Anais de Tëmallön; Os Livros Sagrados escrita por P B Souza


Capítulo 20
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo da parte 2.



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O salão do Tulipas era enorme, as colunas de granito haviam sido cobertas por placas de vidro e o vão entre ambas formavam aquários aonde pequeninos peixes nadavam. Com o pé-direito a sete metros do chão, o salão possuía um palco suspenso no meio e uma varanda interna no fundo aonde ficava a área fechada

— É ali que o Primeiro Ministro está. — Tomiam disse para Alek enquanto eles comiam.

O palco suspenso então começou a descer lentamente, era pendurado por cordas de aço que por sua vez desciam pelo interior das colunas até o subterrâneo onde ficava o maquinário, sequer ouviam o som das engrenagens. A iluminação era azulada nas colunas, em feixes centrados que iam até o teto aonde lustres ardiam em chamas alaranjadas e mais intensas, com a luz se diluindo no ar até chegar fraca nas mesas pelo salão, que no centro era três degraus mais alto, área reservada para bailes.

— Onde estão as tulipas? Li uma vez que o salão do Tulipas era repleto de tulipas. — Alek perguntou.

— O ministro é alérgico, mas este é o melhor restaurante em todo o Anel, logo não haveria outra opção se não retirar todas as tulipas para a noite. — Gÿrvanza respondeu, ao lado dele estava Juno, sua esposa e mãe de Tomiam.

Alek e sua família estavam de um lado da mesa, Gÿrvanza e a sua do outro. Juno, Tomiam lhe dissera, havia deixado o pai porque o casamento não era mais o mesmo de uns tempos atrás, mas em ocasiões sociais eles ainda apareciam juntos pelo poder da imagem.

Foi então que o palco terminou de descer, e o salão, antes cheio apenas de conversas baixas e separadas, som de talheres e copos, e risos lá e cá, se tornou repleto de um fio fino de instrumental, que se tornava lentamente mais alto.

Do teto, holofotes surgiram, iluminando o lado direito do salão, de onde, pela porta dupla, uma mulher surgiu. Dois homens com sobretudos abriram caminho para ela, e ela caminhava como uma divindade entre os mortais. Sua pele negra reluzia como se estrelas saíssem dos poros e o vestido, longo e aberto em uma das laterais deixava sua coxa visível a cada passo, as curvas de sua cintura acentuavam a beleza própria e do vestido purpura. Seus cabelos enrolados em um coque trabalhado com uma estrutura dourada que descia pela nuca se fundindo ao colar com uma grande pedra entre o azul e o roxo.

Todos pararam para ver a mulher em seu caminho para o palco, e ninguém notou que no palco um homem havia subido, saído de alguma mesa muito provavelmente. Ele usava uma roupa tão fina quanto, mas preta, básica, sem muitos enfeites.

— Senhoras e senhores, eu lhes apresento a diversão desta incrível noite; — Ele esticou o braço pegando a mão da mulher, que usava luvas cinza de seda. Beijou-lhe as costas da mão e então a tomou pelo braço. — Lady Skylar!

Uma salva de palmas surgiu ainda no meio do nome da mulher, alguns até mesmo se levantaram enquanto do teto, apenas em cima do palco suspenso (que começava a subir), chovia fragmentos de algo brilhante, pequenino e belo, como uma cortina de estrelas a despencar do céu escuro ao redor da maior estrela, ascendendo ao firmamento.

O homem se retirou do palco e este ascendeu três metros de altura em um minuto. Todos olhavam para Lady Skylar, que acenava para o público com um olhar calmo e pleno.

— Ela é linda. — Alek não conseguiu conter o pensamento, estatizado pela beleza desigual.

Quando abaixou a cabeça, sentindo até mesmo uma dor no pescoço, viu que Gÿrvanza já sequer estava ali, nem sua esposa. Encontrou-os indo rumo à escada. Alek pensou em ir atrás dele, mas se lembrou do que haviam discutido, e como haviam discutido.

Então Lady Skylar, sem dizer uma palavra, começou a ressoar, lábios fechados, apenas um “hmmmm” que reverberou no salão chamando a atenção de cada um dos presentes. E começou.

Era um coral de uma pessoa só, sua voz tremenda como era, suave e cruel, adentrava no intimo de todos eles como uma lembrança agridoce da qual o sujeito se apega e sofridamente aceita largar, um alento para os enfermos e um deleite aos saudáveis. A voz de Lady Skylar era um trovão distante, todos sabiam ser perigo, mas apreciavam mesmo assim. E sua canção era o ardor de um povo orgulhoso, era o ápice de Tëmallön, o melhor que poderia existir. Era Lady Skylar.

