The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 48
Capítulo XLVIII - 10 de Março de 1873




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Sentada junto à grama, Sarah rascunhava suas primeiras palavras nas folhas remanescentes no diário de sua mãe, dando continuidade àquela trajetória interrompida, tal como Edgar havia sugerido, ainda que de modo indireto. Por vezes, cruzava as mãos sobre os joelhos flexionados, enquanto seus olhos contemplavam a fria lápide da antiga rainha com um ar reflexivo.

Ela, que sempre havia almejado conhecer um pouco mais de sua genitora, não sabia bem como se posicionar diante de algumas situações expostas em seu livro de confidências. Sempre nutrira a imagem de uma pessoa amável e gentil, mas, por diversas vezes, sua escrita demonstrou tamanha indiferença que chegou a soar cruel. A despeito disso, outros tantos relatos revelaram uma personalidade livre e desinibida. Katherine fora, sem qualquer dúvida, uma existência complexa demais para ser descrita, ainda que por suas próprias palavras.

— Que faz aqui tão cedo? — O tom usualmente comedido de Jacques deixou transparecer uma nota de preocupação ao ver a menina trajando roupas leves, enquanto o céu nublado e a intensa ventania indicavam uma forte chuva fora de época. — Não é um horário nada adequado para explorar sua propriedade, ainda mais diante de um tempo desses.

— Eu me sinto confortável aqui — Sarah respondeu em meio a um sorriso acanhado. Sua declaração faria com que qualquer outra pessoa franzisse o cenho, mas o jardineiro compreendia bem a dimensão de suas palavras, mesmo antes da explicação que sabia estar por vir. — Não só minha mãe, mas também Henrique, Beatrice, e até mesmo Allen… tenho mais familiares aqui do que no próprio castelo. Pensar que estou na presença de conhecidos me transmite alguma tranquilidade em tempos de crise como esse.

— Você deveria pensar em todo o reino de Odarin como sua família agora. Pense nisso todas as vezes que se sentir desamparada ou sem propósitos — ele pontuou, de maneira assertiva, enquanto estendia-lhe a mão para que se levantasse do chão.

Assentindo, a menina aceitou o auxílio sem contestar aquelas palavras, devolvendo-lhe apenas um sorriso tímido. De algum modo, sabia que ele estava proferindo-as não só para ela, mas reafirmando-as a si mesmo.

— Uma tempestade está por vir… — o jardineiro mencionou de modo pensativo, enquanto analisava as nuvens cinzentas se avultando no céu. — Volte para o castelo antes que fique presa do lado de fora.

Acatando aquela ordem sem protestar, a menina fechou o diário, pondo-se a andar na direção de sua morada. Lhe parecia estranho receber ordens de seu jardineiro e o pensamento levou uma risada contida aos seus lábios. Pensar em Jacques como seu pai e não mais como um antigo amigo era uma realidade com a qual teria de se acostumar, o que poderia levar algum tempo. Lançando-lhe um último olhar, a jovem flagrou o exato momento em que punha um buquê de flores diante da lápide da antiga rainha. O gesto lhe levou à uma triste constatação: o decurso do tempo não havia sido capaz de apagar o amor que nutria por sua mãe.

Os escritos de sua mãe trouxeram muitas outras verdades à tona, e algumas ainda haviam de ser esclarecidas, assim que a oportunidade surgisse. Ela não era única a ter uma origem distinta da que sempre conheceu, e por mais que buscasse compreender a motivação por trás daquela mentira, sabia como a realidade alterava sua forma de ver o mundo, bem como a maneira como enxergava a si mesma. “Nenhuma pessoa merece viver na ignorância, ainda mais em questões que dizem respeito à sua própria essência”, pensava enquanto caminhava distraidamente de volta para casa.

Já se aproximando da escadaria principal, Sarah pôde avistar uma figura conhecida ao longe. À princípio, sentiu-se ligeiramente ansiosa com o mero prospecto daquele encontro e, após suspirar profundamente, permitiu que seus pés empregassem um pouco mais de afinco em seu caminhar para que pudesse alcançá-lo o quanto antes. Já tinha algum tempo desde a última vez que conversaram e, por vezes, surgia-lhe a dúvida se estava tudo realmente bem entre os dois.

— Espere, Elliot! – Exclamou ao longe, vendo-o parar ao ouvir seu chamado. A expressão estampada em seu rosto era algo difícil de decifrar, mas servia-lhe de consolo perceber que o rapaz já não lhe dirigia olhares cheios de mágoa e rancor como antes, aliviando seu coração de um dos muitos fardos que carregava consigo. Parando à sua frente, a menina precisou de um instante para recuperar o fôlego, antes de tornar a falar. — Tenho um assunto importante para tratar com você.

Sua fala foi acompanhada por um gesto de súplica, fazendo com que os olhos de Elliot recaíssem sobre suas próprias mãos, que foram tomadas entre os dedos pequeninos da jovem rainha, deixando-o sem fala por um instante. Ainda sentia seu coração saltar uma batida todas as vezes que ouvia seu nome ser chamado por ela e, ao ser agraciado com algum de seus toques – por mais simples e despretensioso que fossem – causava-lhe um misto de sensações, inclusive a frustração de não ter aproveitado melhor o tempo de tiveram juntos.

— Por que suas mãos ainda estão enfaixadas? — ela questionou, havendo um nítido ar de preocupação em seu semblante. Bem sabia que o tratador havia se ferido durante o resgate de um de seus cavalos, que fora surpreendido por uma armadilha para raposas. No entanto, se sua memória não falhava, havia muitas semanas desde o ocorrido, parecendo-lhe estranho que ainda fizesse uso das ataduras para cobrir os próprios dedos.

— Embora não sinta mais nenhuma dor, elas ainda não estão exatamente agradáveis aos olhos — ele mencionou de modo contido, freando o ímpeto de tornar o rosto para o lado oposto. Às vezes, lhe incomodava todo o cuidado e empatia emanado da jovem, que apenas servia para que alimentasse falsas esperanças em seu tolo coração. — Disse que tinha algo para me dizer. Do que se trata?

Encolher os ombros foi sua primeira reação diante daquela abordagem direta, ao passo que morder o lábio inferior de maneira nervosa foi a segunda. Embora não houvesse mais a usual troca de farpas entre os dois, podia sentir um abismo instalado entre eles. Ela o teria abraçado de maneira tenra e protetora se não estivessem num local tão exposto aos olhos alheios. E, não lhe bastando o ar de indiferença, o que tinha para dizer não eram palavras exatamente agradáveis de serem ouvir. Se ainda o conhecia tão bem como julgava, então era certo que a revelação lhe causaria uma revolta imediata. “Ainda assim, ele merece saber. Uma verdade dolorosa é preferível a qualquer mentira agradável”, concluiu consigo mesma, finalmente reunindo coragem para falar aquilo que pretendia desde o princípio.

No entanto, nem bem tivera a oportunidade de abrir a boca e sua fala fora interrompida por um chamado distante. Tornando seus olhos para o andar térreo do castelo, não demorou muito para que identificasse a figura de Edgar através das vidraças espaçadas. Tomada por um impulso impensado, recolheu a mão que afagava os dedos de Elliot, como se a atitude fosse demasiadamente imprópria e reprovável.

