The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 54
Capítulo LIV - 07 de Janeiro de 1875




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/739237/chapter/54

Só depois de mudar de posição três vezes, sem que conseguisse voltar a dormir, foi que Edgar convenceu a si mesmo que havia repousado mais do que o suficiente. Quando estava em Odarin, com meia dúzia de compromissos agendados para um único dia, levantar-se cedo consistia uma necessidade imperiosa. Com pressa e até mesmo impaciência, ele buscava por um conjunto de roupas aquecidas, para logo em seguida tomar a primeira bebida fumegante que estivesse disponível. Café, chá ou mesmo leite com canela, o sabor não era realmente importante, sua escolha sempre se baseando naquele que estivesse mais quente na ocasião. Sarah dificilmente tinha a oportunidade de acompanhar seu ritual matinal, permanecendo reclusa debaixo de uma pilha de cobertores, almejando aproveitar seu sono pelo máximo de tempo possível.

Entretanto, naquela manhã específica, o jovem Avelar estendeu a mão até o lado esquerdo da cama, não encontrando nada além de um fino lençol emaranhado. Instintivamente, seus olhos vasculharam o cômodo com certa urgência, até identificarem a figura diminuta de sua companheira sentada junto a uma escrivaninha. Enquanto escrevia, ela mantinha cabeça ligeiramente entortada para o lado, fazendo com que seus cabelos ondulados caíssem como uma cascata. Observando-a daquele ângulo por alguns instantes, o rapaz não pôde evitar perceber que os traços infantis começavam a dar lugar ao porte de uma mulher elegante e segura de si.

— Que surpresa vê-la acordada a essa hora — disse num tom casual, sem desviar os olhos de sua companhia. — Aconteceu alguma coisa?

— Por alguma razão, acabei despertando bem cedo e não consegui dormir novamente. Você, por outro lado, parecia estar bastante confortável em seu sono, simplesmente não tive coragem de acordá-lo. — Sua fala foi acompanhada por um discreto meio sorriso, recordando da expressão indefesa estampada no rosto do Duque durante o seu merecido descanso. — Pensei que pudesse aproveitar essas horas com algo relevante. Fiquei bastante satisfeita em saber que a Congregação de Condes de Hallbridge está interessada em cooperar conosco. Agora que nossa Companhia de Fundição de Minérios está quase pronta, a população de Odarin não terá mais de enfrentar a escassez de comida durante os meses sem colheita. Com a intensa produção daqui, aliado a abertura dos portos, podemos dar vazão aos nossos manufaturados, incentivar a economia e assegurar que nosso povo tenha acesso às provisões de primeira ordem. Não é maravilhoso?

Com um sorriso largo em seu semblante, o Duque fez um gesto com a mão para que ela se aproximasse. De imediato, Sarah abandonou sua carta inacabada e a caneta sobre a mesa, cruzando o quarto com empolgação, algo visível pelo modo como caminhava aos pulinhos. Sentando-se na beirada da cama, ao lado de seu consorte, ela retribuiu-lhe o sorriso de antes enquanto permitia-se ser mimada pelo rapaz, que afagava sua bochecha com as costas dos dedos.

— Tudo isso só será possível graças a você — ele pontuou de maneira confidente, sem interromper sua carícia em momento algum. — Pensar nisto tudo sozinha foi muito sagaz de sua parte.

— Não me dê tento crédito, a ideia surgiu quando me falou da produção agrícola de Hallbridge e seu clima propício para colheitas o ano todo. Além disso, Phillip ficou encarregado dos trâmites burocráticos, como de costume. Sem ele, não sei se conseguiríamos transformar esta ideia numa realidade em tão pouco tempo. — Mesmo diante de suas palavras de escusa, o Duque continuava sorrindo ternamente em sua direção. Com uma das mãos, ela passou a massagear seu braço, até suas mãos instintivamente subirem a até a altura de seu ombro recuperado, mas que guardaria sequelas para sempre. Buscando afastar aquelas memórias ruins de sua mente, prosseguiu com sua fala: — Você também intermediou nossa conversa com os Condes ontem à tarde, tornou a proposta agradável aos seus ouvidos como eu jamais conseguiria fazer. Se estivesse sozinha, é bem provável que não estivéssemos celebrando essa conquista agora.

Os dois riram por um instante e logo um confortável silêncio tornou a imperar no cômodo. Suas vidas eram tão atribuladas que aproveitar aqueles momentos de serenidade tornava-se indispensável para que conseguissem suportar o peso da dura realidade. O jovem Avelar, em especial, sentia-se leve como nunca. Já não havia mais quaisquer mágoas para serem afogadas em bebida e sua irritabilidade, assim como os tremores causados pela abstinência, cessavam pouco a pouco, de modo que muito em breve não passariam de uma lembrança distante. Aquilo também só fora possível graças à menina à sua frente, que jamais desistira dele, apesar de todos os momentos de crise ou de insatisfação.

— O que estou dizendo é que sua forma de pensar e agir mudou muito ao longo dos anos — Edgar prosseguiu, seus dedos deslizando pela lateral do rosto de sua consorte, pondo atrás de sua orelha uma madeixa castanha que lhe obstruía a visão. — E que estou muito orgulhoso da mulher que você se tornou.

— Eu também tenho muito orgulho do homem com quem me casei — Sarah respondeu com um tímido sorriso, para logo em seguida erguer o rosto e prosseguir sob um tom mais confidente: — Muito embora eu tenha a impressão de já ter lhe dito isso antes.

— Não se preocupe, continua sendo algo agradável de se ouvir.

A devolutiva veio acompanhada de um meio sorriso provocante, que arrancou outra risada divertida da jovem rainha. Com a ponta dos dedos, o rapaz contornou os lábios da menina até conseguir afastá-los ligeiramente, substituiu-os por um beijo lento e até mesmo casto, que selava uma espécie de acordo silencioso entre eles.

O que tinham ali era mais forte e consistente do que qualquer paixão que tivessem vivenciado antes. Estava longe de ser um relacionamento perfeito ou exemplar, mas encaixava-se bem no contexto em que estavam inseridos.

Sarah não poderia ter escolhido alguém mais companheiro e paciente para acompanhá-la em sua jornada, enquanto Edgar não teria sido capaz de encontrar uma pessoa mais carinhosa e solidária consigo. Unidos por circunstâncias meramente políticas, foi à custo que descobriram o verdadeiro significado do amor. Só então puderam chegar à conclusão de que poder experimentar aquele sentimento fazia com que todos os obstáculos valessem a pena.



O brilho opaco, típico das manhãs de inverno, tentava penetrar o cômodo do Secretário Real a todo custo, sendo prontamente barrado pelas cortinas que permaneciam fechadas, a despeito do avançar da hora. Prostrado em sua cama, o jovem Chevalier tinha a cabeça apoiada em uma pilha de travesseiros, acometido do que julgava ser o pior resfriado que já tivera em sua vida.

Sentia-se fraco e febril que, aliado às intensas dores de cabeça, servia para deixá-lo letárgico e ainda mais mal humorado. Momentos antes, uma criada surgiu junto à porta de seu quarto, deixando na cabeceira uma sopa quente e apimentada cujo intuito era fazê-lo sentir-se mais disposto. “Eu não quero essa porcaria”, pensou com irritação, tornando o rosto para o lado direito, evitando encarar a tigela fumegante. No estado em que se encontrava, ignorar o cheiro dos condimentos seria ridiculamente fácil.

