Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 10
Entre inimigos


Notas iniciais do capítulo

“Também isso, porém, parecia agora prestes a ser cortado cerce. O fim parecia não estar muito longe. Havia tanto a dizer que não pareciam saber por onde começar.”
In O Regresso de Jedi, KAHN, James, Publicações Europa-América



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— Daqui cargueiro corelliano YT-3000 com um pedido urgente de auxílio. Chama Dantooine! Chama Dantooine!

A eletricidade estática que saturava o painel de comunicações era preocupante, mas não chegava a ser alarmante. Havia contingências que tinham sido previstas acontecer durante a primeira aproximação à base imperial. Caso esta aproximação falhasse, tinham, pelo menos, mais duas opções que seriam igualmente soluções válidas, embora a primeira fosse, de longe, a preferida por ser a mais direta e a que lhes permitiria poupar tempo.

— Daqui cargueiro corelliano YT-3000.

— Achas que devemos insistir tanto?

Han Solo espreitou Luke Skywalker por cima do ombro, fazendo girar ligeiramente a sua cadeira.

— Claro que sim! – exclamou impaciente. – É por insistirmos muito que eles vão acreditar que estamos realmente em apuros.

— Mas já deviam ter respondido. Se estivéssemos mesmo com problemas, com o tempo que levam a ignorar-nos, já teríamos explodido no vazio do espaço.

— Calma, miúdo. Da última vez que tentei obter ajuda do Império, bem… eles não foram muito prestáveis. – Alinhou a cadeira novamente com o painel frontal de pilotagem da carlinga. Ao lado, Chewbacca estava atento aos alarmes e outras tarefas da incumbência de um copiloto. – São desconfiados e também demasiado arrogantes. Levam tempo, mas acabam por responder.

A suposta sabedoria do contrabandista sobre como operavam os imperiais em face de pedidos de socorro urgentes não acalmou Luke Skywalker que suspirou alto, recostando-se na cadeira. Apetecia-lhe esmurrar o painel de comunicações mudo. Olhou para Jenna Shmura. A mulher sentava-se no lugar atrás do wookie voltada para a consola que operava num silêncio tão profissional quanto exagerado. Não tinha conversado nada desde que entrara a bordo da Millenium Falcon, afivelando no rosto uma carranca petulante que dissuadira qualquer um de puxar assunto com ela. Bem, ela também não estava ali para fazer amigos ou para passar um bom bocado, como afirmara perentória no hangar do Templo de Massassi, em Yavin Quatro. Até ao momento, tinha-se portado bem, havia que concordar. Ligara a nave ao canal de comunicações da base imperial de Dantooine, confirmara que a mensagem codificada lançada para as profundezas do espaço continuava a ser emitida, secretamente e periodicamente, em busca da malograda Estrela da Morte, estabelecera a ligação com o Império e continuava a verificar as possíveis interferências, canais secundários ou outras transmissões nas vizinhanças do sistema que constituíssem um perigo para a missão. De facto, nada a apontar-lhe. Calada, antipática, mas eficiente.

Han Solo insistia, mascarando a voz sempre que carregava no botão que lhe permitia falar para a frequência pré-definida que tinha sido indicada por Jenna como sendo o canal mais adequado para contactar o Império naquela ocasião, em que se reportava uma urgência. Fingia que estava aflito, desesperado, assustado e berrou:

— Daqui cargueiro corelliano YT-3000. Estamos com uma grave fuga de combustível e solicitamos auxílio imediato. Chama Dantooine! Chama Dantooine! Daqui cargueiro corelliano YT-3000. Por favor, respondam, precisamos de permissão para aterrar.

Os dois androides, Threepio e Artoo, tinham ficado na zona dos passageiros. Por enquanto, as suas habilidades de programação não eram necessárias. O primeiro deveria estar aterrado, se tal era coerente apontar a um autómato de corpo inteiramente artificial, com os berros de Han e as vibrações da fuselagem da nave. Para tornar a suposta avaria convincente, o contrabandista voava de uma forma errática e tinha desligado os estabilizadores. Threepio devia estar a amaldiçoar a galáxia e o Universo inteiro pela sua pouca sorte de o arrastarem para viagens interestelares perigosas, que ele detestava, a repulsa estendia-se apenas às viagens e se fossem perigosas ainda seriam mais repulsivas. Artoo estaria a divertir-se com as oscilações e as vibrações, com o companheiro assustado, apitando alegremente para atazanar o já desconcertado Threepio.