A voz de seu consorte tornou-se ainda mais audível, evidenciando sua aproximação. Mesmo que Sarah tivesse urgência em conversar com seu antigo companheiro acerca de suas descobertas recentes, não almejava fazê-lo às pressas, sem conferir-lhe a devida atenção e apoio. Depois de tantos incidentes, ele merecia muito mais dedicação de si do que aquilo. Tornando o rosto em sua direção, ela exibiu um olhar envergonhado, num mudo pedido de desculpas. O tratador de cavalos se limitou em assentir positivamente, compreendendo que sua conversa teria de ficar para um outro momento.

Vê-la afastar-se sem olhar para trás ainda doía em seu peito e, sendo sincero consigo mesmo, ele duvidava que algum dia fosse deixar de sentir aquela incômoda sensação após cada despedida, que nunca parecia ser a última.



Depois de alcançar o topo da escadaria principal, não tardou muito até que cruzasse com a figura de seu consorte. Ainda era cedo quando deixou seu quarto para trás em busca de alguns minutos de silêncio e isolamento, e o jovem Avelar nem mesmo havia acordado ainda. Precisava daquele momento sozinha caso quisesse escrever qualquer coisa no diário de sua mãe. Aquela era uma lembrança preciosa demais para ser maculada com palavras de menor importância.

— Enfim, aí está você — o Duque afirmou com um ar impaciente, aproximando-se com tamanha pressa que servia apenas para denunciar uma perturbação incomum ao seu estado de espírito natural. Aquele detalhe não passou despercebido aos olhos da jovem rainha, que se surpreendeu com a abordagem indelicada. — Espero que não tenha esquecido do compromisso que temos nesta manhã.

— Eu jamais esqueceria algo dessa importância — ela retrucou de imediato, parando por um instante para analisar o semblante de Edgar. Era perceptível como tentava ocultar aquilo que o incomodava e, a despeito de seus esforços, suas feições denunciavam toda a sua irritação, mesmo que não houvesse uma razão aparente para tal comportamento. — Aconteceu alguma coisa? Você não me parece bem.

O rapaz não foi capaz de formular uma resposta que pudesse justificar seu mal humor naquela manhã. Enquanto soltava um suspiro cansado, se limitou em esboçar um gesto nervoso, enterrando os dedos trêmulos dentro de seu cabelo claro, como se isso pudesse acalmá-lo de alguma maneira. Sua garganta estava mais seca que o normal e, minutos antes ele quase havia se rendido aos encantos perversos do álcool novamente.

— Não precisa me acompanhar, se assim desejar — Sarah pontuou com cuidado, enquanto utilizava sua mão livre para lhe afagar o braço. Estava farta de discussões acaloradas, e usaria toda a sua paciência se isso pudesse evitar qualquer confronto entre eles. Além disso, não era respondendo-o de forma insensível que conseguiria compreender o que estava transtornando-o. — Eu jamais o faria passar por uma situação com a qual não estivesse confortável.

Edgar ponderou aquelas palavras por um instante, logo percebendo como estava agindo de maneira insensata. “Às vezes, você parece um louco fora de controle”, disse mentalmente, buscando recobrar a razão. Além disso, havia momentos em que se sentia bem o suficiente para transitar livremente pelo castelo, como se fosse dono de si. Para sua infelicidade, aquele não era um desses dias, e sabia que estaria muito mais seguro enquanto se mantivesse ao lado de sua companheira.

— E eu não a deixaria fazer algo dessa dimensão sozinha — disse após alguns instantes de reflexão, aparentemente mais calmo do que antes, ainda que Sarah percebesse que sua inquietação interna estava longe de superada. — Podemos ir?



Em dias fechados como aquele, que denunciavam chuvas fortes e iminentes, as pessoas tinham o hábito de recolher-se na segurança de suas casas. Delia era a exceção àquela regra. Do lado de fora do imóvel que por tantos anos havia sido seu lar, a camponesa aguardava pacientemente pela chegada da carruagem real. Da última vez, o cocheiro tinha ordens expressas para levá-la ao baile de coroação do antigo monarca, convite que ela se arrependia amargamente de ter aceitado. Seus últimos meses teriam sido menos infelizes se continuasse alheia ao fato de a Família Avelar estar tão próxima de si novamente. “Por outro lado, eu jamais teria conhecido Phillip se não tivesse sido barrada na entrada do castelo”, ela ponderou após alguns segundos de reflexão. Fazia dias desde a última vez que o vira, e embora estivesse relutante em admitir, sentia falta das respostas entrecortadas, do ar ligeiramente arrogante e de suas reações tímidas todas as vezes que estavam a menos de dois passos de distância um do outro. Conhecê-lo melhor era como explorar aos poucos um livro inédito, onde nem tudo era aquilo que aparentava ser. Sua presença fazia com que se sentisse uma criança curiosa novamente e afastava sua mente de tudo aquilo que a perturbava.

As primeiras gotas de chuva começaram a cair, mas ela se limitou a vestir o capuz da capa envelhecida que usava. Eles iriam chegar a qualquer momento, o que não necessariamente era um prospecto positivo. Ainda não sabia dizer ao certo porque havia concordado com aquela ideia absurda. Hallbridge já não era mais seu lugar há anos, e voltar para sua terra natal apenas serviria para reabrir antigas feridas.

Mesmo assim, diante da insistência da jovem rainha, ela havia acabado cedendo aos seus argumentos e pedidos de reconsideração. Havia uma pequena possibilidade daquela experiência resultar em algo positivo. Ao menos, era isso que estava usando para convencer a si mesma.

Ao longe, podia ver e ouvir a aproximação dos cavalos, cuja as passadas pesadas sobressaiam do som da chuva fina, que começava a ganhar força naquele instante. Ter de ficar presa numa cabine apertada junto a Edgar por horas não estava na sua lista de situações agradáveis. Tudo que desejava era manter-se distante do Duque, mas o destino parecia forçar-lhes a convivência como uma terrível piada de mal gosto.

Em um instante, a carruagem parou à sua frente e ela se viu soltando um suspiro cansado, quase desistindo de vez daquela ideia insana. “Eu só espero que isso termine logo”, pensou, enquanto adentrava no veículo.



— Nos devemos chegar logo — proferiu a jovem rainha, quebrando o silêncio que reinara por horas dentro daquela cabine. Tomando uma das mãos da jovem camponesa entre as suas, ela dirigiu-lhe um sorriso encorajador, conseguindo perceber seu nervosismo, que só aumentava na medida em que avançavam em direção ao seu antigo lar. — Vai ficar tudo bem, Delia.

— Por favor, me chame de Anya a partir de agora — ela pontuou, de maneira sussurrada e imediata, refletindo sobre suas palavras apenas depois de tê-las dito.

A frase dita causou estranheza não só em seus ouvidos, mas também em seu coração. “Anya” e “Delia” eram personalidades distintas e, no presente momento, já não sabia com qual das duas se identificava mais, causando-lhe um conflito interno que apenas servia para potencializar a sensação de angústia crescente em seu peito.

