Nemuru - Desperta-me escrita por Candle Light


Capítulo 20
Looks 外見


Notas iniciais do capítulo

Olá meus queridos que ainda tem paciência comigo hehe

Finalmente postando o capítulo 20. Boa leitura!



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Em meio à escuridão com luzes piscantes e estroboscópicas do lugar eu via Marina sorrir daquele seu jeito característico. Corpos dançavam a nossa volta e a música reverberava dentro da minha caixa torácica mas agora eu já não me importava.

—Está sozinha Nemu?  - ela gritou a pergunta para que eu pudesse ouvir.

—Não, estou com Nicole mas me perdi dela. - ela assentiu confirmando que tinha entendido - E você? Sozinha?

Ela negou com a cabeça.

—Vim com três amigas.

Algo em mim ficou desapontado. Mas o que eu esperava? Que se ela estivesse sozinha ela iria ficar ao meu lado na festa? Que assim sua atenção seria só minha? Sacudi esse sentimento de dentro de mim, ele não fazia o menor sentido. Então três meninas se aproximaram de nós. Karina, a de cabelo azul que eu já conhecia de vista e que eu lembrava ser um interesse de Marina, e mais duas que nunca tinha visto. Uma era muito alta e tinha o cabelo numa longa trança e a outra era loura de cabelos bem curtos.

—Ah, olha elas aí. Gente essa é uma amiga minha da faculdade, Nemuru. Ela faz artes. Nemuru, essas são Karina, que você já conhecia, Daniela e Roberta. - Indicando respectivamente a mais alta e a de cabelos curtos. Eu acenei timidamente para as três, sem saber muito mais o que fazer. Marina agora parecia também meio perdida, o que me pareceu estranho pois ela era muito extrovertida. - Quer ficar com a gente até encontrar a Nicole?

Assenti com a cabeça mais por educação, mas provavelmente era melhor ficar com elas do que sozinha perdida em meio à multidão. As amigas da Marina eram muito animadas e me puxaram para a pista antes mesmo que eu pudesse protestar e logo estavam pulando, dançando e brincando umas com as outras.No entanto não podia ignorar uma sensação de que estava atrapalhando. Olhava de vez em quando de Marina para Karina procurando algum indício de qualquer coisa. Elas dançavam juntas, Marina girava a de cabelos azuis e ela às vezes vinha dançar ao meu lado. De vez em quando ela me olhava também, como para se certificar que eu não estava sendo excluída ou indo para longe. Também percebia que olhava para Karina de tempos em tempos.

Nemuru, que diabos você tem a ver com isso? Larga de ser maluca”

Tentei me concentrar na música e em encontrar Nicole e talvez eu pudesse sair dali. Eu gostava muito da Marina, mas preferia não ver meus amigos pegando outras pessoas na minha frente. É, deve ser isso. Não é como se eu gostasse de ver Nicole fazer isso também, embora eu tenha até me acostumado de certa forma, depois de ver esse tipo de cena umas quatro vezes na minha vida.

Eu estava bastante perdida em pensamentos quando senti uma mão me segurar pelo ombro. Virei com o susto e era Nicole, finalmente eu a encontrara (ou ela me encontrou).

—Nemu onde você se meteu garota?!

—Você que sumiu!

—Eu ‘tô a um tempão te procurando! ‘Tá maluca, caralho?!

— Oi Nicole! - Marina tinha se aproximado e Nic pareceu finalmente tê-la notado.

—Oi Marina! Nem te vi aí! Obrigada por ter achado essa diaba!

—Não há de quê! - ela riu.

Rolei os olhos. Me senti como uma criança que tinha se perdido da mãe.

 

****

 

Nossos grupos acabaram ficando próximos pelo restante da festa mas eu fiquei mais voltada para Nicole. De vez em quando lançava olhares curiosos às outras três, e Nicole pareceu perceber. Ela também volta e meia olhava na direção delas e de volta para mim com um olhar analítico. Que será que ela estava pensando com aquela cara?

Por volta de uma hora e meia depois o grupo de Marina estava se retirando da festa. A menina mais alta não parecia muito bem, trocando as pernas e se jogando em cima das outras. Nos despedimos sob vários desejos de melhoras enquanto Karina e Roberta seguravam a terceira mas quando foi a vez de Marina se despedir ela segurou meu pulso,me mantendo perto e disse próximo ao meu ouvido:

—A propósito, seu cabelo ficou lindo.

