Filhos da Noite escrita por Rick Batista


Capítulo 29
Promessas de outra vida


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo.



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Foi na Londres de 1700, capital do ainda reino da Inglaterra, e sob o governo da monarca Ana. Cidade em que a Ordem do Dragão tentou encravar suas garras.  

Os seguidores de Vlad Drácula pouco a pouco estenderam sua influência pelas grandes capitais da Europa, fosse  transformando nobres em vampiros, fosse sujeitando os poderosos aos seus objetivos. Mas Londres se mostrou um caso a parte. Por meses vampiros foram enviados para a cidade, apenas para encontrarem nela a morte. Eles se instalavam, iniciavam um trabalho, mas em pouco tempo desapareciam. Adam estava cansado daquilo. Se mesmo vampiros experientes sumiam em Londres, era hora do filho do Drácula entrar em ação. 

Ele era paciente, preparando terreno através do seu mortal de maior confiança: Willian Connor. Foi esse o homem que sondou a cidade e iniciou os negócios financeiros antes da aparição pública de seu patrão estrangeiro. Connor era inglês e tinha contatos. Graças a ele, Adam por fim foi apresentado a sociedade inglesa, como um intelectual e homem de negócios. 

Mas enquanto o mortal agia as claras, o imortal agia nas sombras. Adam vagava pela noite, saltando por telhados e escondendo a face enquanto sondava o terreno e vigiava seus alvos: vampiros. A Ordem não deixou de enviar vampiros a cidade, assim como não informou a nenhum deles sobre a presença de Adam Tepes. De modo que ele pode acompanhar os passos de sua isca a distância, na expectativa de caçadores ou lobos. Foram poucas noites até a morte do infeliz, mas não da forma que ele esperava. Morto em seu esconderijo, enquanto dormia. Estaca no peito e decapitação. 

Pouco depois, outro vampiro, e o mesmo destino. Não houve confronto com caçadores, assim como nenhum sinal de lobisomens. Também não chamaram atenção demais... ainda assim, os inimigos sabiam onde encontrá-los. Só havia uma explicação, o vampiro sabia. Bruxaria! 

"A Bruxa de Prata", foi esse o nome que sua vítima falou, antes de morrer. Londres era o lar de uma bruxa poderosa, capaz de rastrear a presença de mortos-vivos e enviar homens para matá-los quando mais vulneráveis. Infelizmente para ela, Adam era capaz de suprimir sua essência imortal, e dessa forma, aproximar-se sem riscos. 

— Me chamo Adam Turner, e é uma honra conhecê-la, senhorita Winnicott — disse um vampiro vestido como um inglês da época, incluindo a longa peruca branca, assim como o casaco aberto com botões e babados nas mangas.  

— A honra é toda minha, senhor Turner — respondeu Alice Winnicott, ao ter a mão beijada por ele.  

Marie era uma jovem aristocrata um tanto incomum. Não se guiava pela moda inglesa ou francesa, com seus vestidos de difícil movimentação e grande volume. Ao invés disso, usava vestidos leves e práticos, de design e cores que se destacavam para a época. Mantinha o cabelo preso em um penteado simples ou mesmo solto, e seu exotismo aliado a beleza e carisma natural, a tornavam uma figura impossível de se ignorar. 

— Soube que a senhorita coordena um núcleo de estudos filosóficos e literários, estou correto? — inquiriu Turner, durante a reunião da alta sociedade a que foi convidado. 

— Sou apaixonada pelo ser humano, senhor Turner. Artes, filosofia, literatura... todas manifestações humanas que me fascinam.   

Adam sorriu, intrigado com a mulher a sua frente. 

— Espero que meu pedido não soe inoportuno, mas gostaria de tomar parte nessas reuniões — pediu ele, vendo nisso a oportunidade de ter acesso livre a bruxa. — Seria possível, senhorita? 

— Nossas portas estão abertas para todos que desejem ir além do senso-comum. Sinta-se convidado. 