Nada de resposta. Só a eletricidade estática de sempre.

— Talvez seja isso que eles pretendam – suspirou Luke. – Que acabemos mesmo por explodir, assim não terão desculpa para não ter respondido à mensagem de pedido de ajuda.

— Normalmente, o pessimista sou eu – resmungou Han a ficar irritado.

— Não podemos esperar eternamente! – justificou-se Luke também a perder as estribeiras. – Não somos só nós. Temos Wedge do outro lado da lua mais afastada de Dantooine à espera do nosso sinal secreto para aterrar os caças e os transportadores, com o combustível a acabar enquanto estamos aqui neste jogo imbecil com a base imperial.

— Não é um jogo imbecil, miúdo! É o nosso plano – gritou Han.

— Eu sei que é o nosso plano, fui eu que o aprovei depois de ter concordado com ele – gritou Luke de volta.

Chewbacca rosnou alto. A Jenna continuava concentrada na consola.

— Ouve lá, miúdo, dá-me tempo. É só o que te peço!

— E é precisamente isso que te estou a tentar dizer, Han – refutou Luke agitado. – Estamos a ficar sem tempo!

— Os imperiais são desconfiados e são lentos a trabalhar. Devem estar a confirmar a assinatura da nossa nave, o nosso vetor, trajetória, veracidade da comunicação. Têm filtros complicados e procedimentos de segurança ainda mais complicados. Não é, Shmura?

— Afirmativo.

A resposta da Jenna desconcertou Luke. Rangeu os dentes. Não queria que o acusassem, naquele momento ou mais tarde, de inexperiência e de impulsividade, apesar de ele ser precisamente isso, um líder inexperiente e de a sua personalidade indomada de rapaz de uma quinta de humidade de Tatooine ser marcadamente impulsiva. Se, no compartimento dos passageiros, Threepio saltava cheio de medo, na carlinga ele sentia-se saltar de impaciência.

Nisto, uma voz grave invadiu a carlinga.

— Daqui Base D1 de Dantooine. Identifiquem-se, por favor. Escuto.

Han Solo gritou com uma alegria feroz:

— Vês, miúdo?! Responderam!

— Finalmente! – exclamou Luke aliviado. Pediu a Jenna: – Verifica a transmissão.

— Verdadeira, Skywalker.

Era a primeira vez que ela tratava-o pelo nome, qualquer nome e naquela ocasião tinha escolhido o seu apelido. Fora estranho. Havia uma certa distância educada não inteiramente sincera, uma impressão de escárnio algures mal disfarçado. Respeitava-o como o líder da missão, mas não faria qualquer sacrifício pessoal se as coisas azedassem. Luke sentiu um arrepio.

— Não os percas, Jenna. Avisa se algo te parecer suspeito ou se estiverem a enviar mensagens em segredo noutro canal, para nos flanquearem.

— Compreendido.

Chewbacca preparava o computador de bordo, puxava alavancas, rugia avisando que a nave estava a ficar com problemas. Tanto tempo a fingir, a esforçar os motores, sem estabilizadores, com os defletores traseiros propositadamente instáveis, faíscas em vários pontos vitais e acabariam mesmo por precisar de aterrar de emergência.

Han Solo enviou o código identificativo do cargueiro e repetiu o que levava a dizer nos últimos minutos:

— Estamos com uma grave fuga de combustível e precisamos de aterrar o mais breve possível. Precisamos de autorização para usar a vossa pista de aterragem. Solicitamos o vetor de aproximação. Escuto.

Aconteceu um momento estranho de silêncio.

— O que se passa? – indagou Luke. – Continuam a não acreditar em nós?

Chewbacca rosnou inquieto. A nave estava mesmo a atingir o seu limite.

A voz grave regressou e disse, lacónica:

— No continente do hemisfério sul existe um espaçoporto civil. Porque se estão a dirigir para cá? Esta é uma base militar. Escuto.

Luke susteve a respiração. Era uma excelente pergunta. Han Solo, porém, manteve a farsa com a sua habitual descontração e respondeu calmamente:

— Não conhecemos muito bem o planeta. Quando saímos do hiperespaço com esta avaria, o nosso computador de bordo indicou-nos a presença de um local civilizado na vossa zona, mas não deu informações sobre as características. Pensávamos que se tratava de um espaçoporto civil. Escuto! – Ao retirar o dedo do botão que ligava o intercomunicador, fez rodar a sua cadeira e perguntou a Luke: – Achas que engoliram esta?

