O Caminho da Andorinha escrita por BadWolf


Capítulo 11
A Concorrência




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O taberneiro fez um aceno para a mesa onde sentavam-se Ciri, Turiel e o Magistrado, e logo o Bruxo caminhou até ela. Ciri pôde ver o seu rosto pela primeira vez. Era o rosto de um homem já adulto, mas não tão velho como Geralt. Os olhos eram amarelos e felinos, como os de um Bruxo costumavam ser. Havia uma cicatriz de três garras a tomar praticamente toda a sua bochecha esquerda, encerrando no maxilar, deixando a barba ruiva e espessa do sujeito com uma falha visível. Havia um quê viril e determinado nele que, apesar das marcas e cicatrizes, conferia-lhe um certo charme. Sua armadura era rústica e pesada, mas parecia ser de séculos atrás. Entretanto, nada chamava mais atenção que sua altura. Certamente, beirava aos dois metros de altura. E apesar de usar uma armadura pesada, ele parecia ser bastante forte e musculoso.

O homem ao seu lado era comum e já tinha certa idade, tendo os cabelos brancos e barba enorme. Suas vestes eram típicas de um agricultor, e a julgar pelo cheiro de terra que exalava dele, certamente ele era um.

—Godfrey? – perguntou primeiro o camponês para o Magistrado.

—Angus. – disse o Magistrado. – Estou surpreso em vê-lo em uma taberna. Afinal, você não costuma chamar esse tipo de estabelecimento de “antro de perdição e pecado”?

—Minha opinião quanto a isso não mudou. Minha vinda aqui se faz necessária porque...

—Vim pelo Dragão– interrompeu o Bruxo.

Ciri inquietou-se. Geralt havia mencionado a ela a possibilidade de encontrar concorrentes pelo Caminho. O próprio Geralt passou por isso algumas vezes. Mas, Ciri reconhecia, ela possuía um considerável agravante: ela não passou pelas mutações. Não tinha os mesmos sentidos sobrenaturais dos Bruxos, não lançava Sinais e nem poderia beber poções, pois ela era humana e isso seria fatal. E para completar, ela era uma mulher.

—Ora, ora... Vejo que está acompanhado de um Bruxo. – disse o Magistrado, bastante surpreso e se permitindo franzir a sobrancelha. – Sua opinião quanto a Bruxos também mudou?

—Nunca fui propriamente um defensor de Bruxos, mas qualquer um é capaz de reconhecer que eles são os mais eficientes quando o assunto é matar monstros. E não quero perder dinheiro outra vez por causa desse maldito Dragão. Demorei quase um ano para me recuperar do último ataque dele. – tentou se justificar o sujeito.

—Todos nós fomos prejudicados, Angus. Todos nós. O problema é que você chegou tarde. Não há nenhum contrato pelo Dragão porque, simplesmente, não há mais Dragão algum.

—Está me chamando de mentiroso? – disse o Bruxo, num tom de poucos amigos. Apesar de estar retrucando um Bruxo que poderia mata-lo em um piscar de olhos, o Magistrado não demonstrou qualquer medo quanto à qualquer reação agressiva dele.

—Nada disso. O que quer que tenha escutado por nossa região, é notícia velha. O Dragão desapareceu de Lathlake há alguns anos. Sinto muito. Aliás, Angus, você deveria ter contado a esse “Bruxo” que Turiel já deu um jeito no Dragão.

—Pelos deuses, Godfrey. Acredita mesmo que essa elfa foi capaz de dar um jeito naquele monstro voador? – retrucou Angus, mordazmente, sem se importar com a presença de Turiel ali. – Como eu suspeitei, ela passou a perna em todos nós e o Dragão continua à espreita.

—Não há nenhum Dragão porque eu acabei com ele. Simples assim. – disse Turiel, provocando risadas em Angus.

—E como “acabou com ele”, então? Você o fez peidar até morrer com um de seus elixires?

—Pouco importa os meus métodos. Não. Há. Dragão. Algum. – enfatizou Turiel, em um tom tão firme que não permitia qualquer questionamento.

—Eu o vi. – respondeu o Bruxo, categoricamente.

—Não terá sido um wyvern?

