Hearts Of Sapphire escrita por Emmy Alden


Capítulo 3
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Notas iniciais do capítulo

As atualizações provavelmente acontecerão às quartas e aos sábados ♥



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A Casa Central não era muito maior do que o casebre que Corinna Lestat morava. Na verdade, ela considerava sua casa muito mais bem cuidada do que aquele lugar. Geralmente, a Casa Central abrigava as reuniões dos agentes de segurança do vilarejo. Em outras palavras, o local sediava os eventos lascivos e nojentos que os agentes organizavam.

Apenas uma vez por ano —exceto pela ocasião daquele momento— era ali que também aconteciam as etapas da Audição para o Sacrifício: o Cadastro, a Análise e a Escolha.

Corinna subiu os degraus da entrada sozinha.

Kallien não era conhecido exatamente por sua pontualidade e Callandrea... Corinna não lembrava de qual fora a última vez que a amiga participara de uma Audição. Então, com o incentivo do vento congelante do primeiro dia de inverno, a menina se apressou para dentro da construção apertando o casaco escolhido de última hora.O cheiro pungente de bebida e vômito irritava as narinas dela desde o primeiro momento que ela pusera os pés no local. Parecia bem pior do que a última vez em que estivera ali.

O som não era muito agradável, mas até que combinava com o ambiente.

Com passos silenciosos, Corinna caminhou até o lugar destinado a sua faixa etária, tentando não desejar demais a xícara com chá quente na mão da mulher sentada despreocupadamente em uma cadeira praticamente no meio do cômodo. Ela tomava a bebida com uma vontade invejável.

Contudo, ela também estava despreparada naquela manhã, afinal, era inverno e a mulher não parecia ter sido avisada tão antecipadamente quanto Corinna.

Uma fina linha de vento congelante passava por uma fina abertura na parede exatamente no lugar destinado à garota e fazia sua pele arrepiar-se.

Três grupos ocupavam os cantos da Casa. As filas eram ordenadas do mais jovem ao mais velho e todas elas estavam direcionadas à garota com a xícara fumegante na mão. Como se para lembra-lhes a quem aqueles humanos respondiam.

Corinna via aquele rosto imutável há oito anos, apesar de nunca ter aprendido ou escutado o seu nome. Ainda assim, a elegância das feições era algo que impressionava a jovem. A pele demonstrava uma delicadeza e maciez que ninguém naquele vilarejo ou em qualquer outro, nenhum humano era capaz de exibir. Se a pele, o corpo esguio e a maneira impassível de agir não entregassem a distinção entre aquela mulher —e todos os seus semelhantes— e os humanos, os olhos dourados com um círculo esverdeado próximo à pupila seria evidência o suficiente.

Todos os Deorum tinham aquela marca, ainda que fossem em cores distintas, coisa que Corinna nunca entendeu muito bem o porquê e nunca demonstrou curiosidade em aprender sobre.

Os Deorum eram os responsáveis pelo governo de Excelsior. Criaturas muito parecidas com os humanos não fosse pelo coração cruel e pela magia. E, claro, todas as outras características citadas que os deixavam muito mais atraentes do que qualquer humano pensaria ser algum dia de sua vida miserável.

Porque era isso que eles eram em comparação com os Deorum: miseráveis.

Corinna desviou o olhar da mulher e passou os braços em volta do corpo tentando se proteger contra o frio.

Ela era a mais velhas das garotas presentes e a pessoa mais nova na fila dos dezesseis aos dezenove anos. O hino nacional era um som distorcido e quase perturbador naquele momento. Pelo menos para ela, já que as pessoas ao seu redor não pareciam dar a mínima para isso.

Até mesmo as crianças na fila de dez à treze anos que estavam posicionadas praticamente em cima do aparelho tocador de som, antigo e desgastado, pareciam ouvir a mais agradável melodia de suas vidas.

Talvez porque aquela seria uma das poucas melodias que ouviriam na vida.

Talvez estivessem tentando se concentrar em algo que não fosse o choro lamurioso de seus colegas ou a possível chegada de um destino mortal e cruel se seus nomes fossem os escolhidos.

O número de participantes da Audição diminuía conforme os anos passavam. As pessoas amontoadas na Casa Central não chegavam nem a metade da última edição que acontecera poucos meses atrás.

Fortuna era um dos vilarejos mais pobres, os Escolhidos de lá eram uns dos mais descartáveis no Sacrifício. Nenhum dos habitantes gostava de ver suas crianças podendo ser arrancadas de suas casas para darem, muitas vezes, as vidas a governantes doentios.

Por isso as garotas estavam casando mais cedo, por isso que todos se sujeitavam a trabalhos praticamente escravos, por isso que eles recorriam a procedimentos clandestinos e perigosos de esterilização. Era principalmente por isso que os choros quase nunca eram de alegria quando uma criança nascia.