— Espero bem que sim. Jenna?

— Tudo normal.

O painel de comunicações crepitou.

— Autorizados a aterrar na pista de aterragem principal da Base D1 – anunciou a voz grave. – Sigam as coordenadas do vetor indicado e não se desviem, ou abriremos fogo com os nossos canhões de iões. Quando a vossa nave chegar será inspecionada e vocês serão considerados prisioneiros até provarmos as vossas verdadeiras intenções. Preparem identificações e relatórios de carga, não escondam nada, nem tentem nenhuma manobra de evasão ou será pior para vocês. Terminado.

— Compreendido. Terminado! – Han dirigiu-se ao seu copiloto. – Chewie, vamos lá colocar esta beleza no chão. Já chega de tanto teatro!... Não, não ligues os estabilizadores. Vai ser difícil, eu sei. Eu sei! Estamos com uma fuga de combustível, não te esqueças… Não exageres ou vamos mesmo precisar da ajuda do Império na altura de fugirmos daqui.

O wookie respondeu com um ronco.

A primeira parte do plano estava cumprida – chegar à base militar imperial de Dantooine. A aproximação era arriscada, como ficou provado naqueles instantes cruciais em que a dúvida de obterem uma resposta positiva ao seu pedido de socorro fora bastante real e nunca fizera parte das certezas de nenhum deles, mas na verdade aterrar na pista do inimigo era o que lhes permitiria poupar tempo e recursos, como explicara Han para justificar aquela opção tão louca quanto atrativa. A segunda parte do plano era conseguir alojamento temporário na base, o que esperavam que iria acontecer logo que a sua inocência ficasse provada, de que não passavam de uns infelizes mercadores com problemas mecânicos na sua nave. Seguir-se-ia a sabotagem e o ataque, com o apoio dos soldados rebeldes dos transportadores TC9 e dos caças comandados por Wedge Antilles. Assim pensado parecia fácil, quando tinha sido falado nas reuniões táticas parecia infalível. Bem, a primeira parte estava cumprida, recordou-se Luke, a dominar a sua ansiedade.

— Jenna, vou enviar a mensagem ao Antilles de que já temos luz verde para aterrar na base imperial – avisou ele. – Prepara os códigos de encriptação.

— Compreendido. - A mulher teclou rapidamente em alguns botões da sua consola. – Podes fazer a transmissão.

— O sinal para Yavin Quatro também seguiu?

— Afirmativo.

Leia acabava de ser avisada de que chegavam à base imperial de Dantooine. Imaginou-a apreensiva a receber o sinal mínimo que havia sido combinado para não lançar nenhum alerta desnecessário naquela fase sensível. Um único bipe que faria uma viagem quase anónima entre as estrelas. Na penumbra da sala de operações, a princesa, séria e bonita, com a mesma ruga de preocupação na fronte, haveria de acenar com a cabeça, indicando que compreendera a comunicação.

E Wedge também fora avisado. A parte do piloto naquele estágio inicial do plano consistia em conduzir a frota de caças e de transportadores para o hemisfério sul do planeta, aquele mencionado pelo soldado imperial que os tinha contactado, e esconderem-se num local mal cartografado que fora utilizado pela Aliança para treino de pilotos quando tiveram em Dantooine a sua base secreta. Aí, escondidos e discretos, deveriam aguardar pela ordem de ataque. Pelos cálculos efetuados, a espera não demoraria mais do que cinco, seis dias, no máximo.

Quando por fim os trens de aterragem da Millenium Falcon tocaram no piso sintético da pista de aterragem da base imperial de Dantooine e os seus motores foram desligados, no meio de baforadas densas de fumo negro, quando a esforçada carcaça metálica do cargueiro corelliano YT-3000 cessou as tremedeiras e as chiadeiras, Han Solo fez-lhes um sinal com a mão para que se mantivessem nos respetivos lugares. Pela janela da carlinga, Luke viu os stormtroopers brancos alinharem-se e apontarem-lhes as suas espingardas laser E11.

— E agora? – murmurou.

— Agora esperamos pelas indicações do comandante da base – murmurou Han em resposta.

— O comandante vai encarregar-se pessoalmente de nós?