E saiu, piscando para mim. É verdade, ela nem tinha comentado nada ainda. Uma onda de felicidade tomou conta de mim. “Ela gostou

Passei a mão no cabelo agarrando uma mecha e mal percebi que sorria até que Nicole estalou os dedos na minha frente. Pra completar eu tinha ficado parada na mesma posição olhando para o além.

—Terra para Nemuru! Vamos também?

—Que? Ah, claro. Pode ser.

Nicole me lançou vários olhares esquisitos e tenho certeza que minha cara ficou vermelha, mas agradeci por estar escuro.

—O que foi Nicole? - perguntei já no Uber - Você está me olhando estranho desde que saímos da festa.

—Não é nada. - ela disse. Mas eu sabia que ela estava mentindo. Logo era iria abrir o jogo, eu sabia. Eu até imaginava o que era...o que estava acontecendo comigo?

 

***

 

No dia seguinte acordei tarde. O dia lá fora estava bonito, com muitas nuvens fofas que cobriam parcialmente o sol, o que era bastante agradável já que costumava ficar quente demais quando o céu estava limpo. Era um sábado de nada pra fazer. Estava um tanto preguiçosa, esse era o fato, mas minha mente formigava com lembranças da festa, de forma que sentei à minha mesa de desenho, preparei meu material e encarei a folha branca. Olhei-a imaginando o que eu queria ver enquanto balançava a lapiseira na mão. Comecei a lembrar das coisas em ordem - dançamos, me perdi de Nicole, beijei um cara - a única que tinha potencial para uma boa imagem era a primeira. Cenários de boate são muito interessantes para imagens abstratas, fantasmagóricas, cheias de corpos dançantes que pareciam se misturar, se fundir e depois se separar. Era interessante mas não era a memória que eu queria ainda.

Depois disso eu vi duas meninas se beijando e aquilo me interessou porque eu já tinha desenhado casais, mas inconscientemente todos eram heterosexuais, como a esmagadora maioria que era retratada. Pensei, batendo a lapiseira no queixo, que seria diferente fazer um casal homosexual para variar. Sorri diante do meu novo desafio e me pus a começar os traços de algo que eu queria que fosse singelo e ao mesmo tempo inegável.

Estava tão concentrada que o som do meu celular me sobressaltou, me fazendo quase pular da cadeira.

Nemu, vem comigo no Parque Lage. Quero tirar umas fotos hoje”

Era Nicole. E não era nem uma pergunta, era tipo uma intimação. A mensagem tinha duas linhas e franzi o cenho para a segunda, algo não usual.

Chama a Marina.”

Por quê?” - perguntei.

Alguns longos segundos do que parecia ela digitando e apagando.

Ela mora ali do lado, e eu gostei de sair com ela. Vai te fazer companhia quando eu estiver concentrada demais”

Respondi dizendo que perguntaria para ela. Curioso, Nicole não costumava chamar mais gente além de mim, Pedro ou Nicolas. Ela tinha esse hobby de fotografia e de vez em quando pedia para que acompanhássemos e eu sabia que era para sermos cobaias quando ela queria uma pessoa na foto. Geralmente não mostrava nossos rostos, ela gostava de fotos de silhueta.Tambem nao ligava se nos sentíssemos meio sozinhos quando ela saía para fotografar longe da gente, por isso achei bastante inusitado.

De qualquer forma mandei uma mensagem para Marina, que aceitou bastante fácil e combinamos às três horas na porta do parque. No momento eram 13:15 no relógio e fui almoçar para não atrasar. Tomei um banho para tirar o amassado de cama e desembaraçar o cabelo. Esta era uma tarefa bem mais fácil agora que tinha cortado o cabelo. Tinha bem menos superfície para os nós se formarem e me surpreendi que na verdade eles quase não existiam.

Vesti uma roupa confortável, short e uma blusa de manga curta, peguei meu bloco de desenho e um conjunto de lápis caso eu quisesse desenhar e me pus a caminho. Nicole não tinha dado sinal de vida depois daquilo, de modo que fui sozinha mesmo.