E assim o imortal infiltrou-se naquelas reuniões semanais, onde a elite intelectual londrina debatia sobre Platão, Aristóteles ou os Pais da Igreja. Sobre Dante e Maquiavel, Descartes e Hume, artes e música. Alice Winnicott não apenas sediava as reuniões em sua casa, como destacava-se como a mente mais brilhante dentre os membros.  

Mas o fato de ser mulher, aliado a seus pouco mais de vinte anos, constantemente lhe causavam embaraços naquele ambiente predominantemente masculino. Não eram muitos os homens acostumados a debater com mulheres capazes de rivalizar com seus conhecimentos, que dirá refutar seus argumentos! Menor ainda o número dos que não reagiam a isso com cinismo, intolerância ou difamações.  Adam logo notou como a jovem evitava o confronto direto de ideias, em nome da boa convivência, assumindo o papel de mediadora. Ainda assim, ela se mostrava capaz de sutilmente guiar os debates dentro de seus próprios termos. E o jovem não pôde evitar expôr suas observações ao fim do primeiro encontro, para surpresa dela. 

— É um excelente observador, senhor Turner. Só lhe peço que mantenha tais observações entre nós, ou serei obrigada a lhe excomungar de nosso amável grupo  — lhe disse ela, com um sorriso no rosto. 

Ela era culta, astuta e bela. De fato, uma mulher única, constatou ele. 

— Pode ficar tranquila que saberei manter-me calado, senhorita Winnicott — ele respondeu, com o dedo sobre os lábios. — Sou seu aliado nisso. 

— Não e não, o senhor é instruído demais para ficar calado. Seu domínio dos textos originais dos gregos é fascinante. Contanto que não faça papel de Judas comigo, espero tê-lo sempre entre meus apóstolos. 

E assim Adam Tepes tornou-se amigo da Bruxa de Prata. O vampiro achou toda aquela situação divertida e emocionante, mantendo os detalhes em sigilo para que a Ordem não tentasse interferir ou apressá-lo. Apenas Connor sabia sobre ela. 

— Ela deve ser uma adversária valorosa para que o senhor esteja tão eufórico com isso, mestre Adam — comentou Connor, revisando relatórios antigos da Ordem. — Já decidiu se usará estratégias que evitem o confronto direto? Podemos pedir reforços para expô-lo ao mínimo de riscos. 

— Não seja tão imediatista, nobre amigo. Alice Winnicott é perigosa, mas não para mim. Desejo cuidar desse problema no meu próprio ritmo, e da forma que me parecer mais interessante. Os riscos são parte da diversão. 

E assim as semanas se seguiram, e enquanto Adam Turner comparecia e se destacava nas reuniões, Adam Tepes vigiava a bruxa e aqueles que a cercavam. Investigava-a, estudava-a, preparando-se para o momento de selar seu destino. Descobriu que a mãe dela morreu quando Alice ainda era adolescente, deixando um irmão pequeno para a jovem cuidar. O pai era um homem de negócios que há anos trabalhava na França, de modo que eram os tios da jovem os responsáveis pela família. Alice vivia reclusa em sua mansão, sem negócios, amigos ou pretendentes. 

Secretamente contudo, ela era reconhecida como a "Bruxa de Prata", um posto passado de geração em geração em sua família. Seus dons eram conhecidos e temidos, e nomes proeminentes da sociedade a procuravam para consultar as cartas, incluindo aí o chefe da polícia londrina. O homem confiava nela para alertar sobre "o problema com vampiros", igualmente. Adam logo descobriu como certos setores da polícia estiveram sempre presentes na eliminação dos mortos-vivos, e que seriam esses a bater em sua porta se fosse descoberto. 

Veio enfim a primeira chance. Do telhado da própria mansão da bruxa ele vislumbrou a jovem na sacada. Sozinha, exposta... lendo. Eram poemas franceses, tornados mais belos pela voz suave dela. Um movimento rápido, e ele poderia matá-la. Um movimento, e ela sequer saberia o nome de seu assassino. Mas a voz melodiosa naquela noite era a coisa mais linda que o vampiro já ouviu... de modo que nenhum sangue foi derramado. Desse pecado ele não foi capaz. 