Até bem pouco tempo, o rapaz de linhagem nobre não tinha razões para desgostar dos privilégios que o consagrado título de seu pai lhe garantia. No entanto, só depois de ter a oportunidade de conhecer outra realidade foi que tudo aquilo lhe pareceu pequeno, ínfimo demais para ser sequer considerado. Eles tinham acesso a alimentos que chegavam à mesa de muito poucos, é verdade. Mas de que lhe servia, quando a comida de Hallbridge era infinitamente mais saborosa e farta? Seus aposentos eram elegantes e confortáveis, nunca lhe faltando um cavalo ou carruagem à sua disposição, muito embora tais detalhes não detivessem importância depois de constatar que o aconchego e a liberdade inerentes à morada da Família Lewinter lhe proporcionavam muito mais prazer. Amava seu ofício, era bem verdade, e poder servir diretamente a jovem rainha lhe dava a sensação de importância e realização. No entanto, era preciso admitir que sua vida chegara a um ponto em que só sentia-se completo quando estava ao lado de sua camponesa, explorando sua terra de possibilidades ilimitadas.

Ele já não se contentava com um quarto espaçoso nos aposentos reais, meia dúzia de empregados ao seu dispor, cinco refeições completas e um cargo de honra ao lado de sua Soberana. A sensação de completude a qual se tornara dependente só se manifestava quando estava ao lado de Anya e seu modo de vida humilde. Sentia seu coração apertado, tamanha era a saudade de sua presença, e aguardava ansiosamente pelo dia em que poderiam se encontrar novamente.

Todos os seus encontros eram únicos e especiais, mas alguns deles retornavam de maneira mais frequente à sua memória. Entre eles, o mais recorrente de todos sempre seria o último verão que passaram juntos, explorando a costa de Hallbridge e gastando horas a fio em cavalgadas sem rumo definido.

 

Tal como era característico da estação, o sol nascia muito cedo e se punha demasiadamente tarde, com ondas de calor assolando a vegetação e seus habitantes em geral. Como consequência disso, era difícil precisar as horas do dia sem o auxílio de um relógio, mas naquela ocasião, o jovem Chevalier não trazia o acessório consigo.

Trajando roupas leves e discretas, com botas de montaria, se assemelhava muito mais a um fazendeiro de Hallbridge do que um importante nobre de Odarin. Os cabelos escuros, usualmente puxados para trás, encontravam-se desgrenhados em razão das intensas rajadas de vento e do suor que escorria por sua testa. Num outro momento de sua vida, tudo que ele desejaria seria um banho para poder se recompor ao seu estado habitual de elegância polida. Mas, naquele momento e na companhia de sua camponesa indomada, o pensamento sequer lhe ocorreu.

O casal havia reservado a manhã para uma longa cavalgada pela costa. Já tinham disputado uma corrida — na qual Anya o vencera por muitos segundos de diferença — e galopado no entorno das falésias. Agora, trotavam calmamente na beira da praia, ora discutindo amenidades, ora apreciando o silêncio confortável que era interrompido pelo som característico do mar.

— Me fale mais sobre ela! — Demandou da jovem loira, cujos os fios longos encontravam-se presos numa frouxa trança lateral, que escorria pelo ombro direito. — Você não me disse quase nada a seu respeito.

— Não há muito que dizer — ele comentou, franzindo a testa e os olhos em razão da intensa claridade que ofuscava sua visão. — Costumava chorar por tudo e isso estava deixando Sarah enlouquecida. Mas, à medida que os meses se passaram, seus ânimos acalmaram um pouco. Agora ela grita quando quer pegar em alguma coisa que está fora do seu alcance e eu sinceramente não sei dizer qual dos dois é pior.

Anya gargalhou diante da descrição azeda ao mesmo tempo em que verídica da princesa de Odarin. Pela maneira como falava, era perceptível que o rapaz não dava mais importância a recém-nascida do que daria a um bezerro novo, o que não era de se espantar, considerando que ele era o filho mais novo de sua família.

— Eu adoraria conhecê-la — acrescentou a camponesa, com um ar sonhador. Tinha um verdadeiro fascínio por crianças, o que era perceptível pelos três órfãos que recentemente tornaram-se seus irmãos. — Me pergunto quando Sarah a trará até Hallbridge.

O comentário foi responsável pela expressão carrancuda que surgiu no rosto do rapaz. Levar a pequena Lis até a morada da Família Lewinter implicava em ter que contar com a presença do jovem Avelar no local, que raramente se afastava da filha, salvo em situações imperiosas. Ele não tinha motivos reais para desgostar da ideia, mas o mero pensamento o incomodava, sem que soubesse precisar o porquê. Por não dispor de quaisquer argumentos para rebater aquele desejo, Phillip optou por manter-se silente, na esperança de que o assunto fosse esquecido.

— Chuva? — ele murmurou, quando a claridade deixou de incomodá-lo e seus olhos vislumbraram um conjunto de espessas nuvens cinzentas rapidamente tomando conta do céu. —Nessa época do ano?

— Uma tempestade de verão… — retrucou a jovem nativa, que olhava para cima de maneira crítica. Subitamente, o vento tornou-se mais frio e intenso, arrancando um relincho nervoso por parte dos cavalos. — E parece que será das grandes. Vamos, não vai querer estar aqui quando isto começar.

Puxando as rédeas para a esquerda, Anya fez com que sua montaria fizesse meia volta. Pressionando-os com suas pernas, usando um pouco mais força que o normal, ela o instigou a acelerar o passo de volta para as terras de sua família, sendo prontamente seguida pelo rapaz que a acompanhava.

Foi com alguma pressa que os dois se dirigiam até a extensa propriedade de Oscar Lewinter. A ventania intensificava-se cada vez mais e as árvores de raízes frágeis rangiam em protesto pelo tratamento indelicado da mãe natureza. As primeiras gotículas de chuva já começavam a cair e a camponesa temeu não alcançar sua própria morada a tempo. Com aquilo em mente, ela mudou ligeiramente o caminho que trilhava, logo alcançando um conjunto de galpões enfileirados ao lado de um enorme moinho.

— Ainda estamos muito longe de casa, vamos precisar nos abrigar aqui — informou enquanto descia de sua égua, puxando-a pelas rédeas até uma espécie de celeiro, onde eles e os animais poderiam se proteger durante a tempestade que se aproximava.

O local era tomado por barris empilhados, enormes sacas de grãos e dezenas de utensílios rurais. Enquanto a menina amarrava os cavalos numa pilastra de madeira próxima ao feno, o rapaz ocupava-se em fechar o portão de entrada. A despeito das duas janelas, o ambiente tornou-se demasiadamente escuro, sendo necessário acender duas lanternas a óleo em pontos distintos para houvesse um mínimo de iluminação.

— Eu não imaginava que seu pai também se dedicava a agricultura — Phillip comentou enquanto caminhava no interior galpão, observando a infinidade de provisões dispostas ali. Parecia ter o suficiente para alimentar dezenas de famílias durante uma estação inteira.

— Não são para o comércio. Ao menos, não a maior parte — ela comentou enquanto limpava as mãos na saia de seu vestido esverdeado. Tomando a lamparina das mãos de sua companhia, ela pendurou o instrumento num gancho suspenso próprio para tal fim. — Temos mais terras que o necessário para a criação dos animais e seria um tremendo desperdício deixá-las improdutivas. Assim, ele arrendou uma parcela para os pequenos agricultores e, em tempos como esse, ficamos com uma parte do que é colhido e o restante é distribuído para os trabalhadores.

