The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 18
Capítulo XVIII - 04 de Janeiro de 1872




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/739237/chapter/18

Àquela época do ano o reino de Odarin costumava ficar coberto do mais puro tom de branco, como um véu pálido elegantemente repousado sobre as casas e estradas. Em 1872, as coisas não poderiam ser diferentes e o castelo da família real parecia estar decorado com estalactites de gelo e neve acumulada de modo linear sobre os telhados.

— Se eu soubesse que você viria apenas para furtar os livros de nossa biblioteca, jamais teria lhe convidado. — Sarah respondeu de modo irritado, enquanto observava sua companhia entretida com os livros de uma determinada estante. — Sabe, eu chamei você aqui porque estou entediada e preciso de alguém para me entreter, caso não tenha ficado suficientemente claro ainda.

— Neste caso você precisa de um cachorro, não de uma pessoa. — Phillip respondeu sem sequer lhe dirigir um olhar de relance. Seus olhos permaneciam fixos no volume em sua mão. Era demasiadamente raro! — Sabia que foram confeccionados apenas vinte e cinco exemplares desse livro? Eu nem acredito que estou tocando numa preciosidade dessas!

A princesa limitou-se a revirar os olhos, por mais que soubesse o quão deselegante o ato era. Ela se questionava onde estava com a cabeça quando resolveu chamar o caçula da Família Chevalier para fazer-lhe companhia durante o dia. Bastou o tratador de cavalos recuperar-se de sua doença para aceitar o trabalho de um mercador na cidade, ficando encarregado de enviar uma carga de peles de ovelha até a fronteira de Odarin com Greenwall, onde um correspondente o encontraria para receber os produtos. “É assim que ele me agradece por tomar conta dele”, ela pensou enquanto afundava ainda mais em sua poltrona, enrijecendo um pouco mais sua expressão, se é que aquilo era possível.

— Escute, posso pegar estes dois emprestados? Eu os procuro há anos, mas nunca encontrei ninguém que estivesse disposto a vendê-los. — o rapaz a sua frente questionou com uma expressão genuína de felicidade. Era como ver uma criança brincando num parque e a jovem se questionava como um livro velho e empoeirado era mais interessante do que sua companhia.

— Fique à vontade. Ninguém aqui lê essas velharias mesmo, certamente não sentirão falta de alguns deles. — ela respondeu enquanto balançava uma das mãos no ar, evidenciando seu descaso. — Você passa o dia inteiro lendo, de verdade?

— Mas é claro! Que mais você espera que eu faça? Martin e Julian são tão espertos quanto um par de fechaduras, mas certamente podem dar conta dos negócios da família. — ele respondeu em meio a uma risadinha, ao imaginar os rostos de seus irmãos como duas fechaduras falantes.

— Você não se sente mal em parasitar a  sua família dessa maneira?

— Você não se sente mal em parasitar seu país dessa maneira? — ele rebateu de imediato, erguendo uma das sobrancelhas de maneira sugestiva, em uma clara demonstração de que já cantava vitória da discussão com aquele argumento.

— Como ousa! Pois fique sabendo que eu não parasito ninguém, ouviu bem? — ela exclamou enquanto atirava furiosamente uma das almofadas de sua poltrona em direção ao rapaz.

— É claro que não, que audácia a minha alegar tal coisa. — Phillip respondeu com a voz carregada de ironia. A melhor parte em poder conversar com a princesa é saber que ela jamais ganharia dele em uma discussão verbal. — Estou certo de que você tem sido bastante produtiva para o reino nos últimos meses. Seus súditos devem estar bastante orgulhosos, inclusive.

A réplica desaforada fora suficiente para ensejar um novo ataque com os estofados da poltrona. Sarah cessou fogo somente quando não havia mais nada ao alcance de suas mãos que pudesse ser lançado em direção ao filho do Barão Chevalier.

— Você é absolutamente insuportável! — ela exclamou, visivelmente revoltada com aquelas imputações todas. — Fique aí com esses livros empoeirados, já que é isso que quer. Eu não perderei mais um segundo trancada dentro desta biblioteca velha com esses livros estúpidos e sem valor.

