Nemuru - Desperta-me escrita por Candle Light


Capítulo 8
Green Tree 緑の木


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas que acompanham esta história! Muito obrigada por lerem e me desculpem a inconstancia na postagem de capítulos. Minha vida de universitária está para acabar e agora está bem atribulada.
Enfim.
Boa leitura.



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—AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Essa foi a reação de Nicole quando eu contei pra ela.

—E aí, como foi? Eu disse que ele ‘tava super afim de você!

—Ahn..sei lá, acho que foi ok. Nada demais sabe.

—Mas você gosta dele?

Suspirei

—Não sei.

Para falar a verdade, eu não tinha sentido nada naquele beijo. Nenhuma borboleta no estômago, nada daquilo de “o mundo parece sumir em volta”. Nada. E...não sei porque. Eu gostava do Daniel. Como amigo, tudo bem. Mas as pessoas não deveriam sentir algo quando beijam outras? Não é por isso que as pessoas praticamente devoram a cara umas das outras em festas? Eu devia ter algo errado. Qual era meu problema?

Suspirei, olhando a parede do meu quarto com o desenho da árvore florida. Parece que eu continuo sendo uma árvore verde, no fundo. Um grão de areia visto de longe.

“Se eu der uma chance, talvez” , pensei. Com o tempo, eu talvez aprendesse a gostar. Sei lá ‘.

De qualquer forma, eu tinha que estudar para uma prova no dia seguinte, e as reflexões internas tinham que ficar para depois.

 

****

Daniel foi me buscar depois da prova para comermos um lanche e me cumprimentou com um selinho, o qual eu respondi. Ai se a Nicole visse isso…

Entretanto, eu não me sentia confortável. Tinha alguma coisa faltando. Mas decidi tentar fazer dar certo por algum tempo. Talvez fosse o que eu precisava para ser mais normal.

E eu me divertia com Daniel, principalmente quando éramos mais amigos que qualquer outra coisa. Sem beijos, sem mãos dadas.Isso me deixava bem mais confortável. Essas coisas de casal com ele me deixavam inquieta. Parecia…

Errado.

—Tchau Nemu, até amanhã! - ele se despediu de mim com um selinho quando me deixou em casa. Ele tinha uma tia em Copacabana e iria dormir lá. Suspirei. A tensão no meu corpo começou a diminuir.

—Nemu!- sobressaltei-me. Era minha mãe, quase me dando um infarto.Ela tinha passado no mercado a julgar pelas sacolas em suas mãos - Quem era o menino bonitinho?

Ela perguntou com aquela cara de “eu sei o que você fez no verão passado”

— É um amigo mãe.

—Sei… - e entramos no prédio com ela sorrindo um sorriso divertido, meio idiota.

—Olha, Nemu, você pode me falar quando estiver namorando, ok? Eu vou tentar não fazer perguntas muito constrangedoras.

—Eu sei mãe - eu disse, não querendo prolongar o assunto - Mas ele não é meu namorado.

—’Tá bom, tá bom - minha mãe ainda tinha um sorriso bobo no rosto . Parecia estar se divertindo com minha adolescencia tardia. - Mas não esconda nada importante.

—Você vai fazer plantão hoje? - perguntei

—Não, hoje não. Mas amanhã tenho consulta cedo. Por isso vou dormir cedo também.

—Mas é domingo.

—Eu sei - disse, parecendo cansada - Mas é uma emergência para um paciente.

Assenti em silêncio enquanto colocávamos as compras na bancada. O dia seguinte seria aquele em que teria aquela exposição de arte que Marina tinha me mandado.Era um artista que eu gostava. Ele usava tintas artesanais com ingredientes o mais próximo do natural possível, e criava coisas incríveis a partir disso. Decidi ir, já que não tinha muito o que fazer mesmo.

 

***

O CCBB era um prédio grandioso. Eu gostava muito do pé direito enorme do primeiro andar,  do piso de pedra e de todo aquele espaço, a iluminação.

Haviam algumas pessoa ali transitando, e a exposição era nos andares de cima. Tinha uma ligeira fila, mas antes de entrar resolvi rodar pelo térreo observando coisas que pudessem me dar novas ideias. Do outro lado da entrada tinha uma livraria, e me dirigi para lá.

Um som chamou atenção. Tinha música tocando, e quando segui-a me deparei com uma violinista no canto do salão, tocando sozinha e de olhos fechados, balançado-se com a música, as tranças inconfundíveis no cabelo, as roupas escuras e um all star surrado. Usava um chapéu também. Ele estava em sua cabeça, não no chão. Na ponta do violino, onde prendem-se as cavelhas, haviam várias fitinhas amarradas formando as cores do arco-íris. Parei à sua frente e esperei que acabasse.