— Um projeto altruístico, mas que não me parece muito lucrativo — pontuou o jovem Chevalier, seguindo-a com os olhos enquanto ponderava os prós e contras daquela iniciativa.

— A intenção não é lucrar, mas sim permitir que essas famílias tenham algo para comer. Se tivessem que pedir empréstimos aos banqueiros, sequer conseguiriam arcar com os juros no período de um ano — Anya acrescentou, tornando a se aproximar do rapaz, sorrindo carinhosamente em sua direção enquanto acariciava uma de suas mãos, um hábito que adquirira quando ainda residia em Odarin. — Se a colheita é boa, então ficamos com um excedente considerável, às vezes até revendemos para os viajantes que aportam aqui. Quando o tempo não está favorável para a plantação, administramos aquilo que conseguimos com a certeza de que ninguém padecerá de fome. Acredito que seja justo para ambas as partes envolvidas, não concorda?

Justiça. Aquela palavra, que era tão corriqueira em sua rotina de Secretário Real, passava a adquirir um novo significado em sua mente. Muitos eram os jurisconsultos e filósofos que discorriam sobre o termo, mas nenhum deles pudera capturar sua essência com tanta propriedade quanto a jovem à sua frente. Não se tratava de conferir condições semelhantes e esperar que alguém fosse mais bem sucedido em detrimento do fracasso de outrem, mas sim permitir que todos tivessem o mínimo necessário para continuar sua jornada pessoal, produzindo e multiplicando, sem deixar ninguém para trás.

Só agora compreendia a razão para terem ofertado a Oscar Lewinter um título de Conde. Gestos como aquele proporcionavam o desenvolvimento do local e seriam imensamente interessantes para a Coroa se pudessem tributar os ganhos daquelas pessoas. Enquanto ponderava sobre aquelas questões, Phillip afastou-se de sua companheira com um ar ausente.

— Alguma coisa errada? — Anya indagou ao ver sua companhia sentar-se sobre um velho banco de carvalho encostado contra a parede, com um ar taciturno e distante. — Você ficou tão quieto de repente.

A pergunta era quase retórica, uma vez que a camponesa não nutria grandes esperanças de ouvir qualquer coisa que além de um distraído e inverídico “não aconteceu nada”. Fazê-lo compartilhar o que passava em sua mente atribulada era uma tarefa particularmente difícil, a qual ela dedicava toda a sua paciência. Por repetidas vezes se perguntava o porquê era tão difícil estabelecer entre eles uma conversa franca e sem rodeios.

O questionamento permaneceu pendente de resposta por alguns instantes, enquanto o rapaz mantinha o olhar ausente voltado para a chuva e o vento intenso que castigavam a copa das árvores do lado de fora. Parecia refletir sobre algo e somente quando sentiu-se pronto para responder foi que disse, de maneira vaga:

— Dediquei minha vida inteira aos estudos, mas percebo que ainda me falta tanto. Veja quantas coisas me eram completamente desconhecidas. — Enquanto falava, observava atentamente os nós de seus dedos, estalando-os ocasionalmente como se buscasse pelas palavras adequadas. Sentada ao seu lado, Anya escutava com atenção, não ousando interromper nem mesmo suas pausas reflexivas. — Há algum tempo, Sarah me apresentou um mundo novo, bastante próximo e visível de mim, um a qual insistia em manter-me alheio e distante. Isso abriu meus olhos, mas não foi o suficiente para que pudesse compreendê-lo por completo. Vivenciar uma realidade que antes eu ignorava apenas demonstra como passei anos distante da verdade, quando achava possuí-la na palma de minhas mãos.

— Tudo isso parece ser bastante problemático — a jovem comentou com incerteza, percebendo uma estranha perturbação em seu semblante. Não deixava de reparar em nenhuma de suas expressões, sempre apreensiva por pensar que lhe fazia exigências em demasia. Embora não houvesse maldade em seus atos, havia o justo receio de que um dia o rapaz ficaria farto dela e de todas as imposições necessárias para que pudessem ficar juntos. — Imagino que deseje retornar para sua antiga vida, longe do campo e de todas as limitações inerentes a ele, não é?

— Eu não disse isso! — Ele retrucou de imediato, sua voz esganiçada soando quase ofendida com aquela propositura. Com urgência, ele tomou uma das mãos da jovem entre as suas, apertando-as com força enquanto lhe respondia: — Não é o que está pensando. Apenas me desagrada a sensação de… não saber.

Tomada por uma onda de alívio, Anya sentiu-se tentada a rir daquela confissão sincera, mas forçou a si mesma a permanecer séria, não querendo ser indelicada com sua companhia. Apesar de seu ímpeto inicial, ela conseguia entendê-lo. Estava tão habituado a enxergar o mundo de uma posição superior, desprendendo nada além de desdém e indiferença, que ser obrigado a vivenciar tudo aquilo de perto lhe gerava tamanho conflito que chegava a deixá-lo desconcertado.

Era bem provável que Sarah tivesse alguma responsabilidade na questão, tendo o acostumado mal. Podia imaginar, com alguma riqueza de detalhes, a jovem rainha, no auge de sua inexperiência, ouvindo suas longas teses e discursos com um inconteste ar de admiração enquanto ele a impressionava com seu vocabulário rebuscado e ideias inovadoras sobre questões políticas.

Apoiando sua cabeça sobre o ombro do rapaz, a camponesa levou uma das mãos até seu cabelo escuro, afagando-o de maneira quase preguiçosa enquanto murmurava uma canção sem letra. Phillip tornou o rosto na direção da vidraça empoeirada, seus olhos ansiando encontrar alguma coisa que estava para além dos campos vastos e da chuva torrencial. O ambiente foi tomado por uma onda de letargia, que aliada ao silêncio confortável trazia ao casal uma sensação reconfortante de quietude e paz.

— Talvez eu devesse lhe ensinar tudo o que sei, para que não se sinta desconfortável assim novamente — ela sugeriu com brandura. O movimento de seus dedos suavizava-se com o tempo, não tardando até que jovem Chevalier fechasse os olhos em deleite.

— É, seria bom… — respondeu de maneira vaga, pendendo a cabeça para o lado esquerdo enquanto sua mente era inundada pela voz doce de sua amada.

Anya dizia-lhe meia dúzia de coisas na ocasião, todas entoadas como sussurros estimulantes. No entanto, sua mente estava absorta demais no prazer proporcionado pela proximidade que não foi capaz de gravar uma única palavra do que lhe fora dito.

Phillip verdadeiramente gostava dela. De sua voz melodiosa, sua espontaneidade e independência, os seus toques cuidadosos e das constantes palavras de encorajamento. “Mas ela é um tanto arredia. E pode ser bastante engenhosa, também”, pensou como se tencionasse balancear suas virtudes com quaisquer eventuais falhas. Um exercício mental bobo, sabia disso. Não havia uma fórmula matemática para o sentir ou o amar, era o tipo de acontecimento que lhe ocorria inesperadamente, sem nem mesmo pedir permissão antes de entrar.

— Está um pouco quente, não concorda?

Sem atentar para a maneira lânguida com a qual àquelas palavras foram entoadas, o rapaz limitou-se a concordar distraidamente com um murmúrio. As pontas dos dedos da camponesa roçavam sua nuca com uma proposital lentidão. Sentia-se indescritivelmente bem quando abaixava suas defesas, permitindo-a invadir camadas cada vez mais profundas de sua personalidade irascível.

