Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 8
As luzes imperiais


Notas iniciais do capítulo

“Vader atravessou o brilhante chão de aço puro, passou os gigantescos mas pouco ruidosos motores de conversão e subiu um lance de degraus, atingindo o nível da plataforma onde o trono do imperador se encontrava.”
In O Regresso de Jedi, KAHN, James, Publicações Europa-América



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Chegou à capital do Império Galáctico sem uma sensação particular de alegria. Aliás, não havia nada naquela galáxia que o surpreendesse ao ponto de lhe causar um transtorno acentuado nas suas emoções, que se mantinham controladas, num nível obrigatoriamente estoico, pelo processador central do fato robótico que permitia que continuasse vivo.

Os brilhos que se refletiam no seu elmo negro e polido não chegavam a penetrar na dura liga de durasteel, no espaço inventado mesmo abaixo da testa para acomodar o seu sentido de visão, para que os seus olhos continuassem a perceber o mundo ainda que tudo tivesse um filtro escuro e fosse processado para o seu cérebro ainda ciente protegido pelo aparato. Ele observava as milhentas luzes dos enormes edifícios com uma indiferença que não era totalmente voluntária, a expressão facial da sua máscara negra simplesmente era constante. Conveniente e perfeito. Dentro da armadura cibernética ele era imutável e nada lhe provocava uma reação menos maquinal.

Na realidade, se aturasse naquele pensamento mais do que deveria, pois ele não dispensava o seu precioso tempo em detalhes desprezíveis, Coruscant cansava-o e preferia manter-se longe da capital. Naquele lugar frenético tudo era artificial, mundano, exagerado, fútil. Não sentia uma partícula de genuinidade em nenhuma das imagens que se lhe apresentavam, uma cidade buliçosa que se apelidava de centro universal, onde o magno poder em exercício estendia os seus tentáculos invisíveis pelos cantos da galáxia. Ele, alguém encastoado num fato postiço emulado a partir de antigas e poderosas armaduras dos Sith, circuitos tecnologicamente avançados de suporte de vida misturados com segredos alquímicos e outros expedientes obscuros que mantinham o seu corpo dilacerado com uma postura ameaçadora e intimidante, vivo para terror dos seus inimigos e adversários, conseguia ser mais verdadeiro do que Coruscant.

Por outro lado, existiam ali memórias antigas que o assombravam e ele evitava-as com uma barreira mental construída com o apoio do lado sombrio da Força que, admitia relutante e furioso consigo mesmo, parecia estar cada vez mais permeável e enfraquecida. Como se essas memórias lutassem para derrubar a muralha imponente da sua indiferença e escárnio, perfurando em pontos-chave, expondo a vulnerabilidade da proteção, criando buracos por onde escoava uma luz branca mais ofuscante que todas as luzes daquela cidade impura.

Tanta iniquidade que existia ali, tantos mistérios escabrosos, sangue, ossos e morte, formando os alicerces podres dos seus arranha-céus cintilantes. Tanto que ele conhecia e que mais ninguém podia imaginar… Tanto que ele provocou e construiu. Outro tanto que ele tinha destruído e sepultado. O imenso poderio do Império Galáctico tinha sido gerado a partir das suas ações, dos seus sacrifícios, escolhas e desejos.

Os seus punhos negros e enluvados estavam fechados, pousados sobre as suas coxas. Uma posição neutra que o ajudava a superar o asco de percorrer aquelas avenidas elevadas da cidade.

