The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 17
Capítulo XVII - 18 de Dezembro de 1871


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, como vão vocês? Queria, antes de mais nada, agradecer a toda as pessoas que vêm acompanhando, comentando e favoritando "The Queen's Path". Essa semana ultrapassamos a marca de 2.000 visualizações! Nada disso seria possível sem vocês, que vem me dando todo o apoio do mundo. Deixo aqui o meu mais sincero 'muito obrigado'!

Semana passada não tivemos capítulo em função da minha semana de provas. Fiquei tão atordoada que até tentei escrever, mas não estava exatamente como eu gostaria e acabei postergando o capítulo.

Senhoras e Senhores, retornamos com a nossa programação normal. Sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura! :D



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Sentada junto à janela da sala de estar, Evangeline observava uns poucos flocos de neve flutuarem no ar antes de atingir o chão.  O silêncio era um velho conhecido e por vezes ela gostava de apreciar longos minutos de paz enquanto sua mente vagueava distante dali. A expressão austera se fazia presente, mesmo naqueles momentos, pois só assim ela teria alguma garantia de que seus instantes de reflexão não seriam interrompidos por companhias inconvenientes.

Não era sempre que a governanta tinha a oportunidade de aproveitar seu dia daquela maneira. Na realidade, desde o nascimento da princesa ela não se recordava de ter desfrutado um único dia de paz. A jovem estava sempre a aprontar algo e a senhora estava sempre a tentar impedi-la de realizar suas peripécias impensadas e inconsequentes. No entanto, as circunstâncias atuais eram outras e aquilo havia modificado sua rotina de uma maneira considerável.

A menina agitada cresceu e refinou seus modos ao longo do tempo. No fundo, seu ar infantil permanecia firme e forte, mas, diferentemente dos anos anteriores, agora a princesa era absolutamente dona de si.  Por vezes, ela era obrigada a engolir certos atos e discursos muito a contragosto, mas àquela altura ela já não ousaria mais em compartilhar suas apreensões com a jovem. Não fazia aquilo por raiva ou rancor, mas tão somente para preservar o que restava de uma relação tão fragilizada após anos de severidade e retaliações de sua parte.

Evangeline não tinha mais qualquer autoridade perante a jovem, não sendo sequer consultada antes da tomada de qualquer decisão. Aquelas atitudes lhe conferiam uma sensação de vazio  e de uma hora para a outra, a governanta já não via mais em que poderia ser útil àquela família. “Será que as minhas atribuições se encerram aqui?”, ela se questionava várias vezes durante o dia. Às vezes a governanta se perguntava se já não havia chegado sua hora de partir. No entanto, o simples lampejo de tal pensamento era cortado pela realização de que ela jamais seria capaz de abandonar o castelo, muito menos deixar para trás a promessa feita à sua amada milady.  “Eu tentei moldá-la a minha maneira, mesmo sabendo que a voz do sangue fala incrivelmente mais alto”, ela pensou em meio a uma risada sem humor.

— Desculpe-me incomodá-la, mas tenho um assunto que preciso tratar com você. — aquela fala calma e doce foi responsável por despertar Evangeline de seus devaneios. — Sarah está bem preocupada com você e tenho percebido que vocês estão bastante distantes. Aconteceu alguma coisa?

— Não diga tolices, Beatrice. — a governanta retrucou, irritada com aquelas alegações. — Sarah está muito bem sem mim e sequer repara em minha ausência. Se quiser saber de alguma coisa, pergunte diretamente, sem se esconder atrás de desculpas estapafúrdias.

A atual rainha de Odarin encolheu os ombros como uma criança, enquanto suas bochechas pálidas adquiriam um tom levemente rubro, envergonhada da pequena mentira que havia acabado de empregar. Ela não contava que a mais velha fosse perceber a verdade por trás de suas palavras, muito menos que iria ralhar consigo de modo tão aberto. A verdade é que a própria Beatrice encontrava-se bastante preocupada com ela. A princesa e a governanta, que antigamente não se desgrudavam por nenhum momento, agora pareciam tão distantes quanto desconhecidas. Aquela situação muito lhe incomodava e algo definitivamente não estava certo.

— Tudo bem, eu admito, você me pegou. — a moça reconheceu enquanto sentava-se ao lado da governanta, numa poltrona próxima à lareira acesa. — Mas isso não muda o fato de que estou achando essa situação bastante incomum. Diga-me o que foi que aconteceu e quem sabe eu não possa lhes ajudar.

