Nemuru - Desperta-me escrita por Candle Light


Capítulo 13
Confusion 混乱


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora mas é que a vida tá corrida >



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Ao final da aula eu estava de volta ao mesmo ponto do jardim onde eu e Marina estivemos mais cedo e lá estava ela tocando seu violino. Quando me avistou chegando, sorriu sem parar de tocar. Me aproximei, sorrindo também enquanto apreciava a música que ela estava tocando: uma versão lenta e suave de Titanium. bati palmas levemente quando a música acabou e Marina baixava o instrumento.

—Não precisa bater palmas. - ela disse

—É inevitável. Eu gosto de ouvir você tocar e acho que merece palmas. Quem manda ser tão boa?

Ela riu, guardando o violino na caixa e ajeitando as fitinhas para dentro.

—Eu não sou tão boa assim, deixa de ser boba. - ela parecia um pouco sem jeito, ao que eu não pude deixar de rir. - Mudando de assunto: o que você quer fazer?

—Comer? - eu respondi, sentindo meu estômago roncar.

—Ótima pedida! Podemos?

Assenti, sorrindo com o jeito brincalhão dela apontar o caminho como um gentleman inglês. Andamos lado a lado em direção à mureta da Urca, que nada mais era um murinho de pedra que servia de guarda-corpo na beirada da enseada de Botafogo. Dali podia-se ver o Cristo Redentor do outro lado e até a ponte Rio-Niterói ali à direita. Dezenas de barcos estavam ancorados espalhados pela água que refletia um sol descendente. Os reflexos amarelos pintavam a enseada, transformando em silhuetas as pessoas que conversavam, comiam e bebiam sentadas na mureta. Paramos na padaria do outro lado da rua para comprar sanduíches e comê-los sentadas ali também, olhando o mar. Marina pediu que eu segurasse seu violino para que escolhesse o que ia pedir.

Corri os olhos pela padaria, que estava cheia de pessoas que lanchavam ou compravam pão e frios para casa. Voltei meus olhos novamente para Marina e ela estava debruçada no balcão para ler o cardápio. Meus olhos pararam olhando sua posição, a curva que sua cintura fazia e o quadril, a blusa levemente caindo pelo ombro, o cabelo escuro descendo em ondas selvagens. Ela cruzou os braços sobre a superfície, apoiando seu peso neles agora, fazendo os ombros subirem e sua blusa escorregar um pouco mais.

Que?” eu pensei. “O que eu estou fazendo?

Marina virou-se então para mim, fazendo-me piscar e voltar à realidade. Ela trazia nossos lanches, entregando meu hambúrguer. Com sorte, ela não teria percebido que eu viajava encarando-a. Sentamos na mureta e uma brisa trazendo maresia atingiu-nos enquanto comíamos nossos sanduíches. Suspirei, respirando fundo aquele ar salgado e fresco. Eu adorava a vista da mureta, principalmente ao fim da tarde, quando as sombras dos barcos se alongavam e as luzes da cidade começavam a ser acesas, refletindo na água. Fragatas e atobás passavam voando enquanto garças espreitavam peixes das pedras. Amigos e casais socializavam, riam, tocavam música. Era uma atmosfera muito agradável ali.

—Você gosta daqui? - Marina perguntou de repente, quando fiquei perdida no horizonte.

—Sim. Eu adoro a vista daqui, adoro o mar e o cheiro de maresia.

—Devíamos marcar de ir à praia um dia desses então. Eu adoro isso também, mas eu sempre vou sozinha porque não tenho muito amigos pela Zona Sul. Ou pelo Rio mesmo. A maioria ficou em Niterói. Daqui só os que fiz na faculdade.

—Claro! Vamos sim! eu sempre vou com minha amiga Nicole e às vezes meus outros dois amigos da escola. Mas você pode se juntar à nós ou podemos ir nós duas mesmo.

—Oba!  É bom que aí posso manter o bronzeado.- ela disse com uma piscadela divertida enterrando mais uma mordida no sanduíche e estendendo o braço para olhá-lo. Olhei sua pele morena e me peguei imaginando como seria Marina de biquíni. Ela tinha um queimado de sol somado à sua pele que não era tão branca naturalmente, o que lhe deixava com uma bela cor de pele, uma cor quente. Imaginei que seus olhos deviam ficar mais amarelos ainda…

Repreendi o pensamento, sentindo meu rosto corar levemente. Ainda bem que estava escuro. O que diabos estava acontecendo comigo?

