Ele não entrou. Pelo menos enquanto o Nico estava lá. Não sei se permaneceu em St. Mungus durante esse tempo todo. O que sei é que, quando o Nico saiu, ele entrou.

Malfoy entrou no quarto, em completo silêncio. A sua expressão mantinha-se serena.

—Vejo que estás bem. – comentou sentando-se no sofá que mais cedo tinha sido ocupado por Lily.

Mantive-me calada. Eu queria saber onde ele queria chegar ao estar ali. Eu queria saber o que ele estava ali a fazer. Mas, mais que tudo, eu queria saber o que ele estava a fazer na floresta.

—Fiquei tão preocupado quando soube que desapareceste. – continuou. Permaneci calada – Não dizes nada?

—Tens a certeza que queres que eu fale? – perguntei – Porque quando começar a falar, eu não vou parar.

—Rose…

—Como é que sabias onde é que eu estava? – perguntei esperando pela sua resposta que não apareceu – Vês? Porquê que pedes para eu falar quando não respondes às minhas perguntas simples. Tu não dizes nada. E o que dizes é mentira. Como a grande mentira que disseste há oito anos. Quando disseste que me amavas. Amavas-me e depois abandonaste-me. E depois apareces aqui, fingindo que estás preocupado.

—Eu estou preocupado. – gritou Malfoy, assustando-me – Eu estou realmente preocupado. – repetiu em tom mais baixo.

—Vês? E depois apareces com essas palavras. Como quando estávamos no casamento. Se realmente estás a falar a verdade, diz-me. Como é que sabias onde é que eu estava?

Malfoy levantou-se e começou a andar de um lado para outro. Mesmo desconfiando de tudo o que tínhamos passado juntos há oito anos, havia coisas que eu sabia. Ele estava a pensar seriamente nas palavras que iria dizer.

—Vejo que o teu relacionamento com o Nico está sério…

—Para Malfoy! – foi a minha vez de gritar. A dor nas costas intensificou-se – Ai!

—Estás bem? – perguntou Malfoy aproximando-se de mim – Não podes fazer esforços, tu sabes disso.

Ignorei o que ele disse e prossegui.

—Se alguma vez te importaste minimamente comigo, vais dizer-me como é que sabias onde é que eu estava.

—Eu sei quem te levou. – desabafou agarrando na minha mão e baixando o olhar – Eu sei quem foi.

Olhei para ele, em choque. Os pontos soltos na minha cabeça começavam a unir-se. Começavam a fazer sentido. Era por isso que ele estava na floresta. Era por isso que ele sabia onde procurar por mim.

—E por não disseste nada aos meus pais? Ao Sirius? – perguntei soltando a minha mão da mão dele. Eu não queria contacto com ele.

—Eu não podia…

—Como assim não podias? Malfoy, quem é que me levou? – perguntei, levantando-lhe o rosto para que me encarrasse.

O medo era evidente. Malfoy não conseguia disfarçar isso. Era o mesmo medo que eu já tinha visto várias vezes estampado no seu rosto. O mesmo medo…

—Foi ela! – disse quando finalmente uni os pontos – Foi ela que me raptou. Foi a Nott!

Malfoy não disse nada. Mas, naquele momento, ele não tinha nada que dizer. Eu sabia o que tinha acontecido. Ele nem tentou negar.

As curtas conversas que tive com ela, quando estava presa, vieram à minha mente. E com isso, mais conclusões chegaram.

—Foi também ela que me tentou matar. – disse, ficando surpreendida com as minhas próprias conclusões – Foi ela que me tentou matar em Hogwarts, Malfoy!

Olhei para ele. Não havia um único sinal de surpresa no seu rosto. Apenas o mesmo medo demonstrado durante parte desta conversa.

—Tu sabias! Tu sabias que tinha sido ela a tentar matar-me. – acusei afastando-me ainda mais dele. Malfoy não se mexeu – Tu sabias que tinha sido ela a tentar matar-me e mesmo assim fugiste com ela!

—Eu fugi com ela para te proteger, Rose! – berrou afastando-se de mim. Começou a andar de um lado para o outro – Tu não consegues entender, Rose? Tudo isto foi para te proteger!

Encarei-o. Eu não sabia o que dizer. O meu coração palpitava tão forte que eu estava com medo que ele saísse do meu corpo.

Os restantes pontos continuavam a unir-se. Ele abandonou-me para me proteger. A Nott raptou-me. A Nott tentou matar-me. Todo este tempo tinha sido ela. E, todo este tempo a odiar o Malfoy e ele tinha feito tudo para me proteger.