Alek olhou para sua família então. Sua mãe sorria assim como Tessara, mas Inara não parecia gostar muito, preferia brincar a estar ali, enfiada naquele frondoso vestido que limitava seus movimentos. Mesmo de cara feia, Alek alegrava-se em ver a irmã mais nova ali. Por um curto momento conseguiu até se esquecer de tudo e apenas aproveitar a canção, aproveitar a comida, aproveitar a companhia. Foi um curto momento, mas especial em cada segundo.

— Você esta sentindo? — Perguntou para Tomiam.

— O quê?

Alek estreitou os olhos para o palco suspenso e Lady Skylar gesticulava enquanto cantava uma ode aos guerreiros de Pashrempta, uma das canções mais antigas de Tëmallön. Sua voz é horrível. Alek realizou ao blindar suas próprias orelhas. Aprendera com o pai a controlar o som, e agora entendia o que acontecia com Lady Skylar, e não era nada de se impressionar por talento, mas Alek ainda assim se impressionara.

— Nada. — Disse, focando na cantora com um olhar curioso agora.

— Senhores, perdão o incomodo. — Um garçom surgiu ao lado de Tomiam e entregou um bilhete fechado. — Mestre Gÿrvanza pediu que entregasse.

Tomiam agradeceu e o homem se retirou depressa para a porta de onde Lady Skylar havia vindo. O garoto leu e então passou para Alek.

— Melhor não o deixar esperando. — Tomiam sussurrou quando Alek leu e olhou para ele.

— Não vem?

— Ele chamou você, não eu.

A ode havia terminado e o palco descia novamente. O interlocutor voltava ao salão e com sua voz elevada anunciava uma breve pausa para a próxima canção. Alek se colocou de pé e foi até sua mãe, cada uma das irmãs estava sentada de um lado de Saedra.

— Mãe. — Alek a chamou. — Vou falar com Gÿrvanza, ele me chamou, acho que vamos falar com o Ministro. Não saia daí, Tomiam vai cuidar de você.

— É verdade que tem monstros aqui? — Inara perguntou para Alek.

— Não monstros. — Ele respondeu olhando ao redor, se lembrou dos alertas de Gÿrvanza quando deixaram o casarão para o jantar. — Mas há agentes dos Carza!

E com isso se foi, mas impelido pela curiosidade maior, parou e olhou para o lado, Lady Skylar cruzava seu caminho.

— Senhorita, senhorita Skylar. — Chamou indo até a mulher que virou e lançou a ele um olhar de desentendimento.

— Posso ajudar? — Sua voz retumbou como uma tonelada de penas despencando lentamente do céu ao chão.

— Sua canção é sem igual, o talento veio com treino ou é natural?

— Eu agradeço a apreciação, meu senhor, mas preciso me preparar para o segundo ato...

— O que usa é magia, sua voz não é boa. — Alek perguntou baixinho segurando o braço de Lady Skylar para que ela não continuasse andando, atraiu olhares, incluindo de seguranças nas bordas do salão. Soltou o braço dela e Lady Skylar se endireitou estufando o peito para Alek — Eu senti na sua fala, e agora vejo que não estava errado!

— Está delirando. Claramente bebeu demais.

— Sequer sabe!? — Alek chocado, a expressão de ignorância em Lady Skylar era devastadora. Ela canta, e usa de seu poder sem sequer ter conhecimento disto?

Então Lady Skylar se aproximou dele, como se fosse abraçar Alek.

— Não abra sua boca, ou me colocaria em perigo!

Alek olhou para ela então ainda mais confuso. Você sabe ou é vítima da própria magia? Ele já não entendia mais.

— Posso ajudar, quero ajudar, também sou um mago...

— Preciso ir, meu senhor. Mas me encontre novamente sim! — Então, com um sorriso falso digno de uma atriz em seu palco, Lady Skylar deixou Alek para trás. Ele, porém, não se contentou.

Foi atrás dela mais uma vez mas conseguiu apenas ser barrado pelos guardas, que riram dele, chamaram-no de bêbado apaixonado, acusaram-no de não ser o primeiro a se apaixonar por Lady Skylar e sua voz, o efeito era comum. Eles não entendiam, porém, que Alek não estava apaixonado, mas sim decifrando a mentira que a mulher contava, muito provavelmente, para si mesma!

Então olhou para trás, de volta ao seu caminho, os passos rápidos até a escada. Subiu para a varanda suspensa onde apenas as mais ilustres figuras estavam. O alto escalão de Tëmallön, empresários, diretores, líderes e representantes de Ordens maiores e menores assim como dois reis, de Qenati e Syrean, e um dos Cinco Reis de Alnia-Saed. Alek assim que passou pela barragem da porta se viu encarando também um rosto familiar; General Aticus, para quem se ajoelhara.

