Nemuru - Desperta-me escrita por Candle Light


Capítulo 23
Holliday ホリデー


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora maior que o normal pessoal...estou com um bloqueio criativo da porra.
De qualquer forma boa leitura galera!

Beijos da tia



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O que eu fiz após meu breve ataque de pânico foi muito maduro: tentar esquecer sobre, aquela velha história de “ se eu não pensar isso vai passar”. Mas é óbvio como o céu é azul que não deu certo.Eu acabo tendo alguns problemas com ansiedade quando tento fazer esse tipo de coisa, então qualquer leve menção ao assunto me deixava nervosa. Resultado: me isolei durante a semana, preferi evitar Marina que, tadinha, não tinha nada a ver com isso.

Mas ela era lésbica, e isso me lembrava das coisas que pensei, que talvez esse tivesse sido o meu erro. E aí parte da minha mente me instigava “testa pra você saber”. A outra parte dizia “Ssshhhh, calabokinha”.

Mas eu tinha medo! Morria de medo. E se eu fosse? como eu contaria esse tipo de coisa para o meu pai?

E se eu não fosse? Aí sim eu só seria meio esquisita mesmo, e continuaria meio perdida.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA



E foi por isso que eu decidi parar de pensar nisso. Ignorar. Dava muito trabalho ter esse tipo de problema agora que eu tinha muitas coisas para fazer. Tinha um trabalho para entregar na quinta feira e eu iria viajar logo depois por causa do feriado do dia 15. E para variar, eu tinha deixado o trabalho para última hora. Eu sou espertona mesmo.

Eu estava sentada com um copo de café na mão na sala de aula, e provavelmente estava com uma cara de desespero porque Jéssica parou para perguntar se estava tudo bem.

—Oi Jéssica - eu disse sem ânimo -Eu ‘tô bem.

—Nemuru, você estava com o olhar vidrado no tampo da carteira pelos últimos 10 minutos.

Olhei-a piscando algumas vezes. Sério? Não era de se admirar então que ela tivesse achado que estava tendo um AVC.

—Você não parece bem - ela franziu o cenho - E seu café deve estar frio a uma hora dessa.

Suspirei, tentando voltar ao normal. tomei um gole do café, agora bem menos quente mas ainda bebível.

—O que foi? É faculdade? Ta te estressando já? - balancei negativamente a cabeça - Relacionamentos? É aquela menina?

Quase cuspi meu café, engasgando horrivelmente.

—Quê?! - tentei dizer entre tosses e olhos lacrimejando.

—Aquela sua “amiga” - ela fez aspas com o dedo-  que você estava falando com uma cara de boba na nossa aula no Jardim Botânico.

Olhei para Jessica incrédula. Como ela lembrava disso? E que fofoqueira! De que diabos ela estava falando de cara de boba? E aquelas aspas?

—Ela é só minha amiga sim. E a minha cara não tem a ver com ela.

Ela ergueu uma sobrancelha, claramente descrente.

—Que é?

—Acho que você perdeu alguns capítulos dessa história. Mas olha só, eu não sei quem ela é mas não vejo por quê ela não gostar de você. Você é uma pessoa muito legal.

E com isso ela foi para sua cadeira já que o professor entrava na sala. Suspirei de novo e passei a mão no rosto. Até a Jéssica, cara? Mas que saco.

 

No final das aulas eu geralmente passava no murinho para comprar algum doce, uma palha, um bolo.

—Ei, Nemu!  - era Marina chamando. Sobressaltei-me já que não estava esperando encontrá-la mas ali estava ela, vindo de uma rodinha de amigos sorridente.

—Oi Marina. - eu disse me embaralhando um pouco com as coisas que tinha na mão:bolo, dinheiro, carteira.

—Puxa, quase não nos cruzamos essa semana. O que vai fazer no feriado?

—Eu vou visitar meu pai em São Paulo.

—Ah. - ela pareceu um pouco desapontada - A galera vai para Búzios e eu vou com eles.

—Que legal - tentei parecer animada - Dizem que as praias são lindas.

—Você nunca foi?

Fiz que não e ela parecia chocada, mas abriu um grande sorriso depois.

—Você tem que ir! Vou te levar um dia! Mas olha, falo com você depois. Estávamos combinando tudo, então acho que preciso voltar. Só queria te dar um oi mesmo.

Ela disse colocando as mãos nos bolsos traseiros da calça e andando de costas por uns passos. Acenou rapidamente e se virou, voltando a ir falar com os amigos. Eu retribuí o aceno sem saber muito o que fazer. O que tinha acontecido ali? Ela ia me chamar pra ir com eles?

Voltei para casa mas fiquei pensando naquilo enquanto tomava banho. Viajar com amigos devia ser legal, eu raramente tinha feito isso. Geralmente viajava com meus pais, mas isso também foram poucas as vezes, excetuando São Paulo para visitar meu pai. Eu conhecia Búzios por fotos, e imaginei Marina se divertindo lá com os amigos, nas praias, no mar. Lembrei da vez que fomos à praia, como ela ficava bem de biquíni, seu corpo bem desenhado e a pele morena, seu sorriso e o cabelo no vento. Imaginei como seria tocar aquela pele e aqueles lábios…

Que diabos!!