— Não deve se preocupar com isso, Beatrice. — Evangeline respondeu de maneira mansa, acalmando os ânimos ao perceber a intenção pacificadora de sua nova senhora. — Foi apenas uma realização que me atingiu esses dias. Sarah cresceu muito e devo admitir que amadureceu bastante ao longo desses anos. Já não precisa mais de mim como antigamente.

— Acha que ela não precisa mais de você, é isso? — a rainha respondeu com um sorriso atencioso enquanto inclinava-se em direção a sua companhia. — Ora, quem está a dizer tolices agora? Ninguém jamais será capaz de cuidar dela como você o faz. É uma sorte que Sarah tenha alguém tão dedicada por perto.

— Agradeço pelo reconhecimento, mas é preciso encarar os fatos. — a mais velha retrucou com um suspiro cansado. — Não bastasse isso, com essas mudanças todas ela está ficando bastante parecida com a milady Katherine e isso tem me preocupado ultimamente.

— Não compreendo, por que isso haveria de ser motivo para preocupação? Digo, nada mais natural do que uma filha vir a se assemelhar com a mãe, não concorda? Além do mais, ouvi dizer que a  Rainha Katherine era detentora de uma personalidade bastante peculiar e cativante. — Beatrice respondeu no intuito de apaziguar as preocupações da governanta, nem que fosse ao menos um pouco. — Inclusive, eu gostaria de tê-la conhecido, certamente deveria ser uma figura muito instigante. Por que não me fala mais sobre ela?

— Deuses, está parecendo a Sarah quando ainda era uma criança! As pessoas dessa família têm o péssimo hábito de me sondar a respeito dos modos de Katherine. — ela proferiu de modo exaltado novamente. — Direi a você o mesmo que costumava dizer à princesa: ela era diferente. De tudo e de todos que estavam ao seu redor. Seus pensamentos deveriam estar ao menos um século além do nosso e ela não se submetia a nada que não quisesse.

— É verdade isso que me conta? Eu não consigo imaginar como é possível não se submeter a determinadas coisas. Existem sempre tantos fatores envolvidos...

Milady fazia o impossível ser perfeitamente possível. — Evangeline respondeu com certo orgulho de sua antiga senhora. — Recordo-me de uma noite específica, alguns anos antes de Sarah nascer. O rei procurou-lhe com intenções bastante explícitas, como você pode imaginar. Katherine lhe proferiu um simples ‘não’, como se aquilo fosse suficiente para transmitir sua discordância com a proposta indecente. Henrique obviamente não se deu por satisfeito com a negativa e como retaliação por sua insistência ela quebrou uma cadeira em suas costas, nocauteando-o com um único golpe.

— Não posso acreditar nisso! — Beatrice levou ambas as mãos ao rosto, tentando ocultar sua surpresa ao ouvir aquela narrativa. Ela não sabia se deveria sentir-se maravilhada ou horrorizada com o relato. — E então, o que houve depois?

— Depois de perceber a loucura que havia acabado de cometer, veio correndo ao meu quarto, absolutamente em pânico. 'Depressa, Evangeline, acho que acabei de matar Henrique. Foi inteiramente culpa dele, é claro, mas ainda assim eu não esperava chegar a tanto. Vamos, levante-se, precisa ir lá verificar se ele continua respirando’. — a governanta respondeu em meio a uma risada saudosa, recordando-se daquele momento como se o mesmo tivesse acontecido há poucos dias. — Corri até seus aposentos imediatamente. Você precisava ver o caos. Uma cadeira despedaçada de um lado e o corpo caído de meu senhor ao chão. Eu tremia tanto, tinha muito medo de ser a primeira a constatar que minha senhora havia cometido um crime desses. Não gostaria de imaginar o que poderia acontecer a nós duas depois daquilo.

— Mas então, ele estava bem ou não?

— Estava apenas desmaiado. Logo que a informei sobre sua condição, ela retornou ao ar de descaso natural. ‘Quer dizer que eu me preocupei a troco de nada? Que desperdício, achei que tivesse me livrado dele’. O pânico havia desaparecido completamente, junto de qualquer preocupação com as consequências daquele ato.

— E você não disse nada a ela? — a rainha questionou, uma vez que já havia se habituado a ter a governanta contestando as ações da princesa a todo momento.