Foi o primeiro a ver ele também, e se aproximou com um cálice dourado na mão.

— Percorreu tremendo caminho desde aquele dia no elevador. — O general, desta vez despido de sua armadura, parecia ainda mais comum do que no primeiro encontro, seu cabelo era raspado com menos de um dedo de altura e o rosto não possuía barba ou cicatrizes, os olhos castanhos eram calmos e mantinha as mãos para trás com uma postura reta, usava um gibão preto com uma placa de metal apenas do lado esquerdo aonde o brasão de Tëmallön era ostentado.

— Me dediquei a provar a verdade, senhor. E o fiz!

— Sim, acredito que todos precisemos de um pouco de verdade esses dias. — Aticus então foi ao lado de Alek, e com a mão nas costas de Alek, o fez começar a andar. — Chegou a ver aquelas criaturas? Nunca tive a oportunidade de lhe perguntar.

— Eram prisioneiros, não? Enlouquecidos...

— Sim, enlouquecidos. É a mais pura verdade. — Aticus então respirou fundo e apontou para a mesa onde Gÿrvanza estava. — E a única verdade da qual precisamos. Agora o deixarei ir, preciso conversar com Meiron, espero lhe ver novamente nessas reuniões e menos vezes em campo de batalha.

— Igualmente! — Alek disse, então o general deixou ele ali, e na mesa mais a frente Gÿrvanza se levantou despedindo-se de alguns homens. Alek não pode deixar de notar que não via mulher alguma ali em cima, nem mesmo Juno, que havia saído junto de Gÿrvanza da mesa deles lá em baixo.

A conversa ali em cima era outra, também notou tal contraste. Lá em baixo falavam de colheitas, preços, viagens, amores, aventuras, invenções... Já ali em cima os assuntos eram rebeliões, alianças, tratados e ouvira até mesmo falarem de assassinato.

— Demorou. — Gÿrvanza disse chegando ao lado de Alek. Os dois pararam olhando para o salão abaixo. — Cedric saiu há menos de um minuto. O chamei com antecedência justamente para que pudesse lhe apresentar ao homem que tem o poder de mudar tudo!

— Eu estava ocupado...

— Me pergunto fazendo o que!

— Indo atrás de algo que pode mudar tudo! — Alek respondeu com a mesma entonação que Gÿrvanza, e isso claramente o aborreceu.

— Petulante... Não dessa vez! — Gÿrvanza ergueu a cabeça como quem pensa na resposta. — Essa é sua desculpa? O que poderia mudar tudo?

— Foi um erro, era algo, pensei que fosse... — Alek ponderou o pedido de Lady Skylar e lembrou-se de sua mãe, o temor dela. Ele confiava em Gÿrvanza, mas não podia colocar a vida de outra pessoa em sua confiança quando admitia para si mesmo que poderia estar errado. Se fosse seu segredo, de bom grado dividiria com Gÿrvanza, mas não era. — segui sombras no escuro e perdi o foco. Perdão.

— Haverá outras oportunidades, só não me decepcione uma segunda vez! — Gÿrvanza então apontou para as escadas. — Vamos retornar para o salão central, já está ficando tarde.

Desceram então, enquanto Lady Skylar retornava ao seu palco suspenso para o segundo ato.

No salão então começaram as danças. Alek viu casais se levantando em todos os pontos, indo para a grande área vazia para dançar. Outras pessoas desceram da varanda, pessoas influentes que desejavam se divertir. Juno então retornou também. Consigo trazia um garoto de não mais que quinze ciclos de cabelos azuis e roupas novas, porém sujas. Alek se lembrou do menino, era o enviado de Gÿrvanza para Alnia-Saar. Quando tentamos ir buscar o Dorrem, mas Ninsiel não deixou.

— Eles retornaram. — Juno disse e Gÿrvanza pegou na mão da esposa enquanto olhava o garoto.

— E então?

— Está em segurança no casarão. — O garoto disse.

Tomiam então olhou para Alek, que de imediato se pronunciou.

— Quero em minha casa! — Sua voz foi firme. Gÿrvanza olhou para o menino e anuiu com um gesto com a mão livre. Então puxou a esposa para perto de si. — Vamos dançar antes que a noite acabe.

Juno não fez mesura, apenas foi.

Alek tornou a se sentar enquanto o garoto de cabelos azuis se retirava. Encontraram o Dorrem, ninguém pode ler ele, apenas eu. Sentia a ansiedade, a vontade de deixar aquele baile naquele exato instante.

Porém ao mesmo tempo olhava para o palco suspenso, para Lady Skylar, e pensava nela, queria decifrar ela!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, a parte 3 logo logo estará entre nós!



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