Eu gostava bastante de fazer esse caminho de bicicleta. Eu ia pela Lagoa e era uma ótima vista, a água quieta e escura refletindo o sol que passava entre as nuvens. Olhei para o céu constatando uma grande nuvem escura avultando ao longe e sorri pensando na chuva que poderia cair mais tarde. Por dentro do Parque dos Patins, uma região da Lagoa que ficava mais longe dos carros, existiam pequenos bares e restaurantes abertos para o ar salobro que chegava do corpo d’água, muitos carrinhos de comida nos fins de semana e bastante gente caminhando e andando de patins e bicicleta.

Pouco depois cheguei ao Parque Lage. O enorme espaço já fora uma fazenda e possuía um enorme casarão onde agora funcionava uma escola de artes visuais. A mata era vistosa e preservada, cheia de flores e de animais entre papagaios e macacos-prego. As trilhas eram pavimentadas de paralelepípedos, ladeadas por muitas jaqueiras e levavam à uma gruta e um lago, onde outrora houveram patos. Assim como o Jardim Botânico, o lugar funcionava como uma fuga da cidade para o meio da natureza, um lugar com ar puro e silêncio em meio à urbanização caótica. Era um tanto menor, mas tinha a vantagem não cobrar entrada.

Fui a primeira a chegar. Em frente ao casarão havia um chafariz em forma de trevo num espaço mais baixo. Desce-se uma escadaria para chegar ao nível dele, em meio ao gramado. Haviam uns bancos ao redor e escolhi um para me sentar, abrindo meu bloco de desenho para entreter-me enquanto elas não chegavam. A luminosidade do outono era minha favorita, o sol mais ameno jogava uma luz muito mais gentil sobre a paisagem. Era amarelado e agradável e em vez de ser algo do qual você fugiria pra não morrer desidratada você sentia -se confortável com o toque morno dele. Olhei para cima observando o azul do céu e as fofas nuvens que pairavam ali. A brisa que vinha da Mata era fria e tinha cheiro de umidade misturado com terra e clorofila. Me pus a rabiscar a paisagem distraidamente.

 

****

 

Não tenho certeza de quanto tempo fiquei ali desenhando o chafariz, mas estava tão absorta que mal percebi quando Marina parou à minha frente e disse:

—Pena Nicole ainda não estar aqui porque você agora daria uma ótima foto.

Ergui a cabeça para encontrá-la me olhando sorridente, numa pose despojada segurando a alça do violino no ombro. O cabelo com suas tranças, caindo em ondas e com uma roupa confortável - um short, regata preta por baixo de uma blusa vermelha xadrez  de botão. Ela sentou ao meu lado no banco e espiou meu bloco.

—Olha, muito bom. -sorriu.

Sua proximidade me deixou ansiosa e os seus olhos amarelados como os de um gato eram quase hipnóticos. Toda vez que eu a olhava mais longamente não conseguia deixar de apreciar sua beleza e toda a atmosfera que lhe cercava. Era magnética de uma forma que eu não entendia. Eu pouco consegui falar além de “obrigada”, capturada nas estrias verdes e cor de mel que permeavam seu olhos.

—Estou atrapalhando alguma coisa? - a voz de Nicole surgiu à nossa frente e me assustei de fato, dando um pulinho do banco.

—Não, Nicole. Quê isso, ta doida? - eu disse, sentindo meu coração bater forte pelo susto e sentindo o sangue subir até o meu rosto. Pela minha visão periférica  pude ver um sorriso divertido no rosto de Marina. - Vamos?

Andamos pelo parque acompanhando Nicole enquanto tirava fotos mas conforme eu observava, eu percebia que volta e meia ela olhava para nós.

Mas que porra…”  pensei. Mas resolvi não ligar. O dia estava bonito, eu estava com boas companhias e esperava desenhar alguma coisa legal.

Passávamos com alguma frequência e eu gostava de olhar para cima captando os recortes de luz e sombra da copa das árvores e aves que por ventura eu desse a sorte de ver. Vi que Marina, assim como eu às vezes parava na direção da brisa e inspirava fundo com uma expressão satisfeita.

—Você gosta desse tempo também?

—Sim, bastante. É fresco e dá vontade de ficar ao ar livre. Foi uma boa ideia vir pra cá.

Eu sorri tanto para mim mesma quanto para o próprio dia. Nicole se aproximou chamando-nos para subir até o lago. Entre as trilhas de pedra daquele lugar o verde era imperador. E dentre o verde, jaqueiras em especial. Elas estavam por toda a parte ali e era até estranho pensar que na verdade não era uma planta nativa, mas uma invasora que tinha se tornado quase uma praga. Subimos, nossos pés fazendo barulho nas pedras e na areia em meio ao silêncio.