O Bruxo voltou seus olhos felinos para Ciri, que subitamente se envolveu na conversa. Surpreendeu-se ao ver uma mulher de cabelos brancos, e especialmente, uma mulher que sabia o que era um wyvern. Mas suas mutações, como sempre, disfarçavam boa parte de suas reações corporais.

—Não sou tão burro a ponto de confundir um wyvern com um Dragão. Estou atrás dele por meia Teméria e o rastro dele me levou até aqui. Portanto, se não há mais contrato, é melhor ir preparando um, porque esse Dragão tem feito um grande estrago por onde passou. Não tardará até ele que faça aqui também.

O Magistrado bufou. Não era difícil entender o que se passava por seus pensamentos. Mais contrato, mais dinheiro... E o contrato por um Dragão deveria ser absurdamente caro.

—Preciso de tempo para fazer este contrato. Isto é, se realmente há um Dragão.

—Não há Dragão algum. Esse Bruxo certamente está cometendo um engano. – afirmou mais uma vez Turiel. Ciri notou uma leve “trepidação” na voz da elfa. Como se ela não estivesse tão certa disso, apesar de afirmar categoricamente. O Bruxo pareceu ainda mais irritado.

—Se continuar dizendo que estou enganado, elfa atrevida, eu vou arredondar essas suas orelhas pontudas e...

Imediatamente, o Magistrado interveio em favor de Turiel.

—Mais respeito, Bruxo. Turiel goza de boa reputação em nosso vilarejo e não toleraremos nenhuma grosseria contra ela, entendeu? Do contrário, concederei o contrato à outra pessoa de minha confiança.

—Como assim, outra pessoa de sua confiança? – interferiu o Bruxo, dessa vez. – Quem mais teria condições de matar o Dragão?

—Eu. – disse Ciri, fazendo o Bruxo imediatamente rir.

—Então, é isto? O desespero de vocês é tão grande assim que vocês simplesmente entregam o contrato para uma reles humana?! Mas afinal, me conte, garota: o que te fez desistir da vida tão cedo a ponto de optar por ter uma morte horrível e sangrenta nas garras de um Dragão?

Ciri rolou os olhos.

—Não passei pelas mutações, mas sou capaz de lidar com um Dragão tão bem quanto você. Talvez até mais.

—E acha que isso é o bastante? – retrucou o Bruxo, cruzando os braços e tentando soar intimidante. – Olhe para ela, Magistrado. Olhe bem para ela. Essa mulher é uma humana, portanto não é capaz de matar qualquer monstro.

—Diga isto à aparição que acabei de matar. – retrucou Ciri.

—Quanto a isto, eu não posso reclamar. – interveio o Magistrado, em defesa de Ciri. – A jovem pode ser humana, mas conseguiu acabar com a aparição que estava assombrando o Cemitério de Lathlake há meses.

O Bruxo não parecia convencido.

—Isso não prova nada. Um Dragão é uma criatura muito mais poderosa que uma aparição. Não é qualquer pessoa que é capaz de mata-lo. Aposto que ela é uma impostora, que está se aproveitando de ter deixado uma boa impressão em vocês para obter algum adiantamento da recompensa pelo Dragão e então dar o fora na primeira oportunidade.

Por algum motivo, quase todos os presentes na estalagem pareciam ter dado ouvidos às acusações do Bruxo e comprado tais coisas como verdade. Ao perceber que o clima estava se tornando pesado, Ciri ficou mais alerta.

—O Magistrado é testemunha de que eu sequer pedi qualquer adiantamento de meu serviço.

—Ela tem razão. – completou o Magistrado. – Tudo que o Mestre Bruxo disse foram apenas meras suposições. E devemos nos lembrar de que há feiticeiras que são capazes de lidar com esse tipo de criatura. Portanto, ser um Bruxo não é necessariamente um requisito.

—Na verdade... – interveio Turiel. – Bruxos não matam dragões. Não foram treinados para isso. Estou certa?

O Bruxo parecia encurralado. Os argumentos do Magistrado de Lathlakek e da elfa tinham lá seus fundamentos, e tais coisas lhe deixava inconformado. Quando prestes a dizer alguma coisa, o camponês Angus o impediu, falando primeiro.

—Mas afinal, quem irá ficar com o contrato? Sabemos que será um custo achar alguém disposto a matar esta fera bestial, e o Mestre Bruxo Bjorn já se dispôs a mata-lo, bem como a senhorita de cabelos cinzentos.