Dito aquilo, a jovem praticamente saltou de seu assento, caminhando com rapidez em direção à porta de saída. O distinto rapaz não teve outra opção senão rir da reação infantil e dramática de sua companhia, seguindo-a para fora do cômodo de imediato. Não sem antes separar os livros que traria consigo, é claro.

— Vamos, não seja tão intolerante. Eu já peguei aquilo que queria, estou inteiramente à sua disposição agora. — ele mencionou, enquanto apressava o passo para alcançá-la. Para alguém tão pequena e que levava muitas camadas de tecido pesado debaixo do vestido, a princesa andava demasiadamente rápido. — O que deseja fazer?

— Quero ir até a cidade. Talvez haja algo interessante para se fazer por lá. — ela respondeu sem tornar o rosto para trás, já descendo as escadas até o Hall Principal.

— Não, a cidade não. — Phillip lamentou em meio a um suspiro. — Nesta época do ano não há absolutamente nada para se ver, a não ser muita miséria.

— Que quer dizer com isso? — Sarah questionou, parando de caminhar subitamente enquanto encarava o rapaz com seriedade.

— Ora, Sarah, o óbvio apenas. No verão, a cidade fica cheia de transeuntes e a situação acabando passando despercebida, mas no inverno tudo que se pode encontrar nas ruas são dezenas de pedintes soterrados debaixo da neve. — ele respondeu com simplicidade, tratando a situação de modo bastante natural.

— Pedintes debaixo das neves? Não é possível! O que eles estariam fazendo lá?

Phillip ergueu uma das sobrancelhas, incrédulo acerca das palavras que acabara de ouvir. Era certo que a menina havia passado muitos anos longe de sua terra natal, mas, apesar disso, era impossível estar alheia às condições atuais de Odarin. Muito dinheiro concentrado e pouco trabalho disponível. O resultado desta combinação não haveria como ser outro senão a miséria generalizada. Não bastassem esses fatores, o inverno rigoroso diminui ainda mais a demanda de serviços e a cidade empestava-se de mendicantes. Para os nobres que ali habitavam, a primavera era sinônimo de renovação. Era a estação em que as flores desabrochavam e os miseráveis que morreram congelados eram finalmente retirados das ruas e jogados em uma vala rasa qualquer, liberando espaço para que os ricos fossem ao comércio gastar suas preciosas moedas de ouro.

O silêncio imperou por uns instantes entre eles. O nobre Chevalier não sabia ao certo como formular uma resposta para a compreensão ingênua da jovem a sua frente. A falta de resposta acabou por encarregar-se desse trabalho. A realização da realidade atingiu a princesa em cheio e sua reação foi imediata. Ela agarrou com brusquidão a manga do sobretudo do rapaz, praticamente arrastando-o em direção ao pátio, onde uma carruagem o aguardava.

— Não se preocupe, eu darei um jeito nisso. — foi tudo que ela mencionou ao cruzar os largos portões de madeira que demarcavam a entrada do castelo. — Mas vou precisar da sua ajuda.



Do segundo andar, diante de uma das muitas vidraças que adornavam o Gabinete Real, Edgar observava aquela cena no pátio com um misto de curiosidade e tédio. Conversar com a princesa sempre animava um pouco seu dia e ele gostaria de poder gastar algumas horas com atividades pouco relevantes. No entanto, seu objetivo principal ao mudar-se para Odarin era preencher seus dias com atividades úteis, deixando para trás o sentimento amargo de inutilidade.

Assumir o cargo de Secretário Real lhe soava como uma boa ideia, uma oportunidade única para conhecer novas pessoas. De fato, desde que se mudara em definitivo, ele conheceu dezenas de pessoas novas, infelizmente todas tão superficiais e falsas quanto as antigas, senão até mesmo mais. O trabalho incessante trazia-lhe a sensação de produtividade e preenchia sua mente por muitos momentos. No entanto, as atividades a serem desempenhadas por vezes vinham acompanhadas da vontade de jogar todos aqueles papéis para o alto e sair caminhando sem rumo definido. Os novos problemas o faziam recordar-se dos antigos problemas.