— Sim, miúdo. – Han sorriu e acenou aos stormtroopers para parecer simpático e inofensivo. – Somo prisioneiros, lembra-te. Nada de precipitações. Está tudo a correr maravilhosamente bem, estamos de parabéns… O plano funciona, quem diria! Vamos seguir todas as instruções à risca, o que não me agrada muito, mas não posso dizer nada, a ideia foi minha. Novamente nas mãos do Império!

— Como na Estrela da Morte, hum?

O contrabandista recostou-se na sua cadeira, desapertou o cinto, cruzou as pernas.

— Melhor. Aqui vão dar-nos alojamento e comida.

Han Solo estava certo. O comandante da base encarregou-se pessoalmente deles. Depois de uma inspeção exaustiva aos compartimentos de carga da nave, de terem vasculhado todos os cantos e de apontarem as verificações minuciosas numa conferência dupla que fizeram com os manifestos de carga, após um curto interrogatório individual a cada um dos passageiros, incluindo os dois androides e o wookie, embora Luke duvidasse de que tivessem considerado as suas respostas, ou mesmo chegado a compreendê-las, com a exceção do elétrico Threepio que lhe pareceu mais frenético do que o normal, a seguir a um interrogatório coletivo em que repetiram as perguntas para descobrir contradições que foi acompanhado por uma revista que não descobriu qualquer arma, apesar de desconfiarem desse facto, pois não era ajuizado não andarem armados em viagem pela galáxia, mais se tratando de mercadores que lidavam com toda a sorte de gente – as suas armas estavam cuidadosamente escondidas num compartimento secreto e inacessível –, os soldados imperiais, orientados por um capitão desleixado, encaminhou-os para fora da Millenium Falcon e já na pista de aterragem, Luke e os companheiros foram formalmente apresentados ao comandante, que se chamava Evret Vikasterr.

O homem não os cumprimentou, nem os recebeu com um gesto falsamente amistoso ou fingiu alguma simpatia que se imporia, nem que fosse por simples cortesia. Era curioso que se portasse com tamanha reserva, pois os relatórios imediatos indicariam que eles não representavam qualquer ameaça. Teria os instintos apurados por experiências menos positivas no passado. Observou-os longamente, com um desprezo evidente, de pálpebras semicerradas, a boca fechada numa linha dura, numa postura tão hirta que se diria possuir partes cibernéticas naquele corpo esguio e seco.

O comandante Vikasterr era um homem prático, implacável e desiludido. Jovem, talvez a rondar os quarenta anos, dir-se-ia largado em Dantooine devido a um qualquer erro de cálculo ou a um castigo aplicado por um deslize desconhecido pela maioria dos seus homens, a quem tratava com a mesma frieza que dispensava aos seus convidados forçados. Perguntou pelo capitão da nave, Han Solo avançou e o comandante comunicou-lhe que gostaria de lhe falar em particular. O corelliano, espantado, apontou o polegar a si próprio. Sem escolha, acabou por seguir o comandante que abandonou a pista de aterragem apressadamente, com seis stormtroopers na retaguarda, cingindo as suas armas que estavam prontas para disparar no modo de atordoamento. Chewbacca rosnou, apreensivo.

Foram-lhes dadas acomodações temporárias numa área de contentores que estava a ser desativada. Luke desconfiou que teriam feito parte das anteriores edificações da base rebelde, pelo estado de degradação. Os novos ocupantes daquele posto não tinham querido aproveitar o que os seus odiados opositores tinham deixado para trás. Também lhes deram três dias para proceder às reparações da nave e abandonar aquele lugar. Mesmo que não conseguissem aproveitar esse prazo para resolver as avarias, teriam de deixar, mesmo assim, a base e dirigir-se para o espaçoporto civil existente no continente do hemisfério sul do planeta. Teriam direito a uma refeição por dia, que não podiam consumir na messe, juntamente com os restantes soldados, ser-lhes-ia levada até às suas acomodações.

Essa situação era perfeita. Precisavam de ter um sítio em que pudessem movimentar-se com alguma liberdade para colocarem o resto do plano em prática, começando por montar um painel de comunicações portátil, incumbência da Jenna Shmura e de Artoo.

Os quartos eram compartimentos minúsculos equipados apenas com uma cama suspensa, que se recolhia junto à parede se empurrada, tão pequena e estreita que Chewbacca mal cabia na sua. Luke esperava por Han e quando este chegou, perguntou-lhe em voz baixa:

— Então? O que queria o Vikasterr?