Bjorn. Então, o nome dele era Bjorn. Um típico nome de Skellige.

Pele avermelhada pelo sol, cabelo ruivo, machados nas costas e o sotaque peculiar das Ilhas... Sem duvida, ele é de Skellige. Que curioso...

O camponês Angus voltou-se para o Magistrado, cujo semblante era apreensivo.

—E agora, Magistrado? O Bruxo veio de longe, disposto a matar o Dragão que mais uma vez torna a rondar o nosso vilarejo, e devo simplesmente dispensá-lo com uma mão na frente e outra atrás? – reclamou o camponês, mãos à cintura, enquanto o Bruxo escutava à discussão com o semblante entediado.

—Não sei quanto ao seu Bruxo, Angus, mas o fato é que não posso fazer um contrato sem evidências.

Bjorn cruzou os braços.

—Se eu provar que há um Dragão nas proximidades, fará um contrato?

O Magistrado deu de ombros.

—É meu dever zelar pela segurança de Lathlake. Se realmente há um Dragão nas redondezas de Lathlake, não me restará outra escolha senão fazer um contrato. Mas não pense que o contrato já é seu, caso ele realmente seja feito. Ciri fez um bom trabalho com a aparição do cemitério, agindo com zelo e profissionalismo, e se ela se diz preparada para lutar contra um Dragão, então não vejo melhor pessoa a quem entregar o contrato.

Bjorn trazia o semblante estoico dos bruxos, mas Ciri sabia que, por dentro, ele estava se explodindo de raiva. Era experiente o bastante com bruxos para interpretar suas reações.

—Mas... – acrescentou o Magistrado. – Para não fazer desfeita ao Bruxo, que parece ter vindo de longe, os dois podem caçar o Dragão e dividir a recompensa. Claro, contanto que ambos concordem.

Ciri desviou seu olhar para Bjorn, que parecia dar de ombros, fazendo pouco caso da situação. Ainda que estranhasse sua atitude tão displicente assim com a recompensa, Ciri resolveu aceitar. Geralt havia lhe contado que certos Bruxos – raríssimos – eram realmente displicentes com a recompensa, e que alguns pouquíssimos aceitavam matar monstros até de graça, seguindo uma espécie de “dever para com a Humanidade” ou algo do tipo. Para Geralt, tipos assim tornavam a concorrência desleal e difícil.

—De minha parte, eu aceito. – ela disse, com firmeza.

—E quanto a você, Mestre Bruxo? – questionou o Magistrado.

—Eu também aceito. – disse, cruzando os braços. O Magistrado relaxou os ombros.

—Ótimo. Então, a contenda está encerrada. Dora, por favor, uma caneca com destilado temeriano e um prato de comida quente para o Bruxo, er... Como é mesmo o seu nome?

—Bjorn. – disse, puxando uma cadeira ao lado de Turiel, que pareceu sentir uma leve repulsa com a proximidade do bruxo ao seu lado. No mesmo instante, o olhar de Ciri se voltou rapidamente para a região do torso de Bjorn. Curiosa, a jovem queria saber a qual Escola aquele Bruxo pertencia. Mas, ao contrário de Geralt, que sempre exibia seu medalhão de Cabeça de Lobo, símbolo da Escola do Lobo, o Bruxo Bjorn não deixava seu medalhão à mostra. Decerto estava escondido por baixo de sua armadura.

—Sugiro que aproveitem a presença de Turiel. Afinal, foi ela quem deu cabo daquela besta, há uns sete anos atrás, se não me engano...

—Oito anos, na verdade. – corrigiu Turiel. – E apesar do que dizem os aldeões, eu não matei o Dragão. Simplesmente o afugentei de Lathlake.

Bjorn deixou escapar um riso de escárnio.

—Isso é o que acontece quando não deixam o trabalho na mão de um profissional. Acha mesmo que um Dragão não pode voltar? Que dá para “expulsá-lo”?

—Eu tenho certeza de que não é o mesmo Dragão. – retrucou Turiel.

—Tem mesmo? – zombou Bjorn. – Qual era a cor dele?

—Negro.

—Pois bem. O Dragão que estou perseguindo também é negro. Coincidência? Dificilmente, quando dragões estão praticamente extintos. Estamos lidando com o mesmo Dragão, sem dúvida.