Eu deveria estar lá fora, bebendo e conversando, enquanto finjo que estou aproveitando minha vida miserável”, ele pensou enquanto preenchia sua taça com o líquido de cor escurecida. Edgar estava mais do que acostumado com o clima quente de Hallbridge e o conhaque era essencial para protegê-lo da brisa congelante e impedir que pegasse um resfriado.

Afastando-se da janela, Edgar retornou para o estofado cinza localizado no centro do Gabinete Real. Diante de si, Allen encarava pensativamente uma parede. Os papéis que deveriam estar sendo analisados por ele encontravam-se repousados sobre uma de suas pernas. O olhar estava distante e o primogênito da Família Avelar aguardou longos minutos antes de interromper aquele momento de introspecção.

— Em que você está pensando? — o questionamento pairou no ar por uns instantes e o jovem Edgar achou que não fosse receber qualquer resposta para aquela pergunta. Para sua surpresa, após alguns segundos, o monarca manifestou-se.

— Estou pensando no mar.



Descendo de sua carruagem com certa pressa, Sarah correu os olhos sobre a praça central. A intensa movimentação característica do verão havia desaparecido. Poucas eram as pessoas que aventuravam-se em caminhar pelas vias tomadas pela neve, que se acumulava aos montes nos cantos das calçadas. A visão não era das mais animadoras e ao seu lado o caçula da Família Chevalier não parecia nem um pouco contente de estar ali.

— Entende agora o que quis dizer sobre não ter nada para fazer aqui? — ele mencionou em tom de resmungo, enquanto esfregava as mãos no longo cachecol esverdeado. A ponta de seus dedos estavam geladas e ele lamentou-se mentalmente por não ter trazido luvas antes de sair de casa. — O que quer que você esteja tramando, eu espero sinceramente que envolva uma lareira acesa.

A princesa não se deu ao trabalho de responder. A temperatura estava, de fato, abaixo do normal para o meio do mês de Janeiro, mas ela estava absolutamente alheia àquele fato. Seus pés começaram a mover-se com rapidez e algumas vezes a sola de seu sapato deslizou sobre a fina camada de gelo. Phillip era responsável por evitar que ela viesse ao chão todas as vezes (enquanto reprimia a garota por não tomar cuidado em sua caminhada apressada) e depois de alguns minutos, a jovem vislumbrou aquilo que tanto temia.

Os corpos pareciam esculturas de neve bizarras, todas muito encolhidas na calçada, sendo perceptível que a maioria buscava um espaço livre sob uma marquise, no intuito de proteger-se das eventuais tempestades de neve. A maioria esmagadora encontrava-se imóvel e Sarah não sabia precisar se eles já haviam padecido pelo frio ou se tentavam a todo custo poupar forças, não se movendo nem mesmo para limpar os ombros carregados de neve.

— Eu não acredito que o que você me disse é verdade. — ela mencionou em um tom de voz baixo, desolado. Estava visivelmente abalada com a cena diante de si.

— Às vezes me questiono se você vivia dentro de uma bolha, ou algo similar a uma. — Phillip respondeu, mais para si do que para a princesa. Por um instante, ele recordou-se da rigidez e do superprotecionismo da governanta da jovem, o que apenas corroborou com a sua conclusão lógica. — Satisfeita agora? Podemos voltar?

Novamente, Sarah permaneceu em silêncio. Ela estava alheia às reclamações e resmungos de sua companhia. A angústia em seu peito era crescente. Por mais que ela detestasse demonstrar fraqueza, as lágrimas se acumulavam em seus olhos e ela sentia-se levemente sem ar. O sentimento de impotência lhe atingia com força e ela tentava buscar em sua mente alguma coisa, qualquer que fosse, para contornar aquilo. A única coisa que tinha certeza era que não retornaria para casa antes de fazer algo por aquelas pessoas.

Após uns instantes de silêncio, um lampejo lhe veio à mente e, sem qualquer aviso, ela pôs-se a caminhar novamente, desta vez em direção a um destino certo. Não muito longe dali, havia uma loja que faturava no inverno o suficiente para o restante do ano inteiro. A loja era simples e aconchegante, mas muito conhecida por vender os melhores casacos de pele de todo o reino. Como tudo que fazia, ela adentrou no estabelecimento com pressa e ansiedade, ignorando parcialmente o rapaz que veio recepcionar-lhe na porta.

