempo que um bocejo do Chewie.

— Ela não se vai voltar para o inimigo. As duas irmãs, a Kenna e a Lenna, estão com os rebeldes e, para além disso, tem razões pessoais para odiar o Império.

O grito de Threepio interrompeu-os.

— Oh, céus! Estamos atrasados?!

O intérprete dourado, seguido por Artoo que apitava de uma forma estridente, corria pelo hangar nas suas habituais passadas rígidas, de braços levantados, numa agitação febril que indicava que estava preocupado. O seu programa protocolar não lidava bem com variáveis imprevistas e situações invulgares.

— Menino Luke, peço-lhe mil perdões se estamos atrasados – desculpou-se Threepio frenético. – O recarregamento das baterias do meu companheiro demorou mais do que calculámos antecipadamente e o meu banho de óleo teve alguns problemas de compatibilidade que me escuso de comentar neste momento por ser tão embaraçoso.

O androide estacionou diante de Luke que lhe colocou uma mão no ombro para tentar acalmá-lo. Meneou a cabeça.

— Não estão atrasados, Threepio – explicou, escondendo um sorriso. A cena deu-lhe vontade de rir. Não apenas pela histeria do androide, dos silvos de Artoo que obviamente censurava aquela atitude carregada de drama, mas também por causa de Han que começou a resmungar irritado com a lata velha, com aquela inutilidade robótica e outros epítetos depreciativos que deixou de escutar, submergidos pelos regougos de Chewie, que mais pareciam risadas. Acrescentou paciente: – Chegaram bem a tempo, tu e o Artoo. Ainda estamos à espera do Wedge e da Leia.

— Oh, menino Luke, deixa-me francamente aliviado por não o termos feito esperar. Seria lamentável que tal tivesse acontecido.

— Não te preocupes. Está tudo bem!

— Muito obrigado por ser tão simpático connosco. Estamos muito agradecidos com a forma como nos tem tratado até aqui e é uma honra servir alguém tão compassivo e inteligente como o menino Luke.

— Preciso tanto de vocês como preciso de qualquer um que faça parte desta missão. De qualquer modo, como já te disse, Threepio, chegaram a tempo, não estão atrasados.

Threepio voltou-se para Artoo, irritado.

— Vês? Não houve qualquer problema… Gostas mesmo de me arreliar e de me fazer ferver os circuitos, panela imprestável! Julgava que os motores da Millenium Falcon já estavam a aquecer quando aqui chegássemos. Fizeste-me crer que já nos tinham chamado um par de vezes e que estavam quase a assinalar a nossa falta de comparência, o que implicaria uma advertência formal.

Artoo apitou, rodando sobre as suas pernas metálicas de um lado para o outro, indicando que não sabia do que o outro estava a falar.

— Oh, não te faças de desentendido! Quando te desligaste do computador central não me informaste de um suposto horário que não estava a ser cumprido?

A cúpula de Artoo girou em sinal negativo, a seguir um apito suave e grave, como um “não” inocente.

— Oh, céus! Como é possível que eu continue a aturar-te? Como é possível que o menino Luke tenha assim tanta paciência contigo?... Por causa do X-Wing? Oh, que descaramento! Francamente!

— Ei, não querem ir cumprimentar… a senhorita Jenna Shmura? – indicou Han para afastar os dois androides dali, farto que estava daquela verborreia inútil. – Ela vai acompanhar-nos e… acredito que ainda não tenham sido apropriadamente apresentados. Não queres dar-te a conhecer, mais ao teu companheiro panela imprestável? Vai lá, tu até és muito bom nesse tipo de… introdução social.

O corpo metálico de Threepio estremeceu ao divisar a mulher junto à rampa da nave que os iria transportar a todos na próxima viagem. Luke lembrou-se que o androide intérprete detestava fazer viagens longas e considerou que todo aquele nervosismo se deveria também a esse receio que ele, com alguma repulsa e temor, tantas vezes mencionara.

— Oh… Sim. Tem toda a razão, devemos apresentar-nos à senhorita Jenna Shmura. Seria descortês da nossa parte não o fazermos. Obrigado, capitão Solo. Vamos, Artoo!