Tão logo os cavalos deixaram de se movimentar, o cocheiro correu para destrancar a porta da carruagem. Edgar desceu primeiro, estendendo a mão para auxiliá-las na descida. Sarah dirigiu-lhe um sorriso tenro pela gentileza, ao passo que Anya concedeu-lhe a mão à contragosto, tornando o rosto para o lado oposto. Era uma situação deveras estranha aquela em que se encontravam, e a última coisa que a camponesa desejava era presenciar outro desentendimento entre os dois.

Depois de tantos anos pisando sobre as rochas duras e cruéis de Odarin, pousar seus pés sobre aquela terra macia e acolhedora novamente lhe causou um misto de emoções. Um rápido olhar em volta e ela pôde sentir seu desjejum revirando-se em seu estômago. A paisagem permanecia inalterada, tal como a imagem gravada em sua memória saudosa. Sua antiga residência, grandiosa em suas dimensões e humilde em seu modelo arquitetônico, traziam a tona lembranças de uma infância tranquila e feliz. O campo em seu redor era extenso, o moinho de vento rangia de tempos em tempos e os animais pastavam tranquilamente em volta do celeiro.

Tudo lhe parecia velho e novo ao mesmo tempo. Seu ímpeto era correr pela campina, finalmente livre das amarras e das mentiras que a fizeram abandonar seu lar. No entanto, tinha assuntos pendentes para solucionar. Desta vez, seus olhos repousaram sobre a entrada rústica de sua primeira morada. Com passos incertos e a mente recheada de dúvidas, estendeu seus dedos trêmulos até a aldrava envelhecida, mas não pôde reunir coragem o suficiente para bater a peça de bronze contra a porta. Depois de encarar o objeto por alguns segundos, ela retrocedeu dois passos, com uma expressão de pânico estampada em seu semblante.

— Eu não consigo! — Havia uma nota de angústia em sua voz, e as lágrimas começavam a se acumular nas extremidades de seus olhos. Parecia prestes a entrar em colapso a qualquer instante, tamanho era seu nervosismo. — O que direi a eles? Jamais irão me perdoar por ter lhes causado tanto sofrimento.

— Não poderá culpá-los se assim o fizerem — Edgar retrucou, de maneira seca e portando uma expressão séria, enquanto observava o conflito interno que se apossava da jovem ruiva. O novo tom castanho avermelhado de seus fios lhe parecia muitíssimo estranho, já estando habituado a recordar-se dela com suas madeixas claras como trigo. — Mas não é justo manter-se distante quando já não existe empecilho algum para o seu retorno. Eles passaram anos acreditando que estava morta. Mais do que ninguém, seus pais merecem saber a verdade.

Anya mordia o lábio inferior, tornando a olhar para a entrada de sua antiga casa. Aliciada pelas palavras de Sarah, ela havia concordado em viajar até ali, no intuito de desfazer o emaranhado de mentiras que a mantiveram afastada por tantos anos daqueles que lhe proporcionaram tanto amor e carinho. No entanto, o medo da rejeição lhe bloqueava os movimentos e lhe causava tremores. Havia um número restrito de dores e decepções que era capaz de suportar, e sentia que já se encontrava bem próxima de seu limite. Não estava preparada para receber mais um duro golpe do destino.

— O que espera que eu faça? — A camponesa retrucou, que apesar da raiva contida, sua voz não passava de um sussurro baixo. Sentia algo preso em sua garganta, o que apenas a deixava mais nervosa. — Não posso simplesmente entrar e agir como se nada tivesse acontecido, ou como se anos não tivessem se passado.

A indecisão da jovem fez com que Edgar soltasse um suspiro cansado. Não imaginava que algum dia teria de voltar àquela chácara, onde tinha tantas memórias ao seu lado, assim como também não planejava ter de vir a Hallbridge tão cedo. Perdoar a traição de Gilbert — se é que havia perdão para tais atos — não seria uma tarefa fácil, ou mesmo rápida, sendo-lhe necessário uma dose extra de ponderação e bom senso para não caminhar até sua antiga casa, no intuito de colocar o mais novo em seu devido lugar novamente.

Sem se incomodar em respondê-la, Edgar afastou-se da carruagem, avançando com pressa até a porta. O caminhar impaciente e o olhar pouco amigável fizeram com que Anya recuasse ainda mais, colocando-se numa distância segura. Mesmo que tudo tivesse sido esclarecido, o temor e a desconfiança persistiam em sua mente, fazendo com que se colocasse na defensiva sempre que estavam próximos demais. Talvez ele não fosse a pessoa violenta e inescrupulosa como as antigas ameaças lhe fizeram presumir, mas dissociar aquela imagem já consolidada não lhe parecia algo possível nas circunstâncias atuais.

O Duque bateu a aldrava com força, ansioso em acabar de vez com o sofrimento causado por seu irmão, em conluio com o antigo rei de Odarin. Mesmo que conhecesse o poder persuasivo das palavras de Allen, ainda lhe inconformava a ideia de que Gilbert se vendera tão facilmente por promessas de fortunas fáceis. Aquela descoberta fora um baque terrível, mas a realização de que sua antiga noiva não o considerava minimamente digno de confiança, ao ponto de preferir fugir para o desconhecido e enfrentar uma vida de dificuldades ao invés de compartilhar com ele as falsas cartas de ameaça que a afligiam lhe soavam infinitamente pior. Pensar em todos os anos dedicado à sua memória, gastos em meio ao delírio reconfortante conferido pela embriaguez, apenas reforçava a ideia de como era estúpido. Sua única sorte em todo aquele período apontava para a menina a quem vira crescer, e que agora tinha orgulho de reconhecer como sua consorte. Ela o trouxera de volta à realidade, permitindo que caminhasse novamente com os próprios pés e vislumbrasse o futuro com bons olhos.

Esperar que seu chamado fosse atendido causava uma sensação de ansiedade não só no rapaz, como também em Sarah, que tinha uma de suas mãos repousada sobre o ombro da camponesa, buscando mostrar-se compreensiva, enquanto exibia um sorriso encorajador. No entanto, ela mesma precisava de um pouco de apoio naquele momento. Seus pés a guiaram até seu consorte, onde passou a empregar um delicado afago em seu braço, utilizando tão somente os nós de seus dedos. Tornando-lhe o rosto, ele dirigiu um meio sorriso na direção daquela que tentava acalmá-lo, quase como um mudo pedido de desculpas pelo seu estado de nervos atual.

A jovem rainha observava suas reações a todo momento, e vê-lo agir com tamanha inquietude e agressividade muito lhe lembrou do comportamento adotado por Elliot, logo após seu casamento. “Edgar não seria tão profundamente afetado por seus gestos e falas se ainda não nutrisse algum sentimento por ela”, pensava com aflição, a qual evitava demonstrar a todo custo.