— E você acha que Katherine escutava alguém? Apenas lhe perguntei o que eu deveria fazer e ela disse: ‘Nada, oras. Deixe-o aí, acordará quando tiver fome e sede’. Ela saiu do quarto sem proferir mais nenhuma palavra, tive ainda que correr para perguntar-lhe aonde ia. Ela respondeu: ‘Dormir, é claro. Essa situação foi demasiadamente estressante e eu não vou conseguir dormir com o corpo daquele homem jogado no meio do quarto. Além do mais, eu não quero ser obrigada a destruir mais uma cadeira caso ele surja propondo asneiras novamente’, com muita simplicidade. — a governanta mencionou em meio a uma risada alegre, revivendo a cena em seus pensamentos.

— Você tinha razão, Evangeline. Ela era realmente uma figura única. — Beatrice respondeu ao compartilhar a risada de sua companhia. — E ainda fala dela com muito carinho, certamente foi alguém importante.

— O dia em que ela faleceu foi o pior de toda a minha vida. — ela mencionou em meio a um suspiro, sentido o peito apertar-se de imediato. Mesmo depois de tantos anos, ainda era muito difícil falar naquele assunto. — Irei preparar um chá, por que não me acompanha?

A nova senhora daquele castelo sorriu com o convite, sentindo-se intimamente feliz de poder contar com a companhia da antiga governanta. Quando veio para Odarin, ela esperava compartilhar vários momentos com a irmã de seu consorte, que mais parecia sua própria. No entanto, Sarah aparecia tão somente durante as refeições e sempre desaparecia sabiam os Deuses para onde logo em seguida. Beatrice adorava a companhia da princesa e a recíproca era verdadeira. No entanto, havia outra companhia a quem a jovem priorizava em detrimento de todas as outras.



Enquanto caminhava distraidamente aos fundos de sua casa, Sarah se recordava como seus dias naquele castelo costumavam se arrastar lentamente quando ela não passava de uma criança agitada. No entanto, atualmente lhe parecia que as horas corriam mais rápido do que ela gostaria de admitir. Os momentos que ela gostaria que durassem para sempre acabavam esvaindo-se por entre seus dedos sem que nada pudesse ser feito a respeito. Tudo aquilo contribuía para operar uma mudança significativa em sua maneira de enxergar o mundo.

A princesa gastava boa parte seu tempo livre junto a um certo tratador de cavalos e ainda assim não parecia o suficiente. Ambos desfrutavam daquele relacionamento há quase seis meses e ultimamente havia a sensação de que as coisas pareciam um tanto estagnadas. A princípio, o reencontro inesperado foi levemente desconfortável, o que não impediu que a distância vivenciada por eles tenha sido rapidamente superada, dando lugar a uma intimidade incomum para a época. Não havia maiores queixas acerca daquela relação, a não ser a necessidade de manter tudo aquilo além dos olhos de sua família. Esse ponto era a origem de boa parte dos aborrecimentos da jovem.

Allen está cheio de problemas para resolver e não quero importuná-lo com as minhas questões pessoais no momento. Ainda assim, não é algo que eu possa esconder para sempre”, ela pensava enquanto deixava que seus pés lhe guiassem inconscientemente a qualquer lugar que fosse. Ela não olhava para frente, mas sim para os ladrilhos de pedra que enfeitavam o jardim, formando um caminho longo até os demais anexos de sua morada. “Tenho certeza que a notícia irá causar um certo rebuliço num primeiro momento, principalmente em Evangeline. Mas Allen é uma pessoa gentil, estou certa de que ele me apoiará no final das contas”.

No fundo, ela sabia que a realidade seria um tanto mais complexa e cheia de percalços, mas já haviam sido tantos os problemas enfrentados desde seu retorno à Odarin que um a mais certamente não faria diferença. Ela poderia enfrentar aquilo sem problemas. Ou ao menos era como pensava.

Quando finalmente ergueu os olhos do estreito caminho de pedra, Sarah se deu conta de que seus pés lhe levaram ao seu local favorito: os estábulos. Foram tantas coisas vivenciadas dentro daquelas paredes de madeira avermelhadas que seria impossível não nutrir um carinho mais do que especial por aquele local. Em meio a um sorriso nostálgico, ela recordou-se de alguns daqueles momentos. As conversas infantis, os desabafos com os cavalos, o dia da fuga, sua reconciliação com Elliot, os beijos apaixonados que foram trocados ali desde então. As maçãs de seu rosto tornaram-se levemente avermelhadas, em parte pelo vento gélido do inverno, em parte pelas lembranças mais recentes. Estar dentro dos braços do tratador era como estar em um asilo inviolável. Era quente e era seguro, não havendo qualquer outro lugar onde ela preferisse estar.

