Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 24
As pequenas desilusões


Notas iniciais do capítulo

“Que é que o impedia de abater o traidor que se encontrava à sua frente? Não sabia. Nada, talvez.”
In O Regresso de Jedi, KAHN, James, Publicações Europa-América



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Darth Vader encontrava-se na sua sala particular de meditação, uma câmara que fora montada nos seus aposentos a bordo da Executor. Em forma de esfera, as duas metades, inferior e superior, encerravam-se de forma hermética por meio de um mecanismo que o seu utilizador conseguia acionar facilmente com a sua mente, isolando-o por completo do exterior. Assim cumpria o principal objetivo do exercício, o corte abrupto com toda e qualquer influência externa que o poderia distrair. Porque existiam sempre minudências que careciam do seu aval, do seu julgamento, de um simples comando, da sua presença dissuasora.

A câmara existia para que ele mantivesse a sua ligação extraordinária com a Força e usava-a amiúde, não como refúgio ou possível escape às suas obrigações cansativas e permanentes, mas como necessidade, para se fortalecer nos seus poderes negros. Nem todos percebiam como lhe era fundamental aquele momento de introspeção, mas ele não se ocupava a pensar que lhes devia qualquer tipo de esclarecimento.

Havia muitos, ele pressentia a sua mesquinhez e inveja, um certo atrito motivado por interrogações descabidas e indícios ténues de sedição controlada, os olhares de través, os murmúrios que eles julgavam que ele não conseguia escutar, que não compreendiam os seus privilégios, como a possibilidade de ter adereços específicos nas suas salas privadas, como uma câmara de meditação.

Usualmente não fazia pedidos extravagantes. Não era do seu feitio fazer qualquer pedido, sequer. Tinha tudo o que queria por causa do estatuto especial que gozava dentro da hierarquia militar imperial, ou melhor afirmando, tinha tudo o que precisava e sem exigir que se cumprisse um decreto seu. Desconfiava que as indicações partiam diretamente do Imperador, que não se poupava a esforços para que ele se sentisse sempre confortável. Tudo deveria estar perfeito para receber da melhor maneira o seu agente mais confiável, suprindo qualquer necessidade do Sith que não deveria ocupar-se com detalhes insignificantes, mas sim com o governo da galáxia e a imposição da visão política perfeita de Palpatine.

Portanto, na sala isolada Vader meditava, entregando-se a um torpor frio nascido do mergulho voluntário nas trevas, nos reinos amaldiçoados dos invisíveis condenados pelas suas perfídias. Durante aquela viagem contemplava visões de exaltação e de desgraça, cobria paisagens estéreis com um voo inventado em que estendia a sua capa num par de asas negras que tudo sombreavam, unia-se mentalmente a criaturas desavisadas que nutriam sentimentos negativos. Seres transviados que se alimentavam com o Mal e ele alimentava-se delas.

Afastava-se da luz, horrorizado e irritado. Não percebia como, ao fim de todos aqueles anos, depois de tantas sacrifícios e de todas as suas ações para erradicar as falsidades dos guardiões da paz e da justiça, que tinham escapado à purga inicial, matando também fisicamente esses paladinos da luz, ainda existia quem renegasse os sofismas apregoados pela nova ordem galáctica, a verdade incontestada. E desiludia-se.

Animava-se, com um furor fanático, quando percebia a sua obra incompleta. Havia tanto ainda por fazer, tanto por completar, tantos por converter.

O frio incomodava-o, mas aceitava-o como parte daquele exercício de separação do mundo palpável que ficava fora da câmara, longe daquela atmosfera séptica e escurecida. Toda a sua meditação era sempre desprovida de calor. Detestava o frio mas não sabia explicar esse ódio. Mantinha-o como barreira, como consequência, como inspiração. Qualquer raiva era nutrida conscientemente, pacientemente, a vibração minúscula que podia afastar o gelo daquele mundo drenado de luz se ele assim o desejasse. Comprazia-se do seu autocontrolo, embriagando-se no seu próprio orgulho, na sua desmesura, no gigante que se ocultava sob a armadura completa, a máscara de durasteel.