O caminho percorrido até ali fora preenchido por um silêncio constrangedor, conferindo-lhe tempo suficiente para refletir sobre suas recentes constatações. Sua tentativa de levar Anya de volta para casa tencionava não só corrigir os erros do passado, mas também conquistar o perdão da ruiva, que fora obrigada a presenciar sua pior face. No entanto, só depois pôs-se a refletir sobre as consequências de sua escolha. “O que farei caso Edgar decida ficar em Hallbridge, para tentar recuperar o tempo que foi perdido?”, era o questionamento que tinha em mente. A despeito de todas as decepções sofridas, algum lugar de seu íntimo preservava todo o amor que um dia fora dedicado à sua antiga noiva.

Como se já não bastasse, ela bem sabia como o jovem Avelar apreciava a vida pacífica do campo, bem como desgostava das obrigações e das formalidades da realeza. O rapaz permanecera fielmente ao seu lado até aquele momento, mas quem poderia impedi-lo de buscar sua própria felicidade, agora que tudo pudera ser esclarecido? Edgar não merecia carregar aqueles fardos por sua causa, e a passagem do tempo servia para lhe mostrar que sua plenitude não seria alcançada enquanto estivesse em Odarin.

Aqueles prospectos a aterrorizavam internamente, mas ela se esforçava para manter suas incertezas sob controle. Sarah não teria chegado tão longe sem o apoio constante de seu consorte e, sem ele, não tardaria até que a população descobrisse a farsa que era. Ela perderia sua coroa, juntamente com todos os privilégios e desvantagens dela provenientes e, ainda assim, nenhum desses aspectos lhe parecia tão doloroso quanto a ideia de perder a presença protetora de Edgar ao seu lado.

O silêncio reflexivo entre eles foi interrompido pelo som grosseiro do trinco envelhecido, anunciando a chegada de uma altiva senhora na entrada da casa. No mesmo instante, algo em sua aparência física chamou a atenção da menina, que passou a admirar os fios castanhos bem cuidados que emolduravam o rosto ligeiramente marcado pela passagem do tempo. Na ocasião, não pode deixar de pensar que, se sua mãe ainda estivesse viva, teria uma idade e uma aparência semelhantes a mulher à sua frente.

— De todas as pessoas do mundo, eu poderia imaginar uma visita inesperada de qualquer um, menos você. Que surpresa agradável vê-lo aqui! — A entonação da senhora que os recepcionara parecia sincera, além de demonstrar uma amabilidade ímpar, que muito lembrava os modos de Anya. — O tempo, como sempre, muito mais generoso com os homens. É bom vê-lo em bom estado após tantos anos.

— Fico igualmente feliz em poder revê-la, senhora Lewinter — respondeu com um sorriso fraco, ainda que sincero, demonstrando o apreço que tinha pela mãe de sua antiga noiva.

— Por favor, sabe que para você apenas Edeline é o bastante — ela retrucou com um sorriso tenro, quase maternal. Naquele instante, seus olhos castanhos e intensos repousaram sobre a figura de Sarah, trazendo um ar de curiosidade ao seu semblante. — Mas não fiquem parados aí fora, entrem!

Edgar hesitou por alguns instantes, receoso quanto ao efeito que o local teria sobre si. Os anos não foram capazes de fazê-lo esquecer as memórias vividas naquele lugar, humilde e aconchegante, todas vividas ao lado de sua antiga noiva. Só depois de sentir as pequeninas mãos de Sarah apertando seu braço, incentivando-o a entrar, foi que teve coragem o suficiente para avançar um passo, logo seguido de outro, até que estivessem dentro da residência dos Lewinter novamente. Muito pouco da decoração interna havia mudado, a despeito do que acontecera com ele e Anya, que estavam longe de serem os mesmos de antes.

Edeline observava seus visitantes de maneira minuciosa, atentando não só para o rapaz a quem tomava por um filho, mas também a moça que o acompanhava. Havia um amontoado de pensamentos ocupando sua mente, fazendo com que os seguisse de maneira acolhedora, sem se dar conta de que deixara a porta entreaberta.

Notícias importantes como casamentos reais percorriam longas distâncias em poucos dias, de modo que já tinha ciência da união do jovem Avelar com a atual rainha de Odarin. Olhar para a menina lhe causava um misto de sentimentos que divergia entre tomá-la para uma conversa a sós e apenas admirá-la de longe, buscando as semelhanças entre ela e sua filha desaparecida.

— Eu adoraria saber a razão por trás de sua visita, mas antes, devo meus cumprimentos a rainha — a anfitriã mencionou, enquanto ensaiava uma respeitosa reverência. — Jamais esperei receber um membro da Família Real em minha casa, portanto, peço desculpas por não ter nada especial para oferecer.

— Não se incomode conosco, estamos bem — Sarah respondeu de imediato, em meio a um tímido sorriso. À princípio, pensou em declinar o tratamento formal, mas depois de descobrir sua verdadeira origem, temia que atitudes como aquela apenas denunciassem sua ilegitimidade para ocupar seu cargo, de modo que optou por manter-se silente. Tornando a olhar para seu consorte, ela esperava por alguma palavra ou gesto que introduzisse a razão para estarem ali, mas tudo que pôde perceber era o desconforto estampado em seu semblante, mais um indício de como tudo ali ainda o afetava profundamente. “Se é assim que tudo irá acabar, então que seja breve”. — Senhora Lewinter, viemos até aqui porque...

— Perdoe-me a interrupção, mas é que você me lembra tanto minha filha Anya. — Era muito rude de sua parte interromper sua fala, mas simplesmente não pôde conter a si mesma. O formato de seu rosto, a delicadeza contida em seus olhos, eram detalhes que traziam à tona muitos sentimentos e, entre eles, a saudade. — Ela estava sempre cantando, dançando, sorrindo… Nossos dias aqui se tornaram muito cinzentos desde o seu desaparecimento. Sei que Oscar está certo quando diz que devemos deixar o passado e seus infortúnios para trás, mas a verdade é que eu daria tudo que possuo para poder ouvi-la mais uma vez.

Sarah e Edgar trocaram olhares incertos, nenhum dos dois ousando progredir naquele assunto. O Duque, embora tivesse tido o ímpeto de bater à porta primeiro, não tinha em mente sequer o esboço do que diria a Edeline. Lhe parecia impossível exprimir em palavras que a dor de sua perda e o sofrimento de uma década estavam pautados em mentiras e ameaças falsas. A jovem rainha, por sua vez, sentiu seu último fio de esperança se romper com aquela fala. Se haviam mesmo tantas semelhanças entre ela e Anya, então era bem provável que todo o cuidado e olhares cheios de significado de seu consorte na verdade fossem destinados a outra pessoa, e não a ela própria.

O silêncio reflexivo tomou conta do ambiente e, ao lado de fora, a ruiva esforçava-se para conter suas lágrimas, sem muito sucesso. Durante os anos de isolamento, uma de suas maiores angústias era o medo. Não foram poucas as vezes em que cogitou retornar para o aconchego de sua família, mas afora o temor que tinha da concretização das ameaças que pairavam sobre si, havia ainda a incerteza se seria novamente aceita por eles. No entanto, ao que parecia, sua mãe ainda aguardava pacientemente pelo seu retorno. Em sua voz não haviam indícios de raiva, ou de indignação, mas tão somente de saudade. Era algo que estava além de sua compreensão.