A jovem despertou de suas calorosas recordações por uma rajada de vento mais forte e fria que as demais, capaz de arrancar o capuz revestido de pêlos que ela utilizava para proteger-se da baixa temperatura. “É melhor eu me abrigar antes que pegue um resfriado”, ela pensou enquanto puxava o capuz de volta para o rosto, esgueirando-se para dentro da área reservada aos cavalos. O local estava escuro em razão do tempo fechado e era iluminado por duas lâmpadas de óleo já que a luz do dia tornava-se insuficiente nos meses de inverno. A maioria dos animais do local encontrava-se adormecido, alguns esparramados sobre o feno de sua baia enquanto outros se encolhiam sobre as patas no intuito de aquecer-se. Poucos mantinham-se de pé, alertas a qualquer som. Pipo e Petruchio encaixavam-se nesta última categoria e enquanto o primeiro degustava de sua mistura, o segundo tinha os olhos fixos nos fundos do estábulo, em um local onde a luz das lamparinas não era capaz de alcançar.

— O que foi, amiguinho? O que tem ali que você tanto observa? — Sarah questionou enquanto deslizava os dedos de modo delicado sobre seu focinho. Em resposta, o cavalo soltou ar de suas narinas de modo nervoso, chegando a bater os cacos no chão em protesto. — O que quer que seja, estou vendo que te deixou bem incomodado.

Curiosa por natureza, a jovem não pôde deixar de ouvir o apelo do equino. Afastando-se das baias, ela caminhou em direção aos fundos dos estábulos, tomando em mãos uma das lamparinas  para iluminar o caminho. Quando já estava bem próximo ao local onde Petruchio mantinha o olhar fixo, ela vislumbrou a silhueta de um homem sentado ao chão, com a parte superior do corpo apoiada sobre um dos muitos blocos de fenos que estavam espalhados ao longo do largo corredor.

— Elliot, o que está fazendo jogado dessa maneira? — Sarah questionou enquanto prendia a lamparina junto a um dos ganchos próprios para tal. Ele não havia esboçado a menor reação diante de sua pergunta e ela logo ajoelhou-se ao seu lado, tentando compreender o que se passava. — Você está me ouvindo? Elliot!

Os gritos agoniados da princesa acabaram por despertar o rapaz, o que não amenizou nenhum pouco seu desespero. A despeito do frio que estava fazendo, seu rosto estava bastante suado e havia perceptíveis círculos negros ao redor de seus olhos, como se fizesse muito tempo desde sua última boa noite de sono. Mesmo abrindo os olhos de modo forçoso, o tratador parecia ter dificuldades de enxergar a pessoa à sua frente. Foi necessário piscar muitas vezes antes que pudesse esboçar qualquer sinal de reconhecimento.

— Você não deveria estar aqui. — ele mencionou com a voz arrastada e baixa. Falar parecia muito difícil naquele momento e concatenar os pensamentos mais ainda. Ele logo abaixou a cabeça novamente, enterrando o rosto sobre o feno. — Volte para perto da sua lareira.

— Do que é que você está falando? — Sarah questionou enquanto levava a mão até o rosto do tratador, no intuito de fazê-lo erguer a cabeça dali. Só então ela percebeu como o rosto dele estava quente. Demasiadamente quente. — Elliot, você está queimando de febre. Levante-se já desse chão gelado, imediatamente!

Ela puxou-o pelo braço até que o rapaz finalmente resolvesse se erguer de onde estava, o que não durou muito tempo. Estava tão fraco que as próprias pernas não eram capazes de sustentá-lo em pé. Logo que seu corpo vacilou, a princesa tentou servir de apoio, apenas para constatar que ele era incrivelmente pesado para ela. “Eu preciso levá-lo para casa imediatamente, mas jamais conseguirei se tivermos de ir andando, a vila fica muito longe e ele mal consegue manter-se de pé”, ela ponderou enquanto um turbilhão de coisas passavam por sua mente. Não tardou para que lhe viesse uma ideia ousada e não restava outra opção senão rezar para que aquilo desse certo.