Os dois androides aproximavam-se da Millenium Falcon nos seus andares característicos quando Wedge Antilles apareceu. Saudou Luke com uma continência, que lhe fez o mesmo cumprimento, imitado por Han Solo. O piloto anunciou laconicamente que estava tudo em ordem e que as naves estavam prontas para descolar. Os caças e os transportadores. As cargas conferidas, armamentos e respetivas munições, células de combustível, mantimentos.

— Ótimo, Wedge – aquiesceu Luke, sem evitar sentir uma ponta de inquietação. – Podem abandonar o hangar. Aguardem pela Millenium Falcon em órbita. Sairemos juntos, conforme planeado.

— Compreendido. – Antes de os deixar, Wedge hesitou. – Boa sorte, Luke. Que a Força esteja contigo.

— Que a Força esteja contigo, Wedge – devolveu Luke.

E quando o seu olhar se apartou do piloto, descobriu Nyra no hangar.

O seu coração deu um salto e começou imediatamente a suar.

— Bem, também nós temos de ir.

Han olhou-o de través.

— Falta a Leia – lembrou admirado. – Não é que faça muita questão de me despedir da princesa, mas será ela a líder da missão na Base Um, o nosso contacto em terra e o nosso último recurso se alguma coisa correr muito mal.

Luke sacudiu a cabeça, tentando restabelecer a sua anterior tranquilidade.

Não queria falar com a Nyra, não tinha nada para lhe dizer…

— Sim, claro – concordou passando o peso de uma perna para a outra.

— Passa-se alguma coisa?

Chewbacca rosnou desconfiado.

Talvez a Nyra estivesse ali para se despedir da Jenna. Afinal, eram amigas.

Não estava ali para o ver… Bom, talvez acabasse também por aproveitar a ocasião e deitar uma espreitadela, mas o seu objetivo seria a amiga, sempre a amiga. Era lógico.

— Não – respondeu encarando Han para dissipar qualquer dúvida.

Mas o contrabandista, que o conhecia bem, crispou a testa.

— De certeza? O que te deu, de repente?

— Nada, já disse. – Luke teve de fazer um enorme esforço para não desviar o olhar e pôr-se a cismar com a biqueira das botas. – Talvez… Seja habitual, antes de uma missão com esta importância ficarmos um pouco…

— Um pouco, o quê? Antes do assalto à Estrela da Morte não estavas assim!

— Eu não estou coisa nenhuma!

— Vamos lá, rapazes. A discutir antes da partida para Dantooine?

Aquela voz feminina empertigou Luke Skywalker e Han Solo que se colocaram imediatamente em sentido, como se tivessem sido chamados à atenção pelo ríspido general Dodonna. Ao verificarem que era Leia, relaxaram. Especialmente Luke que julgara que se tratava de Nyra, a causadora de toda a sua agitação, a dona daquela voz.

— Não estávamos a discutir, Leia – esclareceu Luke sentindo a presença da amiga como uma janela aberta lançando frescura numa sala com o ar demasiado pesado.

— Estávamos apenas a trocar… pontos de vista – acrescentou Han.

Ela sorriu-lhes. Estava bonita, com o cabelo entrançado em redor da cabeça, um rosto fresco maculado por uma ruga discreta de preocupação na fronte. Tinha as mãos atrás das costas, numa postura formal e amistosa que pretendia inspirar confiança.

— O vosso plano é muito engenhoso – começou ela, apagando o sorriso. – Acredito que a missão será um sucesso. Está tudo preparado aqui, no quartel-general, para darmos o nosso total apoio e vamos manter um acompanhamento ininterrupto do desenrolar das vossas ações através dos canais secretos que já vos foram comunicados. Eu, pessoalmente, não vou abandonar a sala de operações e não hesitem em transmitir-me as vossas dificuldades. Por favor, não tentem resolver tudo sozinhos! Não vão estar sozinhos nisto.

— Sabemos perfeitamente onde nos vamos enfiar, princesa – retorquiu Han inclinando a cabeça, naquela sua atitude típica de desafio e de fanfarronice.

— Teremos cuidado – sossegou Luke. – Sabemos o que podemos encontrar, mas temos uma boa equipa.

— A melhor das equipas.

