Nemuru - Desperta-me escrita por Candle Light


Capítulo 17
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Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Mais um capítulo par vocês.
Se puderem, deixem um comentário me contando suas expectativas para os próximos capítulos :)



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Saí da sala para o jardim e o tempo estava mudando drasticamente. Nuvens negras avultavam-se rapidamente, o ar pesava de umidade. O vento estava parado assim como antes de uma grande tempestade. Eu na verdade gostava muito delas. Era a natureza caindo sobre nós de forma crua e selvagem e eu adorava observar, então em vez de correr e pegar o ônibus eu me dirigi para a mureta na esperança de vislumbrar raios. Eu gostava de vê-los por serem tão difíceis de reproduzir em arte e também somente porque os achava belos. Potencialmente mortais, claro, mas muito bonitos em toda a sua glória de plasma.

O Corcovado estava quase inteiramente coberto pelas nuvens e era possível ver alguns clarões. Pouco pude ficar ali quando a chuva despencou e é nessas horas que eu me arrependo das minhas escolhas de vida. O ponto de ônibus da Mureta não é exatamente um ponto. Não tem cobertura nem nada, é só uma placa, de forma que eu fiquei naquela chuva torrencial por uns minutos antes de qualquer ônibus passar. Peguei o primeiro que apareceu, que por sorte me deixaria no metrô e de lá era fácil ir pra casa, mas eu já estava ensopada. E tinha ar condicionado no ônibus.

“Ótimo” pensei. “Vou ficar doente quase com certeza”

Após uma viagem bastante fria e molhada cheguei em casa correndo direto pro banho. Atirei as roupas molhadas em cima da máquina e corri passando pelo meu gato que não parecia entender porque eu estava andando pelada pela casa. A água quente do chuveiro era um alívio depois de tremer todo o caminho de Botafogo até aqui e ainda pegar mais chuva na saída do metrô. Para completar o azar do dia, minha mãe resolveu chegar cedo.

—Nemu, que roupa encharcada é essa na máquina? E essa água pelo meio do chão? Pegou chuva?

—Peguei! - gritei de dentro do banheiro.

—Menina, se cuida agora pra não ficar doente. E da próxima vez não deixa em cima da máquina, coloca logo dentro pra lavar. E depois seque essa trilha de água que você deixou.

—Ta bom! - ela tem algumas coisas previsíveis com qualquer coisa ligada à casa. Não tínhamos ninguém para arrumar todo dia -  havia uma ajudante que vinha uma vez por semana apenas, então minha mãe tentava ao máximo não bagunçar e sujar a casa já que tampouco tinha muito tempo pra limpar.Eu que geralmente ficava encarregada de algumas coisas, principalmente de Gateau e do meu quarto.

Depois de seca e vestida com uma confortável camisa velha e uma calça de moletom, sequei a minha bagunça e resolvi colocar uma música em meus fones. Precisava atualizar minha biblioteca de músicas instrumentais e catei os canais que eu gostava em busca de novidades. Logo eu flutuava, balançando-me entre os acordes e buscando neles também uma cena para desenhar. A música mudou para outra, com um belo violino soando. Em minha mente surgiu um rosto e seu tão familiar sorriso. As lembranças do dia em que fui à casa dela vieram a minha mente e antes que eu pudesse perceber, um sorriso sutil e silencioso surgira nos meus lábios. Alcancei um papel na minha caixa e comecei os traços de sua figura apenas pela memória. Horas depois minha mãe precisou me cutucar para me lembrar do jantar.

—Ela está muito bonita - ela disse, olhando por cima do meu ombro para o meu desenho - É alguém que você conhece?

Senti minha cara começar a ficar vermelha. Agora que me tocava e parei para olhar o todo, a imagem parecia muito com ela. Minha memória tinha ficado tão boa assim?

—Não, eu inventei da minha cabeça mesmo. - falei sem pensar. Por quê eu tinha dito isso? Por um momento ficara com vergonha de dizer que era uma amiga minha. O desenho estava tão parecido entretanto, tão fiel...que era quase como se ela... não fosse apenas uma amiga e...fiquei com medo de dizer.

—Está linda Nemu, parabéns. Você está melhorando muito. Mas não tem nada para estudar? Engenharia é um curso difícil.

Tive que me esforçar para manter minha cara blasé por fora, porque por dentro eu suei frio.

—Eu já estudei na biblioteca antes de vir. - falei, quase sentindo uma gota de suor escorrer pela têmpora.

—Ah, que bom então. Agora vem jantar que já te chamei umas três vezes.

Aliviada segui minha mãe para a sala. Ao apagar a luz e dar uma última olhada para dentro do quarto pensei em Marina e meu desenho. Acho que eu realmente a admirava.

****

O fim de semana se iniciou chuvoso, o que foi bom para não me deixar triste por ficar em casa, já que um resfriado tomou posse do meu corpo, me dando um nariz escorrendo e uma incômoda sensação na garganta. A chuva aliada à minha condição criavam uma atmosfera perfeita pra não fazer nada. Chamei Nicole para minha casa para jogar uns videogames e falar sobre coisas.