Balancei meus pés no vazio abaixo de mim. Eu e Marina estávamos sentadas uma de frente para a outra, “montadas” na mureta, um dos pés pendurados sobre as pedras abaixo que seguravam as ondas, o outro em contato com a calçada segura. O lugar estava cheio, de modo como estávamos sentadas bem próximas. Um silêncio confortável se estabeleceu por alguns momentos. Balancei meu pé que estava pendurado para fora do muro enquanto inspirava o ar salgado quando senti minha alpargata soltar do meu pé. Foi tarde demais para que eu recolhesse a perna e meu sapato ja estava caído lá embaixo no meio das pedras.

—Nããããão meu sapato! - gritei instintivamente e inutilmente. Já estava me vendo voltando pra casa com apenas um pé calçado e levando uma bronca da minha mãe quando vejo Marina tirar os sapatos dela.

—Marina, o que você está fazendo? - eu olhei enquanto ela deixava as coisas na calçada. Uma onda de preocupação me atingiu quando percebi o que ela ia fazer. - Não! Marina, não precisa, não desce lá!

—’Tá tudo bem, eu consigo pegar seu sapato. - ela disse, passando para o outro lado da mureta e soltando o corpo em uma das pedras abaixo.

—Deixa, tá ficando escuro já!

—Bobagem, não vou deixar você perder o sapato quando eu posso pegá-lo tranquilamente.

Eu olhava inutilmente enquanto ela se aventurava nas pedras cheias de limo e cheias de baratas de praia atrás da minha alpargata. O sol já havia praticamente sumido e ali ja estava escuro, de modo que fiquei com medo de que ela escorregasse e se machucasse por causa de um calçado idiota.

—Nemu, liga a lanterna do celular e aponta aqui pra baixo!

Fiz o que ela pediu, e de fato em pouco tempo ela retirava a alpargata do meio das pedras e atirava pra mim de forma brincalhona como quem joga uma bola. Não pude deixar de me admirar pela sua gentileza e coragem por fazer aquilo por mim. Ela estendeu a mão para que eu a puxasse de volta e eu a peguei, usando toda a minha força para trazê-la de volta em segurança, mas ela não tinha muito apoio para os pés então tive que ajudar deixando que se agarrasse ao meu pescoço e puxando-a pela cintura.

Por fim, ela voltou à segurança da calçada. Ambas ofegantes, ela sorriu para mim ainda segurando meus ombros a uma distância extremamente pequena. Seu cheiro amadeirado atingiu-me novamente e aquilo por alguma razão me causou um certo arrepio

—Eu falei que ia conseguir.

Não podia negar nem discutir. Sorri-lhe de volta, sacudindo a cabeça.

—Você é maluca. Ma obrigada. Me salvou de uma cena ridícula de andar na rua meio capenga.

—Disponha. - ela disse, rindo mais uma vez e dando de ombros como se descer nas pedras da mureta não fosse nada.

 

***

 

Cheguei em casa e já estava bem escuro. Gâteau me cumprimentou -  se esfregando nas minhas pernas como sempre -  e lhe dei um carinho. Entrei para o meu quarto, tirei os sapatos lembrei-me de Marina descendo às pedras da mureta para resgatá-lo. Um sorriso se fez presente instantaneamente. “Que maluca, descer lá só por causa disso.”Inexplicavelmente, aquilo me deixava feliz.

**

Após um banho, decidi trabalhar na minha tarefa de desenhar um deus. Escolhi Thor porque eu me identificava com temporais às vezes. Eu gostava da chuva e trovões. Entretanto, algumas tentativas depois e eu não estava satisfeita com como o desenho estava saindo. Frustrada, deixei minha mão levar meu lápis um pouco, e quando dei por mim algo completamente diferente tinha tomado forma. Olhei os traços curvilíneos que eu tinha dado àquela pessoa, e de repente lembrei da ideia de Marina - fazer um deus gender bender, que é quando você troca o gênero de um personagem.

“Será que ele aceita?”, pensei. Resolvi arriscar já que falando honestamente, aquilo que eu tinha tirado do além tinha ficado muito legal. Em vez do deus Thor, eu entregaria uma pintura da deusa Thor. Era muito mais fácil para mim desenhar uma mulher do que um homem, e para falar a verdade eu também preferia. As linhas eram mais suaves e todo o conjunto era mais...não sei bem a palavra. Interessante talvez.

Enquanto minha deusa tomava forma, as roupas, o martelo e sua posição poderosa eu refletia sobre isso. Nunca havia pensado sobre o fato, mas agora eu me perguntava o porquê de eu apresentar essa preferência e maior facilidade.

Bem, a facilidade é porque posso me usar de modelo.” , pensei. E de fato eu sempre me usei como modelo, parando em frente ao espelho para ver como se posicionavam as diversas partes do corpo em diferentes posições. Muita gente fazia isso. Dei de ombros e ignorei o questionamento, voltando-me ao trabalho à minha frente.

Um lado meu ainda tinha uma certa pulga atrás da orelha e me dizia que tinha algo nisso que eu não queria ver.


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