Apesar de entender, tudo isso era demais para Corinna. Por que brigar contra os seus sonhos, desejos e natureza, em vez de brigar com os responsáveis por destruí-los?

Mesmo assim, a jovem não ousava expressar seus pensamentos mais radicais com alguém que não fosse seu pai ou Kallien, ou até mesmo Callandrea quando ela estava disposta a ouvir.

A garota não achava que sua vida estava condenada àquele destino deplorável. Ela não acreditava que nenhum de sua espécie merecia aquilo. Não saía de sua cabeça que sobreviver naquela floresta fria enquanto a vida deixava o corpo de sua mãe pouco a pouco não fora por acaso. Sua vida não era por acaso, não quando ela mesma tinha chegado tão perto da morte horas após o seu nascimento.

Evian, seu pai adotivo, fez uma escolha grandiosa ao salvá-la, uma que mudaria sua vida drasticamente. Não era fácil ser pai solteiro em Fortuna, mesmo assim ele prometeu à menina que, no que dependesse dele, o destino da jovem sempre estariam na mão dela e de mais ninguém. Se ela desejasse casar-se, ela se casaria. Se ela quisesse ter filhos, ela os teria.

Logo, se a garota acreditasse que poderia ter uma pequena chance que fosse de conseguir algo bom do Sacrifício, ela se submeteria a isso. E ele a apoiaria em qualquer que fosse a sua escolha.

Assim sendo, enquanto as colegas dela ponderavam sobre quem seria o melhor partido para se casar já aos doze anos, ela pedia ao pai que me ensinasse coisas como ler, escrever e caçar. Coisas que ela exercia atualmente com a mais genuína excelência.

O seu melhor amigo, Kallien, achava besteira a menina nutrir alguma ilusão sobre ser algum dia escolhida para o Sacrifício.

Os Escolhidos do vilarejo onde eles viviam só serviam para divertir e entreter os Deorum. Eles pareciam gostar de nos vê-los clamando por suas vidas e de suas famílias, então o garoto dizia que estava escrito por toda a face de Corinna que ela preferiria ingerir veneno ou enfiar uma adaga no peito em vez de dar a eles o que queriam.

Nisso ela concordava com o menino, exceto na parte de que não seria escolhida. A esperança nunca foi algo que lhe faltou.

Mesmo que não fosse, pelo menos, agora que o governo pagava uma pequena quantia para fazer parte da Audição, ela teria algum fundo de reserva para alguns meses. Quem sabe, anos.

A moça da xícara estava ansiosa, Corinna pôde notar. Ela não era a única, no entanto. Não tinha um indivíduo naquele casebre que perdoasse as unhas da mão.

Uma onda vacilante de euforia passou pela jovem.

Ela repetiu o mesmo mantra de todos os anos que entrava na Casa Central para uma Audição:

—Essa é a minha vez e eu não a desperdiçarei.

 


Corinna sentiu duas mãos quentes em seu ombro, mas não se exaltou. Ela conhecia muito bem aquele toque. Bem até demais.

Ela manteve o rosto neutro quando a pessoa aproximou a boca de sua orelha e sussurrou:

—Feliz aniversário para a menina mais bonita de Fortuna ou talvez, por que não, de toda Excelsior.— ela inclinou o rosto apenas o suficiente para ver o sorriso estonteante que Kallien exibia no rosto.

—Você sabe que não precisa me bajular dessa maneira.— a menina deu um sorriso para o rapaz que apenas piscou de volta. Então, num tom mais baixo acrescentou: —E também está ciente de que meu aniversário é oficialmente daqui a três dias.

O tempo que seu pai levou para criar uma história convincente o suficiente para que as pessoas que faziam os registros de nascimento não tivessem espaço para perguntas inoportunas.

Kallien sabia que Evian não era pai de verdade de Corinna, mas nunca deu muito mais que um minuto de atenção para a história.

—Gosto de ser o primeiro. Principalmente tendo informações privilegiadas.

O menino encostou uma pequena sacola nas costas da jovem. A embalagem estava tão morna que a temperatura atravessando as roupas finas da garota, incitara-a para que virasse para o amigo.

Não que fossem proibida as conversas ou que eles saíssem da fila, mas apenas as crianças mais novas— e naquele momento, Corinna e Kallien— aproveitavam aquela pequena liberdade.

—O que é isso?—a moça olhou para Kallien sob os cílios espessos e com um sorriso de canto.

—Primeira parte do presente. Abra e veja com os seus próprios olhos.— ele entregou o pequeno pacote em suas mãos.

A garota espiou rapidamente dentro da embalagem e suspirou fundo ainda com a imagem das pequenas massas redondas com açúcar de confeiteiro polvilhado sobre elas.

