Filhos da Noite escrita por Rick Batista


Capítulo 28
Damas em Xeque


Notas iniciais do capítulo

Será que o ritual deu certo, ou ainda existe algo que Adam possa fazer para impedir o retorno do pai?
E quanto ao Andy, chegará há tempo de salvar a Mandy das mãos do Golem?



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O professor desceu as escadas de seu porão, levando nas costas uma adolescente nua, acorrentada e inconsciente. Jeanne, a vampira que ele sequestrou de dentro da prisão, assistindo a cena.

— É pra mim? — perguntou Jeanne. — Eu até que prefiro os ratinhos, mas ela quebra um galho.

Apesar das humilhações, privações e tortura a que a vampira foi submetida, ela não perdeu totalmente o espírito. Paul estava com a armadura, mas sem máscara. Logo tratou de prender Mandy Duncan em correntes de prata ainda mais grossas que as que prendiam Jeanne, reservadas para momentos como aquele.

— Que foi, Paulzinho, deu em cima da menina e ela te deu o fora? Então cansou da sua obsessão pela ex-vampira e agora está indo atrás de lobinhas adolescentes? — Ele sabia que ela tinha como única arma restante tentar afetá-lo de alguma forma, da menor que fosse. Por isso se esforçou para ignorá-la. — É cada tara estranha.

Jeanne saber sobre Mandy não era novidade. A identidade dos licantropos de Bleak Hill fez parte das informações que arrancou dela. A família Duncan estava já em seu radar, Jeanne só não falou sobre o tal Andy que invadiu a igreja. Ou não sabia, ou quis guardar para si.

— Achei que você estava muito solitária aqui, então trouxe uma amiguinha para brincar contigo. Agora as meninas vão poder fofocar, e claro, ajudar a expandir minhas pesquisas. — ele respondeu.

Ela se calou, vendo Paul levar a mão ao ombro, reprimindo um gemido de dor. As avarias na proteção e as manchas de sangue eram visíveis para qualquer um.

— Isso foi o irmão dela te batendo?

— Espero que trate bem sua colega de canil — disse ele, ignorando a pergunta.

E subiu, trancando a porta que levava ao sinistro porão.

Paul estava exausto, física e mentalmente. Tirou a roupagem e lavou o corpo, para logo cuidar dos ferimentos, coisa que teve que aprender para sobreviver nesse tipo de vida sem levantar suspeitas demais.

— O que pretende com a loba? — questionou Kellen, acorrentada com prata a pesada cama de casal.

— Apesar de ser antropólogo, esses anos de caçador despertaram em mim o gosto pela pesquisa experimental, os testes empíricos — disse ele, costurando a ferida na coxa, já adequadamente limpa. — Aprendi muito com vampiros, agora é hora de começar a entender os licantropos. Imagino que alguém que mata pessoas para se alimentar não tenha restrições morais sobre isso.

— E é isso que eu serei a partir de agora: seu rato de laboratório?

Paul continuou concentrado no trabalho, por fim respondendo:

— Kellen, você é minha esposa. Um monstro parasita que se alimenta de sangue humano, mas ainda assim, minha esposa. Meu trabalho com você consistirá apenas em fazê-la lembrar-se disso.

— O fato de eu ser uma vampira vai mesmo ser sua desculpa para me fazer prisioneira, então? Seja honesto consigo mesmo por um momento, Davis, e assuma que tudo que quer é me obrigar a ser sua, de uma forma ou de outra.

— Sou um homem paciente, meu amor. Levou anos para chegar até você, posso esperar mais alguns para que volte a ser a Kellen Davis que eu amo — ele riu, terminando a coxa e bebendo da garrafa de vodka que usou para desinfeccionar o corte. — Veja só, já estamos até brigando como antigamente. A verdade é que cedo ou tarde vai reconhecer que ainda me ama, Kellen. E eu vou aguardar, não tenho nenhuma pressa.

***

O lobo correu.