Talvez detestasse Coruscant com aquele azedume porque o lugar obrigava-o a abrir o baú esquecido da lembrança enterrada no passado, o rebuscar das emoções que ele não tinha na programação computorizada inserida no seu ser desde que se tinha voluntariamente transformado naquele homem mecanizado. Tentava, com algum esforço que o irritava mais do que o consolava, substituir esse apelo a recordações antigas e perfeitamente desprezíveis com o sentimento pragmático de que a sua glória começara ali e que não havia arrependimentos, mágoas ou pressentimentos que coubessem no espaço ainda humano que subsistia sob a sua armadura negra. Devia a sua lealdade ao Imperador que ali morava na maior parte do tempo e a homenagem abnegada que dispensava a Palpatine fazia-o obediente, subserviente, insensível ao ponto de regressar a Coruscant, aos seus incómodos, às suas minúsculas raivas, sem grandes protestos ou penitências pessoais. Uns minutos de meditação na sua câmara particular e conseguia suportar aqueles momentos que, por experiência própria e em abono da verdade, nunca eram demasiado longos. O Imperador queria-o na linha da frente da expansão imperial, nunca o demorava em demasia nos corredores políticos da capital, onde os fantoches se julgavam imprescindíveis.

Todo ele se revolvia nas suas contradições, nas suas impressões. Coruscant provocava-o para além do suportável. Por fora, contudo, a sua respiração cadenciada indicava que estava calmo e que tudo estava bem com o temido lorde negro.

Recuperara a saúde momentaneamente perdida após o episódio em que o seu caça TIE Advanced x-1 vagueara sem rumo pelo espaço, se era que podia afirmar que ainda tinha alguma saúde na carcaça física e perecível que compunha a sua parte mortal, e todos os circuitos do sistema robótico da sua parte imortal tinham sido verificados e realinhados, recuperando o conjunto que estava no presente a funcionar em condições perfeitas. E, por isso, Darth Vader apresentava-se em Coruscant para responder ao apelo do Imperador que o tinha convocado uma semana antes.

Não estava sozinho. No transportador que deslizava suavemente numa velocidade constante sem ser demasiado alta para evitar sobressaltos desnecessários, num silêncio educado mas contrariado, provavelmente a capital imperial cansava-o igualmente, acompanhava-o Harish Muitel.

O almirante envergava o seu fardamento de cerimónia branco, com todas as insígnias que recebera ao longo da sua impecável carreira militar na Marinha Imperial cintilando em cores diversas sobre o peito, refletindo os brilhos intensos da cidade. Formavam um par curioso no banco traseiro do veículo, Vader e Muitel. Negro e branco, a escuridão e a luz, os opostos forçados a partilhar o mesmo espaço exíguo. Evitavam-se, mas não se repeliam.

Existia aversão mútua. Vader detestava lembrar-se que Muitel o tinha visto e assistido num estado vulnerável. Muitel odiava sentir-se manobrado pelo senhor dos Sith que ameaçava frustrar as suas ambições de vir a comandar a frota mais importante do Império. O almirante não achava benéfica a companhia do instável e imprevisível lorde negro, o lorde negro não encontrava vantagens assinaláveis na companhia fria do almirante.

Mas mais uma vez a palavra do Imperador fora decisiva naquela questão e tinha sido Palpatine que exigira que os dois viessem juntos até Coruscant. Nenhum deles esperava uma recompensa ou condecoração, algum agradecimento ou reconhecimento do Imperador. As notícias mais recentes, relativas aos rebeldes e à guerra civil, eram preocupantes.

À medida que tinha recuperado as suas capacidades cognitivas, Vader apercebera-se de variadas perturbações na Força. Embora tivesse optado pelo lado sombrio dessa religião mística, o seu anterior treino enquanto cavaleiro Jedi ajudava-o a guiar-se entre pressentimentos e outras sensações que permeavam a galáxia, estabelecendo as ligações invisíveis e indeléveis entre os sistemas planetários, os seres vivos, os objetos inanimados e o conhecimento que pretendia obter. Não era um exercício fácil, chegava a ser esgotante e ele nem sempre recorria a esse profundo estado de recolhimento em que estabelecia um contacto mais profundo e universal. Tinha-o tentado a bordo do star destroyer de Muitel e encontrara impressões alarmantes que, esperava, poder partilhar dentro em breve com o Imperador. Estava também convencido de que Palpatine teria algo semelhante para lhe revelar e ficava agastado por ter de arrastar consigo o almirante até essa reunião. Não lhe parecia sensato partilhar as suas convicções, baseadas na Força, com alguém que seria muito provavelmente um cético e um ignorante.

