Nemuru - Desperta-me escrita por Candle Light


Capítulo 4
Watercolours 水彩画




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Desci após o café, peguei minha bicicleta e me dirigi ao Jardim Botânico. Lá dentro eu podia pintar em paz por horas a fio, no silêncio e em meio às árvores. Eu gostava muito de pintar cenas com uma grande árvore de raízes tabulares perto do chafariz, ou as vitórias-régias. Me inspirava nas plantas e no cenário para pintar imagens de fantasia, românticas, ou contemplativas. Ou ainda, a soma de tudo isso.

São muitas coisas para olhar.A luz entrando por entre as copas, o dourado do sol no chão de terra, os reflexos das pessoas no lago, as flores...Tinha mesmo algo de mágico. Em lugares assim eu não ligava de estar sozinha. A solidão aplacava frente a magnitude de cores e beleza à minha volta. E às idéias.

Parei numa das aléias que tinham árvores antiquíssimas, de troncos grossos e torcidos. Sentei-me no banco e busquei a cena perfeita. Desenhei aquelas árvores e o caminho, de uma forma em que sua disposição ficasse mística, e a luz varando os espaços entre as folhas passassem a tranquilidade que eu sentia.

Depois levantei e me fui. Melhor de humor, melhor de espírito. Passei por um casal sentado num banco. Eles pareciam felizes. Dei um leve sorriso e parei para olhar a cena por suas costas. Nesse momento, vi uma coisa que me chamou muito a atenção: Uma árvore florida, com flores roxas - um ipê talvez - no meio de outras tantas sem flores. Ela se destacava no meio das outras verdes e sua copa estava cheia de borboletas. Imediatamente, sentei na graminha ali e desenhei a cena.

Talvez, fosse isso mesmo. São as árvores com flores que atraem borboletas. Eu era uma árvore verde e comum. Se eu aprendesse a florir talvez eu atraísse umas borboletas. Acho que...não custa nada tentar, não é mesmo?

Cheguei em casa e botei o desenho na parede. Tinha ficado muito bom. E eu estava até empenhada nessa minha nova ideia. Mas depois de alguns dias, embora a ideia ainda me parecesse reveladora, que preguiça de florir. Eu pensava nessa ideia e tinha altos e baixos de pensamento onde eu queria mandar tudo se foder ou eu queria fazer dar certo.

***

Uma sexta-feira sozinha. Minha mãe ainda não tinha chegado, e desde segunda eu quase não a via direito. Estava trabalhando na emergência até pelo menos dez da noite todo dia, e quando eu saía para a aula ela geralmente estava dormindo ainda.Gâteau veio e deitou em cima do meu mais novo desenho enquanto eu mesma tinha minha cara enfiada na mesa pensando mais uma vez sobre isso. O desenho na verdade era um projeto para uma aula, e eu não estava particularmente animada com ele. Eu deveria fazer uma natureza morta inspirada na técnica do pontilhismo. Que coisa nada a ver.

Meu gato roçou a cabeça na minha e deitou na mesa brincando com meu cabelo, até que começou a meter as unhas na minha cabeça.

—Ai, ai cacete, seu gato maluco.

Levantei a cabeça bem na hora em que Nicole estava me ligando. Atendi meio preguiçosa.

—Ei piranha - ela disse

—Nossa, que rude. Você me liga pra me chamar de piranha?

—Você sabe que eu te amo sua fresca. Enfia uma roupa e desce. A gente vai no bar com uns amigos meus.

—É o quê? Ai Nicole, eu estou de pijama.

—Ai, não me deixa sozinha nessa! Isso foi só um pretexto pra me aproximar do crush. E talvez algum dos carinhas se interesse por você também, hein?

—Mas que crush? Que bosta é essa que você não me conta as coisas?

—Ah, é coisa recente, de semana passada só. Andaaaaa, eu te pago pizza.

Hm, pizza de graça - pensei.

Ta, sua vaca. Eu vou porque sou legal.

—Eu sei que é pela pizza.

—Você me conhece tão bem.

Rimos.

Essa é a Nicole. Um crush por semana quase. E me arrasta ainda por cima. Fiz um carinho no meu gato gordo e botei uma calça jeans e uma camiseta com uma blusa de flanela por cima. Eu não ia arrumada, trabalho demais. Já ela provavelmente estaria impecável.