Num determinado momento — e ele não saberia dizer quanto tempo se passou desde que entraram ali —, pôde sentir uma das mãos de Anya repousar sobre sua perna. Era sempre tão proativa e ousada, o que o fazia se sentir como um menino acanhado. Sem nenhum controle sobre seus próprios atos, Phillip voltou-se na direção de sua companhia, buscando seus lábios com alguma urgência, canalizando no gesto todo o seu desejo contido.

Demorou até que estivesse habituado àquela carícia, muito embora ter seu rosto tão próximo ao dela tivesse se mostrado ainda mais prazeroso do que tê-lo enfiado nas páginas amareladas de algum livro. Atualmente, ele se perdia no gesto com extrema facilidade, não se importando em permanecer naquele lugar quente e úmido pelo tempo que fosse necessário. No entanto, ao sentir os dedos da jovem subirem de maneira sugestiva por sua coxa, foi de maneira instintiva que a segurou pelo punho, obrigando-a a parar o que fazia de imediato.

O próprio rapaz não sabia o motivo que o levara a interrompê-la daquela maneira brusca. Talvez seu senso moral, ou então a inexperiência, mas algo lhe dizia que não seria correto prosseguir com aquilo, o que lhe soava muito confuso. Ele não desgostava dos toques de Anya, muito pelo contrário, gostaria de tê-la sempre por perto, nem que fosse para rir com um ar de zombaria de suas reclamações e comentários atravessados. Então, por que ele havia a impedido de continuar?

— Qual o problema? — Questionou a loira com sua voz doce e preocupada, o que tornava as coisas ainda mais difíceis para Phillip. Abaixando o olhar na direção da mão que a segurava sem muita delicadeza, ele percebeu que seus dedos tremiam levemente, apesar do calor que estava fazendo. “Diabos, por que eu estou tão nervoso?

— É que… eu não estava esperando por isso, então me surpreendi quando você…

Antes que ele pudesse concluir sua fala entrecortada, a camponesa utilizou sua mão livre para interrompê-lo, repousando o dedo indicador sobre seus lábios. Em seguida, ela o agraciou com alguns beijos em sua bochecha, trilhando-os até alcançar seu ouvido.

— Está tudo bem, mesmo. — Ao ouvir aquelas palavras que tinham um efeito calmante, ele sequer percebeu quando soltou seu punho, dando-se conta apenas quando ela passou os dois braços em seu pescoço, aproximando-os ainda mais. — Desculpe-me por tê-lo assustado. É só que, bem, eu o amo tanto que por vezes não sei como me comportar.

Embora àquela altura já estivesse bastante consciente daquilo que sentia por ela, ter a confirmação verbal da reciprocidade daquele sentimento era simplesmente arrebatador. Era a primeira vez em sua vida que ouvia tais palavras e a sensação não poderia ser melhor. De imediato, suas mãos subiram pelas costas dela, retribuindo o abraço com uma intensidade ímpar. Compreendia aquelas palavras com perfeição, identificando-se por completo com a ideia de desconhecer a maneira correta de como deveria agir na sua presença.

Sentindo um pouco mais de abertura desta vez, a menina passou a distribuir demorados beijos no pescoço de sua companhia, que já não oferecia qualquer resistência. Anya poderia fazer o que bem entendesse com ele, não se incomodando mais com detalhes daquela ordem. Num dado momento, Phillip interrompeu o que ela fazia, apenas para lhe fisgar os lábios com urgência. Tinha agora tão somente a necessidade de apaziguar o desejo que havia se instalado ali, pois seu coração já se encontrava plenamente satisfeito.

 

Se aquelas memórias não fossem prazerosas por si só, as consequências daquelas horas deleitosas gastas dentro do celeiro abafado preencheram seus pensamentos nos meses seguintes.

Numa de suas visitas esporádicas, Anya insistiu em levá-lo até a praia para um passeio, apesar dos seus habituais protestos. Passavam a maior parte do tempo em silêncio, de mãos dadas, contemplando o som do mar e o vai e vem das ondas, até ela tomar uma de suas mãos, repousando-a sobre a própria barriga, enquanto questionava o que ele pensava de uma nova adição à Família Lewinter. Anos de estudo não o prepararam para mensagens subentendidas como aquela e levou alguns instantes até que o real significado o atingisse em cheio.

Diante da notícia, ele permaneceu atônito por um longo período antes de ser tomado por um misto de pânico e alegria. Nunca antes ele havia cogitado a ideia de um filho e por mais que Anya estivesse radiante com a ideia de uma nova adição à sua família, ele simplesmente não sabia como reagir. Tinha muita sorte da camponesa ser detentora de uma paciência quase divina, pois de outro modo seu comportamento nervoso e apreensivo poderia ter sido interpretado de maneira completamente errônea. Ela, por outro lado, se limitava a rir com os olhos todas as vezes que ele ingressava em longos monólogos consigo mesmo, levantando as hipóteses mais absurdas e estapafúrdias.

Felizmente, não demorou muito até que ele se acostumasse à ideia, sua mente rumando na direção de uma nova trilha de questionamentos. Phillip ponderou a ideia de um herdeiro, mas logo lhe veio em mente como os meninos podiam ser ignóbeis e irresponsáveis, uma ideia reforçada pela ligeira lembrança de como seus irmãos costumavam ser quando mais novos.

De maneira lógica, seus pensamentos se voltaram para a possibilidade de uma menina elegante e letrada. No entanto, a visão da princesa de Odarin invadiu sua imaginação, fazendo-o pensar como seria terrível ter uma filha incansável e abobalhada como a pequena Lis. “Mas, bem, ela é filha de Edgar, não me admira que seja tão facilmente impressionável”, concluiu ao recordar-se como o objeto mais corriqueiro como canetas ou envelopes de cartas, fazia com que seus olhinhos amendoados brilhassem com empolgação.

No final das contas, ele estava apenas ocupando a si mesmo com exercícios mentais que não tinham a menor importância, como era de costume. Muito em breve, ele faria parte de uma família completa, como nunca antes tivera a chance de experimentar. O mero prospecto fez com que ele cobrisse o rosto com o antebraço, esquecendo-se da sopa fria ao seu lado ou mesmo do resfriado que o afligia. Tudo que conseguia exibir era um sorriso bobo e excitado, de quem mal pode esperar pelo futuro que estava à espreita.



Sentado confortavelmente em sua larga poltrona, o Conde Avelar degustava de seu chá enquanto conversava amenidades com o filho mais velho. Algumas das falas do Duque de Odarin lhe passavam despercebidas, uma vez que sua mente distanciava-se dali ao imaginar o quanto ele havia mudado ao longo dos anos.

A princípio, lhe preocupava o futuro de Edgar, que não aparentava demonstrar aptidão para nenhum ofício quando mais novo. No entanto, a despeito de suas primeiras impressões, teve a oportunidade de vê-lo assumir um importante cargo de confiança e, pouco tempo depois, presenciou a união que lhe conferiu uma das posições hierárquicas mais altas dentro da nobreza. Por fim, havia lhe dado o maior presente que poderia ter desejado um dia: uma herdeira linda e adorável, tão hiperativa quanto sua mãe fora um dia, que há bem pouco tempo havia comemorado seu primeiro ano de vida.

— É realmente uma pena que já estejam de partida — afirmou o fidalgo com um ar de desalento. Insistir para que ficassem seria uma descortesia, pois sabia da quantidade de compromissos que tinham para atender. Entretanto, ainda que as regras de etiqueta fossem determinantes em seu comportamento, elas não poderiam ditar o que sentia e, naquela ocasião, já se via tomado pela saudade de seu filho e sua companheira, a quem vira crescer ali mesmo, nos corredores de sua mansão. — Desde a partida de Charlotte, este lugar tem estado silencioso como nunca. É confortável, devo admitir, mas muito solitário também.