Nenhum dos dois dentro parecia saber ao certo como abordar o assunto que os levara até ali, e ela mesmo não saberia como fazê-lo. Uma voz insistente dentro de si lhe dizia para deixar toda aquela bobagem para trás, pois seria impossível recuperar o amor perdido. No entanto, já não havia a menor possibilidade de ceder àquele chamado. Ela estava farta de fugas e esconderijos.

Ainda não tinha ideia do que diria à sua mãe quando estivessem frente a frente. No entanto, depois de sua singela confissão, seria impossível não atender àquele pedido tão simples e, ao mesmo tempo, tão recheado de significado. Já havia algum tempo desde a última vez que havia cantado qualquer coisa mas, com alguma sorte, sua voz não haveria de falhar justamente agora...

Pequena flor amarela, nunca me deixe ir — ela iniciou, a princípio num tom baixo demais para ser ouvido. No entanto, depois de suspirar profundamente, buscando reunir forças e coragem, a melodia ganhou um pouco mais de força em seu segundo verso. — Pequena flor amarela, não deixe de sempre sorrir.

Edeline saltou do próprio assento ao ouvir aquela cantiga ser entoada com uma delicadeza que apenas sua menina saberia empregar. O gesto assustou o casal visitante, mas ela não deu qualquer atenção às suas reações. Apurando os ouvidos, esforçava-se para saber de onde vinha aquela música, receando estar ficando louca ou qualquer coisa parecida. “Não, não pode ser. É real demais para existir apenas em minha cabeça”, pensava consigo mesma, enquanto caminhava cuidadosamente pela sala de estar, atentando para o menor dos indícios.

Guarde sempre, bem no fundo do seu coração — Anya continuou, mas já sentindo o fluxo de suas lágrimas de intensificando, enquanto um nó se alojava em sua garganta. — Nossas risadas e a letra dessa canção.

Eu não consigo”, lamentou consigo mesma enquanto enterrava o rosto úmido nas mangas de seu vestido desbotado, na tentativa de abafar os soluços que se sobrepunham às palavras daquela canção. A música era uma maneira de externar sua alegria de viver, buscando sempre contagiar as pessoas ao seu redor. No entanto, quando seu coração estava pesado, repleto de mágoas e tristeza, as palavras simplesmente se recusaram a sair. Anya podia enganar muitas pessoas, mas jamais seria capaz de enganar a si mesma.

Pequena flor amarela, prometo que sempre vou estar — completou a voz de Edeline, que se afligiu ao perceber que a cantiga de ninar fora interrompida por um choro baixo. Seus pés avançavam cuidadosamente na direção da porta entreaberta, e sua mãos tremiam de antecipação. — Pensando em você por onde quer que vá.

Empurrando a porteira que dividia sua morada do lado externo, os olhos castanhos da anfitriã varreram todo o campo à sua frente, ansiando por encontrar aquela que preenchia seu coração de esperança. Foram necessários alguns instantes até que percebesse um choromingo há poucos passos de onde estava.

Sentada junto ao chão, com as costas apoiadas contra as paredes de pedra de sua antiga morada, Anya tentava conter as próprias lágrimas, apenas para finalizar aquilo que havia começado.

Pequena flor amarela, se eu for, eu vou voltar — a camponesa continuou, em meio aos soluços, enquanto dirigia um olhar envergonhado na direção de sua mãe. — E então quando eu regressar...

Pequena flor amarela, vou te abraçar — Edeline completou, interrompendo a canção de ninar que costumava entoar para sua menina antes de chegar ao verso final. Apesar do semblante visivelmente cansado e dos fios ruivos dando lugar as madeixas claras herdadas de seu pai, ela reconheceria sua cigarrinha ainda que cinquenta anos tivessem se passado. Ainda trêmula e sem crer naquilo que seus olhos e ouvidos lhe mostravam, ela precisou se ajoelhar junto ao chão, abraçando sua filha desaparecida com urgência, antes de finalmente completar com um sussurro: — E nunca mais vou soltar.

Desabando dentro dos braços de sua mãe, Anya se permitiu um momento de fraqueza, fazendo com que seu corpo convulsionasse levemente enquanto sentia sua alma ser lavada de todos os sentimentos ruins e pensamentos depreciativos que a acompanharam por tanto tempo. Edeline não se incomodava nenhum pouco em servir de apoio para a mais nova, estando mais do que realizada em poder tê-la ao alcance de suas mãos novamente.

Sarah observava a cena com misto de satisfação e inveja. Ela jamais saberia qual a sensação de ser amparada daquela maneira por sua mãe. Recordava-se dos raros abraços apertados e superprotetores de Evangeline, assim como das escassas demonstrações de afeto de Jacques. Tais gestos ficariam marcados para sempre em sua memória, mas não eram a mesma coisa. Havia um vazio em seu coração que jamais poderia ser preenchido, e temia que muito em breve aquele espaço desabitado apenas aumentasse ainda mais. Naquele instante, seus olhos recaíram sobre a figura inquieta de seu consorte, que explorava sem rumo os cômodos da casa.



Chuvas fora de época não eram um fenômeno raro em Odarin, e os criados costumavam abrigar-se somente o tempo necessário para voltarem aos seus afazeres. No entanto, os ventos fortes logo deixaram claro de que aquela não seria uma precipitação comum e, antes que pudessem se dar conta, foram obrigados a buscar proteção dentro do castelo antes que o pior acontecesse.

Mesmo diante da ausência da rainha, nenhum deles ousava transitar livremente pela larga morada, restando-lhes como alternativa apenas os fundos da construção para se resguardarem das rajadas impiedosas que açoitavam as árvores e as paredes do lado de fora.

Sentados no canto de um cômodo repleto de serventes, o jardineiro e o tratador de cavalos aguardavam pacientemente pela melhora do tempo, enquanto mantinham-se entretidos com seus próprios pensamentos. O rapaz não podia evitar de retornar às palavras de Sarah, proferidas horas antes e que o faziam conjecturar o que havia de tão importante para lhe dizer. Já o antigo servente ponderava o mesmo acontecimento, ainda que por uma razão distinta. A alguns metros de distância, pudera presenciar o encontro inesperado dos dois, estando ciente daquilo que a menina tencionava revelar. No entanto, não poderia permitir que uma das inconvenientes menções de Katherine chegasse aos ouvidos de Elliot.

Havia algo que Jacques vinha há muito ponderando, mas o receio de que suas palavras pudessem ser mal interpretadas pelo tratador impulsivo o fez adiar conversa por muitos meses. Estava certo de que abordar aquele assunto agora poderia preveni-lo de mais um duro golpe do destino. Sabia que era um rapaz forte e que nem sempre estaria por perto para protegê-lo das decepções inerentes à vida. Entretanto, enquanto estivesse presente, faria o possível para poupar-lhe de todo sofrimento que pudesse ser efetivamente evitado.

— Eu o vi nessa manhã conversando com a Sarah — proferiu em meio a um sussurro, de modo que o teor de sua conversa passasse despercebido pelos demais criados presentes. — Não acha que está enganando a si mesmo por tempo demais? Que está na hora de pôr um fim nisto?