Sarah instruiu-o a repousar sobre o feno e não houve protesto para aquela ordem. Rapidamente, ela retornou até a baia de Petruchio, que parecia ainda mais agitado do que antes. Agora era compreensível a revolta do animal e, por um instante, ela admirou ainda mais aquela espécie encantadora. Abrindo a porteira, a jovem passou alguns minutos tentando acalmar o cavalo, para que pudesse chegar até a sela que se encontrava aos fundos de sua baia.

— Vamos, amiguinho, estou contando com a sua colaboração. — ela mencionou de maneira nervosa e como se compreendesse a dimensão daquelas palavras, o equino concedeu-lhe passagem para o interior de seu compartimento.

Ela apanhou a manta vermelha para cobrir-lhe o torso, posicionou o cabresto e as rédeas em seus devidos lugares (ou ao menos onde ela imaginava que eles ficassem). A sela em si lhe deu mais trabalho que os demais componentes. Petruchio era um cavalo bastante alto e erguer todo o peso da sela de couro acima de sua cabeça era um tanto difícil para alguém que não estava habituada a realizar qualquer trabalho manual. Seus braços se sentiam cansados somente de escovar os cabelos e ela não gostaria de imaginar a dor que sentiria no dia seguinte. Após algumas tentativas, a sela foi praticamente jogada sobre o torso do cavalo, que soltou um relincho alto pela falta de delicadeza da jovem.

— Perdoe-me por isso, Petruchio, sei que estou sendo péssima com você, mas trata-se de uma emergência. — ela desculpou-se enquanto amarrava as fivelas debaixo da barriga do animal. — Faz uma vida desde que Earnshaw me ensinou a selar um cavalo, eu só espero que esteja tudo em seu devido lugar.

Olhando para ele, tudo parecia estar onde sua memória indicava que deveria. Segurando-o pelas rédeas, ela o guiou para fora de sua baia, tratando de buscar Elliot logo em seguida. O rapaz estava desfalecido, no mesmo canto em que ela havia deixado-o e ao se aproximar Sarah precisou desferir leves tapinhas em seu rosto para que ele acordasse novamente. O tratador abriu os olhos com pesar, tentando processar o que acontecia em seu redor.

— Vamos, levante, eu vou levá-lo para casa. Você não pode ficar jogado nesse chão frio, vai ficar ainda pior. — ela afirmou enquanto tentava erguê-lo com sua própria força, o que era praticamente impossível. Mesmo sem compreender por quê ele deveria se levantar, o rapaz fez um esforço para manter-se de pé, permanecendo apoiado sobre a princesa durante todo o tempo. — Você acha que consegue montar no Petruchio?

— Para montar ele precisa estar selado primeiro. — ele respondeu de modo confuso, ainda lutando para abrir os olhos.

— E ele está selado, seu estúpido! — ela respondeu de modo áspero, tão nervosa com a situação que sequer conseguia manter seu nervosismo sob controle. — Eu lhe carregaria até lá se você não pesasse uma tonelada, então faça o favor de ao menos abrir os olhos.

Segurando na beirada da sela, Elliot precisou respirar fundo ao menos três vezes antes de conseguir reunir forças o suficiente para dar o impulso necessário para subir na sela. Sem perder tempo, a princesa montou logo em seguida, rezando internamente para que o rapaz fosse capaz ao menos de manter-se equilibrado o suficiente para não cair. Ela sabia que naquelas condições ele jamais conseguiria guiar o cavalo até o vilarejo dos serventes. “Eu só espero me recordar do caminho”, ela pensou com certa preocupação, enquanto comprimia os pés sobre a barriga de Petruchio, que trotou com rapidez para fora dos estábulos.



Fazia aproximadamente uma hora desde que eles haviam chegado à casa de Jacques. O imóvel estava fechado, pois o jardineiro tinha se dirigido até a cidade para adquirir uma porção de itens necessários para passar o inverno. Àquela altura, Elliot estava deitado em sua cama (seu pai fizera questão de deixar claro que sempre haveria um espaço para ele na vila), com o braço sobre os olhos, ainda sentindo os efeitos da febre alta. Sua mente estava enevoada e ele não conseguia pensar com a clareza que gostaria. O ambiente estava escuro, iluminado tão somente por uma lamparina a óleo pendurada sobre a cabeceira. Ele afastou o braço um centímetro apenas, ao perceber que Sarah depositava seu capuz longo e felpudo sobre ele.

— Não… — ele tentou protestar, mas sua voz não passava de um fio rouco. — Você vai ficar com frio.