Cortando a cidade, sem sequer dar tempo para as poucas pessoas que o notaram perceberem que não se tratava de um cão fugitivo. Andy sempre se orgulhou de ter fôlego de atleta, e ele testou isso ao máximo naquela noite. Correu, só parando para garantir que não perdeu o cheiro, ou quando a exaustão se tornou insuportável.

Por sorte, quando avançou pela estrada deserta que levava a Bleak Hill, se deparou com uma caminhonete indo na mesma direção. O carro era rápido, mas ele era mais. Em um salto, se jogou sobre a caçamba cheia de embrulhos, se deixando enfim descansar sem perder o foco. O tempo passou lentamente sobre a velha caminhonete, com a lua o vigiando lá de cima, vendo o que aquele ladrãozinho de rua se tornou. As pessoas que matou, e o quão selvagem e brutal ele podia ser quando perdia o controle.

O que sua mãe diria se o visse ali, coberto pelo sangue de tanta gente? De criminosos e monstros, sim, mas também de um bebê... O lobo pensava consigo mesmo o que ela diria se soubesse das besteiras que seu filho andou fazendo. Como matou a sangue frio, fosse como humano, fosse como monstro.

Uma lágrima desceu dos olhos do lobo, do garoto, de Andy Valentine. O ladrão que se mudou para Bleak Hill e lá encontrou uma nova família. Família que agora se despedaçava.

Após um longo tempo, notou que a caminhonete chegou a um cruzamento. Ele pulou do veículo, voltando ao rastro que seguia rumo a Bleak Hill.

***

Todo sangue derramado anteriormente foi bebido pelo túmulo do Drácula, faltando apenas o sangue da virgem para que o ritual de retorno dele se completasse, ainda que sem a vida da bruxa. Sangue que se esvaía pelo pescoço de Elisabeth. O corpo da jovem perdeu as forças, sustentado pelas mãos do velho vampiro que em uma mordida terminaria de matá-la.

Adam urrou de dor ao forçar o corpo, o medo do que acontecia visível em sua face. Ele estava enfraquecido, o buraco da estaca em seu peito apenas parcialmente fechado, assim como o ferimento em seu olho. Mas os olhos de Elisabeth o encararam ainda com vida... e por isso ele o fez. Seu corpo transformou-se em um enxame que voou até ela, reassumindo seu corpo físico para tomá-la dos braços do Padre cego, que protestou:

— Seu esforço é vão, a morte dela já foi selada.

Alice se moveu para dar tempo a Adam de fazer o que precisava, colocando-se a sua frente. O vampirinho apenas a seguiu, se colocando a frente dela.

— Fará mesmo isso, minha criança? — o Padre perguntou para Thomas.

— Desculpe, vovô. Eu realmente quero ver o mestre de volta, mas se isso põe minha irmã em risco... não vou ajudar.

A garota estava morrendo. O sangue jorrava farto, o corpo tremendo e a voz quase inaudível:

— Me... faça ...sua.

Adam desviou o olhar, furioso por ter que chegar aquele ponto. Já conseguia sentir a presença do pai cada vez mais forte. Não, deixá-lo voltar não era uma opção. O vampiro feriu o pulso com as presas, derramando o próprio sangue nos lábios da ruiva.

— Você quer muito isso, é capaz de tudo por isso — Adam se concentrou em fazer aquilo que mais temia fazer. — Por isso mesmo eu jamais te faria imortal, se tivesse escolha.

Elisabeth bebeu com vontade, sugando do pulso do vampiro como quem bebe vida eterna, e não maldição. O Padre estava furioso, mas assim como todos ali, fraco demais para arriscar morrer nas mãos dos inimigos, por imprudência. René recuperou o sabre, visivelmente acabado. Adam tornava uma desconhecida sua cria, enquanto a reencarnação da sua amada o protegia, ainda possuída pelo espírito da esposa morta. Isso enquanto ela mesma era protegida pelo cunhado dele, uma criança vampira que até poucos minutos queria matá-lo. Nada daquilo fazia sentido.