—Não pode ser. – retrucou Turiel, com mais veemência. – Estou inclinada a não acreditar em você, Mestre Bruxo, porque há oito anos atrás, este Dragão sobrevoou o nosso vilarejo. Todos viram. E por que ninguém o viu até agora? Um Dragão é uma criatura difícil de passar despercebida, não acha?

—Houve mortes? – perguntou Ciri, interessada. Turiel assentiu.

—Cerca de sete pessoas, incluindo o meu marido Elendil. Ele foi a última vítima. Para não dizer dos animais. Esse Dragão atacou em estradas, colinas... Todos sendo ataques bem dispersos e aleatórios.

—Decerto – interrompeu Bjorn, que sem qualquer cerimônia roubou o copo de Ciri e bebeu. – o Dragão que você tanto diz ter matado esteve em outro território, mas por algum motivo peculiar, retornou para cá. Portanto, ele definiu a área desse vilarejo como sendo o seu território, escolheu um ponto para ser o seu covil. Essas pessoas mortas, portanto, estavam invadindo o território dele.

—Não. – respondeu Ciri, com autoridade. – Se estivesse em busca de preservação territorial, o Dragão teria atacado pessoas em um local mais concentrado. Aliás, o comportamento territorial é típico de um Dragão macho. Sinal de que é uma fêmea. Se os ataques são tão aleatórios, é sinal de que ela estava faminta, ou que algo causou sua agressividade. Mas o que mais me espanta é a ausência de montanhas.

O Magistrado parecia admirado com a correção de Ciri.

—Por que a ausência de montanhas? – perguntou, interessado.

—Dragões gostam de montanhas para se abrigar. Lathlake tem pequenas colinas e uma floresta, o que não é o bastante para abrigar um Dragão.

O Magistrado parecia analisar, coçando o queixo farto de barba.

—Faz sentido...

—Bom, mas podemos lidar com um Dragão a agir de modo bem diferente. Afinal, tenho certeza de que não é o mesmo Dragão que afugentei anos atrás. – insistiu mais uma vez Turiel, causando agora suspeita em Ciri. Por que ela tem tanta certeza de que não é o mesmo Dragão? A Bruxa não conseguia deixar de se perguntar.

Bjorn suspirou pesadamente, de modo irritado.

—Para algumas pessoas, é muito difícil assumir o fracasso...

Diante do início eminente de uma discussão, o Magistrado Godfrey achou por bem intervir na conversa.

—Acalmem-se. Não vamos discutir por tão pouco, afinal o contrato sequer existe. Esse Bruxo apareceu em nosso vilarejo alegando que um Dragão está nos arredores, um Dragão que não tem aparecido há anos. E enquanto não confirmarmos essa informação, não há contrato algum.

Bjorn levantou-se da mesa.

—Então, Magistrado? Esperará até que este vilarejo seja reduzido a cinzas? Pois cinzas é tudo o que tenho encontrado no caminho deste Dragão. Precisamos agir, e imediatamente.

—Não sem provas. – disse o Magistrado, de braços cruzados. – Precisa entender, o contrato de um Dragão não é do mesmo preço que o contrato de uma aparição. Não temos tantos recursos assim. A não ser, é claro, que solicitemos recursos ao Rei e...

—Sem Rei. – cortou Bjorn, para surpresa dos presentes.

—Como assim, “sem Rei”?! Ele pagará melhor pelo serviço. Um Dragão não é uma criatura a ser subestimada, e em geral, Reis pagam para mata-los. Pagam, e muitíssimo bem, aliás.

—Eu já disse. Sem Rei. Estou aqui para matar o Dragão e não preciso da autorização de nenhum monarca para isso. E se não há recursos para um contrato, eu o farei de graça.

Ciri ficou boquiaberta, assim como todos os presentes. Geralt sempre disse que bruxos não treinavam para matar dragões. Mas apesar disso, havia cavaleiros, equipes e mesmo feiticeiros e Magos que conseguiam mata-los. E, claro, sob um vultoso preço.

—Não de graça, é claro. – retratou-se imediatamente o bruxo. – Eu ficarei com os espólios dele. O corpo do dragão será a minha recompensa.