— "A Roda da Fortuna" — disse ela, ao virar a carta. — Representa o fim de um ciclo e começo de outro. Mudanças, senhor Turner. 

Adam olhava para as cartas pensativo sobre as já viradas. Alice então revelou a última: "Os Enamorados". 

— Isso seria um novo amor? — questionou ele, sorrindo. 

Ela moveu-se mais para perto da mesa, olhando fundo em seus olhos.  

— É possível, senhor Turner — disse ela, com um sorriso sapeca. — Essa carta representa uma escolha importante. Esteja preparado para decidir com seu coração e intuição, pois a roda do destino não para de girar. 

Adam se ergueu, tenso. Já faziam três meses desde que conheceu Alice, e cada vez se via mais encantado por ela. Não satisfeito apenas com a reunião semanal do clube de estudos, os dois já se encontravam no meio da semana, para discussões mais avançadas sobre os temas tratados, em que a jovem podia falar claramente aquilo que pensava. Não bastassem ainda esses encontros fixos, Adam se via buscando pretextos para encontrá-la, ao que ela sempre respondia com um sorriso. Até mesmo a sorte arriscou prever através dela. 

— Parece perturbado, senhor Turner — disse ela, bebendo da taça do vinho que compartilhava com ele. — Tem medo assim do destino? 

Adam olhou fundo naqueles olhos, tão cheios de vida e mistérios. 

— Eu nunca escolhi meu trabalho, senhorita Winnicott. Aquilo que faço, foi ensinado e empurrado por meu pai. — Ele levou as mãos ao rosto, depois as pousando na mesa com os punhos fechados. — Faz muitos anos desde que contrariei suas vontades... não creio ser mais capaz de desafiá-lo, como já fui. 

— Toda escolha cobra seu preço. É nossa sina, para ganhar o mundo, abrir mão do paraíso.

Uma batida na porta, logo aberta por um menino de prováveis dez anos, com cabelos e olhos como os daquela mulher, e uma expressão emburrada. Thomas Winnicott. 

— Irmã, estou com sono. Os tios avisaram que já deu a hora do moço aí ir embora. 

Adam olhou para aquele menino parado na porta, e lembrou-se de quando tinha a mesma idade, enviado pelo pai para longe, separação essa que durou quinze longos anos. Quinze anos que passou esperando para revê-lo, apenas para se tornar sua marionete pela eternidade. Adam fez menção de pegar o chapéu, ao que a jovem fez sinal para que esperasse. A viu indo até o irmão ciumento, levar as mãos ao rosto dele, olhar em seus olhos e proferir palavras em tom hipnótico: 

— Você pode ir dormir, querido Thomas. Seus olhos estão tão pesados, não é mesmo? O senhor Turner já foi dormir, então é hora dos rapazes todos dormirem.

O menino bocejou, despedindo-se dela.  

— Tudo bem. Você vem dormir do meu lado hoje? 

Você já está bem grande para ter medo de dormir sozinho, irmãozinho — respondeu, acariciando os cabelos do garoto. — Hoje você dorme sem mim, mas garanto que seu anjo da guarda está vigiando. 

Eles se despediram, com a jovem fechando a porta atrás de si. 

— Está realmente tarde, senhorita Winnicott — disse Adam, próximo ao chapéu. — As más línguas podem ofender sua reputação caso eu fique por mais tempo. 

— Fique comigo — pediu ela, aproximando-se do vampiro. 

—... tenho muito para decidir, não posso tomar mais seu tempo — Adam insistiu, desviando o olhar enquanto pegava o chapéu e avançava até a porta. 

Logo sentiu uma mão em seu braço, impedindo o avanço. 

— Fique comigo, Adam — disse ela, buscando seus olhos. — Você terá muito tempo para tomar suas decisões. Mas essa noite, decida-se por mim. Fique comigo. 

Ela levou a mão ao rosto dele, o trazendo mais para perto de si, obrigando-o a fitá-la. Adam pôde sentir-se mergulhar naqueles olhos de um verde mágico e intenso, atraído para aquela armadilha tentadora que nada poderia trazer a eles além de tragédia. Ele tinha medo, mas mesmo seu temor foi obrigado a ceder diante do que viu naqueles olhos. 