— Então o Judas é capaz até mesmo de oferecer a imortalidade, apenas para adiar a volta do pai — falou Nicolae, olhando para eles. — Está mesmo tão desesperado de medo em revê-lo?

— Vocês falharam, Padre. Sua Ordem fracassou em ressuscitar o velho demônio da Romênia — voz da Alice, a adaga a frente do corpo. — Adam impediu isso, e será feliz ao lado da Claire quando eu me for.

Elisabeth bebia, Adam mais fraco pelo sangue dado a garota. Nicolae chamou então René, com um gesto da mão livre da bengala. E o vampiro atendeu, prostrando-se diante do velho.

— O que deseja que eu faça, Padre? — perguntou o vampiro altamente ferido, postura de cavaleiro.

— Seu coração pertence a essa Santa Ordem, filho? — inquiriu o velho, com a ponta da bengala tocando o peito dele.

— Foi o senhor que me presenteou com a imortalidade. Que me deu um propósito, fez de mim a espada da fé vampírica por todo esse tempo. Meu coração pertence a Irmandade Rubra, a Ordem do Dragão. Por essa noite e por todas as outras.

— Estou certo que sim. Que todo seu corpo o seja também. — E dito aquilo, afundou a haste no peito do vampiro,que gritou de dor.

Adam afastou o pulso da boca da ruiva, que gritou junto a René. Cada um deles morrendo a seu modo. Adam por fim se ergueu, vendo a cena com preocupação.

— Qual a razão disso, Padre? Matará seu seguidor e a si mesmo? — perguntou Adam, curando o próprio pulso.

René gemeu de dor, olhando de joelhos para seu criador que mantinha a bengala encravada no peito dele. O Padre colocou a mão na testa do vampiro, olhando para o túmulo do Drácula.

— Vlad Draculea, mestre e criador. Aceite o invólucro deste fiel servo como porta para o nosso mundo — ele recitou em romeno, sua voz imbuída de autoridade — Ainda que em forma imperfeita, retorne a nós com seu poder e majestade!

Adam e Alice se olharam, preocupados e surpresos diante daquilo. Uma névoa começou a sair do túmulo, fria e espessa. Elisabeth ficou imóvel, toda a vida tendo fugido de seu corpo. Thomas recuou até a irmã, que apertou sua mão. Já Adam, esse correu até sua espada prateada, disposto a impedir aquilo que o destino lhe impunha apesar de todos os seus esforços.

A névoa envolveu o corpo de René, a bengala sendo arrancada pelo Padre enquanto o ar forçava passagem pela boca e peito do morto-vivo. Adam correu enquanto o Padre recuou, prostrando-se. Adam saltou, as duas mãos empunhando o cabo de uma arma capaz de decapitar René antes que ele se tornasse marionete de seu pai. Um movimento, um único golpe... que Adam foi incapaz de executar.

A espada parou a um centímetro da face de René. Nos olhos dele... Adam viu Drácula!

— Pare de matar meus servos, Adam — a voz era de Vlad Tepes, ainda que a imagem não fosse. — Nenhum deles é como você, mas todos tem seu valor.

Adam afastou-se, ou melhor, tentou, pois logo uma mão segurou seu pulso, firme como rocha.

— Onde pensa que vai, filho? — ele rilhou os dentes enquanto sentiu o pulso ser esmagado, a espada caindo ao chão. — Essa arma me pertence, não?

—... ela é minha. Quando o matei, se tornou minha — respondeu Adam, em desafio.

Vlad sorriu, mantendo o filho preso e olhando para o Padre.

— Nicolae... parece que meu filho voltou a ser rebelde, como antes de eu deixá-lo a seus cuidados, não?

— Creio ser esse o menor dos pecados dele, mestre — respondeu o velho, com um sorriso na face de olhos queimados.

Adam viu o medo nos olhos da amada, o vendo naquela posição humilhante. Era tudo que ele quis evitar, e ainda assim...

— Adam, René lhe fez uma pergunta, não fez? — Vlad perguntou, segurando o filho pelo pescoço com sua outra mão. — Creio eu ter sido a seguinte: por que traiu a Ordem do Dragão? Por que traiu seu próprio pai?