Dei uma ultima olhada no quarto antes de descer para ver se não estava esquecendo nada e vi minha aquarela do casal e da árvore florida. “Ok, lembre-se de tentar florir”.

Desci para encontrá-los

***

Droga, esqueci como eu sou estranha socialmente e fico desconfortável perto de quem não conheço. Estávamos sentadas eu, Nicole de frente pra mim, três caras - sendo que aquele do lado da minha amiga louca devia ser o crush dela porque ela era descarada e se inclinava pra cima dele - e mais uma menina loira e bem arrumada que tentava participar o máximo das conversas. O cara do meu lado estava quase tão quieto quanto eu. Ele parecia meio deslocado numa conversa sobre… sobre o que mesmo? Eu tinha parado de prestar atenção alguns minutos atrás quando o assunto era baladinha top e começado a construir coisas com a borda da minha pizza.

—Bela muralha. - ele disse sobre minha escultura de um muro com tijolos de massa.

—Valeu. - eu disse.

—Acho que ficaria legal com uma bandeirinha.

Ele pegou um palito de dente e fez uma bandeirinha com um pedaço de plástico de ketchup e espetou na torre de vigia da minha muralha.

—Oh - eu disse - Agora temos a muralha da china.

Ele riu.

—O que você faz mesmo?

—Artes. Você é da arquitetura na faculdade da Nicole também?

—Não, sou da engenharia mecânica.

—Ue, e como você conhece a Nicole?

—O Miguel é meu amigo. - ele discretamente apontou com o polegar.

    “Ah. Miguel é o crush. Saquei.” A outra menina parecia ser o crush do outro cara. Em que diabo de saída a Nicole me enfiou? Um encontro triplo?     

Supostamente era pra eu me entender com o menino que tinha ficado do meu lado e feito uma bandeirinha de plástico de ketchup pra mim? Era uma cilada, Bino.

    Bem, ao menos o moleque era legal. No fim das contas conversei um bocado com ele. Um cara inteligente, divertido. Daniel era o nome do dito cujo.  Será que eu finalmente estava florindo?  De qualquer forma, uma nota mental sobre tudo isso: desconfiar das saídas relâmpagos que a Nicole me chama.

    Ao chegar em casa, minha mãe estava no sofá tomando seu chá e vendo algo na TV. Ela enfim tinha voltado.

    –Oi Nemu! Onde você foi, filha? Não deixou nada avisado.

    –Eu saí com a Nicole e uns amigos dela. Não foi muito longe.

    –Hm. - ela fez, com uma expressão meio suspeita - Sabe que você sempre pode me contar qualquer coisa tá?

    Calma mãe, essa é a verdade mesmo. Não fazendo nada ilegal.

    – bem então. Mas tenta pelo menos deixar avisado onde você está.

    Acenei afirmativamente com a cabeça e me dirigi para o quarto para dormir. O cansaço estava dominando meu corpo e alma, e quando bati na cama, mergulhei direto num sono sem sonhos.

****

 Tirei uma nota boa na natureza morta por pontilhismo. Meu humor estava até bastante bom nesse dia. Eu estava mais uma vez sentada no meu lugar cativo no Jardim, ouvindo alguém tocar violino ali perto enquanto observava as pessoas passarem em busca de ideias. Uma brisa balançou as folhas, fazendo algumas caírem. Um grupo de garotas parou para conversar perto de mim. Uma delas de cabelos azuis e boina de tricô, tinha um estilo bem hipster e usava um cropped com saia longa. Ela era bonita. Gostei do estilo. Observei-as por um tempo até começar a rabiscá-las no meu bloco. Meu lápis correu pela silhueta delas, a curva da cintura exposta da de cabelo azul, as pernas da morena de costas pra mim, os cabelos cacheados da terceira, até que eu tinha um esboço das três com um fundo disforme muito legal. Eu gostava desse estilo de desenho, era rápido e ficava jovial. As bordas indefinidas sem chegar ao fim do papel e o próprio desenho como uma foto que foi tirada em movimento. Aquele merecia ficar preto e branco, com apenas o cabelo da menina colorido em azul.

    Nisso, meu celular vibrou, tirando-me de devaneios. Era uma mensagem do garoto do encontro triplo, o Daniel.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem! Não esqueça de deixar uma crítica, comentário ou o que quiser :)



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