Uma expiração igual às anteriores, mecanizada e funda. Muitel não se apercebia da sua irritação. Ninguém se apercebia das suas variações de humor, tão controladas pelo processador central do fato robótico como as suas emoções.

Alcançaram o palácio imperial. O lorde negro e o almirante desceram do transportador praticamente ao mesmo tempo e atravessaram a descomunal porta dupla que abria para o salão de acolhimento de visitantes, um lugar vasto, imponente e silencioso, que emulava o ambiente solene de uma catedral abandonada. Faixas de luz cruzavam as alturas, diluindo-se em halos difusos quando tocavam o chão coberto de ladrilhos pretos. Incrivelmente, os passos não ecoavam naquela imensidão desértica construída em pedra e metal, preenchida por uma transparência cinzenta que quase parecia palpável.

Após as formalidades de uma introdução protocolar a um dos inúmeros mordomos imperiais que conferiu as audiências marcadas para aquele dia, foram acompanhados por este e por uma escolta de seis soldados armados até um elevador e, assim que atingiram o piso pretendido, por um corredor tranquilo e sombrio. Passaram para uma antecâmara, os soldados ficaram para trás e foram substituídos pela guarda pessoal do Imperador, criaturas anónimas trajadas de um vermelho sanguíneo. O mordomo, esse, prosseguiu com eles até às portas da sala do trono, um modelo quadripartido onde se podia ver numa magnífica representação estilizada o símbolo do Império Galáctico, em vários tons de preto que brilhavam consoante o ângulo de aproximação. O mordomo deu-lhes as indicações do costume sobre respeito, postura e contenção, regras que deveriam ser observadas na presença do Imperador e despediu-se com uma mesura.

Darth Vader e Harish Muitel entraram lado a lado na sala e, ao mesmo tempo, como se tivessem ensaiado aquele movimento, ajoelharam-se diante da escadaria que conduzia ao pódio onde assentava o trono, ocupado por uma tenebrosa figura velada com grosso manto. Viam-se somente as mãos descarnadas e brancas e parte de um rosto encarquilhado, pálido como a morte, sobressaindo um nariz afiado e um queixo petulante, o conjunto assemelhando-se à ponta intimidante de um star destroyer.

— Ergam-se, meus fiéis servidores – disse uma voz enrouquecida. – Ergam-se.

A frase foi acompanhada com um aceno da manga do manto, a mão pendendo frouxa, displicente, a assegurar que o pedido devia ser atendido, mas que não era crucial que isso ocorresse. Se permanecessem ajoelhados, seriam recebidos com o mesmo grau de atenção que se antevera desde o início. Aos poderosos não lhes interessava em demasia as demonstrações de subserviência, de obediência, de prostração ou de adoração. Tudo isso era um dado adquirido, demonstrá-lo seria redundante. Embora fosse agradável perceber o medo e a inferioridade nos súbditos e demais criaturas que sobreviviam sob o jugo daquele enorme poder.

Vader foi o primeiro a levantar-se com uma ligeireza que impressionou Muitel, o lorde negro percebeu nitidamente a interrogação de desprezo no espírito do almirante.

— Meu senhor – completou o movimento dobrando o pescoço num cumprimento.

Muitel imitou-o, na vénia e nas palavras.

O Imperador Palpatine dirigiu-se primeiro a Harish Muitel, o almirante da frota Punisher que estava tão hirto e pouco à vontade naquela câmara de audiências que parecia que iria desatinar a qualquer instante, quando lhe calcassem o ponto fraco que ele tentava desesperadamente camuflar sob a aparência de um oficial competente da Marinha Imperial. Viera até Coruscant atendendo a uma ordem superior, mas considerava aquela deslocação irresponsável e perfeitamente inútil, quando tinha conhecimento que havia problemas no sistema de Jandalia com uma revolta de prisioneiros, reportada dias antes do relatório final dar conta da total recuperação de Darth Vader que ele tinha recolhido a bordo do star destroyer que comandava. Sentia-se como um reles assistente de alguém que já se encontrava em perfeitas condições para viajar sozinho, mas também compreendia que devia a cortesia de acompanhar o lorde negro e apresentá-lo ao Imperador, são e salvo. Afinal, tinha-se responsabilizado por ele a partir do primeiro momento em que recuperara do espaço o caça TIE Advanced x1 avariado.