— Não sei do que está falando — Elliot retrucou em meio a um muxoxo, não dando mais atenção às palavras de seu pai do que daria as asneiras de Marco. Além disso, não gostava de intromissões em seus assuntos pessoais, pois julgava que ninguém poderia compreendê-lo com propriedade. — As coisas estão bem do jeito que estão.

— Nada está bem como diz, e sabe disso. Ouso dizer-lhe que jamais será capaz de deixar esse envolvimento indevido para trás enquanto permanecer aqui.

O tom utilizado por Jacques foi mais severo e menos comedido que o habitual. Ouvir aquelas palavras foi como receber um forte tapa e, por um instante, o tratador de cavalos se sentiu tonto e desnorteado.

— Eu ouvi direito? — arguiu com o ar incrédulo, sem conseguir acreditar em seus próprios ouvidos. Via o jardineiro, mais que qualquer outra coisa, como uma figura de apoio e compreensão. Em que momento seu comportamento havia mudado, levando-o a uma medida extrema como aquela, ele não saberia precisar. — Está me expulsando de casa?

Mesmo para a personalidade complacente do jardineiro, foi impossível evitar um suspiro cansado na ocasião. “Seu período de convivência com Earnshaw não foi longo, mas ainda o suficiente para deixá-lo irascível como ele”, pensou enquanto buscava reorganizar as ideias.

— Sabe que eu jamais insinuaria algo assim. Você é zeloso e esforçado, assim como competente e trabalhador. Eu não poderia ter mais orgulho de você quanto a isso. — As palavras de reconhecimento foram responsáveis por desarmar o rapaz, que imediatamente mostrou-se atento ao que o mais velho tinha para lhe dizer. — Muitos anos atrás eu vivi uma situação semelhante e, indo contra a voz da razão, me mantive preso às amarras do passado e aceitei o fardo de carregar essa dor. Foi a escolha que fiz para mim, mas não é algo que deseje ao meu próprio filho.

Embora desconhecesse as minúcias por trás daquele relato, tinha certeza de que era verdadeiro. Durante anos ele havia acompanhado o olhar perdido e a expressão melancólica estampada no rosto do jardineiro, e tinha quase certeza que se comportava de maneira muito semelhante todas as vezes que seu caminho cruzava com o da jovem rainha, que um dia não fora nada mais que sua melhor companhia. Ele ainda a amava, mesmo que Sarah já não olhasse para ele como antes.

Talvez Jacques tivesse razão. A vida certamente deveria ter mais coisas a lhe oferecer do que migalhas de atenção e afeto. Era bem verdade que abrir mão de tudo aquilo que conhecia não era uma decisão fácil. No entanto, era algo a ser cogitado.

— Você se arrepende de ter permanecido aqui?

— Não — o jardineiro respondeu de imediato, sem qualquer traço de hesitação em sua fala ou postura. — Mas tive razões para ficar que você não possui. E é justamente por isso que deve partir.

O rapaz retornou ao seu estado de ponderação silenciosa. O servente mais velho não ousou importuná-lo ainda mais naquele momento. Sua semente havia sido plantada e, com alguma sorte, seus frutos surgiriam antes da próxima tempestade.



O reencontro da Edeline e Anya consistia numa cena digna de ópera, e ainda assim, Edgar não conseguia sentir-se contagiado pelo coletivo sentimento de plenitude que havia se instaurado ali. Parecia que não passava de um coadjuvante naquela trama, tendo um papel tão pequeno que poderia ser dispensado. “Eu não deveria ter vindo”, era tudo que sua consciência conseguia reproduzir. “Jamais estarei pronto para lidar com este assunto com serenidade”, pensou com um ar resoluto.

Oscar Lewinter era um homem de negócios, não sendo raras as vezes em que precisava ausentar-se de sua fazenda por vários dias seguidos. Nessas ocasiões, o jovem Avelar costumava fazer questão de mostrar-se presente, preenchendo os dias das duas damas que ali residiam. Costumava levar consigo qualquer coisa que pudesse alegrar a rotina pacífica daquela família. Para a mais jovem das Lewinter, em especial, colocava à disposição todo o seu amor e dedicação incondicionais.

Olhando através da janela, pôde perceber a nuvens escuras que horas antes pairavam sobre o céu de Odarin agora tomando conta do pôr do sol alaranjado de Hallbridge. Não estava em seus planos permanecer ali durante a noite, mas o tempo desfavorável aliado ao cansaço dos cavalos não lhe dava outra opção.

— Vou preparar a suíte do lado esquerdo para vocês, está bem? — Sua anfitriã cortou seus pensamentos com o questionamento, fazendo com que ele acenasse positivamente, sem prestar muita atenção à pergunta. — Não é deslumbrante como os quartos de seu castelo, mas certamente os manterão aquecidos durante a noite.

— Obrigado pela hospitalidade — ele respondeu de maneira polida, reconhecendo o esforço da senhora em tentar deixá-los confortáveis. — E mais uma vez, desculpe-nos por abusar de sua boa vontade.

— Abusar? — Edeline retorquiu de maneira incrédula, soltando uma risada alegre logo em seguida. — Se eu lhe servisse pelo resto dos meus dias, ainda não seria o suficiente para retribuir o que fizeram por mim.

Com um sorriso amável, ela se afastou do Duque no intuito de preparar-lhe um quarto para que pudessem passar a noite. No entanto, vê-la subindo em direção ao segundo piso da casa fez com que se sentisse um estranho no ninho novamente.

Poucos passos atrás de si, Anya caminhava pelos cômodos silenciosamente, ainda descrente de que realmente estava de volta ao seu lar. Depois do banho quente preparado por sua mãe, os fios de seu cabelo finalmente haviam retornado a cor original. Trajar um de seus antigos vestidos floridos dava-lhe a impressão de que nenhum dia havia passado desde a última vez que estivera ali. Os olhos curiosos da camponesa logo cruzaram com os do jovem Avelar, fazendo-a crispar os lábios e fechar o semblante.

— Já sabe o que fará a partir de agora? — Edgar questionou, rompendo com o silêncio do ambiente. Seu tom era sério, muito distante do ar de graça que costumava utilizar anos atrás.

— Por ora, não — ela respondeu de modo contido e indiferente. Era difícil imaginar que num outro momento de suas vidas fizeram votos de ficarem juntos para sempre. Agora, não passavam de estranhos que sequer suportavam encarar um ao outro. — Ainda tenho questões secundárias pendentes, e não seria capaz de decidir qualquer coisa antes de consultar minhas crianças.

A confissão resultou numa risada debochada da parte do Duque, que mal conseguia acreditar nas palavras que havia acabado de ouvir.

— Não hesitou nem um por um segundo em abandonar sua família e a mim, sem deixar qualquer explicação, mas logo se prontificou a cuidar de crianças que nem mesmo são suas.

— Não ouse proferir uma única palavra a respeito deles, pois fazem parte de minha família agora — Anya rebateu, com um ar feroz e ameaçador. — Pode não ser completa ou perfeita, mas ainda assim é minha, e não permitirei que ninguém se refira a eles como algo inferior. Quem pensa que é para falar com tanta superioridade? O que você tem, um casamento de mentira? Uma família de ambiciosos e sanguinários?