Depois de ter prestado a sua lealdade incondicional a Palpatine, de se ter posto ao serviço do Imperador e jurado defendê-lo para sempre, no limite a troco da sua própria vida, a maior parte da sua existência tinha sido passada em missão pela galáxia, embarcado na frota imperial. Não desgostava dessa pressa constante, da obrigatoriedade de estar em vários sítios por imposição do dever, das situações que careciam da sua intervenção irrevogável. Gostava também muito de pilotar, adorava voar entre as estrelas e estar numa nave era o que consideraria como o seu lar de eleição. Mesmo que não fosse ele a conduzi-la. No entanto, tinha um lugar que podia afirmar ser a sua casa – um pouso sólido, ao qual recorria sempre que era forçado a fazer uma pausa.

Situava-se em Mustafar, um planeta vulcânico situado na Orla Exterior, permanentemente coberto por lava borbulhante, onde o calor era horrível e insuportável. O seu castelo possuía a climatização necessária para protegê-lo do clima extremamente quente do planeta, porque ele movimentava-se no frio da não existência, e todas as suas salas eram sombrias, geladas, desagradáveis, solitárias, vazias.

Era um local incomum para eleger como casa, para alguém que odiava o frio, para alguém que empurrava com a mesma aversão qualquer tipo de calor, mas a sua vida, a sua nova vida, ligava-se a Mustafar. Fora ali, após a mutilação do seu corpo anterior, daquela casca miserável que atendia por outro nome, que ele jurava já ter esquecido, que nascera como Darth Vader.

Fora também ali que ele experimentara o poder invencível quando capturara, torturara e interrogara os cavaleiros Jedi que tinham conseguido escapar da perseguição que lhes fora movida durante os primeiros dias do Império. O terror, a descompaixão, a indiferença, a crueldade ficaram para sempre agarrados à sua figura, carregava-os como fantasmas na sua capa negra, adereços invisíveis que marcavam o caminho por onde passava e por onde haveria sempre de passar.

No castelo tinha outras câmaras de meditação, pessoal que o servia em silêncio e respeito. Quartos, salões, galerias onde se exibiam obras de arte, relíquias roubadas a decadentes locais de culto, pedaços de História que ele mantinha aprisionados para que mais ninguém os tivesse, para que mais ninguém os recordasse e visse nestes uma inspiração.

Tinha também um tanque regenerador, inundado de bacta, que usava para restaurar a parte biológica do seu ser, porque o sistema informático que o mantinha milagrosamente vivo exigia que ele cuidasse dessa área desprezível de si próprio, que ele arrancaria de bom grado se o pudesse fazer. Tentara-o, demandara-o, mas fora desaconselhado pelos cientistas que tinham inventado e que mantinham aquela armadura protetora. Se optasse por automatizar completamente o seu corpo, perderia a sua identidade, as suas memórias. Embora existissem momentos que ele teria obliterado de bom grado do seu cérebro, por serem inúteis, descartáveis, imprecisos, enganadores, um lastro abominável que a sua nova identidade carregava, não queria perder a consciência de quem era. Darth Vader constituía-se como um novo ser, que só fazia sentido existir se nutrisse no seu âmago os ódios plantados criteriosamente na aridez do seu espírito retorcido.

Uma aparente contradição que ele tentava explicar quando meditava.

Estava concentrado e, ao mesmo tempo, divergia para aquelas considerações. Lutava contra os seus pecados, analisando simultaneamente todas as suas faltas, pois a imperfeição conduzia-o àquela raiva que o edificava, que se desenvolvia no líquido gelado onde nadava lentamente, onde congelava as tentações e os vícios. Era necessária a dispersão para se poder focalizar no ponto fulcral da questão sobre a sua existência, o seu propósito derradeiro, onde se esgotava, onde podia recomeçar, se haveria um recomeço.