— Você tem passado tempo demais isolado nesta casa — pontuou o rapaz, havendo uma nota de preocupação presente em sua voz. Ademais, não lhe passou despercebido a falta de menção a Gilbert em sua fala. Corroborando com suas palavras de um ano atrás, o Conde tratava o caso do filho mais novo como um membro necrosado que já não detinha qualquer serventia, sendo apenas um peso morto para o restante do organismo. Tentando conferir àquela conversa um ar de normalidade, ele imediatamente prosseguiu: — Me preocupa pensar na possibilidade de algo lhe acontecer sem que haja ninguém por perto para ajudá-lo. Não acha que já está na hora se aposentar? Poderia ficar conosco com Odarin o tempo que quisesse.

— Não perturbe sua mente com esse tipo de conjectura. Para que mais serviria todos esses empregados? — arguiu de maneira retórica, em meio a uma risada.

Edgar abriu a boca para protestar pela fala inconsequente, mas ao vê-lo erguer uma das mãos com seu usual ar de tranquilidade, acabou optando por guardar o sermão para si. O gesto significava que ele tinha plena consciência dos riscos e suas implicações, mas que não desejava discutir o assunto no momento. Além disso, podia imaginar o que se passava em sua mente. Como abandonar suas obrigações, quando não havia ninguém em sua família que pudesse substituí-lo? Charlotte não tinha vocação para administrar um Condado e Gilbert se mostrara sua pior decepção. Diante daquele cenário, era preferível tomar conta de tudo sozinho e, quando sua hora chegasse, o destino e a Rainha se encarregariam de encontrar um substituto que estivesse à altura.

— Eu respeito sua decisão. — Os dois homens tornaram o rosto pra trás, na direção da voz pacífica que recitava aquelas doces palavras. Sarah descia as escadas com extrema cautela, recordando-se das diversas vezes em que tropeçara nos próprios pés naqueles degraus muitos anos antes. — Apenas saiba que quando esta casa lhe parecer grande demais para uma pessoa só, haverá um lugar especial reservado para você em nossa morada.

A menina se encontrava nos últimos degraus, já bem próxima do andar térreo, quando percebeu uma mão estendida para auxiliar sua descida. O gesto fez com que ela sorrisse carinhosamente na direção do Conde Avelar, de quem seu consorte herdara a personalidade afável e ponderada.

— Agradeço-lhe a gentileza, mas receio ainda ter um condado para administrar — respondeu com mansidão, depois de depositar um beijo nas costas de sua mão pequenina.

— Decerto que sim — concordou a jovem rainha de maneira polida, caminhando até a entrada da extensa mansão, onde uma carruagem já os aguardava para seguirem viagem. — Mas não se esqueça que Lis aprecia muito sua presença, seria um crime privá-la disso.

O apontamento fez com que seu anfitrião se sentisse intimamente vaidoso. Por força de seu ofício, ele não pudera presenciar o crescimento de seus três filhos da maneira como gostaria, tendo a tarefa sido delegada à sua antiga esposa e às governantas que a auxiliavam. Não pretendia cometer o mesmo deslize com a princesa de olhos curiosos e personalidade agitada. O pensamento fez com que ele passasse a ponderar quando poderia encaixar a próxima visita em sua apertada agenda de compromissos.

— Você tem toda razão, eu enviarei uma carta quando tiver disponibilidade para visitá-los.

O pequeno grupo conversou por mais alguns instantes, apreciando aquela proximidade familiar, até que o casal se despedisse com um aceno, ingressando na cabine de sua carruagem, prontos para partirem. Sarah acomodou-se ao lado de seu consorte, apoiando uma das bochechas no alto de seu ombro, enquanto sentia uma de suas mãos enluvadas ser tomada entre os dedos gentis do Duque.

O veículo pôs-se em movimento, chegando a sacolejar mais que o normal enquanto trafegava pela estrada de terra batida, muito diferente dos caminhos ladrilhados de sua Odarin. Apesar do ligeiro desconforto inicial, nenhum dos dois disse nada a respeito, estando demasiadamente absortos em seus próprios pensamentos para se incomodarem com a questão.

— Espere um pouco — disse o jovem Avelar, desencostando de seu assento ao perceber algo incomum na repentina mudança de paisagem do lado de fora. Por mais distraído que estivesse, aquele trajeto lhe era tão comum que seria possível não reparar algo daquela dimensão. — Acho que nosso cocheiro acaba de se equivocar, estamos na estrada errada.

— Não há nada de errado com o nosso cocheiro ou mesmo com o caminho que estamos trilhando — retrucou a menina com um a ar simplista, em claro contraste com os modos exasperados de Edgar. Aquele comportamento despreocupado apenas serviu para elevar suas suspeitas.

— Como não? — indagou enquanto inclinava-se na direção da janela, a cada instante tendo ainda mais certeza de que aquela trilha não os levaria para casa. — Deveríamos ter tomado o lado esquerdo da bifurcação para retornar ao castelo, mas acabamos de enveredar pelo lado direito ao invés disso. Este caminho não nos levará de volta ao castelo.

— Evidentemente que não — Sarah rebateu de maneira confiante, suas palavras cumprindo com o papel de confundir ainda mais sua companhia. A visão lhe arrancou uma tímida risada, até que ela se prontificasse em esclarecer-lhe o que estava acontecendo. — Ora, é óbvio que não estamos retornando para o castelo.

Sua resposta vaga não foi suficiente para acabar com os questionamentos que pairavam na mente do rapaz, que se sentia incapaz de compreender sua linha de raciocínio ou suas intenções por trás daquela artimanha. A menina não era dada a suspenses daquela maneira, o que o deixava ainda mais curioso.

— Eu não fui informado de nada disso — arguiu enquanto cruzava os braços como uma criança aborrecida que fora deixada de fora de sua brincadeira predileta. O gesto arrancou outra risadinha de Sarah, deixando ainda mais indignado. — Neste caso, para onde estamos indo?

A jovem rainha se limitou em agracia-lo com um sorriso enigmático. Seu rosto voltou-se para a paisagem do lado de fora. Os extensos campos de Hallbridge davam lugar a uma vegetação fechada, bosques esverdeados que resistiram heroicamente ao frio da estação. Em instantes, o extenso Lago Negro se mostrou presente e uma gama de memórias agradáveis gastas naquele lugar a invadiram em cheio. Sob um tom misterioso, ela proferiu em voz alta, mais para si que ao seu consorte:

— Para o lugar onde tudo começou.



— Eu mal posso acreditar que você guardou tudo isso durante esses anos todos!

Edeline riu diante da reação exagerada de sua filha ao ver os antigos pertences, todos guardados com cuidado e esmero por mais de duas décadas. Não se referia aos seus vestidos, pois estes jamais deixaram seu quarto, sempre na expectativa do dia em que sua dona voltaria para casa. Ali, no sótão de sua morada, estava não só as pelúcias, mas também o berço que pertencera a Anya em seus primeiros meses de vida.

— Por muito tempo, Oscar insistiu para que eu doasse essas coisas para alguém que pudesse fazer melhor uso dessas coisas, mas simplesmente não tive coragem.