— Posso ver que você mudou muito — Edgar retrucou de imediato, não se incomodando em responder os quesitos formulados por sua antiga noiva. Aquele assunto já não lhe dizia respeito e, portanto, não havia porque partilhar seus pensamentos com ela.

— Parece que não fui a única.

— Ao menos tenho a certeza de que sou um homem melhor hoje do que um dia já fui. — Havia em sua fala um quê de orgulho ferido, mas não se tratava exclusivamente disso. Aquela conversa representava a última pá de terra fria sobre o sentimento que um dia havia unido os dois, e que as estranhas decisões do destino haviam se encarregado de separar. — E você, pode dizer o mesmo de si?

A camponesa permaneceu silente, encarando-o como uma fera acuada. O jovem Avelar não se preocupou em aguardar por uma resposta, afinal, já não havia mais nada a ser discutido entre eles. Se havia algo de bom a ser extraído daquela experiência, seria a libertação daquele fardo que carregara consigo por tantos anos.

Se sua família tivera hoje a confirmação de que ainda estava viva, para Edgar, a jovem poderia ser oficialmente dada como morta.



Apoiada na porta do cômodo que iriam ocupar pela noite, Sarah observava em silêncio o trabalho de Edeline em arrumar a cama e trocar os lençóis para que tivessem todo o conforto que a humilde morada poderia lhes oferecer.

— É muita gentileza sua nos receber com tanto empenho — ela mencionou de maneira graciosa, ainda que sua mente estivesse distante.

Agora que estava longe dos olhos de seu consorte, seu semblante exibia toda a tristeza que havia acumulado durante o dia. Estivera observando-o o dia inteiro e tinha certeza de que ele não permaneceria ao lado por muito mais tempo. “Mas quem poderia culpá-lo por isso?”, pensava com um ar de melancolia. “Mesmo em meus melhores momentos, não passo de uma criança histérica e despreparada. Existem ao menos duas dúzias de damas que poderiam lhe oferecer uma companhia melhor que a minha”.

— Imagine, é uma honra para mim poder servi-los, ainda que de maneira tão precária. — Edeline falava em meio aos sorrisos, sendo incapaz de conter sua própria euforia diante do milagre que lhe fora proporcionado naquela tarde. — Por acaso alguém já lhe disse o quão parecida é com a Katherine?

A fala inusitada foi responsável por despertar Sarah de seus próprios problemas, passando a encará-la com muito mais atenção do que antes. A mãe de Anya a fitava com um misterioso sorriso estampado em seu rosto, o que a fez piscar muitas vezes antes que finalmente pudesse formular um fala decente.

— Você conheceu a minha mãe? — questionou com incredulidade. Foram tantas revelações sobre ela nos últimos dias, que julgava que nada mais poderia surpreendê-la naquele momento.

— Mais do que pode imaginar — respondeu sua anfitriã em meio a uma risada baixa. Estava prestes a dizer-lhe algo, mas o som do trinco revelou a figura de Edgar, que acabava de adentrar no cômodo. — Vou deixá-los a sós agora. Podemos conversar amanhã. Descansem por ora, e não hesite em me chamar caso necessite de algo.

Depois de ensaiar uma piscadela confidente na direção da jovem rainha, Edeline retirou-se do quarto tal como prometera. O ambiente não era largo, ou mesmo requintado, tal como a própria moradora havia mencionado momentos antes, mas não deixava de ser aconchegante.

Sem proferir uma única palavra, o Duque caminhou até a extremidade oposta, debruçando-se sobre uma vasilha de água, onde lavava o rosto de maneira nervosa. Sarah cogitou uma aproximação, talvez até mesmo abraçá-lo, mas logo deixou tais pensamentos de lado, desviando sua trajetória e seguindo para a janela, onde sentou sobre o parapeito, pondo-se a observar o campo ao lado de fora. Esboçar qualquer daquelas reações apenas dificultaria a decisão de Edgar, algo que ela não tencionava fazer.

— O que pretende fazer agora? — Edgar questionou, enquanto enxugava o rosto com uma toalha, só então percebendo o ar inconsolável que havia se apossado do semblante de sua menina.

— Eu deveria estar fazendo essa pergunta, e não o contrário — Sarah respondeu com franqueza, em um tom de voz baixo, quase choroso. Havia um justo receio de que as coisas já não fossem mais como antes. Estava ali, ao alcance de suas mãos, a possibilidade de retomar sua vida ao lado da pessoa por quem sempre nutriu a maior devoção. Edgar tinha muito apreço por rotinas simples e se ele decidisse retomar seu relacionamento com Anya, buscando reaver o passado e consertar os erros de antes, que ela poderia fazer para impedi-lo? Não podia obrigá-lo a ficar ao seu lado, mesmo que não estivesse nenhum pouco preparada para mais uma despedida. — Finalmente conseguiu o que sempre quis. Não só encontrou Anya, como a trouxe de volta para sua família, cumprindo com sua promessa de anos atrás. Agora que sabem que tudo não passou de um enorme revés, percebo que ainda há tempo para que sejam felizes.

— Do que está falando? — ele retrucou com um ar incrédulo, demorando a perceber a mensagem oculta por trás daquelas palavras sôfregas. Lentamente, seus pés o levaram para perto da jovem rainha, só então percebendo o quão abatida ela aparentava estar. — Acredita mesmo que ainda existe alguma esperança para meu relacionamento com Anya?

Proferir o que pensava em voz alta seria ainda mais doloroso, e Sarah tentava a todo custo não exibir as lágrimas que acumulavam em seus olhos. Não almejava empregar uma chantagem emocional para fazê-lo ficar, apenas por pena de si. Por outro lado, era difícil conter a tristeza e a sensação de solidão que se alastrava por seu coração, e que estavam prestes a transbordar por seu semblante.

Incerta de como reagir às palavras de seu consorte, a menina não pôde evitar de se sentir ainda menor do que já era debaixo de seu olhar firme e ansioso por uma resposta. O silêncio se prolongou além do esperado, mas ela não conseguia pensar em nada para dizer que não a fizesse soar estúpida, de modo que se viu obrigada a encolher os ombros, em completo desalento.

— De fato, seria um deleite poder viver longe de toda a hipocrisia da nobreza, ou dormir sem ter de arcar com o peso de cada palavra dita ou decisão tomada ao longo do dia. É bem verdade que ainda não estou totalmente habituado ao clima de Odarin, e que a culinária não me agrada tanto quanto a daqui. Seria ótimo poder rever todos esses detalhes — pontuou com um ar pensativo enquanto sentava sobre o parapeito da janela, e percebeu que Sarah se encolheu ainda mais ao ouvir aquelas palavras. A cena quase lhe arrancou uma risada. Às vezes, era bastante conveniente que ela fosse uma pessoa tão transparente. — Mas eu jamais seria capaz de voltar a morar em Hallbridge, e esses pormenores não mudam o fato de que meu lugar agora é em Odarin. Não é um lar perfeito, mas ainda é o local onde me sinto mais confortável. Além disso, os anos não me ensinaram a cuidar de mim mesmo. Você, por outro lado, sabe fazê-lo com muita naturalidade.