— Bom dia, eu gostaria de comprar vinte casacos de pele, dos mais robustos e mais caros que tiver. Quero todos eles aqui e agora! — seu tom soou naturalmente autoritário e os poucos atendentes correram como formigas para atender ao desejo da princesa.

— Precisamente, Alteza. Por gentileza, aguarde apenas alguns instantes enquanto separamos as peças. — respondeu o responsável pelo caixa, que também abandonou seu posto para providenciar o pedido do modo mais rápido possível.

Phillip adentrou na loja após alguns segundos (afinal, ele se recusava a correr atrás da jovem e caminhava em seu próprio ritmo na mesma direção em que ela ia). Ele não conseguia compreender as ações da jovem, o que ela pretendia com todo aquele esforço inútil. Não é como se sozinha ela fosse capaz de resolver todos os problemas.

— Sarah, eu não faço ideia do que você pretende fazer, mas posso adiantar que vai ser absolutamente inócuo. — ele afirmou ao escorar-se sobre o balcão ao seu lado, observando a pilha de casacos que se amontoava ali. — Estes miseráveis não estão só aqui, estão espalhados pelo reino inteiro. Acha mesmo que pode aquecer todos eles só com a sua compaixão e boa vontade?

— Sou obrigada a concordar com você, não creio que eu seja capaz de resolver o problema de todos eles. No entanto, se vinte deles puderem sentir-se minimamente amparados pela minha generosidade, então terei a certeza de que não irei dormir com a sensação de que sou um mero parasita. — ela respondeu sem direcionar-lhe o rosto, contando as peças dispostas sobre o balcão, apenas para certificar-se de que não faltava nenhuma — Agora pare de reclamar como uma criança chorona e ajude-me aqui, eles são muito pesados para que eu os carregue sozinha.

A princesa depositou um pequeno saquinho de veludo sobre o balcão, que estava abarrotado de moedas de ouro. O dono do estabelecimento voou avidamente sobre o recipiente, como se temesse um arrependimento repentino por parte da jovem. Tomando alguns dos casacos em mãos (quando a maioria na verdade estava sendo carregada por Phillip), ela retirou-se da loja e seguiu em busca dos pedintes que havia visto antes.

Aproximando-se com cautela, por diversas vezes ela tentou iniciar um diálogo, mas raramente foi correspondida. Primeiro, com as mãos enluvadas ela retirava o excesso de neve que parecia soterrar aquelas pessoas, passando o grosso casaco sobre seus ombros logo em seguida. A maioria das vezes ela recebia olhares desconfiados pela ação. Alguns pareciam em pânico com a aproximação da jovem, mas estavam com tanto frio que não poderiam afastar-se mesmo se quisessem. Apesar disso, Sarah não desistiu da ideia nem mesmo desanimou com aquelas reações incrédulas. Estava ali por uma questão de princípios, e não em busca de reconhecimento.

A última peça foi destinada a uma senhora idosa , que escondia os ralos fios brancos debaixo de um cobertor rasgado. Ela aparentava estar adormecida, mas abriu os olhos pequeninos assim que Sarah esfregou suas costas, no intuito de aquecê-la um pouco antes de vestí-la com o casaco. O olhar da senhora acompanhou os seus movimentos por um instante, em um misto surpresa e admiração.

— Deus te abençoe, minha cara. — foi tudo que a idosa disse com sua voz arrastada e rouca, antes de acomodar-se melhor debaixo da grossa veste de pele, adormecendo em seguida.

Sarah afastou-se com um sorriso no rosto, sentindo a mente mais leve após aquele gesto de generosidade. Ela sabia que havia uma grande discrepância entre o seu padrão de vida e dos súditos em geral. No entanto, ela não imaginou que houvesse pessoas tão miseráveis a ponto de não terem um teto que fosse para proteger-se do frio e do vento. Allen precisava ser informado daquela situação, a Coroa precisava agir urgentemente para tomar as providências cabíveis.

— Sarah, o que faz aqui?