Han estendeu-se na cama, visivelmente cansado. Chewbacca assomou-se à porta do quarto e espreitou lá para dentro.

— Informações sobre a Aliança – respondeu de olhos fechados, apoiando a cabeça nos braços.

— Ele perguntou sobre a base secreta?

— Claro! Andam loucos para descobrir onde se situa.

— E… sobre a Estrela da Morte?

— Nem uma palavra. Pelos vistos, o Império gosta de guardar esse segredo.

— Segredo sobre a estação espacial?

— Hum-hum… Sempre foi uma arma secreta do Império, miúdo. Nós é que tropeçámos nela, na nossa viagem para Alderaan. E mais o segredo sobre, eventualmente, ter sido destruída.

— Ainda não sabem, de certeza, que foi destruída.

— Mas que importância terá essa maldita estação espacial? Se era secreta quando existia, para esconderem o seu poder de fogo fenomenal, faz mais sentido continuar secreta quando já não existe. Para todos os efeitos, sendo assim, nunca existiu…

— O que lhes disseste?

— O que eles queriam ouvir… Que somos inocentes mercadores, com problemas na nossa nave. E contei-lhes mais umas mentiras sobre uma conspiração qualquer em vários sistemas por onde tínhamos passado. Lugares pouco importantes, sem uma população fixa. Planetas descartáveis, sede de bandidos e de outra escumalha, não denunciei nenhum sistema importante e habitado… Para mantê-los ocupados.

Luke, de braços cruzados, contemplou o amigo por algum tempo.

— Fizeram-te alguma coisa?

— Só estou a descomprimir, miúdo… – Han soergueu-se sobre os cotovelos, sorriu e piscou o olho. – Devemos descansar. Dentro em breve temos de nos preparar para uma guerra. A base é para arrasar, certo? Comandante Skywalker?

Luke sorriu-lhe de volta.

— Afirmativo, capitão Solo!

***

Tinha-se passado um dia e o tempo já parecia demasiado naquela base do Império. Dantooine era um planeta agradável, com um clima ameno, luminoso e calmo, propício a momentos de lazer que, por enquanto, lhes estavam vedados. Para além dos muros defensivos do perímetro militar conseguia-se perceber uma floresta verdejante e deveria haver lagos e outros recantos para explorações amigáveis. Mas eles tinham de se abstrair do ambiente amistoso que os envolvia, pois encontravam-se confinados a um espaço hostil, com os movimentos limitados porque observados por olhos desconfiados, literalmente entre inimigos.

No entanto, até à data, àquela hora em que o sol declinava no horizonte por detrás dos muros altos e degradados, eles tinham conseguido avançar com o seu plano louco e arriscado. Logo na primeira noite em que ali pernoitaram ligaram com sucesso um intercomunicador portátil, que fora montado no quarto de Jenna Shmura, com o qual enviaram diversas mensagens para localizar Antilles e enviar ordens para os demais pilotos e para os soldados, que deveriam estar a postos para a intervenção na base a qualquer instante. O intercomunicador também serviu para monitorizar as comunicações daquele aquartelamento e começar a lançar as primeiras interferências à mensagem que se lançava para o espaço em busca da Estrela da Morte, tudo devidamente camuflado pelas habilidades de Jenna. No dia seguinte, Han e Chewbacca tinham seguido para o hangar para as supostas reparações à Millenium Falcon, enquanto Luke e Jenna, que também os acompanharam sob escolta de um pelotão de stormtroopers, fingiam aguardar entediados, enquanto tiravam apontamentos mentais e faziam outras observações sobre a disposição dos elementos militares e da cadeia de comando, comparando com os mapas rebeldes de Dantooine que haviam decorado durante a preparação para a missão. Threepio e Artoo foram enviados para os corredores da base, aprofundando a exploração, sendo que o segundo gravava na sua memória, filmando e ocasionalmente entrando de forma clandestina nos computadores do sítio, todas as informações recolhidas que seriam fundamentais para o dia do assalto. Os dois androides passavam quase despercebidos, ninguém se incomodava com a sua presença ou estranhava as suas deambulações, considerando-os inofensivos. O comandante Vikasterr tinha aparecido no hangar no final da tarde e exigira a Han Solo saber como corriam as reparações, ao que o contrabandista respondera, desfazendo-se num sorriso encantador, que mais um dia e teria a nave outra vez operacional.