Em seu íntimo, almejava ter ao menos mais duas ou três crianças, tal como tivera suas cinco irmãs para acompanhá-la durante toda a infância e juventude. Não fazia sentido dar aqueles utensílios quando ela mesma precisaria deles num futuro próximo. Entretanto, por um revés do destino, ela tivera seus sonhos frustrados depois de uma doença que a deixou infértil, tornando-se ainda mais difícil desfazer-se daqueles pertences.

— E estão em perfeito estado também! — A jovem loira pontuou entusiasmada, que avaliava os brinquedos, os móveis e até mesmo suas antigas roupas de recém nascida. — Um pouco empoeirados, é bem verdade, mas nada que um pouco de água não possa resolver. Mas diga-me, como vamos levá-los para o andar debaixo?

— Nada disso, nem pense em carregar nenhuma dessas coisas — Edeline ralhou ao ver a mais nova tencionar erguer o berço, enquanto testava seu peso. Com um simbólico tapinha em sua mão, ela prosseguiu com o sermão: — Saia daqui, eu pedirei para Elliot levá-lo para o seu quarto assim que possível. Vamos, para fora.

Revirando os olhos e abafando uma risadinha diante do cuidado exacerbado de sua mãe, ela desceu as escadas com demasiada cautela, sabendo que estava sob constante vigilância. Eles não iriam subestimá-la tanto se soubesse a quantidade de tarefas que precisava cumprir sozinha quando ainda residia em Odarin. Argumentava a todo o momento que a barriga saliente, característica de seus sete meses de gravidez não a atrapalhava mais do que a ter a pequena Rosetta em seus braços quando precisava desempenhar alguma tarefa doméstica e os dois meninos não deixavam de atormentá-la. Ainda assim, seus protestos continuavam sendo paulatinamente desconsiderados e, afora cortar verduras e legumes para as refeições, não havia muito que a deixassem fazer para ajudá-los. “Eu mal posso esperar pelo nascimento desta criança, ao menos me manterá ocupada por muitas horas durante o dia”, pensava consigo mesma depois de ouvir o que deveria ser a quinta reprimenda somente naquele dia.

Atirando-se na confortável poltrona disposta em seu quarto, Anya bufou enquanto tamborilava os dedos nos braços de seu assento. Aquela infindável espera estava consumindo-a por completo e pensar que havia mais dois longos meses de restrições pela frente fazia com que ela gemesse em desalento. Com a testa apoiada contra os dedos, ela vasculhava sua mente em busca de uma ocupação que pudesse entretê-la ao menos até o entardecer, mas suas opções estavam cada vez mais escassas com o passar dos dias.

Depois tanto tempo gasto em reflexão, estava quase adormecendo quando uma batida firme em sua porta despertou-a de seu estado de latência. Concedendo permissão para que entrassem, ela vislumbrou a imagem do tratador de cavalos, que parecia relutante em entrar.

— Desculpe, estou atrapalhando? — Questionou com alguma incerteza, ao perceber o estado de sonolência que ela se encontrava. Depois de um bocejo, a jovem retrucou de maneira entediada:

— Sim, está interrompendo meu ócio.

Elliot riu diante do resmungo infeliz, abrindo a porta por completo antes de trazer o pequeno móvel de madeira de momentos antes para dentro do cômodo. Depois de lustrado, a madeira brilhava como nova e a visão foi responsável por afastar momentaneamente o mau humor de Anya.

— Precisa de mais alguma coisa?

— Sim, uma ocupação — ela pontuou com um ar esperançoso, embora tivesse a certeza de que teria sua pretensão frustrada. — Quanto mais trabalhosa e demorada, melhor.

— Nada que eu lhe ofereça seria aprovado por seus pais, sinto muito não poder ajudá-la — respondeu o rapaz, buscando conter o riso enquanto caminhava lentamente até o local onde ela estava sentada.

— Não é como se eu estivesse surpresa. — Tornando a recostar-se no estofado macio de sua poltrona, Anya escorregou levemente em seu assento, adquirindo uma postura desanimada novamente. Instintivamente, ela repousou uma das mãos sobre a barriga saliente, enquanto soltava um suspiro cansado. — Creio que o único capaz de me ajudar será este pequenino. É muita loucura de minha parte desejar que ele me dê muito trabalho?

— É um tanto incomum, mas não posso dizer que não seja compreensível. — Olhando para ela com um pouco mais de atenção, Elliot sentiu pena da situação em que se encontrava. Para alguém proativa e trabalhadora como a “Delia” que ele conhecera anos antes, ver-se impedida de realizar a menor das tarefas deveria ser, no mínimo, frustrante. — Deve ser difícil para você.

— Para ser honesta, eu já deveria ter me habituado — a camponesa confessou, esboçando um meio sorriso acanhado no processo. — E também, não posso culpá-los por agirem dessa maneira.

Eles permaneceram silentes por algum tempo, Anya distraidamente acariciando o bebê por cima de todas aquelas camadas de tecido, enquanto Elliot encarava o gesto com genuíno interesse. Jamais tivera a oportunidade de acompanhar uma gravidez tão de perto e duvidava que algum dia fosse ter outra chance semelhante.

— Posso pedir uma coisa? — De imediato, os olhos da jovem loira cresceram de maneira ávida em sua direção, demonstrando o quão ansiosa ela estava poder fazer algo, independentemente do que fosse. No entanto, bastou um segundo a mais de ponderação para que o tratador se arrependesse de suas palavras. — Na verdade, esqueça, não é nada importante. Eu não deveria ter sequer mencionado, é até mesmo bastante impróprio.

— Por céus, não diga tolices, há poucas coisas nessa vida que você possa fazer e que me fariam julgar como inadequado.

Podia perceber pela maneira intensa como o encarava que ela não desistiria facilmente. Sentia-se imensamente envergonhado de ter levantado a questão, mas agora nada do que fizesse ou dissesse faria com que Anya se esquecesse de suas palavras, de modo que não lhe restava outra escolha senão dizer de uma vez.

— Será que eu posso tocar?

A princípio, a camponesa não compreendeu a dimensão da pergunta, sendo necessários alguns instantes de reflexão até que a verdadeira intenção por trás daquelas palavras a atingisse em cheio. Da mesma forma que ignorava a razão para aquele desejo repentino, não conseguia imaginar porque um pedido tão simplório poderia ser considerado impróprio.

— Claro, vá em frente — afirmou de maneira encorajadora, sentando-se melhor em sua poltrona.

O rapaz ainda hesitou algumas vezes, como uma criança amedrontada, antes de sentar-se no chão, estendendo a mão espalmada até o topo da barriga crescida logo em seguida. A região encontrava-se morna e, depois de alguns instantes, ele até mesmo pôde senti-lo mover-se, como se estivesse ciente da terceira presença que se encontrava ali. A sensação arrancou um sorriso bobo dos lábios do tratador de cavalos e presenciar o gesto aqueceu o coração de Anya. Fazia muito tempo desde a última vez que tinha o visto tão animado com algo.

— Eu não vou dar um coice em você tal como uma égua prenha faria, está bem? Além disso, está na hora de se acostumar com a ideia de se tornar tio.

— Tio? — ele retrucou com um ar de incredulidade, sendo a reação responsável por arrancar uma risada divertida de sua amiga.

— O que mais você esperava? Faz parte da nossa família agora. — Aquelas palavras encheram seus ouvidos como uma música agradável, que há muito tempo ele não escutava. Sentia-se nervoso e ao mesmo tempo empolgado com o prospecto de algo daquela dimensão, pois desde o término desastroso de seu relacionamento com Sarah, ele havia aceitado o fato de jamais poderia ter uma família de verdade. — Além disso, eu acho que “Tio Elliot” soa muito bem, não acha?

