Nemuru - Desperta-me escrita por Candle Light


Capítulo 16
Proximity 近接


Notas iniciais do capítulo

Perdoem-me mais uma vez o atraso na postagem >



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O dia seguinte, uma terça feira, teríamos uma saída para pintar ao ar livre durante a manhã. Grande foi a minha surpresa ao notar, ainda dentro do ônibus da faculdade, que estávamos indo ao Jardim Botânico. Não pude deixar de sorrir e achar graça pela coincidência. Estávamos indo para meu “ateliê”, meu cantinho cativo. Havia mais de uma turma conosco, ali também estavam os alunos do curso noturno e do vespertino.

Todos saímos do ônibus e entramos pelo portão. Eu estava andando distraída, apenas seguindo as pessoas e feliz, pensando como era bom estar ali de novo.

—Que foi Nemuru? Está sorrindo sem parar! - Jessica deu-e um susto, tão distraída eu estava. Nem percebi que estava sorrindo e fiquei encabulada por um momento eu devia estar parecendo uma maluca rindo pro além.

—Oi Jessica! Que susto, garota! - eu respondi-lhe. Ela riu - Nem percebi que estava sorrindo. É que eu costumo vir muito aqui pra pintar sozinha. Considero esse lugar como meu cantinho particular, então eu estou feliz que viemos pra ca.

Andamos lado a lado conversando até o portão de entrada no arboreto enquanto a professora falava sobre iluminação e sombras.

—Nemuru? - ouvi uma voz chamar. Se meu nome fosse outro até pensaria que não era comigo mas ninguem mais nesse país deve ter o meu nome, então virei-me na direção do som. Caminhando sorridente na minha direção vinha Helena, a garota que tinha falado comigo primeiro no dia do trote. - Quanto tempo! A gente nunca mais se viu.

—Oi Helena! Nossa, é verdade. Você não é do curso integral?

—Eu sou do vespertino. Deve ser por isso que nunca nos encontramos, as aulas na grade são diferentes.

Jessica ainda estava ao meu lado observando, e apresentei as duas meio sem saber muito o que fazer. Já era difícil para mim fazer amigos, era pior quando eu tinha que apresentar pessoas para outras. Como Helena era muito falante, ela continuou conosco puxando assunto.

Andamos mais um pouco dentro do parque e acabei ficando para trás por um momento mandando uma mensagem para Marina:

“Hey, adivinha onde eu estou? Começa com Jardim e termina com Botânico”

Me mantive segurando o aparelho enquanto acompanhava o grupo que andava à minha frente, esperando a vibração que sinalizava a resposta. Logo a senti e li a mensagem.

“O que fazes em meus domínios? Hahaha! Eu estou em casa hoje, quer vir almoçar? É de graça.” esta última seguida daquele emoji da lua com cara.

Eu ri e respondi-lhe

“Aceito. Me manda seu endereço que passo aí ao fim da aula. Ah sim, estou tendo uma aula externa”

Jessica e Helena se aproximaram quando eu terminava de mandar minha mensagem.

—Que cara é essa Nemuru? - Helena perguntou - Falando com o namorado?

—Não - respondi, me perguntando que cara eu estaria fazendo e seguindo em frente  - É uma amiga,só.

Pela minha visão periférica vi Jessica trocando olhares engraçados com Helena. Olhei para trás só para vê-las sorrirem para mim disfarçando algo. Pude quase sentir os pontos de interrogação pularem para fora da minha cabeça.

Logo a professora deixou que a turma escolhesse um local para pintar uma paisagem. As pessoas se espalharam pelo arboreto a partir do lago, onde teríamos que nos encontrar dali a uma hora mais ou menos. Eu parti sozinha, preferia assim. Acabei escolhendo desenhar uma das estufas numa visão onde ela parecia uma casa abandonada na floresta. Peguei meu celular e procurei minha playlist de pintura, colocando algo que combinasse com o que eu queria fazer. Comecei com uma música chamada Arrival of the Birds e posicionei-me do modo mais confortável possível.

Não sei bem quanto tempo se passou enquanto eu desenhava. O tempo era muito relativo quando eu estava no meu “modo pintura”, mas uma vibração do meu celular me tirou do transe. A mensagem de marian dizia:

“Onde você está, garota?”