Adam se esforçou para responder, mesmo suspenso pela mão de um René possuído pelo Drácula.

— Eu estava farto da loucura... dos seus seguidores. Cansei... de me ajoelhar diante de um monstro.

— Vai mesmo mentir para seu pai, e ainda diante de um Padre? — Vlad sorriu, apertando o pescoço do filho. — Sabemos muito bem o que levou meu honrado e leal filho a assumir o papel de Judas, não sabemos, Nicolae?

— Sim, mestre Vlad. Quem o corrompeu foi a feiticeira.

Thomas se colocou totalmente a frente da irmã ao ouvir aquilo, o medo visível em seu rosto. Alice fechou a face abatida, assim como os punhos. Os olhos da bruxa se encontraram com os de Adam, o instigando a reagir. E assumindo novamente a forma de enxame, ele recuou até ela.

— Alice me libertou do seu controle nefasto — afirmou Adam Tepes, o sabre de René na outra mão. — Me deu o sentido que sua seita não pôde me dar. Me deu o amor que o senhor não pôde me dar.

Vlad pegou a espada prateada do chão, caminhando em direção ao filho.

—Nossa família é acostumada a traições, Adam. Primeiro foi o sultão turco, que enganou meu pai para tomar meu irmão Radu e a mim como reféns. Depois, João Corvino, o Cavaleiro Branco que traiu nosso pai para se apossar de seu reino. Então, o próprio Radu, que durante nossos anos como reféns em terras muçulmanas, se tornou de fato um deles. — Conforme ele avançou, Adam recuou com eles. — E após Radu vir contra mim, tirando tudo aquilo que eu mais amava... outra traição me esperava! Pois até meu aliado Matias, rei da Hungria, negou-me auxílio, aprisionando-me em sua torre.

Um movimento e as espadas se chocaram, Adam sendo empurrado pelo impacto contra a parede.

— Levou anos, mas eu consegui por fim o poder que precisava para reassumir meu trono. Não apenas isso, mas também criar algo maior e mais permanente. Foi aí que revi você, filho. Vi que aquele menino havia se tornado em homem. Sua espada era forte, mas seu coração era fraco.

Vlad atacou novamente, sua espada pressionando a lâmina do filho contra o próprio corpo. Adam usando o braço machucado para aumentar sua força.

— Foram quinze anos de espera, até você ser capaz de acompanhar os meus passos. E então duzentos anos, em que você se mostrou o homem que eu sabia que podia ser. — Adam usava toda a força apenas para aparar os golpes de Vlad... sem tempo para responder aos ataques.

— Duzentos anos lapidando um herdeiro. Duzentos anos o guiando por vitória após vitória, e tudo para que?

Um golpe, e sangue jorrou farto de um Adam que caiu de joelhos, sob o grito da amada.

— Para uma puta qualquer o virar contra mim! — Vlad se virou para a direção dela, com fúria no olhar. — E por causa de uma meretriz, enfiar uma estaca em meu peito.

Thomas saltou contra o Drácula, que com um só golpe o derrubou. Um corte profundo no tronco.

— Você não tem mais poder sobre ele, e nunca mais terá! — E após dizer as palavras, Alice tentou começar um feitiço, mas antes que tivesse tempo, a mão de Vlad prendeu seu pescoço.

— E então filho, não vai salvar sua vadia? — zombou Drácula, diante de um Nicolae sorridente e um Adam que se esforçava para ficar de pé. — O que foi, não me matou uma vez? Qual o problema em fazer de novo?

Adam se apoiou no sabre para ficar de pé, já tendo ultrapassado todos os limites. Thomas tentando se erguer... sem sucesso.

— O erro foi meu. O pecado é meu — disse Adam, avançando com dificuldade. — Alice já morreu... deixe Claire viver.