Com um meneio positivo, ele foi obrigado a concordar com aquela propositura.



Os cavalos diminuíram a velocidade logo que a esbranquiçada casa de veraneio, com detalhes em madeira escura que assemelhavam-se a uma moldura. Escorada contra a janela da cabine, Sarah sorria com o mero vislumbre da residência que um dia pertencera a sua mãe. Dentre as muitas coisas que o diário de Katherine havia lhe revelado, estava seu profundo desejo de abandonar o castelo de uma vez por todas. Henrique já tem o herdeiro de que precisa, não posso lhe ser útil em mais nada, pontuava num determinado momento, tal passagem servindo para reforçar a ideia de como aquele relacionamento era conturbado. Aqui, longe das imposições da realeza e dos protocolos de etiqueta, Jacques e eu finalmente poderemos ser felizes, concluiu num outro registro. Entre eles, havia uma folha rasgada, cujas as bordas se encaixavam com perfeição no bilhete que encontrara entre as partituras em sua primeira estadia ali.

Eu sinto muito que seus planos não tenham se concretizado”, pensou a jovem rainha, enquanto desembarcava do veículo com o auxílio de seu cocheiro. Olhando para o local com mais atenção, pôde perceber como a escolha da antiga rainha havia levado em consideração os gostos pessoais do jardineiro. Embora espaçoso, o imóvel não apresentava maiores luxos e o extenso jardim que o circundava era como uma tela em branco, para que seu amante pudesse pintá-lo da maneira como bem entendesse.

— Se sua intenção era me surpreender, então considere-se vitoriosa em sua tentativa — proferiu o Duque de Odarin, despertando-a de seus devaneios logo após desembarcar atrás de si. — No entanto, tem certeza de que esta é uma boa ideia? Já estivemos ausentes por vários dias.

— Recorda-se de quando me disse que o castelo não iria ruir caso ficássemos dois dias afastados de nossas obrigações? — ela retorquiu de imediato, com um provocante sorriso estampado em seu rosto.

O rapaz foi obrigado a dar-lhe algum crédito pela lembrança, acrescentando logo em seguida, de maneira franca:

— Você tem razão — admitiu sem nenhum constrangimento, acompanhando-a até o interior da casa, onde foram recepcionados pelas mesmas criadas de antes. — Apenas me preocupa deixar Lis sozinha por tanto tempo.

— Há pelo menos uma dúzia de empregados prontos para atender todas as suas necessidades, muito embora eu pense que Evangeline seja capaz de tomar conta de tudo sozinha.

O comentário encerrou o assunto, pois ainda que o jovem Avelar se sentisse apreensivo por estar a tantos dias sem verificar o estado de sua princesa, era preciso admitir o quanto necessitava de um descanso. Enquanto internalizava a ideia, Sarah explorava a casa com um genuíno interesse, dando a impressão de estar ali pela primeira vez. O pensamento não era de todo errado, uma vez que ela não era a mesma menina frustrada que se casara contra a sua vontade.

Enquanto observava o ambiente, o elegante piano de cauda surgiu em seu campo de visão, fazendo com que ela girasse sobre os calcanhares na direção de seu consorte.

— Fizemos tantas boas memórias nesse lugar. Recorda-se que foi aqui que você voltou a tocar? — Edgar assentiu com um meio sorriso estampado em seu semblante. Ao ser puxado pelas pequeninas mãos da jovem rainha, ele a acompanhou enquanto a escutava tagarelar com um ar entusiasmado: — Vamos, toque algo para mim.

Incapaz de negar aquele inocente pedido, o rapaz sentou-se diante do instrumento, erguendo a tampa das teclas e deslizando os dedos sobre elas, sentindo a textura enquanto buscava relembrar o som produzido por cada uma delas. Somente após alguns minutos de avaliação silenciosa foi que a música tomou conta do cômodo em que estavam.

Sarah se permitiu fechar os olhos enquanto apreciava aquela bela melodia. Chegava a se questionar o porquê não eram capazes de aproveitar momentos como aquele nas dependências do castelo. “Provavelmente porque, ao atravessarmos o grande portão, somos obrigados a vestir uma máscara e adotar uma nova postura que muito destoa de nós mesmos”, concluiu após instantes de reflexão. Ao menos enquanto estivessem ali, longe do restante do mundo, eles poderiam despir-se daquela falsa imagem que os acompanhava diariamente.

Enquanto tocava, o Duque aparentava estar hipnotizado, seus dedos executando a tarefa quase que por conta própria. A princípio, seus olhos encontravam-se rebaixados, fixos sobre as teclas do piano, mas passado algum tempo ele pendeu a cabeça para trás, fechando os olhos enquanto sentia a música fluir de sua alma até suas mãos. Por vezes, alguns dos sons destoavam daqueles que esperava, denunciando que o instrumento precisava ser afinado com mais frequência. O detalhe não foi o bastante para abalar seu estado de espírito e o rapaz somente tornou a enxergar depois de encerrada sua pequena apresentação.

A menina o recompensou com um sorriso tenro e uma sequência acalorada de palmas, como se tivesse acabado de presenciar um grande espetáculo. O gesto de reconhecimento causou algum embaraço no jovem Avelar, que não se sentia merecedor de todas aquelas benesses.

— Que acha de irmos até a doceria daquela senhora entusiasmada? — Sarah arguiu enquanto cruzava os dedos como uma criança ansiosa.

— É uma excelente ideia — ele completou, com o mesmo tom sereno que lhe era característico.

Contente com a anuência de seu consorte, ela se dirigiu até um espelho localizado sobre um aparador com flores. Ela avaliou sua aparência por um instante com um ar crítico, para logo em seguida erguer ambas as mãos na direção do comportado penteado que utilizava. Um seguido do outro, a menina retirava todos os grampos que mantinham as madeixas no lugar, fazendo com que um a um os cachos caírem soltos por suas costas.

— Você realmente pretende sair com seu cabelo solto? — Edgar questionou com curiosidade, aproximando-se com ambas as mãos enfiadas dentro dos bolsos de sua calça.

— Alguma objeção? — Ela retrucou de imediato, embora não houvessem notas de aborrecimento ou rispidez em sua voz.

— Pessoalmente, nenhuma. Mas as pessoas olharão para nós como se fossemos plebeus.

Aquelas palavras fizeram com que Sarah interrompesse o gesto de imediato e pelo reflexo do espelho, percebeu que seu semblante externava um olhar mortificado, como se tivesse acabado de um fantasma ou coisa parecida. Depois de descobrir sua verdadeira origem, havia um justo receio de que sua falta de legitimidade para governar Odarin se tornasse um fato conhecido por todos.

O apontamento de seu consorte fez com que ela refletisse por algum tempo, mas pouco depois acabou por se recordar da razão que a instigou a planejar aquela viagem. Com aquilo em mente, foi com naturalidade que ela tornou a desfazer o penteado de antes.

— É exatamente o que devem pensar — retrucou de maneira confiante, enquanto alinhava os fios com a ponta dos dedos, sem desviar seus olhos do próprio reflexo em momento algum. — Nosso casamento pode ter se concretizado em função de uma imposição política, mas se estamos juntos agora, é por nossa vontade, exclusivamente.

O rapaz a escutava com atenção e quando ela tornou o rosto, passando a encará-lo diretamente, encontrou ali um brilho diferente em seu olhar, como se houvesse uma espécie de chama que ardia intensamente. Aquele detalhe aguçou seus sentidos, fazendo com que dedicasse ainda mais atenção ao que sua companheira lhe dizia.