“Merda, passaram-se mais de uma hora!”, pensei.Fechei tudo e corri de volta ao lago. Ainda tinham algumas pessoas por ali, mas com certeza tinha menos gente do que deveria.Para minha sorte, Jessica e Helena ainda estava lá, de modo que aproximei-me delas.

—As pessoas já foram embora? - perguntei, não vendo nem a professora.

—Uma parte, sim - Jessica respondeu, se abanando com a capa do seu caderno. Estava um dia bem quente. - Não conseguimos te encontrar. A Jandira já foi e pediu para avisar aos que não estavam aqui que a obra de hoje deve ser entregue semana que vem na próxima aula.

—Ah, tudo bem então -disse, sacando meu telefone para avisar à Marina que eu estava saindo de lá. Ela já havia mandado o endereço e era uma rua próxima, daria pra ir à pé mesmo. - Eu vou nessa então.

Me despedi delas, ajeitei a mochila no ombro e me pus no caminho, ainda observando os meus arredores enquanto caminhava. Subi pela rua ao lado do Jardim Botânico e alcancei a rua da marina, uma transversal muito calma e arborizada. A proximidade com o arboreto mantinha a temperatura ali fresca e o ar com cheiro de mato, o que era muito agradável. A rua era composta em sua grande maioria por prédios baixos e de poucos apartamentos. Quando cheguei naquele que era o de Marina, era também um desses. Era um prédio de 4 andares revestido de pastilhas azuis. Os apartamentos tinham sacadas charmosas e agradáveis, algumas com jardineiras de flores e redes penduradas.

Interfonei. O apartamento dela era o 301, provavelmente aquele que eu via de frente. Tinha plantas em vasos e xaxins pendurados na grade de guarda corpo da varanda. Ela logo atendeu e abriu o portão para mim. Entrei e enquanto subia observava o prédio. Parecia ter 4 apartamentos por andar. O interior era branco e limpo, meus passos ecoavam levemente. Não tinha elevadores, de modo que subi as escadas rapidamente. Chegando ao andar, marina já me esperava encostada ao batente da porta, com seu usual sorriso torto e os braços cruzados sob o peito. Ela usava uma camisa de manga curta preta que dizia “ I’m going to hell anyways” e um short de tecido confortável. Na cabeça estava um boné virado para trás. Sorri assim que a vi. A reação foi imediata e um certo nervosismo se apoderou de mim. “O que? Por quê estou desse jeito?”, pensei. Imaginei que talvez fosse porque eu estava pela primeira vez entrando na casa dela. No mundo dela.

—Demorou - ela disse, abrindo passagem para mim, ainda com seu sorriso no rosto.

—Desculpe, acabei me distraindo na pintura. - falei, passando por ela, que me acompanhou com o olhar. Ao pisar dentro de seu apartamento, notei de cara a decoração simples mas aconchegante. A sala não era muito grande e possuia um sofá azul marinho de três lugares com uma manta dobrada sobre o encosto. No chão um tapete felpudo e na parede sobre a televisão tinham prateleiras com livros. Ao lado, duas caixas de instrumentos e também um piano elétrico na parede esquerda. A cozinha era do tipo americana, com uma bancada de azulejos coloridos. A iluminação natural entrava suave e era suficiente para o ambiente ficar claro. Outra coisa que notei de cara era o aroma amadeirado do lugar. Tinha um cheiro que me parecia...nostálgico. Além deste, senti cheiro de comida, o que lembrou ao meu estômago que eu estava a pelo menos quatro horas sem comer.

—Com fome, gata? - ela disse finalmente - Eu fiz um almoço simples, mas deve estar comestível. Espero que não tenha nada contra arroz e bife.

—Nem um pouco. Adoro bife.

Deixei minha mochila no sofá e fui ajudá-la com as coisas, colocando os descansos de prato na mesa, a bebida e a salada. Comi com gosto a comida, que estava deliciosa.

—Marina, você além de tudo, é uma ótima cozinheira.

—Nah - ela fez, sendo modesta - Isso não é nada demais. Podemos dizer que eu sei sobreviver bem.

—Quê? Se isso é sobreviver, quero ver o que você considera cozinhar bem.