O questionamento partiu de uma voz melodiosa já muito conhecida pela princesa. Ao tornar o rosto, ela pôde encarar Delia de frente, lembrando-se de imediato que fazia muito tempo desde a última vez em que se viram. A camponesa usava um vestido rude, cujo tecido não era nenhum pouco atraente, ainda que fosse pesado o suficiente para proteger-lhe com eficiência da baixa temperatura.

— Eu tive alguns assuntos para resolver. — a jovem respondeu de modo automático, sem saber ao certo o que dizer naquela situação. — Há quanto tempo não nos vemos, não é mesmo? No dia da coroação eu fiquei esperando por você a noite toda.

— Sobre isso… — a ruiva mordeu o canto inferior do lábio, não querendo pensar no fatídico dia da coroação. Ela gostaria de esquecer aquele incidente a todo custo. No entanto, esquecer era um ato difícil ao reparar que o rapaz que a ajudara a adentrar no castelo estava ali, ao lado de Sarah, encarando-a de modo curioso. — Eu tive alguns imprevistos no dia e não pude comparecer. Perdoe-me por isso.

A resposta carecia de verdade e o fato não passou despercebido por Phillip. Ele ergueu uma das sobrancelhas, um hábito involuntário na maioria das vezes, tentando imaginar a razão por trás daquela mentira. Qual era o problema em dizer que havia comparecido ao baile, mas não o suficiente para ver a princesa? Enquanto pensava, o rapaz percebeu que a camponesa o encarava de modo nervoso, na esperança de que ele não viesse a revelar nada.

— Bom, de todo modo, eu não posso demorar, as crianças estão sozinhas em casa e eu vim apenas comprar umas poucas coisas. — ela afirmou de modo apressado, apontando para uma cesta de compras. — Mas passe em minha casa quando lhe for conveniente. Eu adoraria receber mais visitas suas.

— Tratarei disso o mais brevemente possível. — Sarah respondeu em meio a um sorriso tenro, aliviada de saber que estava tudo bem entre elas. Uma acenou em direção à outra e assim despediram-se. Ao tornar seu olhar para Phillip, ela percebeu seu olhar fixo na camponesa que distanciava-se com rapidez. — Por que está olhando para Delia desta forma? Não me diga que você  está apaixonado por ela.

— Você não sabe de nada. — ele respondeu de modo misterioso, soltando uma risada baixa enquanto tentava desvendar mentalmente quais as razões que motivaram a mentira da ruiva.



Edgar estava responsável por separar todas as cartas, petições e ofícios que chegavam ao Gabinete Real para apreciação de Allen. O jovem Avelar encarregava-se de dividi-los por ordem de chegada e prioridade de análise. Ao final do dia, toda a correspondência era organizada para que soubessem quais a pendências para o dia seguinte e invariavelmente sempre restava uma pilha enorme de coisas a serem analisadas, em detrimento dos poucos papéis que eles conseguiam dar prosseguimento em um dia.

Pessoalmente, Edgar sentia-se um tanto agoniado com toda aquela papelada para dar vazão, enquanto Allen, por sua vez, não parecia se preocupar tanto. O monarca sabia que aquela sobrecarga era algo natural e até mesmo esperado após tantos anos de afastamento da Família Miglidori do governo do reino. Logo as coisas voltariam ao seu curso normal e ele poderia respirar aliviado. No entanto, o jovem rei estaria mentindo se dissesse que não se sentia levemente esgotado. Ele gostaria que Charlotte estivesse lá, uma vez que a ruiva era especialista em afastar-lhe todas as tensões e fazê-lo relaxar em questão de segundos, um dom que Beatrice jamais iria alcançar.

Ambos já estavam prestes a encerrar os trabalhos daquele dia, quando um mensageiro adentrou no cômodo, requisitando a permissão de Sua Majestade para aproximar-se. A permissão foi concedida sem muito interesse e o senhor de barba grisalha aproximou-se de seu monarca, abaixando o corpo o suficiente para sussurrar-lhe algumas palavras ao ouvido, retirando-se logo em seguida. Edgar observava a cena com curiosidade e com isso ele pôde perceber o momento exato das ações que sucederam ao aviso trazido pelo mensageiro.