— Não é tão simples me matar se não for a traição, não é? — Vlad disse, lágrimas rubras molhando o rosto de René. — Sem esconder sua essência de vampiro para não ser percebido. Sem os feitiços da bruxa para permitir que meu próprio filho enfiasse uma estaca em meu peito.

Adam foi repelido por um golpe de espada que o fez cair, desarmado. Alice cada vez com menos ar, os olhos em lágrimas. Mas ainda capaz de um truque. A mão dela brilhou, seu toque queimando o braço do terrível inimigo.

— Selaram meu corpo num caixão de ferro. Jogaram ao mar... — Vlad dizia entre lágrimas, ignorando o braço que queimava ao poder da bruxa de prata. — Essa traição, filho, é algo que não posso perdoar.

Alice gemeu de dor, enquanto a lâmina prateada lentamente abriu caminho por seu ventre. Adam urrou, saltando sobre o pai, e encravando nele suas presas. Vlad por fim a soltou, o corpo fraco da jovem sendo amparado pelo irmão vampiro.

— A Ordem a tirou de você, não foi? Morta há mais de trezentos anos. — Adam se prendeu ao pai, drenando seu sangue. — Mas fraco como é você fugiu. Se escondeu em um túmulo por não suportar a justa punição por seus erros.

Vlad se dissolveu em névoa, deixando Adam cair ao chão novamente, entre lágrimas.

— Mas não dessa vez. Sua bruxa vai morrer, e você ficará acordado, com bastante tempo para sofrer sozinho — Drácula decretou, sua forma de névoa parecendo rodear a todos eles. — Quando lhe tornei imortal, dei quinze anos para Nicolae transformá-lo em um novo homem.

— Quem sabe o que ele pode fazer por você em cento e cinquenta anos?

***

Mandy despertou, sentindo dor na nuca. Quando abriu os olhos, percebeu que ainda estava nua, acorrentada e em um lugar escuro. Mas haviam coisas diferentes. Ao invés daquelas correntes de prata mais finas, haviam duas grossas correntes de prata prendendo seus pulsos a parede.

Ela sequer insistiu em se soltar, sabendo ser inútil. A última lembrança da adolescente envolvia lutar contra vampiros em uma igreja, e ao que tudo indicava, perder. Lembrou-se do Golem, que de salvador mascarado, passou a psicopata obcecado por vampiras. Mas o que apertou seu coração foi pensar no Andy enfrentando Malcom sozinho. Até onde ela lembrava, ele estava sendo espancado.

— Dormiu bem, flor? — uma voz feminina perguntou em meio a escuridão. — Ele foi mau com você também?

Mandy se assustou ao perceber que tinha mais alguém ali, principalmente depois que percebeu o cheiro da pessoa.

— Você é vampira, certo? — a garota perguntou para sua amiga das sombras. — Foi a seita de vampiros que prendeu a gente?

— Não,flor, esquece essa história. O vilão aqui se chama Golem, que talvez você conheça como Paul Davis... um lunático que curte sair fantasiado pra sequestrar garotas especiais. — A vampira riu. — Acho que ele quer montar um circo, e nós somos as felizardas.

—... filho da mãe! — a garota resmungou, entendendo sua situação.

Mandy ficou em silêncio. Conforme sua vista se acostumou, viu que a mulher estava magra e fraca, com marcas em muitas partes do corpo... e isso apenas no que a garota conseguiu discernir.

— Ele tem feito experiências comigo... o desgraçado — a vampira falou, em tom raivoso. — Detesto dizer isso, mas deve rolar o mesmo com você, lobinha.

Uma vontade enorme de chorar começou a dominar a garota... mas ela resistiu! Era uma loba, não era? Não uma patricinha qualquer. Mandy sabia que não importava a situação, encontraria um jeito de sair dali.

— Eu vou fugir, vampira — disse ela, confiante. — E quando sair, tiro você também. Certo, Jeanne?

O riso da vampira se fez ouvir, seguido da resposta:

— Pelo jeito a policial fala de tudo com a família do noivo mesmo. Eu topo sair com você, só me diga uma coisa: não tem medo de mim, Mandy Duncan?

