Nemuru - Desperta-me escrita por Candle Light


Capítulo 21
Damn くそー


Notas iniciais do capítulo

Aeeeee um pouco mais cedo dessa vez. Não desistam de mim que eu não vou desistir dessa história >



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Eu odiava como Nicole podia mexer com a minha cabeça. Em vez de voltar para onde Marina estava decidi sentar na escadaria e arriscar uns traços no meu bloco para distrair a cabeça, mas percebi que a tarefa era realmente difícil. Maldita Nicole.

Eu olhava para Marina ainda sentada na beira do lago tocando o violino suavemente e pensava se seria possível. Mas em todas as vezes rechacei a ideia. Éramos apenas amigas e era assim que continuaria a ser. Marina nunca fez nada que pudesse me deixar em dúvidas quanto a isso. Nicole devia estar sendo apenas paranóica com alguma coisa que ela interpretou errado. Isso não era impossível de acontecer, como eu já testemunhara em alguns episódios do passado. Disse a mim mesma que ela não ia me deixar maluca e voltei ao meu desenho.

A visão de cima ficava bem legal. O lugar estava praticamente vazio a não ser por nós e umas pessoas que vinham e logo voltavam a andar pelo parque. Ignorei as pessoas e deixei apenas Marina sentada na borda do lago como um modelo geral. A cena acabou se tornando algo contemplativo com boa parte dos meus desenhos. Um espelho d'água, uma calmaria, uma figura solitária que olhava seu reflexo com a natureza a sua volta. Fiquei tão concentrada nos detalhes que me esqueci das minhas amigas e do meu entorno até que ouvi Nicole chamar da parte baixa. Ergui a cabeça meio confusa pois nem tinha visto ela descer a escada passando por mim e agora estava lá ao lado de Marina. Recolhi meus bagulhos e desci ao encontro delas.

—Nemu, eu tenho que ir embora agora porque eu tenho compromisso. - Nicole disse.

—Que horas são?

—Uma e meia. - Marina respondeu. Uau, passou bem rápido.

—Tudo bem - eu disse. - Pode ir se você está com pressa.

Ela olhou para Marina, perguntando silenciosamente se tudo bem por ela.

—Claro - ela disse, e passou um braço por cima dos meus ombros me apertando contra ela e sorrindo de uma forma brincalhona - Eu cuido dela.

Nicole então se despediu e partiu dando uma piscadela e um sorriso sugestivo para mim. Senti-me corar. Ela ainda estava pensando aquelas besteiras. Eu tinha decidido ignorá-la, ela ia ver.

—Bem - Marina disse, casualmente colocando as mãos nos bolsos  - O que você quer fazer agora? Está com fome? Podemos ir lá pra casa depois de comer e ver um filme ou sei la.

—Ótima ideia - eu lhe disse, mal crendo que ela me convidara de novo para a casa dela. Eu sorri-lhe, mas devia estar com uma cara meio boba porque ela sorriu de uma forma divertida, -principalmente com os olhos - e acenou com a cabeça para que eu a acompanhasse.

— Onde vamos comer?

—Não sei. O que você está com vontade de comer?

—Não sei - eu ri e Marina me acompanhou.

—Então decidimos no caminho.

 

****

 

Acabamos em um restaurante/lanchonete que vendia principalmente comidas fitness, sucos, crepes e hamburgueres artesanais que ficava a umas duas quadras dali. Comi um hambúrguer e ela um crepe com salada.

—Está de dieta? - perguntei, achando a refeição muito leve.

—Não - ela sorriu - Eu só gosto desse tipo de comida. Eu costumo fazer coisas saudáveis em casa também, quando faz direitinho é muito gostoso, sabe?

Bem, eu só sou uma faminta mesmo. Não que eu não gostasse de salada, legumes e essas coisas saudáveis. Eu gostava, mas eu precisava comer muito para que eu ficasse realmente satisfeita.

Comemos e discutimos sobre várias coisas entre músicas e artes, filmes e séries e então nos dirigimos para seu apartamento, caminhando.Chegamos em mais ou menos 20 minutos e quando Marina abriu a porta e eu adentrei a sala não pude deixar de respirar fundo aquele cheiro de ervas característico de sua casa. E de certa forma, eu gostava muito de estar ali e conhecer sobre seu mundo.