E era o que Muitel fazia com desenvoltura e graça no discurso, ocultando toda a raiva que sentia por aquela situação caricata numa atitude polida e impecável. A aparência seria de pura normalidade se com o almirante não estivessem Vader e Palpatine que conseguiam pressentir as contradições espirituais do almirante com o auxílio da Força. O seu desconforto não lhes passou despercebido. Pelo contrário, sentiam-no e divertiam-se maldosamente ao perceber claramente o esforço que este fazia para se conter e manter a sua posição.

O Imperador também fazia a sua representação, tratando Muitel com imensa cordialidade, fingindo agradecer-lhe pelo esforço demonstrado no salvamento e recuperação do lorde negro. Não lhe queria mal, por enquanto, nem o odiava claramente, pelo que não estaria em causa a sua posição enquanto comandante da frota Punisher, mas Vader cria que após aquela audiência e uma vez debelada a revolta de prisioneiros em Jandalia, Muitel seria enviado para um qualquer sistema obscuro da Orla Exterior. E por incrível que lhe pudesse parecer, por não encontrar motivos válidos para detetar esse tipo de poderes no almirante, Muitel também estava ao corrente desses eventuais planos do Imperador e comportava-se como se a sentença já tivesse sido proferida e aquele colóquio não passava de uma fachada de boas intenções entre supostos cavalheiros.

A intuição do oficial era deveras prodigiosa. Ou seria a experiência que o tornava avisado, inteligente e prevenido. As características de um típico sobrevivente. Vader iria utilizá-lo mais tarde. A dívida que se abrira entre eles fazia de Muitel um servo útil, mas perfeitamente descartável, a usar numa missão suicida, em que se saberia de antemão que os meios a usar seriam para desperdiçar.

Após encerrar a conversa cordata com Muitel, o Imperador indicou-lhe que o dispensava pois gostaria de receber lorde Vader a sós. O almirante fez nova vénia inclinando o pescoço e saiu da sala do trono visivelmente aliviado, embora com a alma pesada em alvoroço, sabendo que o seu destino não seria muito radioso dali por diante. A sua longa capa branca dançava sobre as botas engraxadas. A irritação de Muitel, como uma nódoa naquela alvura perfeita, saiu com ele.

O ambiente denso, aquecido e cinzento pareceu acalmar, as ondas invisíveis provocadas pela presença inquieta de Harish Muitel diluíram-se e ficaram, naquele espaço insonoro e carregado, como se entre aquelas ilustres paredes se tivesse criado uma tempestade elétrica, o mestre e o pupilo.

Palpatine disse num tom menos fingido do que aquele que usara com o almirante:

— Muito bem, lorde Vader. Sabes perfeitamente a razão pela qual te convoquei ao palácio com urgência.

— Sei, meu mestre. A Estrela da Morte foi destruída.

Um sorriso maléfico desenhou-se entre o nariz e o queixo, que continuavam a ser as únicas porções de rosto que o pesado capuz deixavam entrever do tenebroso Imperador.

— Os teus instintos servem-te bem.

— Tenho sentido perturbações na Força muito significativas, mestre. Não apenas aquela, mais importante que as outras, sobre o misterioso piloto rebelde. O Império sofreu baixas significativas nas suas fileiras. Foi tão de repente que só podia significar a ocorrência de um ataque massivo. A Aliança não possui um poder de fogo tão significativo e têm mantido o seu quartel-general em segredo, não se atrevem a uma guerra aberta com os escassos meios que possuem. O único ataque que poderia implicar o resultado sentido por mim foi aquele que dirigiram à Estrela da Morte. Nunca julguei que iriam ter sucesso… Mas tiveram-no! Que sejam todos amaldiçoados.