Selaram por fim os lábios, cedendo ao desejo que tão intensamente pulsava desde que se conheceram. Adam a beijou apaixonadamente, desesperadamente. Erguendo aquele corpo divinamente esculpido e pressionando-o contra a porta. Ela retribuía com o mesmo furor, os corpos entrelaçando-se entre gemidos e arfares do prazer que compartilhavam. 

— Você é a criatura mais perfeita que já conheci. Seu sorriso, sua voz, cada palavra que sai dos seus lábios — disse ele, enquanto a beijava. — Não há mulher como você, Alice. Não com tal inteligência e beleza. 

Ela sorriu, os olhos de um brilho intenso e apaixonado. 

— Você é o primeiro a mexer comigo dessa forma, Adam — disse ela, o jogando sobre a poltrona e subindo sobre ele. — Por essa noite esqueçamos de tudo. Sejamos apenas nós dois. 

E ele assim o fez, se entregando totalmente. Era claro para ele que para nenhum dos dois foi a primeira vez, mas sentia haver algo de especial compartilhado por ambos naquele ato de desejo e ternura. Se amaram por toda aquela noite, com a bruxa adormecendo nos braços do vampiro.   

Adam ergueu-se pouco antes do amanhecer, saindo de lá sem ser visto. Avançou de volta ao túmulo, ignorando as perguntas de Connor e as próprias. Na noite seguinte, não saiu da própria casa. Simplesmente não sabia o que fazer, como agir sobre tudo aquilo. Willian por fim aproximou-se, com uma folha na mão.  

— A Ordem enviou outra carta, mestre. Após tantos meses, estão ficando impacientes. Já foram quatro  vampiros enviados para o abate, o Padre declarou que caso o senhor não purifique a cidade até o fim desse mês, seu próprio pai o fará.  

Adam suspirou, parecendo abatido. 

— Está mesmo tão apaixonado assim por ela? — inquiriu Connor, para surpresa do vampiro. 

— Há quanto tempo percebeu, meu bom amigo? 

— Bastante. O brilho no olhar toda vez que vai encontrá-la. A forma como fala dela, cheio de admiração e sorrisos... é bem evidente. 

— Sim, Connor. Estou mesmo perdidamente apaixonado pela bruxa que deveria matar. — Adam segurou a carta, passando os olhos por ela antes de rasgá-la. — Então me diga, meu fiel soldado: o que o filho de Vlad Tepes deveria fazer? 

— O que deve fazer eu não sei, meu senhor. Mas faça o que fizer, pode contar comigo — jurou o homem, postura de cavaleiro. — Minha lealdade é somente sua. 

— Conto com isso, Sir Connor. 

Pelas duas semanas seguintes Adam não compareceu as reuniões, ou entrou em contato de qualquer forma com a jovem. Foram semanas difíceis para ele, e lhe doía imaginar o que ela poderia pensar a seu respeito, mas ele não via saída. Na terceira semana, por fim o vampiro cedeu ao desejo de vê-la, ciente da necessidade de dar um fim a tudo aquilo.  

Uma vez na reunião de estudos, agiu com o máximo de discrição que conseguiu, ao menos até que todos partissem. 

— Não consigo parar de pensar na senhorita, Alice Winnicott! — confessou, beijando as mãos da jovem. — Seu sorriso é um feitiço poderoso do qual me vejo prisioneiro. 

— Bem, não posso dizer que o negro dos seus olhos não venha a minha  mente vez ou outra quando olho para o céu noturno — disse ela, afastando-se. — Mas também não posso fingir que seu sumiço não me faça repensar minha atitude naquela noite. Então seja sincero comigo, senhor Turner: por que fugiu? 

— Há coisas sobre mim que desconhece. Coisas que nos impedem de ficar juntos. 

Ela cruzou os braços, mordendo o lábio antes de falar. 

— É noivo de alguém? Casado, talvez? O senhor é bonito, bem sucedido e jovem. Ser comprometido não seria nenhuma surpresa. 