—E aí- ela disse se jogando no sofá e ligando a Netflix - O que veremos?

—Alguma sugestão?

—Que tal terror? - ela sugeriu, animada. Engoli em seco por um momento. Eu era um tanto fraca pra terror. Não tinha sido muito legal das últimas vezes, mas sempre acabavam me fazendo assistir essas coisas. Ela notou a minha expressão.

— Ah, não acredito que você tem medo?

—Não é medo realmente… - tentei eufemizar sem muito sucesso - eu sou meio fraca, só isso.

—Ah, boba. É só um filme. E se ficar com medo eu ‘tô aqui com você. Pode segurar minha mão.

Acho que buguei por um momento. Me senti ansiosa pelo pensamento de tocá-la, pensei em como seriam suas mãos...mas antes que ficasse estranho meu silêncio respondi-lhe que tudo bem. Oh Deus...eu iria ver um filme de terror. Pra piorar, Marina escolheu Invocação do Mal, um filme notoriamente conhecido por dar um medo do caralho. Engoli em seco, mas mantive a pose de firme. Eu ia tentar não parecer tão ridícula enquanto suava frio por baixo do disfarce. Marina parecia estar se divertindo com meu nervosismo mas eu não conseguia ficar brava com ela. Eu acabei só rindo de nervoso mesmo.

—Antes de começar vou fazer uma pipoca pra gente. Quer um chá também?

Assenti com a cabeça, esperando que talvez um chá me deixasse mais calma. Marina levantou de um pulo e se dirigiu à cozinha, enquanto eu nervosamente procurava coisas para me distrair. Nas prateleiras que ficavam próximas à TV comecei a olhar os enfeites, livros e fotos. Havia uma foto de Marina com quem deviam ser seus pais e sua irmã, fotos divertidas com amigos e mais embaixo uma foto em que ela, uma mulher mais velha de pele morena e olhos claros e um senhor também moreno estavam sorridentes com uma mesquita grande atrás. Marina e a senhora usavam véus na cabeça. Seus sorrisos pareciam muito felizes.

—E aí? - ela chegou por trás de mim, espiando por sobre o meu ombro o que me fez dar um saltinho de susto - Investigando a minha vida?

—Estava me distraindo enquanto você estava na cozinha. - sorri, um tanto encabulada por xeretar as coisas - É sua família?

Apontei para a foto com mais três pessoas que pareciam com ela.

—É sim. Minha mãe, meu pai e minha irmã mais velha.

—Você parece sua mãe. - observei. Ela tinha o mesmo cabelo escuro e a mesma pele. A irmã parecia mais com o pai. Apontei para a foto com a senhora e a mesquita. - Onde é?

Um esboço de um sorriso se fez em seus lábios de uma forma nostálgica, os olhos mais uma vez continham a maior parte da expressividade.

—Foi uma viagem que fizemos para a Turquia. Isto é a Mesquita Azul em Istambul. Essa é minha avó e esse é meu avô. Meus avós eram da Jordânia, mas vieram para cá pouco depois da minha mãe nascer.

— Agora entendi a quem você puxou - eu disse, observando a semelhança.

— Como assim?

— Não é uma combinação muito frequente pele morena e olhos claros. Os seus são amarelos, então ainda é mais raro - virei para ela olhando seus olhos, já perdida em falar sobre cores - Ainda tem umas riscas verdes...é uma combinação realmente bonita.

Quando desfoquei de seus olhos e olhei para todo seu rosto percebi sua expressão, sem reação. Ao realizar o que eu tinha acabado de dizer sentindo sangue subir ao meu rosto e imediatamente desviei o olhar, virando para o chão

—Ah, me desculpe. Foi estranho isso.

Ela me olhou de forma doce e parecia ruborizada também.

—Não tem problema Nemu. Não foi estranho.

Desta vez instalou -se um silêncio um tanto desconfortável. Mordi o lábio rapidamente pensando em outro assunto.

— Eles sabem?