As palavras pausadas de Vader vibraram na sala do trono. Nunca elevou a voz ou procurou acentuar alguma parte do discurso, apesar de o final se ter revestido de um leve indício de emoção.

Uma respiração completa de Vader. Expiração e inspiração.

O Imperador deixou que as palavras reverberassem propositadamente para que se sentisse ainda mais profundamente o silêncio reverencial, a contundência do que tinha sido dito, a solidificação da ideia. Escutava o que ele próprio já conhecia. Quando convocara o seu fiel acólito a Coruscant fora no intuito de discutirem a questão da Estrela da Morte. Nessa altura, enquanto se fazia a transmissão holográfica na enfermaria da nave do almirante Muitel, já a formidável estação espacial era poeira nas profundezas do Universo. Levantou-se lentamente do trono, a emular as maleitas de um velho cujo corpo se tornara pesado em demasia, mas ele estava plenamente capaz e fisicamente apto, com toda a maldade a tanger no corpo e na alma, avisado e felino, rápido na resposta, instintos prontos, malgrado o seu aspeto envelhecido, enrugado e acabado.

— Que sejam todos amaldiçoados – concordou o governante aproximando-se com a ajuda de uma bengala, adereço que ajudava a manter a farsa das suas debilidades físicas.

Vader viu-o aproximar-se devagar, passo atrás de passo, a bengala a auxiliar a passada destra, viu-o a descer os degraus do vasto palco onde assentava o trono, o silêncio a movimentar-se com o manto imperial, uma mancha negra que se fundia com a passividade da sala. Não temia um castigo, um afastamento. Não fora esse o motivo principal por que tinha sido convocado a Coruscant. Se isso fosse para acontecer, já teria sabido da sentença fatal quando estava a recuperar a bordo do star destroyer. Havia mais, uma missão delicada, apoiada na Força que só ele, mestre do lado sombrio, se poderia encarregar e que apenas ele poderia terminar com um sucesso que faria eclipsar aquele terrível e gigantesco deslize de terem perdido a Estrela da Morte.

— Acompanha-me, meu amigo. Falemos desse infeliz e inesperado episódio.

Também podia ser classificado assim, de infeliz e inesperado, para além de terrível e gigantesco deslize. Eram adjetivos muito mais simpáticos, o que indicavam que o perdão já teria acontecido. O rancor, esse, deveria permanecer, ocultado sob aquelas camadas falsas de bonomia. O Imperador não era benigno, nem benevolente. Nunca, em circunstância alguma. Se relevava a perda da imponente arma de destruição e intimidação que fora a Estrela da Morte, esperava obter uma vitória ainda mais significativa nos tempos futuros, que manteria o desequilíbrio da galáxia e daria novas energias às trevas que eram mantidas, em detrimento da luz.

Começaram, Palpatine e Vader, a vaguear pela sala do trono. 

— É com apreço que observo que recuperaste totalmente daquela infeliz ocorrência em que te viste perdido no espaço.

— Obrigado, meu mestre – respondeu o lorde negro com humildade. Abria-se o novo estágio da conversa com um assunto diferente, quase insignificante, para depois se regressar ao assunto principal com mais veemência. Uma estratégia que não o apanhava desprevenido, estava pronto para a reprimenda e depois para a sua delicada missão especial. Ainda gozava de certos privilégios. Acrescentou, procurando ocultar a irritação: – Não queria que me tivesse afetado tanto, como afetou.

— Continuas a ser o meu mais fiel servidor e não considero que o teu poder diminuiu, ou foi posto em causa, por teres estado enfermo e afastado da linha da frente do combate. Já to tinha dito, lorde Vader. Creio que a tua reação se deve, principalmente, não ao facto de teres estado vulnerável e afastado do meu serviço, mas por ter havido testemunhas desse incidente. Harish Muitel, concretamente.

Uma respiração completa de Vader. Expiração e inspiração.

— Sim, meu mestre – admitiu relutante.

— Não te preocupes com Muitel. Deverá servir-te diretamente dentro em breve e poderás fazer com ele o que bem entenderes. As falhas acontecem, os erros aparecem, até num almirante com uma folha de serviços impecável, como é o caso.