Adam sorriu, com as mãos nos bolsos. 

— Se fosse esse o caso, a solução seria bem simples. Já lhe disse que a senhorita é única, eu não hesitaria um instante em desfazer qualquer compromisso para estar livre para cortejá-la. 

Foi a vez dela sorrir, irônica. 

— "Porém"... 

Ele desviou o olhar, hesitante. Ela aproximou-se, buscando encará-lo. 

—... porém!? — repetiu, elevando a voz. 

— Não posso dizer, não assim — falou o vampiro, olhando para a loira. — Lamento por isso, Alice. 

A jovem levou a mão ao rosto, de onde uma lágrima podia ser vista.   

— Não, senhor Turner. Ninguém aqui lamenta mais do que eu. 

E ao dizer aquilo, ela retirou-se apressadamente. Adam permaneceu por alguns minutos parado, analisando os detalhes daquele lugar. O perfume da jovem, seu calor... quando partiu, o fez suplicando internamente por uma saída para aquele labirinto em que se meteu. Mas não sem antes deixar aquilo que tanto quis entregar a jovem mas não encontrou coragem: uma carta. 

O inevitável ocorreu na manhã seguinte.  Seus olhos se abriram. Pôde sentir a presença do lado de fora de seu túmulo preso a parede, e aquilo que ela significava. A tampa foi aberta, os olhos do vampiro desacostumados as manhãs ainda assim discerniram as formas de Connor. O humano abriu a tampa, como Adam lhe instruiu que fizesse nessa situação, mas não estava só. 

— Então você veio.   

Diante dele estava Alice, como ele sabia que estaria. Connor lançou um último olhar ao seu mestre antes de deixá-los, seus olhos carregados de tristeza. 

"Escrevo nesse papel aquilo que sei não ter coragem de confessar face a face. Já que não posso mais mentir para tê-la comigo, exponho aqui a verdade que para sempre nos separará" — ela recitava as palavras da carta do vampiro, ele logo notou.  

"Adam Turner é a máscara que usei para pisar nessa cidade. Adam Tepes é meu nome, e como filho do Drácula e cavaleiro da Ordem do Dragão, minha missão se resume a matar a "Bruxa de Prata". Me aproximei para conhecê-la, enganá-la e ceifar sua alma. Mas ao invés disso, me vi refém de seu olhar e sorriso, descobri em sua voz mais sentido que em toda a longa vida que percorri até o dia de hoje". 

Ela interrompeu a recitação por um momento, enxugando uma lágrima e pegando fôlego. 

"Não espero seu perdão, muito menos amor. O homem por quem se apaixonou não existe, em seu lugar há um vampiro capaz de esconder sua maldição mesmo de você, e feliz por ter vivido o suficiente para encontrar o amor verdadeiro. Eu a aguardo em minha casa.  

Adeus, Alice  Winnicott."  

Quando ela terminou, o encarou com a face cortada pelas lágrimas. Adam lhe mostrou um sorriso triste, ainda em seu túmulo vertical, com os braços sobre o peito. Por fim, disse: 

— Faça, Alice. Seja o anjo vingador enviado por Deus para me julgar por meus séculos de maldades.  

A garota tirou das costas uma estaca, a segurando com as mãos trêmulas. Adam abaixou as mãos, deixando o peito livre. A garota gritou quando encravou a haste de madeira no peito do vampiro, com ambas as mãos, fazendo o morto-vivo cuspir sangue. 

— Por que? — questionou a bruxa, entre soluços. — Por que brincar comigo dessa forma cruel? Me fazer amá-lo, e então me obrigar a isso? 

Ele caiu de joelhos, com a estaca no peito. Ela caindo igualmente, abraçando o próprio corpo enquanto dava lugar a sua dor. A dor no peito dele era grande, mas ainda maior era a dor de ouvir aquelas palavras. Adam estava morrendo, mas lamentava que sua morte não pudesse garantir a salvação dela. 

— Eu... lamento muito... Alice. De um modo ou de outro meu pai virá a sua cidade, então fuja enquanto há tempo! Vá com seu irmão para o lugar mais longe e seguro que puder achar, pois o Demônio da Romênia fará de tudo para destruir a Bruxa que matou seus servos e filho. 