Tocou os acordes finais e abriu os olhos, deparando-se comigo, sozinha também, observando-a. Ela sorriu, surpresa.

—Nemuru! Você realmente veio! - Marina disse, indo me cumprimentar com um ligeiro abraço.

—Eu vim - sorri, contagiada por sua energia - Eu gosto deste artista. Mas você não me disse que estaria aqui.

—Ah, eu não sabia na real. Mas me deu vontade e eu vim. A acústica daqui é ótima.

—Eles te deixam tocar aqui dentro?

Ela deu de ombros.

—Eu não toco por dinheiro, embora as pessoas confundam e às vezes joguem moedas na minha bolsa.

—É só por prazer?

—Sim, prazer sempre. Mas muitas vezes eu também toco pela visibilidade. - ela levantou o violino com as fitinhas de arco-íris. - Hoje não vim pra causar, mas as vezes coloco placas na minha frente com alguma frase reflexiva. Hoje temos só as fitinhas - ela sorriu.

Demorei uns segundos para entender de que visibilidade ela estava falando. E depois me repreendi por ser tão lenta e retardada. Tudo isso com um sorriso cordial para disfarçar que fiquei perdida por uns momentos, não parecer burra e perguntar “visibilidade de que?”

Agora também me ocorria a pergunta “será?” Não sei se seria indelicado perguntar a sexualidade das pessoas assim na cara de pau. Mas ela tocava por visibilidade LGBT, e faria sentido. Eu não a conhecia tão bem, deixa quieto.

—Que legal! - eu disse sem transparecer tudo o que passou na minha cabeça em menos de um segundo - Você recebe respostas positivas?

—Sim, claro. Sempre tem muitos comentários encorajadores mas também tem aqueles babacas, ou outros que não fazem ideia do que eu estou fazendo. Mas eu gosto realmente de fazer isso, mesmo que eu passe raiva. Algumas pessoas se sentem tocadas, e isso vale a pena.

Não pude deixar de sorrir mais uma vez. Ela era uma pessoa bastante diferente de mim. Ativista, descolada, bonita.

—Acho que você resumiu como é a vida de um artista. - eu disse e Marina riu.

—Vai ficar muito aí ainda? - perguntei.

—Na verdade...acho que vou com você! - ela foi até a caixa e guardou o instrumento, pegando sua bolsa e juntando-se a mim. Fiquei um pouco surpresa, mas não recusaria tal companhia.

—Me sinto honrada.

—Para de ser boba! - ela riu e me deu uma esbarrada brincalhona.

Subimos ao andar superior, onde os quadros estavam dispostos nas paredes, cada um com uma plaquinha do lado com seu título, a data e as tintas com seus ingredientes. Haviam muitas paisagens estilizadas e pinturas metafóricas sobre destruição do meio ambiente, poluição e desigualdades. Parei na frente de um grande quadro que representava um crepúsculo bastante roxo sobre uma cidade de luzes desfocadas, como se a poluição deixasse as coisas borradas.

—Algo interessante nesse aí?- Marina perguntou, parando ao meu lado.

—Esse roxo é feito de amoras, e o mais avermelhado é de beterraba. Mas o mais importante, são as técnicas de pincel. Olha como são leves! Pouco acúmulo de tinta, tudo bem mesclado, como se ele usasse aquarela.

Ela me olhava com atenção. De mim para o quadro, e parecia tentar ver esses detalhes que eu falava.

—Que foi? - ela perguntou ao perceber que eu a olhava.Nem eu tinha percebido que estava olhando. Acho que foi por perceber que alguém prestava atenção em algo que eu falava.

—Nada, estava vendo que você estava prestando atenção.

Ela sorriu mais uma vez.

—Vem, vamos ver o resto. - chamou.

Passamos a tarde assim, vendo quadros, falando de artes, rindo muito e brincando uma com a outra como velhas amigas. Era fácil ficar perto da Marina. Era agradável, ela era alegre e divertida. No final, encontramos uma lanchonete para tomar milkshakes com hambúrguer.

—Quero ver algumas das suas intervenções um dia. - eu disse para ela.

—Claro. Eu te aviso quando eu for fazer uma. Aí você aproveita e filma pra mim. Me dá seu celular aí.

Trocamos números e curiosamente, mesmo eu  sendo gótica e com certa aversão a me aproximar de pessoas, queria me aproximar dessa garota tão diferentemente de mim, e ao mesmo tempo com visões muito parecidas.


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