— Obrigado, mestre.

— Deixa-o primeiro ir tratar daquele problema menor, em Jandalia. Depois deverás convocá-lo para a tua tripulação.

— Voltarei a comandar uma frota, mestre?

— Sim, lorde Vader. Quero-te novamente à frente da tua armada pessoal, a Esquadra da Morte. Poderás pedir-me todas as naves que julgares necessárias para reforçares essa armada, todos os meios que considerares imprescindíveis para cumprires lealmente a comissão da qual te encarregarei. Para começar, terás uma nova nave bandeira.

— Obrigado, mestre.

— Será um super star destroyer da classe Dreadnought que está a ser preparado nos estaleiros de Kuat. Chamei-lhe apropriadamente de… Executor.

— Será um privilégio comandar uma nave desse calibre, mestre.

— Como te indiquei, recrutarás primeiramente o almirante Muitel para liderar e preparar a tripulação do super star destroyer e também dos restantes vasos da armada. Posteriormente, quando Muitel já não te for útil, chamarás para servir sob as tuas ordens o almirante Kendal Ozzel.

— Compreendido, mestre.

— Agora…

Palpatine fez uma paragem dramática, apoiando-se na bengala.

Uma respiração completa de Vader. Expiração e inspiração.

— A comissão que tenho para ti, lorde Vader.

O pupilo baixou respeitosamente a fronte mascarada.

— Aguardo as tuas ordens, meu mestre.

— Efetivamente temos um grande problema – começou o Imperador contraindo os lábios finos, num tom ríspido e enrouquecido. – A minha estação espacial foi destruída pela escumalha rebelde, o que me deixou verdadeiramente desagradado. E tu, Darth Vader, meu estimado aluno e amigo, estiveste no centro desta catastrófica série de eventos que conduziram a esse desfecho improvável. Não só foste incapaz de intercetar e neutralizar os malditos que furtaram os planos da Estrela da Morte, como foste incapaz de vergar, intimidar e executar a princesa de Alderaan a quem esses planos foram confiados, como não conseguiste descobrir o esconderijo secreto do quartel-general desse asqueroso grupo conspirador que se intitula de Aliança, que serviu de base para o ataque que fez explodir a Estrela da Morte.

Vader não se atreveu a interromper Palpatine e manteve os olhos pregados na fímbria do manto escuro que cobria a magna figura, num gesto reverencial, num expediente pessoal de defesa. Aceitava as acusações, odiava a verdade que existia nelas. A evidência da sua incompetência.

— Claro que todos estes acontecimentos – prosseguiu o imperador com repulsa – que se ligam fragilmente pelo fio do destino foram uma consequência de ações diversas nascidas da Força. Sem dúvida que comandadas pelo velho Kenobi, ou pelo menos urdidas por ele, impostas por ele. Mas o lado sombrio é mais poderoso e Kenobi está morto. Não resta mais ninguém que conheça os velhos costumes para poder impedir o triunfo da escuridão. Julgo então, muito sábia e acertadamente, que se atuarmos com rapidez o nosso triunfo será total e completo.

Uma respiração completa de Vader. Expiração e inspiração.

— Aquele que dizes tratar-se do piloto rebelde de um X-Wing… Aquele em quem pressentiste qualidades extraordinárias e ainda não treinadas… É ele que deves identificar e capturar. Se é tão forte na Força como avaliaste inicialmente, será um poderoso aliado. Deverá ser seduzido para o lado negro e convertido como um novo senhor dos Sith.

Então, Vader respondeu:

— Sim, meu mestre.

— É esse o objetivo primordial da comissão que estou, neste momento, a entregar-te, lorde Vader. O piloto rebelde. Compreendido?

— Sim, meu mestre – repetiu.

— O piloto será um dos líderes dos rebeldes, alguém valioso entre as hostes desses malditos idealistas. Se for feito prisioneiro, atingiremos essa suposta Aliança no coração. Ao treiná-lo na Força e convertê-lo para o lado negro, seremos imbatíveis e terminaremos com esta estúpida guerra civil. O Império Galáctico deve governar, sem oposição, por muitas eras.