Turiel e Ciri se entreolharam. Agora sim, fez sentido. O cadáver de um Dragão era repleto de itens valiosos para alquimia. Dentes e lágrimas de um Dragão poderiam produzir remédios e elixires raríssimos. Sangue de Dragão, por sua vez, era usado para fabricação de cosméticos poderosos. Em algumas partes do Norte, ossos de Dragão eram considerados como elementos de sorte.

Para não dizer, é claro, da lenda de que Dragões abrigavam vastos tesouros em seu covil. Lenda esta que se provou verdadeira em algumas ocasiões, e que ajudou no acelerado processo de sua extinção.

—Tudo bem, então. – aceitou o Magistrado. – Se houver algum Dragão, a tarefa será sua. E de Ciri também, é claro. E não adianta protestar, eu já dei minha palavra. A não ser, é claro, que ela não tenha mais interesse....

Ciri negativou com a cabeça.

—Será muito interessante lutar contra um Dragão. Eu aceito. – disse Ciri, fazendo Bjorn suspirar pesadamente, em desânimo. O Magistrado assentiu, satisfeito.

—Para não mencionar que, uma vez que não haverá contrato, vocês terão de chegar a um acordo quanto aos... Espólios do Dragão. Espero que decidam chegar a um consenso como duas pessoas adultas. Bom, já é noite alta e receio que será complicado avistar qualquer coisa nos céus, portanto eu recomendaria que vocês aproveitassem essa noite para descansar. E quanto a você, Ciri? Creio que ainda não entregou o seu quarto para Lucius...

—Tem razão, senhor Magistrado. Permanecerei hospedada por aqui.

—Ótimo. E quanto a você, Bruxo? – questionou o Magistrado, com certa rispidez em seu tom. Naquele momento, Ciri percebeu que o tratamento era deveras diferente. – Como Magistrado que sou, aviso-te, Bruxo, que ouça bem o meu conselho e não fique a vadiar pelo vilarejo. Tipos como você arranjam confusão mesmo sem procurar.

—Sei me virar. E não se preocupe, eu vou me aquietar. – disse o Bruxo, secamente, recebendo apenas um “assim espero” do Magistrado.

—Quanto a você, Turiel... – começou o Magistrado. – Creio que precisamos ter uma rápida conversa lá fora. Está bem?

Turiel assentiu levemente, seguindo o Magistrado para o lado de fora.

—Se precisar de alguma ajuda, Ciri, não hesite em me chamar. – disse a herbalista, não fazendo a menor questão de disfarçar que estava oferecendo ajuda apenas a Bruxa de cabelos cinzentos. Ao notar que Bjorn estava prestes a dar mais um gole em seu Licor de Mahakam, Ciri foi mais rápida, tomando a caneca e bebendo todo o conteúdo do copo de uma só vez.

—Não gosto de ser corrigido. – começou Bjorn, provavelmente ainda ferido pela conversa recente com o Magistrado.

—Então, seja mais esperto para não errar na próxima vez.

Bjorn riu. Apesar de rir, algo em seu sorriso dava a entender que o Bruxo não estava achando qualquer graça daquela situação.

—Que arrogante. Aposto que matou um afogador e pensa que já pode sair a vagar pelo mundo matando monstros. – zombou Bjorn.

Naquele momento, Ciri lembrou-se de quase tudo que passara. O grifo, quando salvou a vida do Barão Sanguinário. A batalha contra a Caçada Selvagem em Kaer Morhen. O confronto contra as Moiras do Pântano Retorcido. Em Skellige, quando sua ira fez com que ela desmembrasse com um só golpe qualquer um da Caçada Selvagem que aparecesse em sua frente. Sua luta difícil contra Caranthir. E por fim, a Geada Branca.

—Uma coisa eu posso te garantir... – disse Ciri, interrompendo-se para dar mais um gole. – Já enfrentei seres piores do que um Dragão.

—E ainda por cima, mentirosa. – zombou o Bruxo.

Ciri estava prestes a dar mais uma de suas respostas malcriadas, mas logo viu sombras se projetarem sobre a mesa. Virou seus olhos, para deparar-se com o mesmo grupo de rapazes problemáticos que quase a abordara em sua primeira noite em Lathlake. Não era preciso muito para saber que encrenca de verdade se seguiria desta vez, com o Magistrado longe. Um deles se vangloriava, segurando uma caneca de cerveja e gritando pela taberna em voz alta.