— Acho que mesmo uma vampira deve saber o que é gratidão, certo? Além disso, qualquer coisa a gente te mata e serve a carne no restaurante.

A vampira ficou quieta após aquilo. Mandy ficou de pé, sentindo câimbra em uma das pernas. Também tinha marcas de ferimentos pelo corpo, mas nada mais grave que pontadas, inchaços ou ardências. Não sabia onde estava, mas achava que o nome do sequestrador não lhe era estranho.

Andy disse que Jimmy e Emma estavam bem, e esse era seu único alívio. Quanto ao próprio Andy... a garota lutava para não pensar no pior, esperando que aquele garoto marrento fosse mesmo tão durão quanto fazia parecer. O tempo passou com ela perdida nesses pensamentos, trazida de volta apenas pelo som de uma porta se abrindo.

***

Andy farejou até a casa, mas decidiu que não bancaria o bicho irracional, derrubando tudo na base da força. Não. O garoto não era esperado, e usaria aquilo a seu favor. Mandy teria mais chances daquele jeito.

Ele assumiu forma humana, roubou uma calça e camisa em uma casa vizinha e improvisou um pedaço de arame para destrancar a fechadura. Havia um cachorro, mais curioso por ele que qualquer outra coisa. Não foi difícil impôr sua presença animalesca para o animal, que se encolheu em um canto, chorando baixo. Ele esperava encontrar um covil secreto, uma fortaleza bem guardada. Ao invés disso, encontrou uma casa padrão da cidade, do tipo que ele poderia ter invadido a qualquer momento no período em que roubava por lá.

Uma vez dentro da casa, ainda seguindo os cheiros, percebeu que eles prosseguiam para um outro quarto. O cheiro do Golem pôde ser sentido em outra direção, de onde vinha o som de música romântica. Parte dele queria ir atrás do tal sujeito e descobrir o motivo dele não ter levado a Mandy para a família, mas a prioridade era resgatá-la. Uma porta bem trancada, e novamente seus talentos de ladrão fizeram a diferença.

No cômodo secreto, acendendo a luz ele avistou estantes de livros, uma mesa com computador, um quadro negro e na outra ponta, o mais curioso: duas mulheres nuas, acorrentadas e sentadas distantes uma da outra. As duas eram conhecidas, mas só uma o fez sorrir.

— Oi, Hello Kitty — disse ele, parando perto da garota que tentou tampar os seios. — O lobo mau, chegou.

— Que merda de príncipe eu fui arrumar, hein? — ela respondeu, escondendo uma lágrima que escorreu pela face.

Andy tirou a camisa e deu para ela se sentir menos nua. E após queimar as mãos nas correntes de prata tentando puxá-las, viu que a transformação era inevitável.

— Vai ter que ser na marra, então — o monstro falou, forrando as mãos com tiras de pano, e agarrando com força as correntes presas.

Andy arrancou ambas as correntes da parede, um processo não só violento, como barulhento também.

— Ele com certeza ouviu isso — a vampira disse para a Mandy, o lobo a ignorando de propósito. — Davis tem armas de prata e é muito perigoso. Mas juntos, podemos cuidar dele fácil.

Andy deu um largo sorriso de zombaria ao olhar para a frágil vampira.

— Meu problema é só ela, você que se dane!

Mas logo sentiu a orelha ser puxada, dando de cara com uma Mandy Duncan séria.

— Nada disso, Scooby. Não importa se ela é vampira, não vou deixar o bandido brincar com uma mulher. — E apontou na direção das correntes. — Ajuda ela ou ninguém sai daqui.

Ele rosnou em desaprovação, Jeanne e Mandy sorrindo.

***

Paul já havia bebido bem mais de uma garrafa quando ouviu o som de algo sendo quebrado em sua casa. Ele se ergueu com dificuldade, sentindo o corpo tão dolorido quanto cansado. O celular estava tocando a coletânea que tocou no casamento deles. Alto, para espantar os pensamentos sombrios, assim como o sono, que sem dúvidas viria com um pesadelo novo. Roger não o deixaria livre, ele sabia. Mais um fantasma para assombrar um homem já tão amaldiçoado.