— Não seja bobo, olhe para o seu estado! — ela o repreendeu com veemência, sentindo-se muito parecida com Evangeline naquele momento. A constatação fez com que ela suavizasse a voz e tentasse amenizar suas preocupações. — Existem pelo menos quatro camadas de roupa debaixo deste vestido, eu ficarei bem.

Com aquilo, o rapaz voltou a se encostar em sua cama, permitindo-se relaxar por uns momentos. O corpo estava pesado e ele se sentia sujo em razão do suor causado pela febre. Tornando o rosto para o lado esquerdo, ele percebeu a figura da princesa ajoelhada junto a lareira a riscar um fósforo atrás do outro sem conseguir acender uma única faísca duradoura.

— Precisa deitar o fósforo por alguns segundos para que a madeira comece a queimar antes de jogá-lo dentro da lareira. — ele informou com certa dificuldade.

— Calado, eu sei me virar sozinha. — ela respondeu com rispidez, mais irritada consigo mesma que com ele. Era terrível estar diante da realidade nua e crua daquela maneira. Tantos anos de aulas e tantas horas de estudo desperdiçadas ao longo de sua vida. Nada daquilo que ela aprendeu nos livros era útil numa situação daquelas e por um momento perdurou dentro de si o sentimento de inutilidade.

Elliot apenas observava em silêncio os esforços da garota. Apesar da reprimenda, ela acatou seu conselho e minutos depois ele vislumbrou a lareira acender-se de modo tímido, mas bem vivo. Seu corpo todo pesava e seus olhos pareciam se fechar contra a sua vontade. Ele percebeu o momento em que ela se levantou e saiu do quarto, indo para algum local que ele desconhecia. “Por que ela se esforça tanto?”, foi tudo que conseguiu pensar antes de adormecer novamente.

Vasculhando o restante da casa, Sarah chegou à conclusão de que era impossível viver em um local daqueles. O imóvel não passava de dois quartos e uma sala. Não havia cozinha ou despensa, closet, biblioteca nem nada do gênero. Tudo era pequeno e simples. Já não fosse o suficiente, o ambiente carecia de qualquer isolamento térmico. Logo que eles entraram, a jovem não viu muita diferença a não ser pela ausência do vento. As paredes estavam absolutamente geladas e a cama do rapaz não contava com grossos cobertores que pudessem ao menos amenizar o frio.

— Como é possível que alguém viva nessas condições? — ela se questionou em voz alta enquanto procurava qualquer coisa que pudesse ser útil ao rapaz enfermo. Depois de muito vasculhar, acabou encontrando uma chaleira. “Água quente haverá de servir para alguma coisa”, ela pensou enquanto procurava algum recipiente com água para ferver.

Após finalmente conseguir sua tão esperada chaleira de água quente, ela retornou ao quarto, encontrando o tratador tão adormecido quanto antes. Revistando o cômodo com os olhos, ela não encontrou nenhum lenço ou cachecol que pudesse usar, não lhe restando outra opção senão utilizar o seu próprio.

Mais uma vez ajoelhada no chão, Sarah sacou o cachecol escuro que usava, mergulhou uma parte do tecido dentro da água e retirou o excesso, usando o acessório para limpar o rosto do rapaz diante de si. Os toques insistentes em seu rosto fizeram com que acordasse novamente. Sua primeira visão foi a expressão endurecida da princesa.

— Desculpe estar lhe dando tanto trabalho. — ele comentou com a voz falha.

— Não estou chateada porque você está me dando trabalho, estou chateada porque estou preocupada. — ela esclareceu sem parar o que fazia. Naquele exato instante ela se deu conta de como vinha sendo injusta com sua governanta. Seu ar usualmente irritado não passava de um modo de mascarar suas preocupações. — Há quanto tempo faz que você está doente? E não me diga que amanheceu assim, pois sei que estará mentindo.

— Três dias… — o tratador respondeu após alguns segundos de silêncio. Àquela altura não adiantava nada tentar esconder as coisas dela.

— Três dias?! Você está doente há três dias e mesmo assim vem trabalhando como se nada tivesse acontecido? — Sarah mal conseguia crer naquilo que havia acabado de escutar. Ao menor sinal de fraqueza, Evangeline lhe trancava no quarto e montava sentinela na porta para que a jovem repousasse, mesmo que contra sua vontade. — Elliot, você perdeu o juízo?