Na câmara de meditação, esse era o tema mais complicado, aquele que ele nem sempre buscava mas quando ocorria não o repelia, pois ele não devia ter medo de nada. Ele era o medo personificado, não era coerente assustar-se consigo próprio, ou sequer remotamente aceitável. Na câmara de meditação, quando se predispunha a soltar-se, a libertar as suas feras pessoais, encontrava-se com uma versão execrável de si mesmo. Confrontava-a e lutava contra aquela projeção asquerosa de alguém que ele, à medida que se ia consolidando como ser artificial e biológico, uma dualidade pouco natural que lhe assegurava a continuidade, talvez até uma espécie de eternidade, ia despedaçando, desmontando, desfazendo peça por peça, até à exposição do núcleo apodrecido. Ainda mal aflorara esse interior decadente, que, contra todas as suas expetativas e a favor de toda a sua perplexidade, conservava traços daquela vida anterior em que ele fora simplesmente um homem com tudo o que isso pudesse significar.

No interior daquela câmara silenciosa alcançava a proeza de conseguir isolar-se totalmente do seu mestre. Durante aquele instante de descoberta e de desconstrução, de autoflagelação e de reencontros, de definições e de consolidações, fugia do controlo ininterrupto de Palpatine, da sua garra omnipresente, daquele ruído que lhe enchia o cérebro como uma rosnadela. Acreditava, porém, lacónico e obediente, que assim acontecia pois era Palpatine que lhe concedia esse espaço. Não raras tinham sido as vezes em, que após momentos mais prolongados de reflexão, o seu mestre exigira um colóquio para debater a experiência, dissecando os acontecimentos, as impressões, os conhecimentos adquiridos, todas as raivas até que ele se sentisse outra vez vazio e necessitado de solidão.  

Acolhia a preocupação do seu mestre com resignação. Nunca se revoltara ou achara a intrusão de Palpatine excessiva ou descabida. Nem sequer cogitava essa possibilidade de indignação. Como podia enfrentar aquele que era o seu mais caro aliado na construção daquele mundo novo? Como podia contestar aquele que lhe ensinara e continuava pacientemente a educá-lo no caminho da verdade?

Escutava Palpatine atentamente, obedientemente. Entre aqueles conselhos e explicações haveria alguma sabedoria que o iria ajudar para que, numa próxima estadia na câmara, numa outra entrega à meditação, se livrasse para sempre do peso da sua vida passada, daquele cadáver que arrastava com relutância. E Palpatine sabia, com toda a sua acutilância, que a sua anterior personalidade ainda subsistia, esmagada e sufocada, restos pútridos que continham, porém, alguma virulência que o podia contaminar.

Ou seja, o seu treino no Lado Sombrio permanecia incompleto.

Os seus esforços nunca seriam dados por findos, os seus combates seriam perpétuos, todas as malévolas ações desenvolvidas continuavam insuficientes para consolidá-lo como um senhor dos Sith, definitivamente esculpido, digno de figurar entre os ídolos dos templos sombrios de Moraband.

Enquanto não fosse capaz de ascender à clarividência divina do Mal sem qualquer remorso, não se podia considerar um mestre e permanecia como o aprendiz de Palpatine, prostrado diante da magna sapiência do seu mestre. Ajoelhava-se devoto e piedoso, recebia as graças e as reprimendas com a mesma humildade.

Só diante de Palpatine se comportava assim.

Apenas na presença do Imperador se diminuía.

Em última análise, a câmara particular dos seus aposentos destinava-se a orientá-lo no caminho que o levaria ao patamar cimeiro da sua aprendizagem que começara mais de vinte anos antes. O tempo consolidava-o, mas o tempo continuava a ser escasso para tão monumental empresa, a ser uma espécie de inimigo imbatível e inalcançável.

A sua respiração controlada pelo computador do seu fato não mudava uma cadência enquanto se entregava ao ato de contemplação mental. Não controlava o mecanismo que obrigava os seus pulmões a funcionar para oxigenar o cérebro onde nutria os seus fanatismos. Inspirar e expirar ajudava-o a marcar o compasso do ensaio. E depois de ter rodopiado no remoinho das iras e das frustrações, ascendia sereno, transparente como cristal, impávido e fortalecido.

Por vezes era um caminho curto, outras era uma viagem de muitas eras.

O tempo, que ele desperdiçara, que ele ocupara, que ele torcera e esticara, que se vergava à sua vontade, não existia no interior da câmara de meditação. Apenas ele e o seu Destino. Ele a encarar as suas profundas cicatrizes, cóleras, motivações, certezas, ações, reações, verdades, sempre verdades.