— Não estamos aqui hoje como a Rainha e o Duque de Odarin, mas apenas como Sarah e Edgar. Sei que fazem apenas três anos que estamos juntos, mas com tantos acontecimentos extraordinários, sinto como se uma década já tivesse se passado desde a nossa união. Esse foi o motivo para eu tê-lo trazido a Newreen, para celebrar… não sei bem ao certo, talvez nossa resistência em meio a tudo que nos aconteceu.

Seu semblante externava certo embaraço, visivelmente perdida em suas próprias palavras. Aquele não fora um de seus discursos ensaiados, mas tão somente a manifestação do que se passava em sua mente e em seu coração. Ele a ouvia com atenção, esquecendo-se até mesmo de piscar diante daquela simbólica mensagem.

— Você não deveria ter dito isso — o rapaz retrucou com seriedade, o que fez o sorriso tímido da jovem morrer de imediato, dando lugar a um cenho franzido em clara preocupação. — Não há a menor possibilidade de irmos a lugar algum depois do que acabou de me dizer.

Sem compreender as palavras misteriosas de seu consorte, Sarah pendeu a cabeça para o lado, externando sua confusão de maneira não verbal. A elucidação de seus questionamentos veio sob a forma de um beijo inesperado, tomando-a completamente desprevenida. De modo quase instintivo, suas mãos subiram pelos braços do rapaz em busca de algum suporte.

Apenas alguns instantes daquele estímulo ávido foi o suficiente para que as perguntas ou dúvidas fossem dizimadas de sua mente. Raras foram as vezes em que presenciou-o afoito daquela maneira. Apesar de pouco comum, ela não poderia dizer que desgostava dessas ocasiões, pois somente quando era calorosamente envolvida por Edgar é que conseguia livrar por completo de pensamentos daquela ordem.

De maneira impensada e com uma assustadora sincronia, ele avançou dois passos, até que as costas da menina estivessem devidamente apoiadas contra a parede. Quando o gesto deixou de ser suficiente para transmitir aquilo que sentia, ela pôde senti-lo brincar com os colchetes de seu vestido, libertando as presilhas que estavam situadas em sua nuca, passando a deslizar as mãos espalmadas por seu dorso, causando-lhe arrepios e deixando-a intimamente ansiosa. Não era exatamente o que tinha em mente quando havia planejado aquela viagem, mas não poderia se dizer insatisfeita com a sugestão de seu consorte.

Num determinado momento, suas próprias mãos escalaram o tecido das roupas de Edgar até alcançar o lenço que protegia sua garganta do frio cortante da estação, ocupando-se em desfazer o nó apressadamente. Com algum esforço, ela conseguiu se ver livre do acessório e só então seus lábios trilharam um caminho por seu maxilar até alcançar a curva entre o ombro e o pescoço. O jovem Avelar fechou os olhos por um momento, enquanto pendia a cabeça para o lado, aos poucos cedendo àquela carícia atrevida, trazendo-a para mais perto ainda. Jamais deixaria de se surpreender com a destreza com que ela conseguia fazê-lo esquecer-se do mundo lá fora, como se nada importasse além deles dois. Entretanto, duas baixas risadas abafadas vindas de longe fizeram com que ele retornasse à realidade, mesmo a contragosto.

— Nós deveríamos ir para o nosso quarto se quisermos evitar uma audiência indesejada — ele sussurrou em meio a voz rouca, já visivelmente afetado pelos toques ousados de sua companheira. Em seu semblante juvenil, havia um misto de aborrecimento e confusão, diante da interrupção indesejada.

— O que isso significa? — Sarah questionou com impaciência, mas depois de capturar o discreto indicativo que seu consorte fizera com a cabeça, a realização a acertou em cheio. Detrás de uma das paredes que separava a sala de estar dos demais cômodos, a sombra das duas criadas bisbilhoteiras denunciava sua presença incômoda, que se deleitavam com a visão que tinham do casal. — Eu não acredito nisso, esse comportamento é ultrajante e inaceitável!

— Não as repreenda, essa casa fica desocupada na maior parte do tempo — justificou o rapaz em meio a uma risada jocosa, enquanto tomava uma de suas mãos e começava a puxá-la na direção do lance de escadas que levava até a suíte principal. — Para ser sincero, muito me admira que elas ainda não tenham morrido de tédio.

A menina não se preocupou em responder àquele comentário. Ingressando em seu cômodo, Sarah fez questão de fechar a porta e dar duas voltas na chave, tal como da última vez em que estiveram ali, pois só assim teria a certeza de que não seriam importunados. Mal tivera a oportunidade de concluir a ação, pois seu rosto foi tomado pelas mãos de Edgar, que não estava inclinado a esperar mais um segundo sequer.

Tornando a envolvê-la num beijo profundo e necessitado, o rapaz foi correspondido com a mesma intensidade e urgência, o que servia para deixá-lo ainda mais ansioso, como uma criança incapaz de frear seus próprios anseios. As mãos da menina se dirigiram até seus punhos e por um instante ele não soube precisar qual a sua intenção com o gesto. No entanto, aos sentir as abotoaduras de suas vestes serem retiradas com destreza, uma divertida risada escapou por seus lábios, interrompendo a carícia em que estavam envolvidos.

— Me parece que alguém está com pressa — alfinetou em meio a um sorriso provocante e um tom surpreso, enquanto observava a jovem impacientar-se ao tentar retirar suas próprias luvas de seda, que a deixavam parcialmente sem tato.

— Você fala como se eu fosse a única — ela devolveu de imediato, à princípio num falso tom aborrecido, que tornou-se impossível de sustentar debaixo do olhar atento de seu companheiro. Sem que pudesse evitar, sua risada invadiu o ambiente, tornando aquele momento ainda mais memorável. Nenhum dos dois tinha qualquer recordação de terem se sentido tão à vontade na presença um do outro antes.

A verdade era que a convivência tinha lhes ensinado que certos pudores eram absolutamente desnecessários em situações como aquela. Havia um desejo comum a ser atendido e, partindo daquela premissa, a jovem colocou-se ponta dos pés, buscando retomar o beijo de antes. Seu mudo pedido foi prontamente atendido e pouco depois seus suspiros sôfregos se misturavam ao arfar pesado do rapaz que a atiçava. Logo suas mãos retomaram a árdua tarefa de libertá-la da pesada vestimenta que encontrava-se parcialmente aberta.

Nenhum dos dois saberia pontuar o momento em que afastaram-se da porta de entrada, migrando para o conforto de sua cama. Não tardou para que seus movimentos se tornassem menos educados e mais intensos, buscando uma maneira de transmitir fisicamente o sentimento que transbordava em seus corações.

Ali, naquele mesmo quarto, haviam selado o compromisso de cuidarem sempre um do outro. A promessa não comportava quaisquer restrições, estendendo-se às suas necessidades físicas de cada um, resultando num encargo que aceitavam com prontidão e, principalmente, com prazer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá, meu amores, tudo bom?

Com o penúltimo Capítulo sendo postado hoje, ficamos por aqui com um certo clima de despedida, não é mesmo? Vou deixar o textão para o Capítulo Final, mas desde já quero deixar registrado toda a minha gratidão a todos aqueles que acompanharam essa jornada, seja comentando, incentivando, criticando ou teorizando. Vocês são todos incríveis, de coração ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Queen's Path" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.