O Outro Lado da História escrita por MusaAnônima12345


Capítulo 3
Capítulo 2




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Félix

 

— E foi assim que Shakespeare morreu. – um aluno do terceiro ensino médio concluiu após uma longa e monótona explicação sobre o tema que havia pegado com seu grupo de seminário.

Arqueei uma sobrancelha e deixei que minhas palmas ecoassem junto com o resto da sala por finalmente aquela tortura chegar ao fim. O professor August olhou para a classe e encarou a expressão de cansaço de todos. Aquela era a última aula de uma sexta-feira e ninguém ali queria outra coisa a não ser sua própria cama. Eu mesmo estava no meio daquele “ninguém”, pois desde a antepenúltima aula não abria o meu caderno para escrever nada. Havia passado a madrugada anterior inteira acordado para aquele seminário e acabara de perceber que o esforço tinha sido em vão.

Tudo bem que eu posso não ser a melhor pessoa do mundo, mas eu sou muito exigente quanto aos meus estudos. Posso dizer que sou muito rigoroso quando as minhas notas dependem de trabalhos ridículos como aquele que estava sendo obrigado a assistir.

— Classe dispensada. – August anunciou e todos rapidamente começaram a arrumar suas coisas para sair da sala e ir para os seus dormitórios. Tentei fazer o mesmo um pouco mais devagar para não parecer tão desesperado, mas não deixei de revirar os olhos quando o professor veio em minha direção no meio dos outros alunos da classe. Cada passo dele se aproximando de mim era como um golpe de facada no meu corpo e eu nem mesmo sabia. – Senhor Agreste?

— Sim? – acenei com a cabeça para que o mesmo prosseguisse. Minha bolsa estava quase totalmente arrumada. Eu poderia muito bem ter saído dali. Poderia ter evitado toda aquela situação, mas não eu estava lá parado esperando o meu coordenador dizer o que ele queria de mim.

— Devo dizer que a sua apresentação sobre a lenda de Jack, o Estripador foi muito reflexiva. Da maneira que você a retratou os fatos, parece até mesmo que todos os episódios das séries que os jovens da sua idade assistem sobre ele são verdadeiros. – o professor respondeu enquanto os últimos alunos saíam de sua sala, nos deixando a sós. – Para um estrangeiro você parece estar bem inserido na cultura britânica.

— Vou considerar isto como um elogio senhor August. – disse lhe lançando um meio sorriso e fechando minha bolsa, colocando-a em meu ombro esquerdo. – Não foi muito difícil escolher um tema no final das contas. Na minha opinião, essa lenda deveria ser levada mais a sério. Cinco mulheres morreram no século dezoito por um maníaco chamado Jack, o que nos mostra que realmente aconteceu isso no leste da capital de Londres e mesmo assim até hoje nada foi comprovado de verdade. 

— Ou ninguém quis revelar que foi comprovado. – o professor de literatura rebateu dando um tapinha no meu ombro e indicando para a saída da sala com a outra mão. – Muitas pessoas não estão prontas para ouvir a verdadeira história que o mundo esconde Félix, por isso milhares de histórias inacabadas se tornam lendas e milhões de culturas e crenças viram um mito. Porque ninguém conseguiria suportar que uma coisa não é aquilo que pensávamos de um minuto para o outro. Porque ninguém iria acreditar que as vezes uma mentira pode ser verdadeira. – August pareceu querer dizer mais alguma coisa, mas mudou de ideia e fechou a boca em seguida.

Fiquei em silêncio esperando que dissesse mais alguma coisa, mas o que recebi na verdade foi o seu silêncio de volta. Pensei que talvez fosse melhor deixar pra lá e ir para o meu dormitório descansar daquele dia, mas então me lembrei que teria que encontrar Melody e os outros para acertar algumas matérias para estudar para as provas daquele inicio de bimestre. Balancei a cabeça e lancei um pequeno olhar para o coordenador August.

Ele havia me dado aula desde que eu entrei naquela escola e sempre que tínhamos um tempo conversávamos sobre as histórias não contadas da Inglaterra. Ele era alguns centímetros mais baixo do que eu, cabelo grisalho desbotado pela sua idade e olhos azuis tão cinzentos e frios que sempre o comparava com o meu pai, Gabriel Agreste, quando o encarava por muito tempo. Sempre uma roupa social neutra com o símbolo do colégio estampado no peito: uma borboleta antiga, muito detalhada e que eu já estava cansado de ver estampado por todos os lugares da faculdade que eu passava.

 - Nisso eu concordo com o senhor professor. – disse voltando a olhar para o corredor por onde os alunos começavam a correr de um lado para o outro tentando ganhar tempo naquela tarde nublada de sexta feira. – Nem todo mundo está preparado para ouvir a verdade e parar de ser alienado só no que acredita.

O homem esboçou um sorriso e apertou meu ombro.