— Eu já volto, me espere quietinha aí — disse ele para a ex-esposa e agora prisioneira, com correntes de prata e mordaça.

O caçador pegou a pistola em uma mão e a espada na outra. Não colocou máscara ou uniforme, não havia tempo para aquilo... e nem necessidade. Era a casa dele, afinal de contas.

Paul ficou realmente muito surpreso quando se deparou com a porta do seu quarto/prisão aberta, e o som de alguém na porta da frente. Ele correu, ainda a tempo de vislumbrar o grande licantropo branco em seu quintal, levando uma garota no ombro: Mandy Duncan. Paul disparou na direção dele, um dos tiros atingindo a perna do lobo, que interrompeu a fuga para encará-lo com olhar assassino e dentes expostos.

— Pensei que tinha morrido com o Malcom, moleque — disse ele, arma apontada. — Mas pelo jeito até o pé você colou de volta. Monstros.

O lobisomem se abaixou de modo a dar cobertura para a descida da garota, mesmo que se expondo a outros dois tiros. Paul mirou a cabeça, mas o bicho recebeu os tiros no tronco, urrando de dor.

— Davis... o filho da mãe é nosso vizinho. Sabia que conhecia esse nome! — voz da garota, verbalizando o quanto a situação ficou perigosa para o professor.

Mesmo com ferimentos a prata o lobisomem avançou com tudo, suas garras rasgando a porta da casa conforme o Golem rolou para o lado. Andy rosnou, fumaça saindo do corte que Paul fez na perna dele após desviar, o que fez o lobo branco cair. O corpo do professor não estava em condições de prosseguir com aquilo, não após ultrapassar tantos limites em uma só noite.

Outro movimento, a mordida passando a um centímetro da sua orelha, com o caçador escapando por milagre. O grande lobo também devia estar péssimo, era a única explicação para Paul escapar da morte tendo demorado tanto a reagir. O caçador se arrastou, mirando a arma e disparando até zerar a munição. Quatro tiros, e só mais um atingindo o lobo, que rilhou os dentes e o encarou com ódio.

Andy avançou lentamente, sangue e fumaça saindo dos tiros, mas a maldita pele ainda assim lutando para se regenerar. Lobisomens eram mesmo assustadoramente difíceis de derrubar, Paul confirmou. Andy ficou de pé, parecendo imenso. A saliva escorrendo enquanto o monstro se preparava para o abate. A espada na mão do caçador naquela hora parecia inútil... insignificante.

Tentou um último ataque com ela. Saiu lento e previsível. De modo que o lobo apenas segurou seu pulso e o torceu. Paul gritou de dor, deixando cair sua última arma. Viu os olhos do monstro, em seu reflexo, jurou ter visto Pietra recolhendo a espada prateada que ele saqueou dela.

— Game over, tio — Andy rosnou, sua voz gutural.

Paul já quase sentia os dentes rasgando sua carne, mas ao invés disso, o que sentiu foi uma pancada na cabeça que o fez cair de cara no chão.

— Já deu de mortes por hoje, Andy — ordenou a garota, com uma vassoura nas mãos. — A gente sabe nome e endereço do cara. Se ele quiser viver, foge ainda hoje.

A vista do caçador estava pesada... mas ainda conseguiu discernir o lobo branco perto de si.

— Ouve bem, seu merda. Você vai viver porque ela quis assim. Se eu te ver de novo... não vai sobrar nem os ossos.

E após ouvir aquilo, Paul sentiu a unha do lobo cortando seu rosto. O sangue quente escorrendo enquanto ele sentia seu mundo acabar. Os olhos pareciam cada vez mais pesados... até se fecharem em um mundo de trevas.


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Notas finais do capítulo

E aí, surpresos pelo desenrolar das coisas com Elisabeth? E o Drácula, curtiram a volta do Empalador?


Não deixem de comentar, nessa etapa final é especialmente importante.



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