O lago não estava tão cheio quanto eu me lembrava, nem a pequena cascata estava caindo direito. Quando eu era mais nova haviam patos lá, mas eles foram retirados depois que começaram a roubar os bichos. Agora só restavam as grandes carpas que nadavam pacificamente. Era um cenário agradável onde Nicole já buscava belos ângulos para suas fotos. Marina sentou à beira da água e retirou seu violino da caixa, começando a afiná-lo. Eu olhei-a de certa distância e era incrível como ela sempre parecia me capturar. Ela não se vestia para provocar, tampouco se vestia de forma masculina, seu estilo era confortável e apesar de não ser muito feminino mostrava claramente que era uma mulher. A blusa branca delineava modestamente as curvas de seu corpo e a gola era cortada em um baixo semi-círculo, mostrando o desenho das clavículas. Deixando um momento o instrumento de lado, ela tirou a camisa xadrez e amarrou-a na cintura. Seu olhar subiu e encontrou o meu, fazendo minha cara esquentar. Eu estava observando de uma forma meio bizarra, mas eu de fato a admirava por várias características. Sua beleza era daquelas que as pessoas olham não de primeira, mas de segunda, quando você resolve fixar os olhos. E aí ficava difícil desviar.

Ela sorriu e acenou com a mão para que eu me aproximasse.

—Me fala uma música.

—Ahn…- fui pega de repente e não consegui pensar em nada.

—Tudo bem - ela disse quando eu não respondi, dedilhando as cordas de forma brincalhona - Eu posso inventar alguma coisa.

Sorri abertamente com a espontaneidade, trocando o peso das pernas e ficando confortável enquanto eu ouvia Marina brincar com o violino. Nicole me chamou atenção lá em cima. Uma escadaria levava ao dois níveis acima do lago, até o riacho que era sua fonte de água. Ela estava no primeiro nível, olhando para nós com a câmera nas mãos. Franzi o cenho já ficando irritada olhando sua postura observativa. O que ela estava querendo?

—Vou ali em cima desenhar a paisagem aqui de baixo.Volto já. Aja naturalmente. - pisquei, divertida.

Marina assentiu com um sorriso e eu subi, já ficando incomodada com Nicole me olhando de rabo de olho a tarde toda. Ela não parecia chateada, então só podia haver alguma idéia cozinhando naquela cabecinha.

—Nicole, o que foi? Você não para de me olhar estranho. - eu disse mostrando minha irritação.

—Nemu, você já percebeu como vocês se olham? Já percebeu como a Marina olha pra você?

—Do que você está falando? - franzi as sobrancelhas para aquela observação absurda. Nicole suspirou rolando os olhos.

—Eu não acredito, você só pode ser cega. Eu estou observando vocês esse tempo todo porque faz tempo eu já tinha percebido uma espécie de clima entre vocês. Primeiro eu tentei me convencer que podia ser minha cabeça, mas agora está realmente óbvio. E não é só ela, Nemu. Você olha pra Marina de uma forma muito diferente do que olha pra mim por exemplo.

—E o que tem? Você está com ciúmes? - minha irritação chegou num ápice. Nicole estava inferindo coisas absurdas! O que ela queria dizer com isso? Que a Marina gostava de mim? Que eu gostava dela? No way. — Eu admiro muito a Marina sim, e daí? Isso não tem nada demais.

Nicole respirou fundo novamente.

—Nemuro, pelo amor de Deus, olha a minha cara de quem tem ciúmes de você. além do que, não é esse o assunto. Você está fugindo como sempre.

Eu abri a boca para protestar, sentindo a vermelhidão de raiva se espalhar pelo meu rosto.

—Ainda não terminei - ela levantou a mão na altura da minha boca, me parando. Engoli o meu protesto furiosa, esperando que ela terminasse de uma vez. - O fato é: tem algo aí. Se a Marina já não tem algum tipo de sentimento por você, essa possibilidade parece bem alta.

Estalei a língua, desdenhando. Impossível.

—Larga de maluquice Nicole. Ela sabe que eu sou hétero.

—Isso nunca foi empecilho pra ninguém. - ela disse, levantando a câmera e indo fotografar mais adiante, encerrando o assunto e me deixando ali com meus pensamentos.  


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