Ele e mais ninguém… Nem sequer Palpatine e o seu amparo… Um mestre, um amigo, um manipulador.

Nada…

Uma luz piscou na suavidade da penumbra.

Ele regressou da lonjura onde pairava inerte, gravidade zero.

O alarme visual avisava-o de que alguém entrava nos seus aposentos e poucos, a bordo da Executor, tinham essa autorização. O almirante, dois capitães de confiança que poderiam suceder ao almirante quando este cometesse um deslize imperdoável ou quando ele se cansasse de aturá-lo, a sua guarda pessoal. A permissão garantia que não seria incomodado, mas ao concedê-la estabelecia que podia, de facto, ser incomodado por esse grupo restrito de pessoas e sem anúncio prévio.

Era o que sucedia.

Terminou com o momento de meditação. O mecanismo de abertura da câmara foi acionado, a parte superior da esfera desencaixou-se da parte inferior com um silvo e começou a ascender devagar. A sua cadeira girou de modo a ficar de frente para aquele que tinha entrado nos seus aposentos.

— O que se passa… almirante?

Ozzel empinou o nariz. Característica irritante do homenzinho que ele resolveu não notar. Por enquanto. O par de capitães ainda não o tinham cativado inequivocamente e o almirante ainda não cometera o erro crasso que fazia dele prescindível. Os homens estavam a habituar-se à sua liderança depois de Muitel, não devia intrometer-se neste estágio delicado ou os ressentimentos que tinham sido aplacados voltariam com força redobrada.

— Desculpe incomodá-lo… Lorde Vader. Tem uma comunicação importante.

— Do Imperador?

— Não, senhor. É Jeiz Becka que deseja falar-lhe. O assunto é ultrassecreto e diz que o revelará apenas a si, Lorde Vader. Tentámos perceber o que se passava, mas ele recusou-se determinantemente a revelar o que quer debater consigo.

Ele ponderou se deveria atender o criminoso. A menção daquele nome lançou uma centelha vermelha que lhe perpassou pelo olhar coberto pela máscara imutável de durasteel. Estava desapontado com esse homem que lhe fora aconselhado por ser empedernido, de difícil trato e insensível. Não passava de outro que, carregando nos botões certos, se desmanchava e estremecia de pavor. Tinha fraquezas demasiado comuns para conseguir agradá-lo inequivocamente.

Era o seu contacto com o piloto rebelde, contudo. Não devia afastá-lo para já.

O seu compromisso mantinha-se até que ele o desse por findo.

— Senhor? – insistiu Ozzel levantando uma sobrancelha, a estranhar o intervalo silencioso.

Vader levantou-se da cadeira, saiu da câmara de meditação. Levantou um braço, pedindo a sua capa. Um dos seus servos aproximou-se mudo e deslizante, colocou o longo tecido negro sobre os ombros do Sith, prendendo-o nos botões redondos.

— Aceito a comunicação na ponte, almirante. Quero tudo preparado quando lá chegar.

— Sim, senhor. Compreendido, senhor.

Kendal Ozzel nunca seria a sua escolha para substituir Harish Muitel, pensou Vader enquanto abandonava os seus aposentos caminhando, como habitualmente o fazia, com passos rápidos, pesados, intimidantes. Detestava o homenzinho e a sua petulância. Ozzel era um líder medíocre que não sabia motivar os seus homens, que cometia erros de cálculo básicos, que era indulgente com atos censuráveis, que não conseguia perceber os perigos e que se vingava em situações inócuas. Natural de Carida, exibia tiques de prepotência derivados da sua educação privilegiada no seio de uma família que sempre tivera importantes ligações políticas no Senado Galáctico.

Não tivera qualquer possibilidade de se negar à nomeação e Ozzel era agora o comandante da Esquadra da Morte, frota impressionante de vasos imperiais de guerra, com a Executor como navio bandeira. Era o desejo de Palpatine e acabou por ser o seu desejo também. Chegou, a certa altura, a convencer-se de que Ozzel era o sucessor natural de Muitel, por influência do seu mestre. Reconhecia agora que esse almirantado estava destinado a um prazo muito curto. Palpatine quereria pagar alguns favores antigos, essas contas estavam saldadas. Assim concedia-lhe o espaço para decidir sobre o futuro de Ozzel quando mais lhe aprouvesse. Mas nunca demasiado cedo, a disciplina e a praxe militares impunham-lhe uma certa contenção. Palpatine sabia-o. Mais importante, Palpatine conhecia-o e confiava nele.