— Edgar… — ela tentou iniciar, mas ele ergueu a mão, em um gesto que suplicava para que ele não o interrompesse.

— Pode soar estranho, mas gosto das coisas da maneira como estão agora. Apenas nós dois, um apoiando e cuidando do outro, enquanto trabalhamos para solucionar a infindável lista de problemas.

— Mas eu não quero procure por sua antiga noiva todas as vezes que olhar para mim, assim como não desejo que volte para Odarin apenas por pena. — Sarah irrompeu de repente, falando com rapidez e ferocidade enquanto limpando as lágrimas que escorriam teimosamente por seu rosto.  Não tinha certeza se seria capaz dar continuidade àquela jornada sem a presença de Edgar ao seu lado e, de igual modo, não podia suportar a ideia de vê-lo infeliz apenas para atender a uma expectativa infantil dela. — Chega de anular a si mesmo por minha causa, ou por julgar que tem a obrigação de permanecer ao meu lado! Você é um homem livre para ir e vir, e merece ser feliz mais que qualquer outro.

— Quem lhe disse que eu não sou? — ele questionou de modo retórico, com um meio sorriso estampado em seu rosto, deixando a jovem rainha atônita por um instante. Aquelas palavras lhe soavam tão irreais que simplesmente não pareciam ser verdade. — Anya não seria capaz de conviver com essa pessoa que me tornei, ao mesmo tempo que não me sinto pronto para perdoá-la por tudo que aconteceu. Essa história pode ter sido bonita, mas acabou há muitos anos, e eu fui o único que me recusei a reconhecer isso. Por outro lado, nossa história ainda não acabou, Sarah. Continuá-la só depende nós, e eu estou disposto a seguir em frente.

Edgar esboçou um gesto rápido para que a menina se aproximasse, ao que ela obedeceu prontamente. Arrastando-se sobre o parapeito, Sarah apoiou a cabeça contra o ombro de sua companhia, sendo prontamente recepcionada por uma carícia em suas bochechas. Tudo lhe parecia irreal e palpável ao mesmo tempo, deixando-a tão desnorteada que sequer conseguia dizer-lhe qualquer coisa em resposta.

— Eu não sei em que esteve pensando, mas não pretendo ir a lugar algum — mencionou enquanto limpava as lágrimas remanescentes em seu rosto ligeiramente avermelhado. — Mas saiba que continuarei lhe servindo, como Duque e seu consorte.

— Você não é apenas o Duque de Odarin — ela retrucou de imediato, enterrando ainda mais o rosto nas vestes de seu eterno companheiro. — Eu sou a rainha, e você é meu rei.

A declaração fora feita num tom baixo, mas que não deixava margens para dúvidas ou segundas interpretações. Edgar não pôde conter um sorriso largo, pois aquela era a primeira vez que a jovem se referia a ele daquela maneira. Além disso, vindo da pessoa em questão, sabia exatamente o peso e a importância daquelas palavras.

Os dedos do rapaz logo deslizaram das maçãs coradas até seu queixo, fazendo com que ela erguesse o rosto em sua direção. Curvando levemente cabeça para o lado, Edgar não encontrou obstáculos ao tentar alcançar os lábios da moça. O beijo se iniciou calmo, mas não se limitou àquele singelo toque. Os dedos pequeninos de Sarah desapareceram em meio as madeixas claras de seu consorte, num mimo destinado àquele que sempre estivera ao seu lado, lhe protegendo e amparando, ainda que por vezes ela mesma fosse incapaz de reconhecer aquilo.

O contato logo se tornou mais necessitado e partiu de Edgar a iniciativa de encerrar a carícia momentaneamente. Havia muito mais para ser explorado e o mero prospecto estava deixando-o ansioso como um garoto inexperiente. Os últimos meses foram demasiadamente conturbados, não restando tempo ou ânimo que pudessem dedicar a si mesmos. Ainda que se abstivesse de verbalizar aquele tipo de pensamento, não poderia negar o quão saudoso estava em relação aos toques afoitos e desinibidos de Sarah.

As unhas da menina roçando de maneira discreta em seu pescoço lhe causavam arrepios, afastando-o cada vez mais de sua razão. Havia um instinto primitivo ditando seus movimentos, e o mesmo poderia ser dito da jovem à sua frente, ainda que numa escala menos visível. Para uma pessoa tão autêntica, ela se mostrava bastante ponderada em situações como aquela. No entanto, o ar comportado logo seria enxotado para fora do quarto, e tudo que sabia era que não podiam continuar sentados ali por muito tempo.

— Espere, Sarah… — Edgar a chamou com a voz baixa e ligeiramente rouca, demonstrando o quão fora afetado pelos gestos simples e eficientes de sua companhia. Toda aquela habilidade o fazia se questionar se ela era realmente a mais nova dos dois. — Se quisermos chegar à cama, terá que andar por si só.

A informação, vinda sob a entonação de um lamento envergonhado, foi responsável por fazer com que ela esboçasse uma risada baixa e jocosa. Devido ao acidente nos estábulos de sua antiga residência, ele já não podia mais carregá-la em seus braços, tal como fizera em Newreen pouco depois de seu casamento.

A jovem rainha foi a primeira a descer do parapeito da janela, sorrindo de maneira convidativa para seu consorte enquanto o puxava por ambas as mãos. Poucos passos foram necessários para que atingissem a beirada da cama e o beijo foi retomado antes que qualquer deles decidisse deitar-se ali.

Uma discreta expressão de deleite surgia no rosto de Sarah todas as vezes que Edgar optava por explorar seu torso com as mãos espalmadas, ainda que o tecido de suas vestes a impedisse de sentir o calor emanado por ele. De igual modo, seus dedos inquietos logo se encarregaram de desabotoar seu colete e camisa, abrindo espaço para toques cada vez mais ousados.

As costas da menina foram recepcionadas pelo colchão, não tão macio quanto o de seu cômodo, mas que serviria igualmente bem ao seu propósito. Podia sentir o hálito quente do rapaz sobre o seu pescoço, enquanto distribuía mordiscadas leves na região. De olhos fechados, foi através do tato que ela pôde sentir a rigidez de sua pele debaixo do tecido branco. O peso do jovem Avelar sobre si era mais aprazível do que desconfortável, e se pudesse desejar algo naquele instante, seria que aquele momento ficasse gravado para sempre em sua memória.


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Notas finais do capítulo

Olá, meus amores!

Esse foi um capítulo particularmente desafiador e, como já devem estar acostumados, seu tamanho sinaliza a grande importância que ele tem dentro da obra. Algum palpite do que irá acontecer a partir daqui com os nossos adorados personagens? Mal posso esperar pelos comentários, dicas e sugestões!

Vale ressaltar que a cantiga "Pequena Flor Amarela" foi uma contribuição mais do que especial especial da Cecília Damasceno (Marilyn C), que se dispôs a me ajudar nessa cena diante da minha completa incapacidade de escrever poemas, hehe. Obrigada princesa, pois sem a sua ajuda, eu não teria conseguido transmitir toda a emoção que a cena pedia.

Espero que estejam gostando. Nos vemos em breve!



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