—Isso é alguma tentativa de me fazer ganhar peso?— ela colocou uma mão na cintura, embora não conseguisse conter o deleite.

—E antes que eu receba um sermão sobre roubar as mercadorias do meu tio, esses foram realmente comprados por mim.— Kallien levantou uma das mãos na altura dos ombros e Corinna pareceu analisar novamente as palavras anteriores do garoto.

Ela o fitou seriamente:

—Você disse primeira parte do presente?- a menina tentava manter o tom de voz baixo.

—Sim, eu...

—Kallien...

—Nem adianta começar,—o rapaz tirou a mão que escondia atrás das costas, não antes de olhar em volta.

Corinna respirou fundo para o tecido que lembrava veludo, com a abertura presa com uma fita que o rapaz puxou sem cerimônias. Ele virou o tecido e deixou que o conteúdo escorregasse para fora.

—Kall...— a garota não tinha palavras.

Um colar prateado e reluzente pendia agora entre dois dedos do menino. Bem ao centro encontrava-se um círculo singelo que abrigava uma pedra, uma...

—É uma pedra preciosa.—Corinna disse sem fôlego. Pedras preciosas, ainda que fossem as menores possíveis, custavam um preço razoavelmente alto.—Kallien, eu não posso aceitar isso.

Os dedos da moça deslizaram apenas uma vez pela a extensão do ornamento e logo já era capaz de imaginar o peso que seria usar uma joia daquelas. E ela não pensava sobre o peso físico do objeto.

—Acho bom você passar a poder porque eu não posso devolver.

—Isso é loucura. Pães e massas, são coisas totalmente diferentes de pedras preciosas. O que as pessoas vão dizer?—ela agradecia aos Céus sua habilidade de manter sua voz não muito mais alta do que um sussurro quando se virou dando as costas a seu amigo.

A moça da xícara bebericava o chá com uma atenção quase totalmente dedicada ao casal. Corinna desviou o olhar, no momento que Kallien — num gesto habilidoso— passou os braços ao seu redor e a frieza do colar tomou o seu pescoço. Seus dedos —como se levassem um choque— tocaram e deixaram a pedra estimada no centro dentro de apenas um instante.

Ela apenas virou novamente para o amante com uma expressão um tanto furiosa.

—Não me diga que de repente você passou a se importar com que as pessoas dizem.— foi a única coisa que Kallien disse ao encará-la.

—Você está noivo.

—E todo mundo está bem inteirado que com apenas uma palavra sua e eu deixaria de estar. Eu estou aqui.

Sim. Todo mundo sabia. A própria Corinna sabia que aquele noivado não significava nada para o garoto.

A mãe de Ailani, noiva dele, havia implorado dois dias antes para que a família arranjasse o noivado entre a menina e o rapaz. Para que a menina não participasse do Sacrifício.

E também porque Ailani era louca por Kallien há anos.

O menino já havia insinuado um pedido para Corinna quando a relação dos dois passou de uma simples amizade para algo muito mais complicado. Pelos Céus, há alguns anos, ele havia pedido a mão da garota diretamente para o pai dela que deixou bem claro que, apesar de não ter nada contra, a decisão seria da menina.

Corinna suspirou.

Sim. Ela estava ciente que só pelo fato de ele estar ali, participando de uma Audição quando o noivado o livrava dessa obrigação, mandava uma mensagem bem clara para todos.

Entretanto, foi o olhar nos olhos castanhos do rapaz e suas próximas palavras que a fizeram manter o presente:

—Sabe o que sinto por você.— sua voz era apenas uma respiração baixa.—Sabe que, se você me permitisse, eu daria a você muito mais do que isso.

A menina estava a ponto de interromper quando ele levantou a mão pedindo silenciosamente para continuar:

—Sei qual é a sua resposta. Entendo que ela não vai mudar em duas semanas e que no final destas, eu estarei casado com alguém que não será você. Quero que tenha algo meu consigo. Ainda que eu não esteja ao seu lado, quero que saiba que parte de mim sempre vai estar com você. Mesmo quando você estiver vivendo as aventuras que tanto espera.

Corinna queria segurar o rosto dele entre suas mãos, acariciá-lo e dizer que ele sempre estaria com ela.

Com ou sem colar.

Dizer que ela nunca quis que as coisas chegassem àquele ponto.

Contudo, havia olhos demais por ali. Inclusive dois pares mais atentos que observavam de canto sobre a xícara.

Então, ela apenas segurou o braço do amigo —do amante— e sorriu. Verdadeiramente.

Ela manteria o colar.

 

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Notas finais do capítulo

Agradecimento: Shalashaska que está acompanhando a história! Espero que goste!

Notas finais: Hey, pessoal. 

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