Ops talvez não fosse o melhor assunto. Acabei falando no impulso, mas a curiosidade era genuína.

O quê?Sobre você gostar de mulheres?Ah...você quer investigar minha família agora é?

Pensei ter tocado em um assunto complicado. Entretanto eu realmente queria saber mais sobre ela.

—Eu gosto se saber sobre você. Assim eu posso te conhecer melhor.

Marina sorriu e mordeu o lábio, desviando o olhar de mim e  olhando para baixo.

— Foi pior pra minha avó. Meu avô era biólogo naturalista...e ateu. Então ele lidou de uma forma mais tranquila e natural. Inclusive ele veio ao Brasil estudar a fauna da Mata Atlântica e nunca quis voltar pra Jordânia. Infelizmente ele se foi faz uns dois anos. Minha avó ainda é viva e depois do meu avô explicar e interceder por mim agora ela virou a protetora. Veste a bandeira gay comigo e se deixar bate em quem disser qualquer coisa.

Olhou-me com aquele sorriso nostálgico de antes e respondi com um sorriso amistoso. Me senti mais próxima de Marina por saber sobre sua família e seu passado.

Repentinamente ela voltou ao seu ser usual, bateu as palmas nas coxas e se empertigou.

—Vamos começar a sessão terror ou não?

Quase tinha esquecido. Respirei fundo e assenti, decidida a ser valente e ver o filme todo sem esconder a cara.

Sentamos com um balde de pipoca e nossos chás (uma combinação um tanto estranha, mas estava gostoso) e iniciamos o filme. Marina recostou bem confortável, com um braço por cima do encosto do sofá e uma perna pra cima. Eu pus os dois joelhos para cima no caso de precisar me esconder, mesmo querendo ver o filme todo.

Bem, foi um sonho um tanto distante. Antes da metade do filme eu já estava morrendo de medo.

—Nemu, agora ‘ta de boa, olha!

Espiei por cima da almofada logo num momento de susto. Dei um salto no sofá

—Aí caralho! - virei-me de um pulo - Marina te odeio. Caralho cara!

Ouvi-a rindo e percebi que tinha escondido minha cara no ombro dela e agarrado seu braço. “Opa" pensei, soltando devagar tentando agir com naturalidade. Ela não pareceu se importar, rindo da minha cara.

Acabou que no meu medo do filme fiquei todo o tempo restante agarrada ao braço dela.

—Foi tão ruim assim? - ela perguntou quando estava nos minutos finais.Eu estava tão tensa que continuei presa a ela, só afrouxando agora que tudo parecia resolvido na trama. Incrivelmente eu estava até bastante confortável. Marina era quentinha e quando respirei fundo senti seu cheiro - uma mistura de perfume amadeirado com o próprio aroma da pele - era bom e de certa forma reconfortante.

—Foi bem ruim sim. Mas acho que já tive experiências piores.

Olhei-a e estávamos bastante próximas. Ela tentava conter um sorriso por ter se divertido com meus sustos, pulos e gritinhos.

—Eu devo ter parecido muito ridícula. Falei, desviando de seu olhar.

—Ei, você não foi ridícula. Você tem medo e é normal.

Marina tocou-me na mão e esse toque causou um arrepio no meu corpo quase todo. Senti uma ansiedade se apoderar do meu estômago, dando aquela sensação esquisita em que ele parece se contrair. Olhei-a nos olhos e tudo só piorou. É só que...Ela era tão bonita...e tão legal. Como era possível sermos amigas?

Rapidamente me soltei dela, já devia estar ficando estranho que eu ainda não o tinha feito. E começava a ficar estranho para mim aquelas coisas que eu sentia. Será possível que a Nicole estava certa?

“Nao" pensei “eu não posso gostar da Marina. Eu não sou lésbica, não tem nada a ver"

Sim, provavelmente não era nada. Eu só estava feliz em ter uma pessoa incrível como ela como amiga.

Eu só estava sendo paranóica. ‘Né?

Em contrapartida, ela me tratava normalmente. Não tinha como ela gostar de mim, eu disse que não gostava de garotas.

Só...Não podia ser.


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