Ela riu abrindo aquele sorriso que me fazia querer fazê-la rir sempre. Era tão bonito e genuíno que eu queria um dia ainda, poder pintá-lo.

Depois de comer, ajudei a tirar tudo e arrumar as coisas, mas ela insistiu para eu não lavar a louça. Convenci-a entretanto que eu enxugasse os pratos. Antes que começassemos os trabalhos ela ligou uma caixinha de som bluethooth e colocou uma música, pegando então os pratos e dançando com a música enquanto lavava. Aquela cena de início me deixou sem palavras enquanto ela dançava e dublava a música, me chamando a se juntar a ela. Não consegui não sorrir de uma forma tão aberta como raras as vezes eu fazia. Marina realmente era uma figura. E assim foi a tarefa de lavar louça mais divertida que eu já fiz.

Depois de levar sabão na roupa e me molhar um bocado, eu e Marina nos jogamos no sofá, ainda rindo.

—Você sempre lava a louça assim? - perguntei, ajeitando minha roupa que eu havia tentado secar a pouco.

—Lavo sim. Eu tento deixar as tarefas de casa mais divertidas. Você precisa ver como é quando eu dou faxina!

Rimos. Ela virou para mim apoiando o braço no encosto do sofá e na própria cabeça. Sustentamos nossos olhares por poucos segundos até que ela disse:

—E agora? Quer fazer o que?

—Uh, não sei. - a pergunta me pegou desprevenida e comecei a olhar ao redor do cômodo buscando uma resposta. Meu olhos caíram nos instrumentos que estavam ali repousando no canto.  - Você toca esses instrumentos todos? O que são?

— Yup, todos eles. Meu piano de armário ficou na cas dos meus pais por motivos de ser grande demais - ela riu - mas pude trazer o elétrico. Além dele temos uma  guitarra, um violão e uma clarineta, que está no meu quarto. E meu violino que você já conhece.

Nem me preocupei em conter minha cara de espanto e admiração. A pessoa tocava tudo e ainda fazia aquela cara de como se fosse nada demais.

—Eu tenho mercúrio em gêmeos. - ela deu de ombros - Indecisa e querendo aprender um pouco de tudo.

—Um dia você tem que me mostrar suas habilidades.

—De fato, se você quiser posso um dia fazer uma demonstração. - ela disse com uma expressão sensual e brincalhona. - Mas agora podemos apenas ver um filme e relaxar, o que acha?

—Acho ótimo. - disse, sorrindo e me jogando de costas no sofá. Na verdade eu adorava aquele tipo de programa, meu preferido para tardes de nada para fazer. Marina ligou a TV e procuramos entre os títulos da Netflix até escolhermos uma comédia. A tarde passou rapidamente entre o filme e nossas conversas. Quando fui perceber já eram 20:15 e nem sequer tinha avisado minha mãe onde eu estava.

—Caraca, já é esta hora? Eu preciso ir Marina.

—Sua mãe está te esperando?

—É uma terça-feira, então acho que é mais provável que ela chegue tarde do hospital.

—Não quer ficar pra jantar?

Marina parecia um pouco preocupada ou talvez...triste por eu ir embora? O fato era que sua expressão não era mais sorridente como durante o resto do dia.

—Não precisa, mas obrigada. - eu disse, guardando o que eu tinha deixado fora da mochila - Obrigada por tudo hoje. Foi muito legal, de verdade, mas acho melhor eu ir. Meu pai vai me ligar e eu não vou estar em casa, ele vai ficar preocupado.

Marina franziu levemente o cenho por um momento e pareceu aceitar.

—Bem, pelo menos você não vai tarde e é menos perigoso.

Eu assenti e ela me levou à porta, despedindo-se de mim. Ela se confundiu entre um tchauzinho simples ou dois beijinhos e como me inclinei ela por fim me deu os dois beijinhos de uma forma bastante enrolada, de forma que rimos com a situação logo antes de eu acenar-lhe e descer as escadas.

Chegando em casa constatei que de fato minha mãe ainda não estava lá e aquilo me deu uma sensação muito grande de solidão. Pensei que deveria ter ficado para jantar com Marina e assim eu poderia me divertir lavando a louça com ela e brincando mais uma vez. Suspirei, cumprimentando meu gato. Pelo menos ainda tinha ele para que a casa não ficasse de todo vazia.


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