Sacudi a cabeça e bati as mãos nas minha bochechas, irritada. Já ficava com raiva dessas coisas que eu pensava!

—Para com essa porra, Nemuru! PÁRA! O quê você tá fazendo? O quê você tá fazendo?

Dei um passo atrás e o chão cheio de sabão não teve atrito. Escorreguei e caí igual uma boneca de trapo, batendo a cabeça na parede quando tentei me segurar na prateleira e derrubando todos os produtos de banho em cima de mim.

O mundo correu em câmera lenta até eu sentir o chão duro.

—Ai…- coloquei a mão na cabeça, doendo. Olhei meus dedos, sem sinal de sangue, ainda bem. Me ergui lentamente até ficar sentada. Tinha outras partes doloridas como meu cotovelo e a bunda. Deixe-me ficar ali por alguns momentos, a água caindo sobre mim. Eu sentia cada bater da água nas costas e o escorrer pelo meu rosto enquanto respirava tentando me acalmar. Aquele tombo foi um aviso - eu precisava ficar calma.

Escondi o rosto nas mãos enquanto me balançava para frente e para trás. Estava funcionando. Voltei a abrir os olhos e ficar de pé. Desliguei a água e puxei a toalha para me secar.

Olhei meu reflexo molhado no espelho um pouco embaçado.

— O que está havendo? - perguntei ao meu próprio reflexo. Como se ele pudesse me dizer alguma coisa - Não posso aceitar que Nicole esteja certa. Mas isso...Eu não lembro de já ter passado por isso antes.

 

****

 

Quinta de noite era meu voo. O feriado seria na sexta e eu voltaria domingo. Eu estava um pouco nervosa...teria que inventar algumas coisas sobre engenharia para falar pro meu pai. Se já não bastasse todas as outras coisas na minha cabeça ainda tinha que lembrar dessa bosta que eu fiz na vida. Devia ter contado a verdade enquanto ainda dava.

Minha mãe conseguiu me levar no aeroporto e ficou comigo esperando meu avião.

—É o meu. - disse, quando chamaram o vôo.

—Vai lá filha. Toma cuidado lá.

Nos abraçamos e eu me encaminhei para o avião.

Avisei meus amigos que estava indo também antes de entrar. Eles me desejaram boa viagem e Marina me mandou uma selfie dela já dentro do carro a caminho de Búzios também. De certa forma eu gostaria de ter ido com ela, e ao mesmo tempo achava que deveria ir ver meu pai. Eu gostava de ir la, ficar um pouco com ele. Meu pai era um tanto solitário agora, e mesmo que não tivéssemos um relacionamento tão bom assim eu gostava dele.

Era muito pouco tempo de vôo, apenas uma hora. Enquanto voava pensei se Marina já tinha chegado em Búzios e onde eles ficariam. De quem seria a casa? Olhei a foto que ela me mandara de novo e reconheci alguns rostos sorridentes: Karina e as duas meninas da boate. Tinham uns caras também que eu não conhecia, mas lembrei vagamente de eles estarem na rodinha mais cedo.

 

O avião pousou e saí do terminal para encontrar meu pai, que já me esperava, como sempre muito sisudo e vestido de uma forma um tanto formal. Sorriu por debaixo dos óculos ao me ver.

—Oi filha! Como foi a viagem? - ele disse já pegando minha bolsa e jogando sobre o ombro.

—Tranquila.

Fomos até o carro e o silêncio reinou durante todo o percurso até seu apartamento num condomínio chique próximo ao centro da cidade.

—Deixe suas coisas no quarto e tome um banho. Vou pedir comida para nós.

O apartamento não era gigantesco mas era bem grande até. A sala tinha dois ambientes, tinha 3 quartos: o dele, o que eu usava quando visitava e um escritório. O “meu” era um quarto simples, mas aconchegante, com uma decoração neutra e leve. Haviam prateleiras com algumas coisinhas que eu tinha arrumado e livros, um espelho de moldura de metal decorado na parede e um armário pequeno, além da cama de solteiro.

Deixei minhas coisas e tomei um banho para esperar o jantar. Meu pai pedira pizza, o que não era muito o costume dele, mas devia estar querendo me agradar. Obviamente não ia reclamar. Quem recusa pizza? Eu que não seria.

Sentei à mesa um tanto tensa pois já sabia que seria o momento de colocar minha melhor poker face para falar da faculdade.

—E então Nemuru, como vai a faculdade?

Olha aí, não falei?

—Bem. - tomei um gole de refrigerante pra toda essa mentira descer sem me engasgar.

—Só bem?

—É só o primeiro período, pai.

—Mesmo assim. Me fale se está difícil, como são as aulas, seus professores. Essas coisas. Você deve ter opinião sobre isso, não?

Respirei fundo sem fazer ruído.

—Estou gostando das aulas por enquanto. As que tem mais a ver com o curso principalmente. Mas é um tanto dificil né.

Enfiei mais um pedaço de pizza na boca, mas ele ainda esperava que eu continuasse.