—Atira Nicole! Eles vão matar a gente!

—To atirando, cacete! Troca a arma e vai pro outro lado que eu seguro daqui.

Eu mexia nos controles como uma condenada enquanto os zumbis cercavam a gente num galpão abandonado.Nicole ficava muito imersa nesses jogos e era muito louco como ela agia às vezes como um general.

—Aaargh! - ela gritou, me assustando - Merda, morri.

Eu não consegui segurar os zumbis por mais tempo e eles me pegaram também. Larguei o controle soltando um grande suspiro. Jogar esse tipo de coisa me deixava toda tensa, apesar de gostar bastante. Então fizemos pipoca com manteiga e fomos para o meu quarto conversar. Nicole queria me contar as novas fofocas da faculdade dela e sobre os possíveis “boys” que ela queria e mantinha uma lista de “top 10”. Eu não sabia muito como aconselhá-la quando ela pedia minha opinião, mas eu tentava permanecer sempre lógica. Menos quando ela entrava em outros tipos de assunto como sexo e...órgãos sexuais dos fulanos que eu realmente preferia ficar de fora.

—E o Daniel hein? - ela falou, mudando o foco do assunto completamente. À menção dele franzi as sobrancelhas imediatamente.

—Não consegui terminar tudo com ele aquele dia. Ele me olhou tão feliz… eu não consegui Nic.

Nicole rolou os olhos e acertou um tapa no meu braço do qual nem reclamei. Ela estava certa.

—Nemu, acho que eu nem preciso dizer o que eu penso né? Você precisa resolver isso e seguir em frente.

—É dificil…

—Claro que é. A vida é assim mesmo. As coisas são difíceis. As pessoas são difíceis e se relacionar com elas também. Descobrir o que e de quem gosta, descobrir um estilo, um grupo, qualquer coisa -  é difícil. Talvez seja um problema inerente do ser humano querer ser aceito e se encaixar em grupos, mas é assim que as coisas são. Você sempre foi diferente Nemu. Em vários aspectos. Está na hora de abraçar isso e ser feliz. Digo, inclusive a sua faculdade de Artes. Não acho certo esconder isso. Pelo menos devia falar pra sua mãe. Ela não vai te expulsar de casa ou nada do tipo.

Apenas abaixei a cabeça e assenti. Eu gostava de falar com Nicole porque ela jogava as coisas direto, sem me poupar. Ela dizia as coisas que eu precisava ouvir mesmo que fossem duras.  Ela levantou e pegou uma bola daquelas de apertar de uma das prateleiras da minha estante e ficou brincando de jogar na parede.

—Às vezes também acho que eu deveria falar com a minha mãe. Mas agora não tenho cara para chegar para ela e dizer que tudo o que eu falei foi uma mentira.

—Quanto mais você demorar, Nemu, acho que vai ser pior.

Estabeleceu-se um silêncio confortável entre nós. Apenas se ouvia a chuva lá fora e o som da bola que Nicole atirava na parede e recuperava com as mão, ritmicamente.

—Vou dizer o que você vai fazer: vai terminar com o Daniel o mais rápido possível e aí nós vamos numa festa pra dançar até nossas pernas virarem pó.

A bola quicou e passou por Nicole, indo parar ao pés da minha escrivaninha. Ela foi buscá-la e seu olhar parou no sobre a mesa, depois alcançando o papel que ainda estava ali e eu esquecera de guardar: o desenho que eu fizera da Marina. “Merda” pensei. Não queria que ela visse aquele desenho. Meu estômago pareceu cair até o centro da terra mas fiz a cara mais blasé que eu consegui.

—Nemu, essa é a Marina? O que é isto?

Engoli em seco.

—É…?

—Ficou linda, muito parecida. Mas porque você estava desenhando ela?

Mexi no cabelo, sem saber dar uma resposta precisa.

—Sei lá, eu estava ouvindo música e ela me veio na cabeça. - levantei e tirei o desenho das mão de minha amiga, guardando numa das minhas gavetas - Por quê tantas perguntas? Não tem nada demais, credo.

—Hm. Mas eu bem sei como as músicas funcionam na sua pintura.

Ela me olhou curiosa, como se me analisasse.

—O que você quer dizer com isso? E por quê está me olhando assim?

Algo no que ela disse e em seu olhar me fez ficar nervosa e confusa. Eu não estava entendendo nada.

—Nada.

Nicole ainda me olhava suspeita, com o cenho franzido,mas resolveu voltar no assunto do Daniel. Eu concordei que deveria dizer pra ele que eu não gostava dele daquele jeito de uma vez por todas. Nicole acabou me dando, novamente os argumentos que eu precisava para reunir minha coragem. Aproveitaria um dia que ele tinha me chamado para sair, mas não gostava nem de pensar em como ele ficaria. No fim ele continuava sendo meu amigo. Queria ainda poder chamar ele pra jogar videogame como eu fazia com Nicole, Pedro e Nicolas. Mas eu deveria ser egoísta com isso agora, antes de toda essa situação estranha piorar.

Eu iria tentar terminar isso mais uma vez.

E esta seria a última.


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