Os motores dos caças roncaram absurdamente quando levantaram do hangar e ficaram, por momentos, a pairar sobre o solo antes de deslizarem, suspensos, pelo amplo canal até alcançarem o exterior e furarem a atmosfera da quarta lua de Yavin. Seguiram-se os motores das naves de transporte TC9, que também se elevaram no ar, bamboleantes e pesadas, no meio de uma nuvem acre com odor a combustível queimado, no meio de um barulho ensurdecedor que fez estremecer o lugar em redor. Luke olhou finalmente para a biqueira das botas ao perceber o trepidar do chão.

Leia mordeu o lábio inferior, a sua ruga de preocupação acentuou-se.

— Ao contrário da equipa, infelizmente, o equipamento disponibilizado não é de primeira ordem, mas acredito que será o suficiente. O objetivo primordial da missão é neutralizar a base imperial de Dantooine para terminar com a comunicação secreta que procura pela Estrela da Morte. Não se arrisquem demasiado, por favor.

— Não nos iremos arriscar demasiado – tornou a sossegar Luke.

— Ao irmos para Dantooine, por si, já é um risco. O plano que iremos colocar em prática para chegarmos à base imperial é um enorme risco – frisou Han, sem abandonar a sua atitude arrogante, a roçar o divertido.

— Eu sei disso! – exclamou Leia, corando zangada. – Mas nunca me cansarei de repetir os meus avisos, que considero que trarão alguma sensatez a esta empresa. É uma missão perigosa, com muitas probabilidades de perda de vidas. – Abanou as mãos, num sinal de que desistia de argumentar naquela discussão perante alguém que a estava deliberadamente a ignorar, tal era o caso do contrabandista e o gesto foi-lhe dirigido. – Conheço-te, Han, e sei também a forma leviana com que encaras a missão.

— Se levasse tudo demasiado a sério, não continuava vivo e não estaria hoje a ter esta conversa maravilhosa, princesa.

Luke fez um esgar com aquela observação.

— No entanto, confio em ti – confessou Leia não sem alguma relutância. – Confio nos teus recursos ilimitados, na tua capacidade de improviso, na tua nave, a Millenium Falcon, no teu copiloto Chewbacca, que já provou por várias vezes ter mais juízo do que tu, e confio também no plano que ajudaste a desenhar.

Chewbacca rosnava, a concordar com as palavras que eram proferidas. A princesa voltou-se para Luke e suavizou a tensão que lhe congestionava o rosto que continuava bonito e fresco, com a tal ruga discreta de preocupação a maculá-lo.

— Mas sobretudo confio em ti, Luke. Tu és o líder desta missão e a tua palavra será sempre a última, em casa de alguma divergência.

O orgulho que lhe invadiu a alma fez Luke brilhar. Endireitou-se, prendeu a respiração no peito que se lhe inchava de vaidade e acenou afirmativamente.

— Obrigado, Leia.

— Voluntariaste-te para esta missão, foi uma decisão muito corajosa e o teu empenho e fé numa solução positiva serão fundamentais para o seu sucesso. – Ela tocou na mão dele, ao de leve. – Podes contar com o meu auxílio. Nunca hesites em contactar-me, estarei sempre disponível, na sala de operações.

— Sim, Leia. Muito obrigado – voltou a agradecer.

A princesa olhou para Luke, Han e Chewbacca, um por um. Depois olhou para a Jenna Shmura que ignorava aborrecida, de braços cruzados, os dois androides, Threepio e Artoo, que se postavam perto, com a rampa da Millenium Falcon entre eles. Os X-Wing já tinham saído do hangar e os transportadores TC9 seguiam na sua esteira.

— Que a Força vos acompanhe – desejou ela convicta do poder daquele desejo, que realmente tinha a capacidade de conferir a boa fortuna de que os seus amigos precisavam naquela hora de despedida.

— Então, princesa, é aqui que cada um segue o seu caminho – anunciou Han e começou a dirigir-se à sua nave, com Chewbacca atrás de si. – Vou portar-me bem, prometo… Julgo que era isso que querias ouvir da minha boca. Prepara uma garrafa de rum corelliano para o nosso regresso. Quero comemorar convenientemente mais esse sucesso da Aliança rebelde.

Colou dois dedos à têmpora direita e esse gesto foi o seu aceno de despedida.