—Ouvi dizer que há uma aberração por aqui.

Ciri voltou seus olhos para Bjorn. Desta vez, o alvo de insultos era ele. No entanto, seu semblante estoico sequer se alterou. Decerto ele já estava acostumado a ouvir tais insultos, assim como Geralt. Mas o que ele faria, afinal, se as coisas esquentassem?

—Como se não bastasse uma espadachim de tetas, agora temos um Bruxo. Parece que Lathlake está agora a se tornar antro de tipos estranhos. Já somos obrigados a aturar a elfa curandeira, agora também teremos uma aberração ambulante e uma vadia.

—Não quero saber de confusão na minha estalagem. Deem o fora! – ordenou o estalajadeiro, chamando a atenção de todos os presentes. Ao gesticular, o jovem encrenqueiro acabou por esbarrar em Dora, fazendo a jovem servente cair no chão. O sangue de Ciri ferveu naquele instante. A jovem de cabelos cinzentos estava prestes a mandar o tal Dragão às favas e enxotá-los dali, mas Bjorn a deteve pelo pulso.

—Eu cuido disso. – disse o Bruxo, dando uma piscadela. Naquele instante, Ciri não tinha certeza se ele iria fatiar os encrenqueiros com seu machado de aço ou simplesmente aplicar o sinal Axii sobre eles e manda-los para longe, como Geralt costumava fazer. A segunda opção era a mais pacífica e correta a se tomar, e ela só esperava que o Bruxo de Skellige utilizasse seus poderes sabiamente.

—Deixem-nos em paz. Vão para suas casas. Agora mesmo.

Ciri reconhecia aquele gesto. Axii. A jovem pensou em suspirar de alívio, mas para sua surpresa, o gesto de Bjorn teve o efeito completamente reverso. Ao invés de tranquiliza-los e dissuadi-los de confusão, imediatamente os jovens encrenqueiros tomaram-se de raiva, urrando e sacando suas espadas imediatamente, como se estivessem possuídos.

—Mas que bruxaria maldita foi essa? – exclamou o estalajadeiro, sacando um facão para usar como arma. Confusão e medo se instalaram nos frequentadores da taberna, que imediatamente abandonaram suas bebidas e correram dali. Naquele mesmo instante, Ciri decidiu que era hora de intervir. Levantou-se de sua cadeira, deslizou da mesa e imediatamente sacou sua espada de aço, juntando-se à Bjorn, aparando os golpes e procurando não ferir gravemente os rapazes.

—O que você fez? – ela perguntou ao Bruxo, em meio ao combate. – Você tentou acalmá-los com o Axii e eles ficaram descontrolados?!

—Cale a boca e lute! – esbravejou Bjorn, atordoando um dos rapazes com o cabo de seu machado.

O Bruxo não respondeu a sua pergunta, ela notou. Não porque não conseguia, mas simplesmente porque não queria, percebeu Ciri. Para alívio da moça, ele também não tentou infligir dano considerável aos rapazes, deixando-os atordoados com golpes fortes e utilizando mais o cabo de seu machado, quando não uns bons socos em contra-ataque. Aqueles rapazes voltariam para casa com uns bons hematomas – não que Ciri se importasse com isso.

O último homem caiu, atordoado com uma joelhada dada no meio das pernas por Ciri.  Bjorn deu o golpe final, dando um soco em sua testa e fazendo-o desmaiar imediatamente. Percebendo que só restaram os dois em pé, Ciri embainhou sua espada.

—Parece que este foi o último. – concluiu a jovem, arfando de alívio.

—Um bocado de confusão, só para aquecimento. – disse o Bruxo, colocando o machado de volta às suas costas. Com as mãos livres, Bjorn estalou os dedos, de modo displicente. – Aliás, caso ainda esteja interessada em se suicidar sendo abocanhada por um Dragão, irei começar a busca amanhã, logo que o Sol nascer. Encontre-me na entrada de Lathlake. Vê se não se atrasa.

Ciri bufou. “Vê se não se atrasa”...

Babaca.

Idiota.


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Notas finais do capítulo

Então? O que acharam de Bjorn?
Sinto que vai dar encrenca para o lado da Ciri.
É bom a Saskia ir se preparando...



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