Vader chegou à ponte e dirigiu-se à consola principal. O capitão Piett fez-lhe uma saudação militar firme e indicou-lhe que estava tudo pronto, perguntando se desejava receber o holograma e iniciar a conversação. Ozzel, que tinha feito um percurso diferente para chegar à ponte antes dele e aguardá-lo, como definia a cortesia, mostrava-se arfante e suado. O homenzinho estivera a correr desesperado pelos corredores e pisos da Executor. Patético!

— Capitão Piett – ordenou Vader –, coloca-me em contacto com Becka.

— Sim, Lorde Vader.

— Almirante, quero conversar com Becka em particular.

— Sim, senhor – acedeu Ozzel controlando a respiração para que as suas palavras saíssem articuladas. Fez sinal ao capitão que o olhou confuso.

Vader esclareceu:

— O capitão Piett fica, para supervisionar a transmissão.

— Temos o operador, senhor…

Dois operadores, de facto, que ali se encontravam sentados, a mexerem na consola. Estavam encolhidos e calados, completamente mortificados e não ousavam olhar quer para o almirante, quer para o Sith. Vader encarou Ozzel. O almirante desistiu e abandonou a ponte.

O capitão acenou com a cabeça para um dos operadores.

O holograma de Becka surgiu. Estava na carlinga de uma nave, sentado no lugar do copiloto, fumando um daqueles charutos cigarra pestilentos, com a atitude execrável de alguém que se julgava intocável.

Quando se apercebeu de que estava em direto para a ponte da Executor retirou as botas do painel de navegação, sentou-se direito na cadeira e fez um aceno informal com os dedos onde prendia o charuto.

— Lorde Vader… Não te esperava tão cedo. Disseram-me que estavas ocupado.

— O que pretendes, Becka? Continuo ocupado.

O criminoso olhou de soslaio para o lado. O piloto, provavelmente, tinha-o alertado para alguma situação e ele mandara-o estar quieto com aquele olhar repentino. Haveria outros naquela nave, pertencentes ao bando fora-da-lei daquele senhor do crime. Vader não queria saber e esperava que aquela transmissão não se destinasse a pedir nada. Não estava com disposição para atender a nenhum pedido, nem a remendar qualquer imprevisto.

— Estou a caminho de Ostyu – respondeu.

— Se está tudo a correr conforme o planeado, porque quiseste falar comigo?

— Queria colocar-te a par dos últimos desenvolvimentos…

— Não preciso de detalhes, Becka – cortou Vader ríspido. – Foste incumbido, por mim, de liderar o negócio que a Aliança preparou para adquirir novas naves de assalto para a sua frota que permanece escondida algures nalgum sistema da galáxia, negócio esse que chegou ao nosso conhecimento através dos nossos espiões. Considera-te afortunado por teres sido escolhido para agir, nesta missão, como agente imperial. Muito poucos têm esse privilégio. Não desperdices a tua boa fortuna… com hesitações de última hora, completamente descartáveis.

— Não estou a hesitar, Vader.

— Então, não compreendo o que existe de tão importante que te obriga a, contra todas as regras de segurança, quereres falar comigo.

— Os rebeldes nunca vão saber que foste tu, Vader, que me incluiu no negócio…

— Nunca subestimes o teu inimigo, Becka. Nem os teus amigos.

— Muito obrigado pelo aviso!

— Creio que esta conversa está terminada.

— Não temos a certeza se Skywalker está entre os rebeldes que estão a liderar as negociações, Vader – informou Becka irritado. – Não foram fornecidos nomes ao meu agente. Os rebeldes são espertos… Evitaram ser nomeados e não procuraram conhecer quem estava a falar com eles.

— É normal que tivessem tomado precauções neste sentido, não me surpreende. A aquisição das naves é uma questão delicada e de suprema importância para a continuação da sua revolta ridícula. O Skywalker… está entre eles. Tenho a certeza.

— Como podes ter tanta certeza?