— É apenas um resfriado. — ele comentou de modo aborrecido enquanto tornava o rosto para o lado oposto. Já estava um tanto velho para sermões daquele gênero e a fala da princesa o fazia se sentir como uma criança teimosa, algo que ele definitivamente não era. — Alguém precisava cuidar dos cavalos.

— Inacreditável. Você é simplesmente inacreditável. — foi tudo que a jovem conseguiu pensar para expressar sua indignação com aquela atitude inconsequente. — Escute, trate de repousar o restante do dia, amanhã eu chamarei um médico para examinar você.

— Eu não quero que você faça isso! — Elliot proferiu de modo exasperado, em um tom mais alto do que o estado atual de sua garganta poderia suportar. O excesso ocasionou um acesso de tosse, que serviu apenas para agravar a expressão de preocupação no rosto da princesa. — Não precisa chamar ninguém, eu ficarei bem.

— Será que é tão terrível assim para você me deixar ajudá-lo? Esqueceu quem o trouxe até aqui? — ela questionou de maneira irritada, sem conseguir acreditar no nível de teimosia que estava tendo de enfrentar. “E se não melhorar? E se acontecer com você o mesmo que aconteceu com o Earnshaw? Eu não quero perder mais ninguém!”, era tudo que ela conseguia pensar, embora não ousasse mencionar tais coisas em voz alta.

— A questão não é essa. — ele respondeu enquanto balançava a cabeça negativamente. Sua voz dava sinais de que não iria durar muito tempo se ele continuasse a forçar a fala, de modo que ele tencionava encerrar aquela discussão o quanto antes. — Eu não quero pensar que estou me aproveitando de você para receber qualquer vantagem.

— Eu jamais pensaria isso de você. — Sarah disse em um sussurro, incrédula quanto à dimensão dos pensamentos do rapaz.

— Mas eu pensaria isso de mim mesmo. — Elliot confessou, voltando a encará-la nos olhos. Não havia muito mais que ele pudesse dizer, de modo que tentou transmitir seus sentimentos através de um olhar carregado. — Então, por favor, nada de médicos, está bem?

Mesmo sem concordar com aquela decisão, não restava outra opção à jovem senão acatar aquele pedido. Ela seria obrigada a quebrar o acordo se percebesse que ele não estivesse melhorando, mas não tinha nenhuma necessidade em revelar aquele detalhe. Comprimindo os lábios enquanto erguia-se do chão, ela tomou a chaleira em mãos, tencionando retirar-se do quarto. Antes que pudesse se afastar, ela parou ao perceber uma mão fraca que segurava a saia de seu vestido. As mãos sempre tão fortes do tratador de cavalos agora estavam dormentes e fracas, mas ainda assim conseguiram capturar um pedaço de tecido antes que ela se afastasse demais.

— Você vai embora? — ele questionou, não lhe restando mais que um fio de voz.

— Eu não vou a lugar algum, seu bobo. Ficarei aqui ao seu lado até que esteja se sentindo melhor. — ela mencionou de modo amável, abaixando-se tão somente para depositar um beijo rápido na testa úmida de Elliot. — Irei apenas guardar esta chaleira e então voltarei para cá. Você não está sozinho, então pare de agir como se estivesse.

A última frase arrancou um tímido sorriso por parte do rapaz, que observou enquanto ela se retirava se quarto, voltando segundos depois conforme o prometido. Sarah aproveitou sua ida até a sala para trazer consigo uma cadeira. Depositando-a ao lado da cama, ela se inclinou em direção ao tratador e passou a desenhar círculos imaginários em sua bochecha e testa com a ponta dos dedos. A carícia leve foi responsável por conduzi-lo a um sono calmo e tranquilo, como ele não tinha havia diversos dias.

— Fique bom logo. — ela disse sabendo que não obteria nenhuma resposta. Não importava muito, uma vez que a fala era direcionada a si mesma. — Assim que o inverno acabar, eu contarei sobre nós dois a minha família. E então finalmente poderemos ficar juntos, sem restrições.

Os votos eram acompanhados de uma fé inabalável. A princesa depositava todas as suas forças naquele desejo e em sua mente infantil não havia obstáculos que fossem capazes de impedi-la de concretizar aquela meta. No entanto, ela desconhecia o fato de que o inverno não era a única coisa cheia de rigor e sem escrúpulos de Odarin.

Era impossível prever que sua família tinha planos muito distintos de tudo aquilo que ela vinha planejando.


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