Primeiramente, o jovem rei empalideceu e sua expressou tornou-se escura imediatamente. Suas pupilas tornaram-se pequenas e as duas mãos de Allen fecharam-se em punhos cerrados. O primogênito da Família Avelar sabia que aquele era um mau sinal e o que quer que tenha sido o objeto daquela mensagem, não deixou o governante específico nenhum pouco satisfeito.

— Aconteceu alguma coisa? — Edgar questionou por mera formalidade e tal como esperava, ele não obteve qualquer resposta. Ao invés disso, o monarca ergueu-se de sua mesa com certa fúria e disparou para fora do gabinete. O Secretário Real deu os ombros, não fazendo menção de segui-lo. Ele estava prontamente disposto a abster-se de certos aborrecimentos.

Descendo as longas escadarias do castelo, Allen não demorou mais que alguns minutos para encontrar quem procurava. Dada a hora avançada, era previsível que a mesa do jantar já estivesse sendo posta e ele conhecia alguém que fazia questão de inspecionar o trabalho dos demais serventes sempre que possível. Tão logo chegou à sala de jantar, ele pode ver a antiga governanta arrumando a mesa onde costumavam fazer as refeições.

— Esclareça-me algo, minha cara Evangeline. — ele mencionou com o tom de voz uma nota acima do normal, o que causou um sobressalto na senhora. — Saberia me informar onde se encontra a princesa Sarah?

— Bom… ela convidou o Sir Phillip Chevalier para lhe fazer companhia durante o dia, creio que estejam na biblioteca. — ela respondeu, após um instante de hesitação. Detestava estar na presença do monarca, principalmente quando estavam a sós.

— Acredito que tenho informações mais atualizadas do que as suas, então permita-me repassá-las. — à medida que aquelas palavras saiam de sua boca, ele aproximava-se mais da governanta, ao ponto de deixá-la encurralada entre ele e a mesa. — Sarah está, neste exato momento, distribuindo casacos de pele para moradores de rua no centro de Odarin. Não consigo imaginar que epifania foi essa, mas o que me intriga mais é o fato de ela estar lá e você estar aqui.

— Ela não é mais uma criança impotente, Sarah cresceu e já pode cuidar muito bem de si mesma. — Evangeline respondeu com a voz vacilante, pois nem mesmo ela acreditava naquelas palavras. Era inegável o amadurecimento da jovem, mas todas as vezes que ela insistia em ficar sozinha, coisas impróprias para alguém de sua hierarquia acabavam acontecendo. Aquela resposta arrancou uma risada irônica por parte de Allen e inconscientemente a governanta agarrou o tampo da mesa com força.

— Afora a sua capacidade incomum de conseguir conter os desejos absurdos de Sarah, eu não tenho nenhuma outra razão para manter-lhe neste castelo. — ele mencionou de modo ferino, em tom de ameaça, enquanto a encarava diretamente nos olhos. — Então sugiro que você retome os velhos hábitos e não a perca de vista novamente. Será que eu fui claro o bastante?

— Perfeitamente. — foi tudo que ela disse, passando a encarar a barra de seu vestido.

Ela sentiu aquele pesado olhar que repousava sobre si afastando-se com passos pesados. Tão logo a governanta viu-se sozinha novamente no cômodo, teimosas lágrimas nervosas começaram a rolar soltas por seu rosto. Se havia algo que Evangeline odiava em si mesma era a capacidade de perder todo seu autocontrole sempre que estava diante de Allen. A confiança que lhe era tão característica desaparecia como por encanto e ela via-se como uma tola, hesitante e trêmula. Com brusquidão, ela esfregou o rosto até que as lágrimas desaparecessem entre seus dedos.

Após respirar fundo algumas vezes, retomando parcialmente sua calma, ela se pôs a caminhar em direção ao pátio do castelo, afinal, alguém precisava trazer a princesa de volta para casa. Ao passar diante do antigo quadro de Katherine, Evangeline dirigiu-lhe um olhar de soslaio.

— Prevejo que Sarah ainda irá me dar muito trabalho. — ela disse em voz alta, como se direcionasse a fala para sua antiga senhora. — Talvez até mesmo mais do que você.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Queen's Path" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.