Luke sorriu. Aquele contrabandista não iria mudar nunca e ele contava que assim fosse, pois precisava dele com todos aqueles defeitos e exageros. Como Leia tão bem afirmara, Han Solo era fundamental naquela missão por causa dos seus recursos ilimitados e da sua capacidade de improviso. Ele concordava inteiramente.

Um beijo na face surpreendeu-o. Olhou para Leia que o tinha beijado.

— Boa sorte.

— Quando menos esperares, estaremos de volta com a Millenium Falcon a fumegar por todos os lados e a precisar de arranjos urgentes por ter sido demasiado esforçada – disse Luke. – Vai mesmo correr tudo bem. A Aliança vai ter o tempo de que precisa para uma evacuação ordenada de Yavin Quatro.

— Confio em ti, Luke. Não tenho dúvidas de que vai correr bem.

— Eh… Claro – disse ele, desta vez mais emocionado do que desejaria.

Leia entregou-lhe um conjunto de cartões.

— Códigos secretos de pedidos de ajuda e mapas de vetores para o sistema de Qryatus que fica próximo de Dantooine e onde temos lá aliados, que ajudaram a Aliança durante o abandono dessa base. Experimentei os meus contactos e ainda funcionaram. Não é grande coisa, mas é qualquer coisa e num momento de desespero, que espero não vir a acontecer, é melhor que nada. Servirá, acredita… De Qryatus poderão seguir para o sistema de Ileenium, situado em D’Qar, e daí de volta para Yavin Quatro. É uma rota segura que o Império desconhece, com alguns ziguezagues incoerentes que deixarão os imperiais despistados. É essa a intenção.

Luke agarrou nos cartões e enfiou-os no bolso interior do seu casaco.

— Espero não os usar.

— Também eu espero que não precises de os usar. Até ao vosso regresso, Luke. Ficaremos ansiosos a aguardar as vossas notícias de que o objetivo foi cumprido e de que estão de volta à Base Um.

A princesa afastou-se, recuando primeiro um par de passos, depois dando meia volta e indo pelo hangar principal do Templo de Massassi, com as mãos atrás das costas, num caminhar lento, mas seguro. Dirigia-se, Luke percebeu, para a sala de operações e ia começar a sua vigília pessoal, cumprindo a sua palavra de nunca abandonar esse local durante todo o tempo que durasse a missão a Dantooine.

Antes de desatar a correr para a rampa da Millenium Falcon, cujos motores acabavam de ser ligados e chiavam terrivelmente, Luke viu que Nyra olhava para ele, do outro lado do cargueiro, junto a uma pilha de caixas metálicas que tinham sido retiradas do porão da nave. Ela estava parada, com as mãos unidas junto ao peito que subia e descia pronunciadamente devido à sua respiração ofegante. Devia ter-se despedido brevemente da Jenna Shmura e não se atrevera a aproximar-se para se despedir dele, por causa da princesa, acanhada com a presença de Leia, ou porque simplesmente não conseguira fazê-lo por achar que daria azar ou outra qualquer superstição tola. Talvez se tivesse despedido do seu noivo Karl, piloto de um Y-Wing derrubado na Batalha de Yavin, naquele mesmo hangar, naquele mesmo lugar e estaria a associar os dois momentos como semelhantes.

Luke levantou o braço e acenou-lhe. Nyra sorriu-lhe com timidez, encolhendo-se ainda mais.

Depois, ele esqueceu-se de tudo o que deixava para trás no Templo de Massassi, à exceção da sala de operações e da princesa de Alderaan, e concentrou-se totalmente naquela missão. No preciso instante em que a rampa de acesso à Millenium Falcon se fechou, assumiu o seu papel de líder. Foi para a cabina de pilotagem onde se sentou na cadeira atrás da de Han Solo e, após apertar o cinto de segurança, ligou o painel das comunicações e chamou pelo comandante da esquadrilha de caças, Wedge Antilles.


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Notas finais do capítulo

A missão a Dantooine vai começar e Luke está um pouco nervoso, pois será a primeira missão que irá liderar. Mas vai tudo correr bem, não concordam?
A Jenna Shmura fez a sua entrada em cena - o que acharam dela?
Vamos ter ação daqui para a frente...

Próximo capítulo:
Entre inimigos.