O que queria dizer que passada aquela noite, iriam entrar em ação.

Luke Skywalker aproveitava a luz mortiça do crepúsculo para estender as pernas e libertar-se da tensão que se tinha criado durante a breve reunião que o grupo tinha tido depois de terem regressado aos contentores. A partir dos dados recolhidos por Artoo delineara-se uma estratégia de ataque, com pontos sensíveis, primeiros postos a neutralizar, como chegar a Vikasterr, e convencionara-se que a melhor altura, no dia seguinte, para desencadear a operação ofensiva seria durante a hora em que lhes serviam a refeição, por volta do início da tarde. Acontecera algum atrito porque a Jenna não concordava com a ideia de Han de começarem por utilizar as armas dos soldados imperiais e só depois chegar à Millenium Falcon para recolher as suas próprias armas. Segundo ela, deveriam primeiro ir buscar as armas e só depois dar início ao ataque. Luke teve de intervir e, como líder, tomou a decisão de seguir o conselho de Han. A mulher ficara zangada e passara a responder com monossílabos a todas as perguntas que lhe eram colocadas. Mas descontando aquele mau feitio, a Jenna estava a ser bastante útil. Todas as comunicações imperiais daquela base estavam a ser pirateadas pelo transmissor portátil que ela operava e retransmitidas, quase em tempo real, para Yavin Quatro, para conhecimento da Aliança. Mais umas horas e o sinal que procurava pela Estrela da Morte seria totalmente eliminado. Quando isso acontecesse, a base imperial D1 de Dantooine iria receber uma mensagem falsificada pela própria Jenna da suposta estação espacial com a informação da sua última posição, diversas linhas codificadas que indicariam que continuava operacional e ainda a notícia de que tinham eliminado com sucesso a base rebelde. Este pequeno logro acalmaria o comandante Vikasterr, o que seria excelente para apanhá-lo de surpresa com o ataque que tinham planeado.

No exterior do complexo, Luke não estava sozinho, fazia-se acompanhar por Artoo a quem pedira que o avisasse, sem grande alarido, se acontecesse alguma mudança imprevista naquele cenário tranquilo. Tinha o sabre de luz consigo, mas não ligara a lâmina luminosa pois temia que esse brilho atraísse as atenções. Não sabia até que ponto qualquer um daqueles soldados imperiais que faziam parte do destacamento de Dantooine conheceria um sabre de luz, nem fazia ideia se algum deles teria visto a mesma arma nas mãos de Darth Vader, mas não queria arriscar ficar a saber. Por isso, Luke manejava o punho prateado como se lutasse com a espada luminosa, sem lâmina de luz, imaginando os movimentos e o som que esta faria no ar cálido. De qualquer modo, o mais normal seria não fazerem a mínima ideia do que seria um sabre de luz até verem-no ligado. Conseguira ficar com o sabre, que sempre estivera na sua mochila que fora revistada, mas pelos vistos ninguém achara estranho aquele objeto cilíndrico e não fora confiscado.

Um apito curto de Artoo fê-lo congelar na sua última posição. Uma mudança, subtil, a Força a vibrar devagar e a sensação a desaparecer sem que ele a conseguisse agarrar em condições. A luz tinha diminuído significativamente e os primeiros holofotes acendiam-se, lançando sombras esguias nos muros e no terreno. Luke apertou o punho prateado do sabre, procurando o botão para ligá-lo se existisse alguma ameaça. Mas o que fizera Artoo reagir não era nada de preocupante, pois o astromec, depois do apito, manteve-se calmo no seu posto de observação.

Uma mulher saía do quarto do contrabandista. Só havia uma mulher no grupo deles e, do pouco que ele tinha percebido, não existiam muitos elementos femininos entre as fileiras do exército imperial que ali operava. Só podia ser a Jenna. Ela reparou na presença dele e estacou.

— Não digas nada.

— Eu não ia dizer nada.

Ficou a olhá-lo com as mãos nas ancas, depois decidiu-se e caminhou até ele, num andar bamboleante e sensual. Sorria-lhe quando lhe perguntou:

— Chocado, Skywalker?