—Porquê, Scorpius? – perguntei. Scorpius levantou o seu rosto e encarando-me. Uma lágrima caía sob o seu rosto – Tu podias ter ido falar com o meu pai. Com o meu padrinho! Eles andavam atrás dela.

—E nunca a conseguiram apanhar, Rose. Tu não entendes? Ela estava sempre dez passos à nossa frente. Porquê que achas que ela te tentou matar duas vezes? Porque na primeira, eu não cedi. Eu disse-lhe que os aurors andavam todos atrás dela. Que ela ia ser apanhada por ter tentado matar a filha da Ministra da Magia. E sabes o que ela fez? Riu-se na minha cara. Ela riu-se! E disse que eu iria ceder.

—Mas quando disseste isso, porque não falaste com os meus pais? Eles tinham-na prendido.

—Eu tentei. – respondeu Scorpius – Mas, antes que eu conseguisse, ela voltou a ameaçar-te. Ela tentou matar-te uma segunda vez. E, quase foi bem-sucedida.

—Então tu cedeste? Scorpius, tu podias ter vindo falar comigo! Juntos podíamos ter resolvido isto.  

—Era sobre a tua vida que ela estava a falar, Rose! A tua vida. Eu preferia ser infeliz a ver-te morrer.

—Tu sabes a dor que me causaste? – perguntei não aguentando mais – A dor que senti quando vi que me abandonaste. Tu não sabes como foram os anos seguintes. Tu não sabes o que eu passei. Eu senti-me perdida sem ti. Em vez disso, foste ter uma filha com a pessoa que me ameaçou. Foste ter uma filha com a pessoa que dizes que ameaçou a mulher que amavas.

—Eu estava bêbado, Rose. – confessou Scorpius – Eu não fiquei melhor que tu depois do que aconteceu. Eu também fiquei mal. Mal por estar longe de ti mas, pior que isso, mal por te ter feito sofrer. Aquilo aconteceu e só no dia seguinte é que eu percebi o que realmente tinha feito. A única coisa positiva disto tudo é a Lyra. Ela não tem culpa da mãe que tem.

—Como é que permitiste que ela continuasse perto da tua filha?

—Durante estes anos, eu vivi sempre sob ameaça. – contou Scorpius – Se tal não fosse, eu tinha-a deixado há muito tempo. Ela prendeu-me ameaçando-te e, quando a Lyra nasceu, quando ela deu o grande golpe, ameaçou-te a ti e à minha filha.

—Ela ameaçou a própria filha? – perguntei não conseguindo esconder o choque. A Nott era ainda pior do que eu podia imaginar.

—E ela cumpriu. – respondeu Scorpius, baixando o rosto – Não foi um completo acidente o que aconteceu com a Lyra. A Alicia arranjou um lobisomem para lhe fazer isso.

Quando eu pensei que não podia ser pior, Scorpius diz aquilo. A grande razão da Lyra ser um lobisomem tem a ver com uma obsessão da Nott pelo pai da filha.

—Eu não sei o que diga…

E não sabia mesmo. Neste momento existia muita coisa que eu tinha de assimilar. O facto de o Scorpius me ter abandonado para me proteger. O facto de quem me tentou matar e raptou foi a Nott. O facto de a Nott ter feito tal crueldade com a filha. A Lyra é apenas uma criança.

—Não precisas de dizer nada, Rose. – disse Scorpius segurando na minha mão. Eu não reagi – Fico feliz que finalmente saibas a verdade.  E fico feliz por me voltares a chamar Scorpius.

—Isto não altera nada, Scorpius. – disse afastando a minha mão da dele.

—Eu compreendo perfeitamente, Rose. – disse Scorpius. A desilusão na sua voz era evidente – Eu vou embora. Já está tarde. Só queria pedir-te mais uma coisa. Ela não pode saber de nada.

—Eu não faria nada para prejudicar a Lyra. – respondi.

Scorpius saiu deixando-me sozinha.

Dois segundos depois, percebi o que realmente tinha dito.  Ele fez de tudo para me proteger. No fim, ele amava-me.

A primeira lágrima caiu. A segunda veio logo a seguir. Muitas outras depois. Foi assim que passei o resto da noite.

—----//-----

Naquela manhã iria ter alta. Sirius vinha-me buscar. Os meus pais queriam vir, mas eu disse-lhes que não valia a pena estarem a faltar ao trabalho. Além do mais, eu precisava de falar com o Sirius. Eu precisava de falar com alguém.