— Pode me chamar de Mister August se preferir Félix. – sugeriu e sacudiu a cabeça cheia de cabelos quase brancos como a neve. – Acho que soa mais fácil e mais prático também.

— Como quiser profes... Mister August. – me corrigi dando um aceno e me despedindo do mesmo. – Nos vemos na semana que vem.

Ele acenou de volta, mas eu preferia que aquilo nunca tivesse acontecido também. Aquilo só indicava que as coisas estavam indo conforme ele planejara.

***

— Você está atrasado. De novo. – foi a primeira coisa que Melody disse para mim quando pisei na lanchonete que sempre nos encontrávamos depois das aulas do ensino médio. Revirei os olhos e me sentei junto de Mercúrio na mesa onde Kid, o mímico do nosso grupo estava devorando um sanduíche de queijo e lendo um livro de química. – Olha pra quem diz que é rigoroso nos estudos você tá precisando comprar um relógio novo.

— Já acabou com o piti Mel? – indaguei com um sorriso irônico no rosto. A loira bufou e jogou a trança que prendia o seu cabelo para trás novamente. – Olhe, eu não tenho culpa de estar atrasado dessa vez. O professor August me barrou na sala antes que eu pudesse sair e ai eu acabei perdendo alguns minutos no prédio. Nada de mais.

— Olha Melody, talvez você esteja exagerando um pouco. – Mercúrio se pronunciou tentando me apoiar com seus argumentos imbatíveis. – Se lembra da vez que a Bridgette e o Félix quase foram atropelados por causa da sua melhor amiga? Eu não quero falar mal de ninguém, mas a Bridg é um pouco...

— Obcecada, louca, perseguidora, maníaca e caidinha de amores por mim. – completei a fala do meu melhor amigo e revirando os olhos. – Achei que ninguém além de mim tinha percebido isso.

— Ela não é uma maníaca Félix, por favor. – a loira discordara lançando-me um olhar reprovador. – O problema dela é que ela gosta muito de você. Talvez se um certo alguém desse uma chance pra ela tudo isso seria diferente.

— Mel, eu já disse uma vez e vou dizer de novo: eu não gosto da Bridgette. Ela é a sua amiga e anda conosco, mas isso não quer dizer que exista algo entre mim e ela nem hoje, nem nunca. – expliquei mais uma vez para todos que estavam sentados na mesa.

Kid estava terminando de engolir seu lanche e assobiou baixo quando percebeu a tensão que ficara no ar. Balancei a cabeça e peguei os cadernos que iriamos estudar naquela tarde: química, física e matemática algébrica. Se você que está lendo isso ainda não passou pelo terceiro ano do ensino médio saiba que a coisa não é nenhum um pouco fácil não. Mesmo estudando numa faculdade no exterior e tendo condições de fazer o curso que eu quisesse depois daquele ano eu não podia vacilar. Não podia me dar ao luxo de errar por questões bobas. Comecei a folhear os cadernos enquanto via Mercúrio fazer o mesmo.

Digamos que eu era muito bom naquelas matérias e os meus colegas precisavam de uma força naquilo. O que um amigo não faz pelos outros, não é mesmo?

— Você vai ter ensaio hoje Melody? – o garoto negro sentado do meu lado indagou para a loira sentada a sua frente. – Ouvi dizer que a Comunidade Musical está quase fechando um concerto importante em outros países.

— Ah, bem... O ministério de música da Itália. Não sei o que vai acontecer daqui pra frente, mas a CM está animada com essa notícia também. – a mesma contou com um sorriso pequeno no rosto. Ao seu lado vi Kid bater palmas, sorridente. – Obrigada Kid.

— Tenho certeza que se forem chamar alguém será você Melody. – falei começando a ler o primeiro enunciado de química.

— Claro que vão chamar ela Félix. – Mercúrio concordou gesticulando com as mãos e lhe lançando uma piscadela. - Ela é a garota mais talentosa que eu já vi usando apenas uma flauta nas mãos. Com certeza vai ser um sucesso um dia.

— Vai arrasar. Capa de revista. – brinquei, dando uma risada baixa com a cara envergonhada que fez sobre os nossos elogios. Não vou mentir, ela ficava linda com as bochechas rosadas.

— Então senhor tabela periódica, como se faz a questão número cinco? – Melody perguntou mudando de assunto o mais séria que pôde enquanto tentava não pegar fogo na nossa frente.

Olhei rapidamente para o garoto ao meu lado e para Kid fazendo gestos para a cara da quase albina envergonhada sentada do seu lado. Não pude evitar um sorriso escorregar da minha boca. Era praticamente inevitável quando estava do lado daqueles três. Entre uma questão e outra nós passamos a tarde toda ali, estudando e rindo bastante uns dos outros. O tempo passou voando e a hora também, sendo que, até o dia de hoje, não consigo entender como aquilo era possível. Quando nos despedimos e olhei no relógio uma última vez notei que já passavam das cinco da tarde. Arrumei meu material e segui rumo o prédio dos dormitórios. Haviam poucos alunos pelo meu caminho e por esse mesmo motivo apressei o passo até voltar aos corredores que me localizava facilmente.