— Sim, meu mestre – repetiu.

— E deste modo vingaremos a afronta da destruição da Estrela da Morte. A punição para os culpados… será exemplar.

Palpatine esticou o pescoço. Perscrutou o seu pupilo com uma rápida prospeção e declarou sapiente:

— Sinto dúvidas na tua alma, lorde Vader. Muito ténues, mas existem, corroendo a tua fortaleza mental. Será porque podemos eventualmente estar a falar de um Skywalker…?

Vader encarou, por fim, o Imperador.

— Esse nome não me diz nada, meu mestre.

— Será uma excelente oportunidade para demonstrares a tua completa lealdade para comigo e para com o lado negro da Força, lorde Vader. E que o passado ficou definitivamente enterrado com o desaparecimento de Kenobi.

— A minha lealdade nunca esteve em causa, meu mestre.

— Espero que sejas… implacável, lorde Vader. E menos perdulário.

— Sim, meu mestre – aceitou o Sith com uma profunda vénia. – Não pretendo falhar, desta vez. Encontrarei o piloto rebelde, será capturado e identificado… Se for um Skywalker é poderoso na Força. Será treinado e convertido ao lado negro. Sem dúvidas ou outras vacilações. Serei implacável, cruel e obstinado. Matarei sem contemplações quando alguém perigar os objetivos desta minha missão. Demonstrarei que a confiança que depositas em mim é inteiramente válida, meu mestre.

— Muito bem… Muito bem!

Com uma volta exagerada, Palpatine rodou sobre si mesmo e encaminhou-se para os degraus que levavam ao trono. Contou o seguinte, enquanto andava:

— Foram identificadas comunicações imperiais a partir de Dantooine. Um sinal encriptado que pretende encontrar a Estrela da Morte, cuja última posição conhecida situava-a no sistema de Yavin. Creio que é aí, numa dessas luas, que se escondem os rebeldes. Deixemo-los ficar escondidos. Se eu liderasse esse infeliz grupo, as minhas próximas ações seriam direcionadas a Dantooine. Eles que tomem essa decisão e que deem esse próximo passo. Tu, lorde Vader, irás a Kuat reclamar a Executor e apetrechar essa nave, bem como a tua armada. Persegue os rebeldes a partir de Dantooine, não lhes dês descanso. Acossa-os, fá-los abandonar Yavin, fá-los procurar outro buraco para se enfiarem, persegue-os sem tréguas, empurra-os para um lugar em que se tornem uma presa fácil. E depois de teres destruído essa patética Aliança, apresenta-me esse famoso piloto rebelde. E se for um Skywalker…

Palpatine não continuou.

Mas Vader sim. Em pensamentos, replicou o que já tinha pensado antes, a bordo do star destroyer de Harish Muitel.

Se fosse um Skywalker, seria uma ironia.

Despediu-se do seu mestre logo que foi dispensado e dirigiu-se para o espaçoporto privado do palácio. Iria, sem mais demoras, sair de Coruscant que o afrontava e impacientava e dirigir-se a Kuat. Queria conhecer esse prodigioso super star destroyer que seria a sua nave bandeira. Precisava de regressar o quanto antes à linha da frente. Estar afastado da ação inquietava-o, mais ainda que todas as luzes imperiais daquela capital decadente.


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Notas finais do capítulo

O Imperador Palpatine tudo conhece e tudo prevê, com o auxílio do lado negro da Força. Ele controla os acontecimentos e controla Darth Vader, que se submete ao seu mestre de forma abnegada.
O futuro do almirante Harish Muitel não é muito promissor...

Pessoalmente, este é um dos meus capítulos favoritos. As luzes de Coruscant escondem a decadência e a maldade. Vader pressente as tentações da luz, mas segue inabalável pelos caminhos tenebrosos do Mal.

O cerco a Luke Skywalker aperta-se...

Próximo capítulo:
Início de missão.