Luke encolheu os ombros. Na realidade não se importava com as conquistas amorosas de Han. À exceção de uma que, se acontecesse, consideraria como descabida e injusta. Não suportaria surpreender Leia na mesma posição em que surpreendia a Jenna naquele início de noite. A última que passariam ali. Provavelmente fora esse o argumento que o contrabandista usara para seduzi-la.

Ela olhava-o como se quisesse arrancar-lhe uma repreensão pela sua conduta leviana e contraditória, mas Luke não sabia o que dizer, achava que não tinha nada para dizer, eram dois adultos responsáveis, bastante capazes de tomarem decisões conscientes sobre as suas próprias vidas. O sorriso dela terminou e ela explicou, com outro encolher de ombros:

— Sei o que estás a pensar... Mas sou uma mulher, tenho as minhas necessidades. E ele fez-me um convite muito amável.

— Achava que não o suportavas.

Jenna riu-se. Estava nervosa. Provavelmente saberia reagir melhor a uma repreensão. Aquela indiferença baralhava-a. Habituara-se a ser confrontada, espicaçada, desafiada.

— Tu és bonitinho, Skywalker. Mas não passas de um miúdo... Mesmo que me fizesses o mesmo tipo de convite amável…

— Cuidado com o que vais dizer a seguir, Jenna. Continuo a ser o líder desta missão.

O sorriso dela converteu-se numa careta agressiva. Respirou fundo.

— Sei que a Nyra te beijou na noite da festa. Pobre menina! Está tão enamorada de ti! Vê lá o que fazes com o coração da Nyra. Acho que ela não suportaria uma segunda grande desilusão depois da morte do seu querido piloto.

O olhar de Luke endureceu e ela percebeu que continuava a pisar terreno incerto, mas não desistiu de avançar na direção do precipício.

— E tu também não sabes muito bem o que fazer com ela... É uma pena. Aproveita, Skywalker! A Nyra parece-me perfeita para ti.

— Por favor, vamos terminar por aqui.

— Porquê? – exclamou divertida. – Estou a gostar bastante desta conversa… Só falamos de guerra e de morte. Porque não falarmos… de amor e de vida? Como vês, estou inspirada. Acabei de ser… muito bem tratada pelo teu amigo. – Forçou uma gargalhada. – Sabes… Vou contar-te um segredo. Fica só entre nós, está bem? Infelizmente, a minha experiência na matéria fez-me aprender a distinguir os homens que valem a pena, daqueles que só servem para uma noite de brincadeira. E tu, Skywalker… És um homem que vale a pena. Quando passarem mais uns anos. Tens de amadurecer, crescer, ficar ainda mais bonito. Nessa altura, porém, serei demasiado velha para ti… Ou já estarei morta.

— Jenna, é a segunda vez que falas de morte – disse Luke perturbado. Artoo rolou devagar até ficar junto dele. – Não o faças, na véspera do nosso ataque.

— Dá azar? Não tenho ilusões em relação à minha escolha de pertencer à Aliança Rebelde. Não me dá qualquer garantia de conseguir sobreviver. Mas não te ponhas a espremer essa tua cabecinha à procura de razões que me convençam da justeza dessa escolha. Sei que era o mais lógico a fazer, levando em conta o meu passado e o percurso atribulado das minhas duas irmãs, dos meus pais, da minha família. Considero a minha lealdade para com a Aliança perigosa, mas viver sob o jugo do Império também não me dá garantias de nada. Estamos, simplesmente, em guerra.

Debruçou-se e roçou a boca na dele. Luke deu um passo atrás, espantado. Jenna sorriu-lhe e soprou:

— Para dar sorte. Para amanhã.

Tinha anoitecido completamente. Luke sentou-se no chão, apoiou os braços nos joelhos, brincou com o punho do sabre de luz entre as mãos. Artoo apitou.

— Já vou para o meu quarto, amigo. Quero apanhar um pouco de ar.

O astromec insistiu na preocupação. Luke sorriu.

— Não, a Jenna não me fez qualquer mal. Pelo contrário… Nós, humanos, somos muito complicados. – Riu-se com a observação seguinte de Artoo. – Sim! Bastante mais complicados que Threepio!


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Notas finais do capítulo

O grupo rebelde conseguiu chegar com sucesso à base imperial de Dantooine.
A ideia de Han Solo é arriscada, mas Luke e os demais estão confiantes no sucesso da missão.
A Jenna é uma mulher imprevisível...

Próximo capítulo:
Assalto e fuga.