— Tu vais assegurar-te desta minha certeza porque vais conseguir descobrir os nomes dos rebeldes com quem vais firmar um importante e milionário contrato, Becka. Não me desapontes, as tuas oportunidades esgotam-se em Ostyu. Se falhares outra vez em conseguir-me o piloto rebelde, nada, nem ninguém, será capaz de te esconder para escapares do meu castigo. Irei perseguir-te até aos confins da galáxia, no buraco mais improvável. Se consegui descobrir todos os cavaleiros Jedi que o Imperador entendeu perseguir, que possuíam capacidades extraordinárias com o auxílio da Força, tu serás ainda mais fácil de detetar e de caçar. Entendido, Becka?

 O bandido apertou o charuto entre os dentes.

— Entendido, Vader.

— Chegou ao meu conhecimento de que pretendes ganhar alguns créditos a partir de uma colaboração que acordaste com o bandido de Tatooine chamado Jabba, o Hutt, que persegue um contrabandista corelliano que, segundo as tuas fontes, estará também entre os rebeldes em Ostyu. Não irei interferir, claro. Só me interessa o Skywalker. Aviso-te, porém, que não gosto que julguem que me possam enganar ou esconder de mim o que quer que seja. Se considerar que esse contrabandista corelliano serve os meus interesses, fico eu com ele e negoceio direta ou indiretamente com o bandido de Tatooine. Entendido, Becka?

— Perfeitamente.

— Pretendes acrescentar mais algum facto a esta comunicação inútil?

Becka abanou a cabeça. No holograma, parecia estar colado à cadeira.

— Não, Vader.

— Ótimo!

O capitão Piett deu por terminada a transmissão.

— Capitão?

— Sim, Lorde Vader?

— Destaca dois batalhões de assalto para Ostyu a partir do sistema que se encontra mais próximo. Stormtroopers e respetivo comando operacional. Deverão abordar o Jeiz Becka e os rebeldes, tomando a todos como prisioneiros. Missão secreta e máxima discrição. Sem qualquer comunicação com a Esquadra da Morte a partir da emissão da ordem de ataque.

— Compreendido, Lorde Vader. O almirante Ozzel…?

— Eu informarei o almirante da minha decisão, capitão.

— Sim, senhor.

No decurso da sua existência tinha-se deparado com muitos momentos que o entristeciam. Pequenas desilusões que o destruíam, que se aninhavam insidiosas debaixo da pele, trespassada a armadura impenetrável, a aparente fronteira inviolável que o protegia. Ele não sabia lidar com desilusões, de qualquer natureza. Tornavam-no imprevisível e intransigente.

Vendo bem, sempre fora obrigado a enfrentar desafios. Assuntos que ele não dominava, que ele desconhecia, que até o amedrontavam. Assim, aceitando a luta, conseguira alcançar todas as suas vitórias. E este era um pensamento abominável, porque provinha das raízes do seu ser, da sua anterior pessoa – quando fora, efetivamente, uma pessoa.

Pelo meio, contudo, aconteciam as desilusões e o seu carácter, aquele da pessoa que tinha sido, fora maioritariamente forjado a partir das contrariedades e das raivas por todos esses boicotes ao seu magnífico potencial.

E continuava a lutar, mesmo depois dessa pessoa, para não desistir, para não soçobrar, para não se conformar. Desiludir-se a si próprio seria trágico.

Vader caminhou pela ponte, mãos apertadas atrás das costas, tentando estender mentalmente uma ligação psíquica com o piloto rebelde que ele ambicionava capturar.

Era um Skywalker, essa ligação ser-lhe-ia quase natural.

Bastava senti-lo uma primeira vez…

E teria todas as certezas. E nunca mais largaria essa presa.


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Notas finais do capítulo

Agora já sabemos a razão de Jeiz Becka aparecer no negócio das naves da Aliança - o Império está atento, mais precisamente Darth Vader.
A sua busca pelo piloto rebelde que destruiu a Estrela da Morte prossegue incansável e o lorde negro não vai descansar enquanto não descobrir que se trata efetivamente de um Skywalker. Por enquanto, é apenas um pressentimento...

Próximo capítulo:
Nem todos são aliados.