Ela ergueu a face molhada, com olhos de um brilho sobrenatural. 

— Não tenho medo do Drácula. Se ele vier, terá o mesmo destino de todos os outros — ela hesitou, falando com voz embargada. —... seu destino. 

— Não... — respondeu o vampiro, com grande esforço. —... ele é diferente de todos, até de mim. Sua força é grande demais. A carta que Connor enviará há de lhe conseguir mais tempo, mas cedo ou tarde ele virá, e sua salvação depende de não estar mais aqui. Por favor, Alice, ao menos viva! 

A jovem ergueu–se. Retirou das costas a espada que carregava, a empunhando com ambas as mãos. Olhou nos olhos dele, que apenas fechou os seus. 

— Viva, Alice Winnicott — disse ele, conformado com o fim iminente. 

Ele permaneceu de olhos cerrados, sabendo que ao não encará-la, tornava o ato da amada menos sofrido. Apenas aguardou, perguntando-se afinal se haveria algo para um vampiro como ele do outro lado. Inferno? Redenção? Purgatório? Adam não sabia, só sabia que fosse nessa vida ou numa outra, jamais estaria com a mulher que amava novamente. Só abriu os olhos após ouvir o som de metal batendo contra o chão. 

Alice enxugou os olhos, a espada ao chão. Deu um passo vacilante na direção do monstro, com um sorriso triste na face. 

— Como pode um maldito vampiro ser mais humano que qualquer homem que já conheci? — e dito aquilo, puxou de volta a estaca do peito do amado. — Não é sua hora ainda, senhor Tepes. 

Ele rilhou os dentes com a dor da estaca sendo arrancada, lágrimas rubras molharam sua face, enquanto olhava atônito para o anjo misericordioso que o salvou de tantas formas possíveis. 

— Não há futuro para nós — disse ele, erguendo-se com dificuldade. — Não há chance alguma de vitória ou felicidade. 

Ela segurou sua face, beijando os lábios do demônio. 

— Não aceito seu sacrifício, Adam. Quero que fique comigo, lute ao meu lado — Adam pôde sentir a esperança naqueles olhos, uma força que o contagiava. — Juntos venceremos seu pai, a Ordem e o inferno inteiro se for preciso!  

Ele a abraçou forte, querendo acreditar naquelas promessas. 

— Vamos desafiar o destino e vencer — disse ela, sorriso no rosto. — Se os céus nos uniram foi com um propósito, Adam Tepes. Então não seja teimoso, pois é hora de fazer o impossível. 

*** 

Aquelas palavras ecoaram no fundo da mente do vampiro, ao ver sua amada novamente as portas da morte. Com sangue escorrendo do ferimento causado pelo Drácula, nos braços do irmão vampiro, Claire morria. Alice morria, pela segunda vez. E sempre por causa dele. 

"As vezes mesmo o impossível é insuficiente, meu amor". Refletiu o imortal, com amargura e impotência. 

— Eu lamento, Alice. Lamento tanto... — disse ele, entre lágrimas. 

Ela levou a mão ao rosto dele, sorrindo tristemente ao dizer: 

— Ainda não, meu Adam. Seu pai o quer como seu escravo, mas não deixarei que ele retome controle sobre você. Nosso amor nos libertou há trezentos anos, e isso não será em vão. 

— O que está dizendo? — questionou ele, tocando naquela mão. 

— Eu lhe darei uma chance, uma última e breve chance de livrar-se do fantasma do seu pai para sempre. Pode confiar em mim? 

Adam olhou para o vampiro possuído pelo espírito de Vlad Tepes, sentindo a força dada pelo sangue que bebeu dele. Sentindo a determinação de encerrar de uma vez aquela sina que os perseguia. 

— Minha confiança é sua. — E ergueu-se, espada em mãos. — É hora de matar o Drácula.


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Notas finais do capítulo

Não esqueça de comentar ai embaixo o que achou do passado do nosso amado e sofrido casal. Abraço.



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