— Tenho três amigas, acho.

—Como assim acha?

— Uma delas eu vejo muito pouco. - e outra tem uma pequena possibilidade de sentir por mim mais que amizade. Obviamente omiti essa informação. Não somente porque eu não acreditava nela, mas porque não sabia como meu pai reagiria. Não creio que assuntos gays já fizeram parte do jantar dele com a família no Japão. Por sorte ele pareceu satisfeito com o que eu disse.

Depois do jantar fui para o meu quarto digerir toda aquela pizza. Olhei as notificações do celular e Marina tinha me enviado uma foto. Uma não, três fotos de praia de búzios. Duas eram só a praia e a última era uma selfie meio zoada dela fazendo sinal de paz e amor com os dois dedos e de óculos escuros. A mensagem abaixo dizia “ta perdendo!”. Eu ri. Parecia que ela estava se divertindo e até senti vontade de estar lá também. Brincalhona, mandei uma mensagem dizendo “tá maluca, deve estar frio pra caramba” ao que ela me respondeu que só de noite e a previsão era de sol. Ficamos conversando por um tempo até ela se juntar aos amigos para o jantar.

 

****

 

No dia seguinte meu pai resolveu me levar na Liberdade, um bairro conhecido por ser um centro japonês de São Paulo. As lojas vendiam todo tipo de coisa importada do oriente, e o que chamava atenção eram as comidas. Tinham vários salgadinhos estranhos, com caras muito saborosas e outros que pareciam até de plástico. Olhei para as lojas com um sorriso, pensando que Marian ia adorar aquele lugar pela quantidade de coisas diferenciadas. Resolvi levar algumas para ela, e me divertir com as caras que ela faria com snacks de lula desidratada. Peguei umas coisas para mim também, para poder encher a cara de porcaria nos dias que me desse vontade.

Depois de lá, meu pai insistiu que eu fosse com ele até a empresa ver as coisas lá por dentro. Argumentei com ele que ela ja tinha me levado antes, mas ele foi irredutível dizendo que agora que eu poderia trabalhar la, veria tudo com outros olhos. Só pude concordar e seguir com meu suco de lichia da Liberdade e um saco de donuts.

No caminho, captei o som familiar de violino e comecei a buscar sua origem. Um cara tocava na esquina da rua logo a frente e de uma forma quase inconsciente parei ali para escutar, lembrando claramente do dia em que fui ver Marina tocar também numa esquina. O cara não era tão bom quanto ela, mas o som me trouxe uma onda de bons sentimentos.

—Nemu, o que está fazendo?

—Ah - virei-me para ver meu pai com uma cara inquisitiva para mim - Nada, eu só parei para ouvir um pouco.

—Você conhece essa música?

—Não...Eu só gosto de violinos.

Por algum motivo omiti o fato de que tinha uma amiga violinista. Ele esperou que a música acabasse para me tocar no ombro me chamando para continuar, a empresa ficava logo a frente. A Hasu Technologies Ltda. ficava sediada num prédio de escritórios chique e com segurança super avançada. Hasu significa lótus, e esse era o símbolo em metal logo acima da porta, com o letreiro acompanhando em inglês e em baixo em japonês.

O mais louco é que era um feriado, mas tinha gente trabalhando. Acho que o mercado de desenvolvimento tecnológico em comunicações não pode parar não é mesmo? Meu pai explicou que eles estavam desenvolvendo um novo software para encriptação de dados. Tentei fazer uma cara muito plena de que estava entendendo tudo, mas a verdade é que não tinha entendido uma vírgula de que porra eles estavam fazendo. Me abstive de perguntas também para evitar falar merda e me desmascarar logo de cara. Eu estava doida para sair logo de lá antes que o pior pudesse acontecer já que eu não era lá uma boa atriz e ficar no papel de engenheira estava difícil.

O lugar era mais ou menos como eu lembrava: muito limpo, com cores claras, decorações nos lugares certos. Algumas mobílias no andares como sofás eram coloridos em turquesa ou grená, mas era isso. Não era exatamente o lugar que eu me via trabalhando no futuro. Meu pai ainda falava várias coisas sobre a rotina e outras coisas que eu não estava prestando atenção. Internamente, nesses momentos, eu desejava que o feriadão terminasse logo e eu voltasse para casa onde a minha mãe não fazia perguntas sobre a faculdade além de se eu estava indo bem.



*****



De noite, deitada na minha cama olhando para o teto sem conseguir dormir eu pensava na vida. O que eu estava fazendo com ela? Começava a me dar conta da burrada que eu fiz inventando aquela merda de ter entrado numa faculdade de engenharia. Isso não se manteria para sempre, mas agora eu tinha medo de falar. Melhor manter até um momento propício. Lembrei das coisas que Nicole disse sobre isso...e a lembrança de Nicole me trouxe outras coisas que ela tinha dito. Sobre a Marina.

Rolei na cama de um lado para o outro tentando suprimir esses pensamentos, mas era inútil. Suspirei com força e bem fundo.

“Tá bom Nicole” pensei. Eu iria me abrir para a possibilidade, embora provavelmente diminuta.


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