Sabe aquele ditado “eu conheço esse tal lugar como a palma da minha mão.”? Pois bem, você nem sempre conhece a sua própria palma da mão tanto quanto pensa que conhece.

Eu estava quase chegando ao corredor onde dividia meu quarto com Mercúrio quando ouvi uma coisa estranha. Ou melhor, eu vi uma coisa estranha. Duas sombras que não pareciam humanas estavam perseguindo uma figura que caminhava do outro lado do Papillion College London com milhares de pastas e o que pareciam ser trabalhos e provas dos alunos. Bem, não era uma figura qualquer. Era ele. O professor... Mister August. Então uma coisa muito louca aconteceu: de repente uma onda dourada simplesmente foi lançada das duas sombras na direção do meu coordenador muito mais velho, quer dizer, mais experiente do que eu e o lançou para longe de onde estava poucos minutos atrás.

Eu poderia simplesmente ter ignorado tudo aquilo como fazia com a maioria das coisas que não conseguia explicar, mas ao invés disso o que eu fiz? Eu joguei tudo o que tinha nas minhas mãos no chão e corri o mais rápido que pude para onde o professor August estava estatelado no piso.

— Professor! Professor, o senhor está bem? – indaguei praticamente me jogando de joelhos onde o mesmo estava tentando ajuntar os seus papéis espalhados por todos os lados. - O senhor quebrou alguma coisa?

— Ora essas senhor Agreste, eu apenas tropecei por falta de atenção e espalhei os relatórios do segundo ano. Porque eu teria quebrado alguma coisa? – o homem respondeu me lançando uma arqueada de sobrancelha confusa.

— O senhor não viu aquelas duas coisas atrás do senhor agora pouco? Foram aquelas sombras sinistras que fizeram isso acontecer com você coordenador August. – rebati, ajuntando vários papéis rapidamente e olhando para os lados em busca de algo que pudesse servir como prova do havia falado. – Elas... Elas estavam bem aqui, estavam atrás do senhor... Foram as sombras que fizeram isso Mister August, eu vi...

— Senhor Agreste, tem certeza que está se sentindo bem? – August perguntou com sua expressão se tornando preocupada sobre mim. – Sei como o seu dia foi complicado. Porque não vai descansar um pouco no seu dormitório? – ele sugeriu já se levantando com a maioria dos papéis preenchidos pelos novatos do ensino médio britânico em mãos. E pensar que em algum momento á dois anos atrás daquele eu estava no meio daqueles novatos também.

Balancei a cabeça, desconcertado.

— Eu... Bem... – soltei um pigarreio e resolvi deixar aquele assunto pra lá. Talvez eu realmente estivesse precisando descansar um pouco. – Se o senhor não se importar acho que vou seguir o seu conselho. Acho que preciso mesmo ir para o meu dormitório.

— Tenha uma boa noite Félix. – o coordenador desejou lançando um aceno de cabeça na minha direção e seguindo seu caminho, na direção oposta a que eu estava. – Semana que vem começam as provas, não se esqueça.

— Não vou me esquecer... – murmurei esfregando os olhos com meus dedos. Foi então que vi algo que provavelmente meu professor de literatura deveria ter se esquecido de pegar. Era uma caixinha branca com vários traçados dourados entrelaçados com outros detalhes em vermelho. – Mister August o senhor deixou cair... – lhe chamei recolhendo rapidamente o objeto do chão e procurando o homem no corredor seguinte. Não havia mais ninguém lá. Eu estava sozinho no meio de um dos corredores mais movimentados de toda aquela faculdade – o que era praticamente impossível de acontecer ali - com aquela minúscula caixinha nas mãos.  – Isso.

Revirei os olhos e continuei o meu rumo até o quarto. Mercúrio provavelmente já estaria lá e iria me encher de perguntas sobre o motivo da minha demora. Mais uma vez eu estava atrasado por causa daquele cara. Quanta sorte eu tinha, não é mesmo? Não, sorte não. Azar. Essa é a palavra certa para descrever as consequências da minha maldita curiosidade em saber o que Mister August guardava dentro daquele pequeno objeto em minhas mãos. O meu problema é que apesar de ser ignorante e frio com as pessoas às vezes eu também era muito curioso.

Mas August sabia disso e mesmo assim entregou aquela surpresinha para mim naquele dia. O dia que a minha vida mudou completamente.

Dentro da caixa havia um anel cinza. Um anel que era bem diferente dos outros não só pela sua aparência incomum ou pela pedra branca e polida que se encontrava em seu centro, mas por ele. Aquele ser branco mais irritante do que tudo o que eu já havia visto antes e comedor de queijo fedorento. O mesmo ser que mais tarde iria se tornar parte de mim por bem... Ou por mal.

— Olá seu loiro aguado, eu me chamo Plagg. Pronto para ser o meu próximo mestre?


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