—Priminha. – disse o meu primo ao chegar. Mas rapidamente percebeu que algo estava errado – Que cara é essa? Estiveste a chorar?

Era nisto que dava uma noite de choro. Mesmo aos vinte e cinco anos, a cara continuava a ficar inchada. E, mais uma vez, o motivo era o mesmo.

—Rose, o que é que se está a passar? A última vez que te vi assim…o Malfoy esteve aqui?

—Podemos falar em casa? – pedi, esforçando-me para não cair no choro outra vez. Eu sentia-me uma adolescente de quinze anos com estas crises de choro.

Sirius não protestou. O meu estado era a principal causa disso.

Octavia não estava em casa. Provavelmente estaria a trabalhar ou estaria com Albus.

Pousei as minhas coisas e sentei-me no sofá agarrada às minhas pernas. Tudo o que tinha descoberto no dia anterior parecia uma miragem.

—Rose, eu estou a ficar realmente preocupado. – disse Sirius sentando-se ao meu lado – A última vez que te vi assim foi…

—Há oito anos, Sirius. Eu sei. – respondi.

—O que é que se passou em St. Mungus para te deixar nesse estado?

—Scorpius…

—O que é que o Malfoy voltou a fazer? Eu juro que o mato, desta vez. – disse Sirius completamente furioso. Ele odiava realmente Scorpius.

—Aconteceu uma coisa no casamento. Com o Scorpius…ele beijou-me. – contei – E…e eu correspondi – confessei baixando o olhar.

—Oh Rose. – Sirius abraçou-me. As lágrimas voltaram a correr pelo meu rosto – Ele só te faz mal. Tu tens de perceber isso. Tu não podes continuar agarrada a ele desta maneira. Assim, nunca serás feliz.

—Há mais. – continuei.

—Como assim há mais?

—Foi ele que me levou para St. Mungus. – contei, limpando algumas lágrimas – Foi ele que me encontrou porque ele sabia perfeitamente onde procurar. Porque ele sabia quem me tinha levado.

—Se aquele idiota sabia quem te tinha levado porque não disse ao meu pai? – perguntou Sirius começando a perder a paciência.

—Porque ele não podia, Sirius. – respondi – Ele não podia. Se não quem sofria era a filha.

A cara que Sirius fazia naquele momento era, com certeza, a mesma que eu tinha feito, na noite anterior, a Scorpius quando me contou a verdade.

—Foi a Nott que me raptou. Foi a Nott que me tentou matar há oito anos. Foi a Nott que fez com que o Scorpius me abandonasse mas não porque ele estava apaixonado por ele. Ele abandonou-me para me proteger Sirius. Ele abandonou-me porque me amava. – concluí sem conseguir controlar as lágrimas. Eu estava completamente descontrolada.

Sirius abraçou-me, sem dizer nada. Deixou-me chorar livremente no seu ombro. Ele sabia que eu precisava disso. Ele tinha estado comigo nos últimos oito anos. Ele acompanhou todo o meu desmoronamento. Ele acompanhou toda a minha depressão. Por pensar que, o homem que amei pela primeira vez me tinha abandonado.

—Ele sempre me amou, Sirius. – disse, entre soluços – E eu odiei-o. Odiei-o e no fim ele estava a proteger-me. A salvar a minha vida. Ela ameaçou-o das maneiras mais horríveis possíveis.

—Isso quer dizer que o estás a perdoar por tudo o que te fez passar? Isso quer dizer que…

—Eu estou com o Nico, Sirius.  Com o Nico. Apesar de ele ter visto o meu beijo com o Scorpius. O Nico também não merece nada disto.

—Rose, tu não mereces nada disto. – disse Sirius agarrando o meu rosto – Tu não mereces nada do que passaste. Não mereces o que o Malfoy te fez. Eu sei que ele fez isso para te proteger, mas caraças, ele devia ter arranjado uma forma de te contar. Porque tu não merecias. Tu não merecias. Agora anda. – disse Sirius puxando-me para o seu colo – Vamos dormir. Tu precisas de descansar a cabeça depois de tudo o que passaste.

Não protestei. O Sirius tinha razão. Eu precisava de descansar.

—----//-----

Já era fim do dia quando acordei. Sirius permanecia ao meu lado, adormecido. Levantei-me e segui até à minha secretária.

Eu tinha realmente dormido. Mas também tinha pensado. Pensado no que ia fazer a seguir.

Peguei num pergaminho e numa pena e comecei a escrever.

Eu vou ajudar-te a dar um fim na Nott. Tu e a Lyra não merecem continuar nesse inferno.

Mas é apenas isso.

Rose